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domingo, 16 de fevereiro de 2025

Largo do Rosário, Santos, São Paulo, Brasil



 

Largo do Rosário, Santos, São Paulo, Brasil
Santos - SP
Editor H. Eckmann
Fotografia - Cartão Postal

Nota do blog: Data efetiva não obtida (cartão postal circulado em 20/01/1904).

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Largo do Rosário / Atual Praça Garibaldi, Curitiba, Paraná, Brasil


Largo do Rosário / Atual Praça Garibaldi, Curitiba, Paraná, Brasil
Curitiba - PR
Fotografia


Saindo do Largo da Ordem e subindo pela rua Dr. Claudino dos Santos, chegamos ao Largo do Rosário. Hoje chamado de Praça Garibaldi, o Largo do Rosário leva esse nome por estar à frente da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito (atual Igreja Nossa Senhora do Rosário - Santuário das Almas).

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Panorama do Largo do Rosário, Curitiba, Paraná, Brasil





Panorama do Largo do Rosário, Curitiba, Paraná, Brasil
Curitiba - PR
Fotografia - Cartão Postal


Nota do blog 1: Junção de duas fotografias de momentos diferentes (imagens N. 2 e 3 do post), a imagem mostra o Largo do Rosário por completo (imagem N. 1 do post).
Nota do blog 2: Referente a imagem N. 2 do post, temos a informação "Praça do Rosário, Igreja Nossa Senhora do Rosário, quiosque de João Penha, ano 1906.
Nota do blog 3: Imagens estimadas em circa 1905/1906.
Nota do blog 4: Atualmente existe a Praça Garibaldi no local.
Nota do blog 5: Saindo do Largo da Ordem e subindo pela Rua Dr. Claudino dos Santos, chegamos ao Largo do Rosário, local onde até hoje floresce a cultura da cidade. Hoje chamado de Praça Garibaldi, o Largo do Rosário leva esse nome por estar à frente da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito. Desde o século XIX, é um espaço ocupado pela população de Curitiba para atividades culturais, sociais e políticas, como greves, desfiles, cerimônias religiosas e feira de artesanato. Embora muitos o chamem de Largo da Ordem, não confunda: o Largo da Ordem se localiza somente em frente à Igreja da Ordem. Ambos os largos, porém, fazem parte do Setor Histórico e foram, ao longo do tempo, bastante transformados (e também preservados).
Na década de 1870 já há documentos que apontam a sua existência com esse nome, que, como foi dito, deriva do fato de estar situado em frente à Igreja do Rosário. Era costume, até o final do século XIX, a construção de igrejas nas regiões centrais da cidade, mantendo-se em frente um espaço amplo e aberto para servir a missas campais, espaço de convivência e paragens de muares. Pode-se dizer, até, que os largos funcionavam como antessala das igrejas.
Ao longo dos anos, devido à maior circulação de pessoas e com o surgimento dos bondes, o Largo do Rosário ganhou revestimento de macadame e, depois, de paralelepípedo. Por ali passavam carroças em direção ao centro da cidade — ao Largo da Ordem, por exemplo —, cortejos fúnebres, desfiles cívicos, militares e até greves operárias. Por conta das inúmeras sociedades operárias localizadas no Alto São Francisco, a atual Rua Kellers, que antes começava no Largo do Rosário, era chamada de Rua dos Operários.
Talvez seja essa, inclusive, a principal característica do Largo do Rosário ao longo de sua história: um espaço ocupado pela população. Ali começavam os festejos organizados pela Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio, realizada anualmente em comemoração ao aniversário da abolição da escravidão no Brasil, festa até hoje mantida pelos sócios. Atualmente, faz parte da celebração uma roda de capoeira formada no meio do Largo, que sucede à missa realizada na Igreja do Rosário, no dia 13 de maio (lembrando que entre 1890 e 1937, a capoeira foi ilegal no Brasil).
Também é no Largo do Rosário em que há a lavação das escadarias da Igreja do Rosário, cerimônia religiosa realizada no Dia da Consciência Negra (20 de novembro). É importante lembrar que a Igreja do Rosário foi construída por africanos escravizados e seus descendentes, já que a eles era proibida a entrada nas demais igrejas católicas.
Além da Igreja do Rosário, inaugurada ali em 1736, ao redor do largo há outros patrimônios, a maioria com mais de 100 anos de existência. É o caso do Palacete Wolf, do Palácio Garibaldi, da antiga sede do Solar do Rosário, da Primeira Igreja Presbiteriana de Curitiba, e de inúmeros prédios que datam dos anos de 1900 e 1910.
Hoje, em vários desses prédios funcionam comércios tradicionais da cidade, que se beneficiam do movimento de pedestres nos dias de semana, e da Feirinha do Largo da Ordem, realizada todo o domingo e uma das atrações mais conhecidas e valorizadas da cidade — e que agora é reconhecida como patrimônio cultural imaterial de Curitiba.
Muito dessa valorização e ocupação do Largo do Rosário pela população é resultado do projeto de revitalização da região na década de 1970, originado pela delimitação do Setor Histórico. Entre as décadas de 1920 e 1960, o largo foi utilizado como via para carros e até como estacionamento; os edifícios do seu entorno, em muitos dos quais funcionam escolas, ateliê e livraria, não estavam preservados. Além disso, havia falta de segurança na região. Tudo isso contribuiu para o esvaziamento populacional do Largo do Rosário, algo que foi recuperado.
Parte dessa revalorização se deve ao alargamento do Largo do Rosário e também à proibição da circulação de automóveis no meio dele, tornando-o exclusivo para pedestres. Hoje, somente é possível circular de automóvel pela Rua do Rosário, que passa abaixo do largo, e pela Jaime Reis, que passa em volta do largo e desemboca na Alameda Dr. Murici — todas elas são vias calmas.
Todas essas expressões do Largo do Rosário nos mostram que, ao longo de tantos anos, ele mudou, e muito. Só de nome foram duas mudanças: começou como Largo do Rosário; na década de 1910, passou a se chamar Largo Dr. Faria, em homenagem ao presidente da província do Paraná Joaquim D'Almeida Faria Sobrinho (1843-1893) — que hoje é nome de rua, a Rua Presidente Faria; e, desde a década de 1930, chama-se Praça Garibaldi, por conta do palácio homônimo.
O curioso dessa história é que a atual Rua Presidente Faria, que passa ao lado do Passeio Público, chamava-se Rua Garibaldi, enquanto que a hoje Praça Garibaldi era o Largo Dr. Faria. Houve uma troca, portanto.
Quem também foi vítima de uma troca foi o busto do pároco Monsenhor Celso Itiberê da Cunha, deslocado, em 1995, ao fundo do largo, para dar lugar à Fonte da Memória — ou Cavalo Babão, como preferir. Monsenhor Celso foi pároco da cidade e cura da Catedral por 21 anos. Faleceu em 1931, quando movia esforços para reformar a Igreja do Rosário. Sepultado na própria igreja, seus restos mortais se encontram na entrada lateral.
Um ponto a ser lembrado, é que muitos questionam a existência da Fonte da Memória com a escultura do "Cavalo Babão" no centro do Largo do Rosário, haja vista a história da região. Entretanto, é inegável que “o cavalo que vomita água” já virou um símbolo popular da cidade.
O jornalista José Carlos Fernandes resume bem a função do Cavalo Babão:
"[...] como que por encanto virou ponto de referência, deixando os marcos históricos na arquibancada. Um lugar fica antes ou depois, perto ou longe, para cima ou para baixo do “Cavalo Babão”. E fim de papo. [...] Tudo isso é para dizer que o “Cavalo Babão” tem uma qualidade rara em se tratando de arte pública: é infalivelmente divertido. Essa teoria costuma deixar o ex-prefeito Rafael Greca nos cascos. Foi em sua gestão que o eqüino chegou à Garibaldi, com o nobre intuito de louvar as tropeadas. Mas o povo que bate ponto na praça, além de tolerância estética, parece preferir a história contemporânea. “O cavalo é bacana porque baba”, resume o motorista Edimir Nunes de Lima, 36 anos, flagrado com a namorada, na última terça-feira, bem nas barbas do nosso “Gattamelata” – escultura eqüestre de Donatello que inspirou todas as outras. Foi ali, onde a babugem respinga, que Ed desvendou de uma vez por todas o enigma do Babão."
O "cavalo bacana porque baba" ali foi posto para fazer companhia ao solitário "Bebedouro do Largo da Ordem". Ambos têm como finalidade valorizar a memória do tropeirismo na região, que foi muito importante para a economia de Curitiba, em especial para os comércios do centro da cidade, durante o século XIX.
Uma dessas memórias nos revela a união dos largos do centro histórico. Várias pessoas relatam que a escultura Cavalo Babão foi inspirada no cavalo de Hermínia Peruci, que morreu atropelada por um ônibus. Peruci era carroceira e trazia produtos de Santa Felicidade para serem vendidos no centro (como no Largo da Ordem), prática que era muito comum entre os moradores das colônias da região metropolitana. O acidente ocorreu em 1993 e Dona Hermínia, popularmente chamada de "a última carroceira de Curitiba", faleceu 3 anos mais tarde, vítima das sequelas causadas pelo acidente.
Ponto histórico e turístico dos mais frequentados e ocupados de Curitiba, o Largo do Rosário é resultado da preservação e da valorização dos patrimônios culturais da cidade. Também é espaço de inúmeras memórias populares, tradições e lutas sociais, e, por isso, sua história merece ser conhecida e reescrita. O texto dessa nota do blog N. 5 é do Gustavo Pitz.


Largo do Rosário, Curitiba, Paraná, Brasil


 

Largo do Rosário, Curitiba, Paraná, Brasil
Curitiba - PR
Fotografia - Cartão Postal

Nota do blog 1: A data, incerta, é estimada em 1905/1906.
Nota do blog 2: Atualmente é o local da Praça Garibaldi.

Largo do Rosário, Curitiba, Paraná, Brasil


 

Largo do Rosário, Curitiba, Paraná, Brasil
Curitiba - PR
Fotografia - Cartão Postal

Nota do blog 1: Na imagem se vê, provavelmente, uma procissão e/ou festa religiosa que estava sendo realizada naquele momento. A data, incerta, é estimada em 1905/1906.
Nota do blog 2: Atualmente é o local da Praça Garibaldi.

domingo, 17 de setembro de 2023

Praça do Rosário / Largo do Rosário / Atual Praça Garibaldi, Curitiba, Paraná, Brasil


 

Praça do Rosário / Largo do Rosário / Atual Praça Garibaldi, Curitiba, Paraná, Brasil
Curitiba - PR
Fotografia - Cartão Postal

Nota do blog 1: Atual Praça Garibaldi.
Nota do blog 2: À direita, prédio da Sociedade Garibaldi.
Nota do blog 3: Ao centro, quiosque de João da Penha.

domingo, 22 de agosto de 2021

O Largo do Rosário em Foto de Guilherme Gaensly, Que Lugar é Esse?, São Paulo, Brasil - Artigo

 








O Largo do Rosário em Foto de Guilherme Gaensly, Que Lugar é Esse?, São Paulo, Brasil - Artigo
São Paulo - SP
Artigo

Quando vi esta foto do antigo Largo do Rosário – atual Praça Conselheiro Antônio Prado, no centro de São Paulo – e o trecho final da rua 15 de Novembro, lembrei-me de que já tinha lido muita coisa a respeito.
A foto é de Guilherme Gaensly (1843-1928), o suíço que se mudou para a cidade em 1894, vindo da Bahia, e que aqui morreria como fotógrafo contratado pela The São Paulo Railway, Light and Power Company. Seu estúdio ficava na rua 15 de Novembro nº 28, onde vendia “grande coleção de vistas da cidade”, inclusive postais que são fotos industrializadas, fotos transformadas em produto. De fato, eu vi a foto transformada em postal na coleção de José Carlos Daltozo, morador de Martinópolis, no interior de São Paulo, que iniciou sua coleção em 1988 e hoje tem mais de 220 mil cartões-postais. Os itens, devidamente classificados, organizam-se em arquivos dispostos em vários cômodos de sua casa e, com frequência, ele cede postais para aparecerem em livros, revistas e até rótulo de cerveja.
Tendo como destinatária a Mademoiselle Gabrielle Garnier, o postal em questão foi enviado para a comuna de Bourg-en-Bresse (departamento de Ain), na França, a partir do Rio de Janeiro, então capital federal, porque o remetente poderia estar em trânsito pelo país. Era o dia de 28 de outubro de 1902, data particularmente importante porque logo a praça seria completamente remodelada e ampliada para atender as necessidades de novos tempos. No postal de Daltozo, o remetente traduziu o nome do lugar retratado para o francês: “Place du Rosaire”. Como escreve Benedito Lima de Toledo, “o Largo do Rosário, no início do século 20, era conhecido como ‘coração da cidade’”.
Na foto vê-se que o piso da praça é calçado e, numa cidade bucólica e terrosa, há muitos cavalos porque há cinco veículos movidos à tração animal na cena, além de um solitário animal que transporta duas pessoas. Afinal, a primeira lei a instituir imposto sobre veículos automotores, iniciando a lista deles pelo automóvel, foi a lei orçamentária de 1901 (Lei nº 493) - e sua existência era rara na época da foto. Logo depois, o famoso Ato nº 146, de 26/2/1903 regulamenta a circulação de veículos na cidade e define o que seja “carro automóvel” (porque os carros eram antes puxados por animais): “todos os veículos munidos de motor mecânico” (art. 2º). Destaque-se ainda a profusão de toldos para proteção dos pedestres defronte aos estabelecimentos comerciais, notadamente a Confeitaria Castelões e a Brasserie Paulista.
O principal texto que me ocorreu é de Antônio de Alcântara Machado, o maior prosador do modernismo paulista e que morreu em 1935, antes de completar 34 anos de idade. É uma crônica publicada no livro póstumo Cavaquinho e Saxofone (solos) 1926-1935, que reúne artigos publicados pelo autor na imprensa. O livro foi editado em 1940 pela José Olympio e nunca mais reeditado. A crônica a que me refiro é a primeira do livro, chama-se ”O centro da cidade de São Paulo” e tem a data de 1929. Começa dizendo que o centro da capital tem a forma de um triângulo “mais ou menos retângulo”, cujos três lados são a rua Direita, a rua XV de Novembro e a rua S. Bento. E o texto continua:
“A praça Antônio Prado fica no fim da rua XV. Antigamente se chamava Largo do Rosário. Tinha a confeitaria Castelões, onde a gente comia quatro empadinhas de camarão muito gostosas e só pagava duas porque a gente não era trouxa. Hoje existe a Brasserie Paulista onde as famílias não podem ir à tarde porque é mal frequentada. Há também o Correio Paulistano que é um jornal muito velho e que elogia certas pessoas só durante quatro anos e o ‘Estado de S. Paulo’ que aos domingos dá trinta e duas páginas e até mais com bonitos anúncios de automóveis e cinemas mostrando bem o progresso de São Paulo”.
Como se vê na foto, de 1902, a confeitaria e a brasserie (propriedade do milanês Vittorio Fasano, cuja família teria longa história na gastronomia da cidade, e que fora inaugurada no mesmo ano) ficavam uma quase defronte à outra. Uma brasserie poderia ser identificada hoje como uma cervejaria onde também se servem refeições rápidas (“brasser” = misturar e daí “brasserie” como fábrica de cerveja). Ocupando o lugar do vinho, a cerveja chegara à cidade por volta de 1870 e a “Antarctica Paulista - Fábrica de Gelo e Cervejaria” se estabeleceu em 1886. A “má frequência” noturna – referida por Alcântara Machado – precisa ser bem compreendida porque tem um sentido social e claramente discriminatório: eram “carregadores, motorneiros, pretalhões” que, segundo Ernani Silva Bruno, passaram a frequentar os cafés do Triângulo, formando “uma espécie de ‘bas fond’ central, com os fregueses em mangas de camisa”. Daí a ironia da cena por ele relatada: uma pessoa, que esperava o ônibus na praça, é “convidada para ir ao Castelões ou à Brasserie e responde: “Vamos à Brasserie. Não me agrada a freguesia que a estas horas frequenta o Castelões”.
O mesmo historiador explica quem frequentava esta confeitaria: “No princípio do século atual [século 20], parece que o Largo do Rosário é que se tornou a localização preferida das confeitarias de luxo. Ali, nas confeitarias reuniam-se os rapazes paulistanos. Confeitarias entre as quais se destaca a Castelões, com suas três portas abertas até às dez horas da noite. As famílias se encaminhavam para lá por volta das duas e meia às quatro da tarde, para tomarem seus sorvetes e comerem seus doces” (História e tradições da cidade de São Paulo, vol. III). Em suas memórias, Oswald de Andrade refere a “freguesia distinta” da confeitaria, que após certo tempo mudou-se para “o ‘Progrédior’, vasto e elegante local que se abria na Rua XV”. Quando aquela “má frequência” popular se generalizou, a partir dos lados da Sé, por todos os cafés e confeitarias do Triângulo – inclusive o Castelões – a elite retirou-se para o outro lado do Viaduto do Chá.
A praça recebeu o nome do prefeito Antônio Prado (que fora ministro do Império e daí o título de “conselheiro”) em razão da remodelação que ela sofreu durante a sua longa gestão da cidade (1899-1911). Ele foi a primeira pessoa a receber formalmente o título de prefeito em São Paulo. Oswald de Andrade – cujo pai era vereador no período – diz que a administração Prado “foi um período decisivo de transformação da cidade”. Dada a irregularidade das vias centrais, houve um extenso trabalho tanto de regularização quanto de alargamento delas. O mesmo Oswald escreve que a Líbero Badaró, por exemplo, era uma “angusta passagem”.
O historiador Nuto Santana, que trabalhou com Mário de Andrade no Departamento de Cultura, conta que “Antônio Prado realinhou a rua XV de Novembro, a Álvares Penteado, a Quintino Bocaiúva, entre outras. Deve-se-lhe também o alargamento do pátio do Rosário, que foi batizado com o seu nome”. O que ele não conta é que o alargamento implicou a desapropriação amigável (autorizado pela Lei nº 698, de 24/12/1903) e posterior demolição da Igreja do Rosário dos Homens Pretos, construída no século 18 pelos escravos. Ali – numa área “nobre” da cidade, extremamente valorizada na época – praticavam-se ritos de religiões africanas, com o uso de dentes de onça, figas de guiné, olhos de cabra etc., que atemorizavam as famílias burguesas de São Paulo. Havia liturgias, festas e enterros noturnos. Como indenização, deu-se à Irmandade um valor em dinheiro e uma pequena área no largo do Paissandu para levantamento de nova igreja. De modo expresso, a lei de 1903 diz que o acordo envolvia “uma pequena área de terreno no largo do Paysandú (sic), exclusivamente destinado à construção por aquela Irmandade de uma nova igreja”. Pela inclusão do advérbio vê-se que a Irmandade não poderia vender a nova área.
É certo que houve duas leis a respeito, ambas do final de 1903: uma de setembro e outra de dezembro. A de setembro (Lei nº 670, de 16/09) declara de utilidade pública “os terrenos e prédios necessários ao aumento do Largo do Rosário”. Já a outra, antes referida (Lei nº 698, de 24/12), aprova o acordo da Prefeitura com a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, para o pagamento da indenização.
A desapropriação amigável atingiu “a igreja e outras dependências” que ficavam do lado oposto ao retratado na imagem (no lugar onde está o fotógrafo). Estas outras dependências incluíam um cemitério que, não se sabe exatamente como, acabou parando nas mãos do próprio prefeito e da família Prado. Talvez a indefinição dos limites dominiais tenha contribuído para isso. Rapidamente, eles construíram lá o Palacete Martinico Prado (nome de um irmão do prefeito), que hoje, bastante modificado, é a sede da Bolsa de Mercadorias & Futuros (Bovespa). Em 1906, houve a inauguração do palacete – primeiro edifício destinado a escritórios da capital – que abrigou neste mesmo ano o jornal O Estado de S. Paulo, também a Light and Power e, em 1930, o National City Bank of New York – tendo projeto de Ramos de Azevedo. Já a nova igreja do Rosário foi construída entre 1904 – portanto após o recebimento da indenização – e 1906, quando recebeu a consagração, e está de pé até hoje.
O nome “Largo do Rosário” estava ligado ao antigo nome da rua XV de Novembro, que era “rua do Rosário” (= “rua que vai para o Rosário”) por força da igreja. Em 1846, a rua chamou-se “rua da Imperatriz” em homenagem à Teresa Cristina que no ano anterior dera à luz um menino. Com a República e a demolição da igreja, alterou-se o nome da rua e logo depois, em 1905, o do largo que fica no fim dela. Apagou-se de vez a memória dos negros, suas religiões e seus ritos, e até do nome de sua igreja no centro velho da cidade tornado área comercial elegante (com estabelecimentos refinados como La Grande Duchesse, um salão de cabeleireiro, ou Pendule Suisse, uma joalheira, ambos na rua XV, além de outros como Au Palais Royal, Notre Dame de Paris, Au Printemps, Au Louvre).
A cultura negra não tinha lugar no centro da metrópole. Nascia a cidade frenética que, no dizer de Alcântara Machado, enriqueceu muito depressa e, por isso, como num verso modernista: “Estonteia. Entusiasma. Orgulhece”. Hoje a praça ainda conserva o único relógio público De Nichile (ideia do publicitário Octávio de Nichile) que ainda existe na cidade. O relógio, instalado a 8 metros de altura, foi inaugurado em 1935 pelo prefeito Fabio da Silva Prado, sobrinho de Antônio Prado (filho de Martinico). Está tombado desde 1992. Não aparece na foto porque esta é bem anterior e, além disso, ele se encontra em outro ponto da praça.
A cidade é mesmo um palimpsesto – “um imenso pergaminho cuja escrita é raspada de tempos em tempos” diz Benedito Lima de Toledo – e seus lugares estão longe de ser apenas realidade física tridimensional. Como o espaço se forma numa sucessão de tempos, uma foto num cartão-postal, como aquela acima, pode suscitar diversos textos que remetem a impressões e fatos, histórias e interpretações daquilo que ocorreu ali ao correr dos séculos, numa verdadeira arqueologia urbana. A partir de uma foto é que vão se puxando os fios da história. Texto de José Roberto Fernandes Castilho.