sexta-feira, 12 de maio de 2023

Ferrari 250 GT SWB Berlinetta by Scaglietti 1961, Itália

 









































































Ferrari 250 GT SWB Berlinetta by Scaglietti 1961, Itália
Fotografia


The highly successful racing berlinetta that Ferrari introduced in late-1959, on its new 2,400 millimetre short-wheelbase chassis, was a triumph in terms of both aesthetics and performance, as brilliantly epitomised by this desirable example of the 250 GT SWB. Chassis number 2347 GT is the 62nd built out of a total production run of 165 cars, and the final example to be clothed in the 1960 body style. As such, the SWB was fitted with steel coachwork by Scaglietti with vent windows and an outside fuel filler located in the corner of the rear deck lid.
Completed by the factory in February 1961, by June of that year it was sold by Chic Vandagriff’s Hollywood Sports Cars to the well-known Southern California collector, Jack Nethercutt. The Merle Norman cosmetics scion was an early stalwart in the collector car niche and eventually founded his own automotive museum. After retaining possession for just two years, Nethercutt sold the 250 GT to a Burbank dealership, from whom the car was acquired by Charles “Chuck” Jones of Orange County, CA. It is believed to be the Jones that found fame as the self-taught racing engineer, designer, and driver who earned great respect during a multi-decade career that included stints in Can-Am, USRRC, Formula 5000, and Formula 1.
In 1964, the 250 GT’s engine was removed and installed in a long-wheelbase 250 GT ‘Tour de France’ (chassis 0647 GT). The SWB went on to enjoy fleeting cinematic fame in 1968, when it made a brief appearance in the Disney classic, The Love Bug. The Ferrari then passed through three more California-based owners over the following 11 years before being sold in 1979 to David Piper, the British racing driver. Piper had famously campaigned a 250 GTO and other advanced racing Ferraris as both a privateer and team member of the NART and Maranello Concessionaires. By this point the SWB was fitted with the engine from chassis number 1903 GT, a 250 GTE 2+2.
Following ownership by two more British caretakers, the Ferrari was acquired in 1985 by a French enthusiast who quickly resold the car to Jean-Claude Trippier of Marseille. Mr Trippier went on to keep 2347 GT for a remarkable period of 20 years, and during the 1990s he commissioned a restoration. Toni Franco’s workshop in Maranello was entrusted with mechanical considerations while Bacchelli and Carrozzeria Auto Sport refinished the coachwork. Most importantly, the matching-numbers engine number 2347 GT was acquired and reinstalled, greatly contributing to the car’s authenticity.
Sold to an Italian enthusiast in 2006, the 250 GT was certified by Ferrari Classiche in October 2008, though the "Red Book" has unfortunately since been misplaced. Bidders should note that, while the digital copy of the Ferrari Classiche certification accompanies the car, its next owner will need to contact the Classiche department directly to arrange recertification. Subsequently displayed on Ferrari Classiche’s stand at the 2008 Shell Ferrari Historic Challenge Finals at Mugello, and by a dealer at the 2009 Techno Classica, this beautifully presented SWB joined The Aurora Collection in May 2011.
Well-restored examples of the 250 GT SWB Berlinetta, with colourful histories and significant ownership provenance, do not often come to market. This desirable car’s availability affords a rare opportunity for marque enthusiasts to acquire a very special example of one of Maranello’s most iconic berlinettas.

Fiat 501 Tourer 1920, Itália

 



















































Fiat 501 Tourer 1920, Itália
Fotografia



Following the conclusion of World War I, Fiat introduced the 501 in 1919 as the company’s new small family car. Powered by a four-cylinder, 1.5-litre engine with a four-speed gearbox, the chassis featured rear brakes and rigid axles suspended by semi-elliptical leaf springs. Customers could choose from body styles that included a four-door saloon, or a "Torpedo" cabriolet with either two or four doors.
This 1920 Fiat 501 Tourer is finished in a two-tone exterior with a crimson body and black wings, while a cowl light and side-mounted spare complete its inter-war tourer aesthetic. A black hood supported by a wooden frame offers some shelter from the elements, while the interior features well-worn black leather complemented by a wooden dashboard fitted with an amp gauge, clock, oil pressure gauge, and speedometer.
A wonderful car from the inter-war period, this Fiat 501 Tourer exudes the character of a fascinating survivor of over 100 years. Enthusiasts of Fiat’s earliest cars will surely look to this charming example as a potential entrant to the many historic events and tours for which it is eligible.



quinta-feira, 11 de maio de 2023

Série Vaga-Lume / Os 50 Anos da Coleção que Estimulou o Prazer da Leitura em Milhões de Jovens - Artigo

 


Série Vaga-Lume / Os 50 Anos da Coleção que Estimulou o Prazer da Leitura em Milhões de Jovens - Artigo
Artigo




São Paulo, novembro de 1976. Marcos Rey (1925-1999) estava em um supermercado, acompanhado da mulher, Palma, quando, na hora de pagar as compras, flagrou trechos de uma conversa no caixa ao lado.
“O que você está achando dessa novela que acabou de estrear?”, perguntou uma moça, referindo-se à história do trambiqueiro que se passava por milionário para dar um golpe.
O autor de Tchan, a Grande Sacada, embora estivesse de costas, conseguiu ouvir a resposta da balconista: “É boa. Mas é muito lenta!”.
Ao chegar em casa, o autor da tal novela “boa, mas muito lenta” começou a mexer nos capítulos já escritos. Cortou uma cena aqui, mudou um diálogo ali. Quinze dias depois, o telefone de sua casa tocou.
Era Roberto Talma (1949-2015), diretor de teledramaturgia da Tupi. “Pô, Marcos, o que é que houve? Que melhorada você deu na novela!”, elogiou. “A crítica daquela balconista salvou meu emprego!”, brincou o autor em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo de 4 de setembro de 1983.
Nascido Edmundo Donato, Marcos Rey ficou famoso como escritor de livros adultos, como O Enterro da Cafetina (1967) e Memórias de Um Gigolô (1968), e roteirista de novelas e seriados de TV, como A Moreninha (1975) e O Sítio do Picapau Amarelo (1977).
Mas, no começo dos anos 1980, recebeu um convite que mudaria sua carreira: escrever romances infantojuvenis para a Vaga-Lume.
“Houve muita resistência por parte dele”, conta a editora Carmen Lúcia Campos, que trabalhou por mais de 20 anos na Ática, entre a década de 1980 e o início dos anos 2000.
“Nunca tinha escrito para o público juvenil e seus temas adultos eram proibidos para menores”.
Seu primeiro livro na coleção foi O Mistério do Cinco Estrelas (1981). Em apenas 15 dias, esgotou a tiragem de 200 mil exemplares. Logo, vieram outros: O Rapto do Garoto Dourado (1982), Um Cadáver Ouve Rádio (1983), Sozinha no Mundo (1984)...
Não por acaso, é o recordista em títulos da Vaga-Lume: 16, sendo um deles, O Menino que Adivinhava (2000), pela Vaga-Lume Júnior, selo derivado surgido em 1999. Só O Mistério do Cinco Estrelas, segundo estimativa do editor Jiro Takahashi, teria vendido entre dois e três milhões de exemplares.
“O autor precisava cativar seu público até a página sete”, explica ele, um dos idealizadores do projeto. “Se a história demorasse a decolar, as chances de o leitor se cansar dela eram grandes”.
Marcos Rey foi o primeiro autor especialmente convidado para escrever para a coleção. Até então, a Vaga-Lume só publicava títulos que já tinham sido lançados por outras editoras.
É o caso de O Escaravelho do Diabo, de Lúcia Machado de Almeida (1910-2005). Um dos best-sellers da coleção, foi publicado originalmente pela revista O Cruzeiro, entre 10 de outubro e 26 de dezembro de 1953, e adaptado para o cinema em 2016.
“A Vaga-Lume seguia uma fórmula imbatível de sucesso: livros escritos para o leitor jovem, com personagens jovens, se deparando com questões típicas da juventude. Textos leves, com muita aventura, mistério e humor”, sintetiza Carmen Campos.
“A coleção fez gerações de jovens descobrirem o prazer da leitura.”
O título que inaugurou a Vaga-Lume, há 50 anos, foi A Ilha Perdida (1973), de Maria José Dupré (1898-1984). Publicada pela Brasiliense em 1944, é a recordista da coleção: 5 milhões de exemplares.
Na pesquisa que fez para seu doutorado, À Sombra da Vaga-Lume (2007), com mais de 200 alunos do Curso de Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Cátia Toledo Mendonça constatou que A Ilha Perdida é o título mais amado — ou lembrado — da coleção.
“Os textos da Vaga-Lume encantam gerações há 50 anos. Mesmo assim, não eram estudados pela academia. Há preconceito em relação à literatura de entretenimento”, admite a doutora em Letras.
“Vários entrevistados declararam ter começado a gostar de ler por causa da Vaga-Lume”.
No mesmo ano de A Ilha Perdida, a Ática lançou mais três volumes: Cabra das Rocas, de Homero Homem (1921-1991); Coração de Onça, de Ofélia (1902-1986) e Narbal Fontes (1899-1960); e Éramos Seis, também de Maria José Dupré.
Alguns livros, como Éramos Seis, e O Feijão e O Sonho (1981), de Orígenes Lessa (1903-1986), fizeram tanto sucesso que ganharam adaptações para a TV.
Só Éramos Seis já foi adaptada cinco vezes: em 1958, pela Record; em 1967 e 1977, pela Tupi; em 1994, pelo SBT; e em 2019, pela TV Globo.
Cada volume tinha em torno de 120 páginas e trazia um suplemento de trabalho com proposta lúdica. Em geral, a Ática lançava quatro títulos por ano.
Mas houve época em que, dependendo da demanda, foram lançados só dois ou até cinco. O nome do mascote da coleção, Luminoso, foi escolhido através de concurso. O vencedor foi um funcionário da editora que trabalhava no Rio de Janeiro.
Editor da Vaga-Lume entre 1973 e 1984, Takahashi pedia aos autores uma sinopse de três páginas sobre a história que gostariam de contar.
Em seguida, enviava aquele resumo, sem mencionar o nome do autor, para 3.000 alunos das redes pública e particular do Rio, São Paulo e Minas. Sob a orientação de professores, os estudantes avaliavam desde a trama até os personagens. Em alguns casos, davam notas. Em outros, sugeriam ajustes.
Foi assim, conta Takahashi, que Marcos Rey incluiu um personagem cadeirante em O Mistério do Cinco Estrelas e mudou o gênero da protagonista de Sozinha no Mundo. “Se os alunos liam rápido demais a sinopse, era sinal de que o livro era bom. Se demoravam, hummm… algo estava errado”, raciocina Takahashi.
“Um livro é bom quando termina a aula, começa o recreio e os alunos não param de falar dele.”
Ao todo, a Vaga-Lume é composta de 106 livros. O mais recente é Os Marcianos (2021), de Luiz Antônio Aguiar.
“Como a coleção é voltada para o público jovem, as histórias têm que ter muita aventura”, ensina Aguiar, que já tinha escrito Operação Nova York (2000) para a série. “Mas tem que ser aventura mesmo, com boas histórias, daquelas que seduzem o leitor, e bons personagens”.
No auge da coleção, ou seja, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, cada título vendia, em média, 120 mil exemplares. Na pior das hipóteses, emplacava 40 mil.
“Os livros vendiam muito porque o preço era baixo. E os preços eram baixos porque os livros vendiam muito”, explica Takahashi. À época, cada livro da coleção não podia custar mais do que um exemplar de uma revista semanal, como Veja ou IstoÉ.
Com o sucesso de vendas, a Ática lançou, em 1976, outra coleção infantojuvenil: a Para Gostar de Ler, que reunia cronistas como Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Rubem Braga (1913-1990), Paulo Mendes Campos (1922-1991) e Fernando Sabino (1923-2004). E, em 1999, o selo Vaga-Lume Júnior, com 25 títulos.
Aos poucos, novos autores foram convidados a integrar a coleção. Mineiro de Guaxupé, Luiz Puntel foi um deles. Quando morava em Ribeirão Preto (SP), se comunicava, por carta, com Marcos Rey, na capital paulista.
“Apesar da deformação nos dedos, era um furacão para escrever”, afirma Puntel, referindo-se à hanseníase que o colega contraíra aos 10 anos de idade. “Escrevia maravilhosamente bem. Morria de inveja dele”, ri.
Para a Vaga-Lume, Puntel escreveu sete livros, de Deus me Livre! (1984) a O Grito do Hip-Hop (2005). Desses sete, considera dois imbatíveis: Açúcar Amargo (1986), sobre boias-frias, e Meninos Sem Pátria (1988), sobre exilados políticos. “Nunca sofri censura da Ática. Sofri do Santo Agostinho, no Rio”, lamenta Puntel.
Em 2018, a direção suspendeu a leitura de Meninos Sem Pátria a pedido dos pais de alguns alunos do sexto ano. Ao colégio, alegaram que o livro “doutrina crianças com ideologia comunista”. A história foi livremente inspirada na vida do jornalista mineiro José Maria Rabelo (1928-2021). Depois da repercussão, a direção da escola evitou comentou o assunto.
“Escrevia meus livros como se fossem roteiros de filmes de ação, com capítulos curtos e diálogos ágeis.”
Logo, colégios do Brasil inteiro começaram a convidar os autores da Vaga-Lume para participar de debates com seus alunos.
Um dos mais requisitados foi Raul Drewnick, autor de oito títulos: de Um Inimigo em Cada Esquina (1994) a A Noite dos Quatro Furacões (2005). Só Marcos Rey publicou mais livros pela Vaga-Lume do que ele.
Os dois, aliás, trabalharam juntos na revista Veja. Foi Marcos Rey que, em 1992, indicou o nome de Drewnick aos editores Carmen Lúcia Campos e Fernando Paixão.
“De dez em dez páginas, nos reuníamos e íamos tocando o projeto, discutindo forma e conteúdo”, recorda o autor.
A princípio, Drewnick recusava todo e qualquer convite para visitar escolas. “Dizia não ter jeito com criança”, entrega Carmen Campos. Até que, um dia, se rendeu e não parou mais.
Não bastasse ter inspiração para novos livros, ainda aprendia o linguajar dos jovens. Num dos colégios, ouviu de um aluno: “O senhor é celebridade?”. Rindo, respondeu que não, de forma alguma.
Mas outro aluno rebateu: “É claro que é! Tem até jatinho”. “Um típico caso em que a imaginação do leitor é muito mais rica que a do mais criativo dos escritores”, ele cai na risada.
Noutra ocasião, Marcos Rey conheceu um aluno do Colégio Magno que se apresentou como filho do editor da Global, Luiz Alves Júnior. Anos depois, os dois voltaram a se encontrar na sede da editora, em São Paulo.
“Não gostava de apertar a mão das pessoas porque tinha os dedos comprometidos. Apesar disso, escrevia muito rápido. Geralmente, à noite e, quase sempre, acompanhado de um copo de uísque”, relata Richard Alves, diretor geral da Global, que relançou 14 dos 16 títulos publicados por Marcos Rey na Vaga-Lume.
A Ática não recebia apenas convites para seus autores visitarem escolas. Recebia também cartas. Centenas delas.
“Sempre fiz questão de responder uma por uma”, garante Sersi Bardari, autor de A Maldição do Faraó (1991), Ameaça nas Trilhas do Tarô (1992) e O Segredo dos Sinais Mágicos (1993).
“Era um tempo sem internet, e-mail e redes sociais. Dava prazer receber e responder a essas cartas. Levá-las ao correio era um dos meus programas favoritos”.
Muitos alunos cresceram e viraram escritores. E hoje se orgulham de fazer parte da coleção que despertou neles o prazer da leitura. É o caso do jornalista e escritor Marcelo Duarte, muito conehcido pela série Guia dos Curiosos.
Autor de cinco títulos, de Jogo Sujo (1997) a Meu Outro Eu (2003), tinha 11 anos quando leu O Caso da Borboleta Atíria (1975), de Lúcia Machado de Almeida. Gostou tanto do livro — “O desfecho é maravilhoso!” — que emendou outros suspenses da autora.
“Eram razoavelmente baratos e fáceis de ler”, elogia. “Li uns para a escola e outros por pura diversão”.
Quando a Ática lançou O Mistério do Cinco Estrelas, Duarte ficou encantado. Decidiu que, quando crescesse, queria escrever igual ao Marcos Rey.
“Tinha um sonho, quase uma obsessão, de, um dia, lançar algo pela coleção que tanta importância teve na minha vida”, explica.
Mas, quando entregou a sinopse de Jogo Sujo, recebeu um tsunami de críticas de alunos e docentes. Alguns reclamaram de personagens mal construídos. Outros, de tramas mal amarradas.
“Fiquei chateado. Achei que não fosse conseguir. Mas reescrevi a história e deu certo”, orgulha-se.
Assim que Jogo Sujo saiu da gráfica, Carmen Lúcia mandou um exemplar para Marcos Rey. Em retribuição, o veterano enviou um exemplar autografado de Gincana da Morte (1997) e parabenizou o novato por ingressar no time da Vaga-Lume.
“Muitos tentaram, mas poucos conseguiram”, dizia a dedicatória. “Nunca fiquei tão emocionado. Guardo esse livro até hoje como troféu”, emociona-se Duarte.
Quem também fala com carinho da Vaga-Lume é Marçal Aquino, autor de quatro títulos, entre eles A Turma da Rua Quinze (1989) a O Primeiro Amor e Outros Perigos (1996).
No finalzinho da década de 1980, ele trabalhava como redator do Jornal da Tarde de São Paulo quando seu chefe, o também escritor Fernando Portela, perguntou se ele não estaria interessado em escrever um livro infantojuvenil para a coleção.
Na Ática, Aquino deu de cara com dois problemas: a sinopse (“Sempre gostei de escrever sem saber muito sobre o livro. É o prazer maior da coisa”) e o prazo (“Um colega estava enfrentando um ‘bloqueio criativo’ e eu teria três meses para entregar o livro”). Mesmo assim, topou o desafio e entregou o manuscrito no tempo estipulado.
Dos quatro livros que escreveu, seu preferido é O Jogo do Camaleão (1992). Como a trama fazia menção ao tráfico e ao consumo de drogas, sofreu restrições.
“Não vi problema em dar uma ‘amansada’ no texto porque não tirava em nada o impacto da narrativa”, avalia. “É a melhor trama que criei para a Vaga-Lume, com direito a um plot-twist radical que nenhum leitor consegue desvendar”, orgulha-se.
O escritor, desenhista e roteirista Rubens Francisco Lucchetti, o R. F. Lucchetti, também precisou fazer ajustes no único texto que lançou pela Vaga-Lume: O Fantasma do Tio William (1994).
Antes de ser lançado pela Ática, o livro foi publicado pela Cedibra, em 1974, e relançado pela Melhoramentos, em 1982.
“Quando foi lançada, a história se passava na Inglaterra e se destinava ao público adulto. Depois, tive que adaptá-la para o Brasil. E, mais adiante, torná-la mais infantil”, relata o autor de 93 anos.
“De todas, prefiro a versão adulta”. Uma curiosidade: Lucchetti criou a história, por volta de 1945, para distrair uma de suas irmãs, Célia, que estava doente, com câncer.
A Vaga-Lume prosseguiu até 2008, quando foi lançado O Mestre dos Games, de Afonso Machado. Doze anos depois, a Somos Educação retomou a coleção, com o lançamento de Ponha-se no Seu Lugar (2020), de Ana Pacheco.
“Quando enviei os originais para a editora, não imaginava que meu livro seria lançado pela Vaga-Lume. Soube depois que aceitaram e fiquei feliz da vida”, confessa a autora.
Baseado no conto O Nariz (1836), de Nikolai Gogol (1809-1852), conta a história de um estudante de classe alta que, certa manhã, acorda sem nariz.
“O mote é absurdo, mas as consequências são reais. Dá oportunidade para alunos e professores debaterem temas atuais, como padrão de beleza, classe social e cirurgia plástica.”
A Somos Educação disponibiliza 68 títulos em seu catálogo, sendo 13 da Vaga-Lume Júnior. E não deve parar por aí.
“Futuramente, pretendemos lançar novos títulos. Queremos manter a coleção viva e dar espaço a mais autores”, adianta Laura Vecchioli do Prado, coordenadora da Somos Educação.
Jiro Takahashi não cabe em si de orgulho por ter ajudado a criar uma série editorial tão longeva e bem-sucedida. Mas lamenta o fato de não ter pensado lá atrás no licenciamento de produtos, como o boneco do Luminoso, o mascote da coleção, por exemplo.
Ou, ainda, na adaptação de filmes, peças e jogos baseados nos livros da série. “Hoje em dia, você encontra de tudo: de álbum de figurinha do D.P.A. (Detetives do Prédio Azul) a parque temático do Harry Potter!”, espanta-se.
“Muitos adultos vêm falar comigo. Uns dizem: ‘Ó, meu vaga-lume favorito é O Escaravelho do Diabo’. É uma coleção que ajudou a formar leitores.”

São Paulo Railway 156 anos - Artigo

 


São Paulo Railway 156 anos - Artigo
Artigo




Há 156 anos, no dia 16 de fevereiro de 1867, iniciou-se o tráfego nos 139 quilômetros da via férrea São Paulo Railway, a primeira ferrovia de São Paulo. De lá para cá, apesar do esforço de entidades, organizações não governamentais, pesquisadores e apaixonados, e graças ao descaso oficial, o que se pode observar é o abandono e a descaraterização desse importante conjunto, tombado pela União e pelo Estado de São Paulo. Apesar da proteção legal e de inúmeros projetos, alguns politicamente grandiosos e todos não concretizados, o efetivo abandono oficial faz prever que, em um futuro próximo, muito pouco restará da SPR para contar sua história. A publicação deste artigo, é uma tentativa singela dos autores de não deixar passar em branco esta data de aniversário e homenagear o esforço e empenho de todos aqueles que tem brigado pela preservação do patrimônio da SPR, responsáveis pela permanência de ruinas, carcaças e alguns remanescentes que hoje justificam, ainda, a comemoração destes 156 anos de história, cultura e tecnologia.
Pode-se afirmar que, no Brasil, desde a inauguração das primeiras linhas de estrada de ferro em meados do século 19, e até o início dos anos 1950, a ferrovia foi sinônimo de desenvolvimento, comunicação, tecnologia e cultura. No entanto, o universo ferroviário nunca foi objeto de um projeto eficaz de defesa do seu rico e diversificado patrimônio, primeiro ignorado e depois esquecido, hoje irreversivelmente deteriorado e correndo sério risco de desaparecimento. Ao tentar discorrer sobre a memória das ferrovias no Brasil, acaba-se sempre por falar em descaso, esquecimento e destruição.
A tumultuada história das estradas de ferro brasileiras talvez ajude a compreender – sem justificar – a dificuldade encontrada pelo poder público brasileiro para reconhecer, valorizar e preservar o legado da ferrovia. Ao longo das trajetórias das companhias foram se alternando sucessivas operações de fusão, estatização, privatização e liquidação, prevalecendo sempre a falta de planejamento e de integração, inerente característica da malha nacional desde o início da sua implantação. Se, é forçoso reconhecer a importância histórica da ferrovia, não é possível ignorar que a falta de planejamento e a falta de compatibilização de sistemas operacionais, além da ausência de uniformidade de critérios técnicos, foram as causas de uma somatória de prejuízos e falências, colaborando para a rápida obsolescência do sistema de transporte ferroviário.
Particularmente no Estado de São Paulo – onde a acelerada industrialização do final do século 19 se tornou o motor de desenvolvimento do país, destruindo os legados do passado colonial e imperial paulista para reconfigurar seu universo identitário – a ferrovia constitui importante fator de transformação histórica, geográfica e cultural. Porém, como no restante do país, o traçado das vias nem sempre levou em conta as condições geográficas dos sítios ou as necessidades reais de conexão e transporte, contemplando prioritariamente os interesses de políticos, fazendeiros de café ou das próprias companhias concessionárias. A grande variedade de bitolas (distância entre dois trilhos), que dificultava a integração das linhas multiplicando os transbordos e baldeações e encarecendo e retardando as viagens, e a falta de planejamento na implantação das linhas, encareceram e dificultaram a expansão da rede ferroviária já a partir de meados do século 20, contribuindo para justificar oficialmente a substituição do modal ferroviário pelo rodoviário, projeto político do governo federal implantado a partir dos anos 1950.
Todo o extenso e precioso acervo patrimonial da ferrovia no Brasil foi sendo assim relegado ou ao simples abandono, condenação da sua integridade física, ou a projetos comerciais de entretenimento sem nenhum compromisso cultural, responsáveis por outro tipo de destruição, aquela representada pelo falseamento do bem patrimonial devidamente confundido com suas contrafações em lucrativos parques temáticos. Quando caberia lembrar que “desde que o campo de fato se constitui [...] a preservação é pautada pelas razões de cunho cultural – ou seja, vinculada a questões formais, documentais, simbólicas e memoriais, científicas [...] e éticas [...]. Desse modo, as questões de ordem prática (de uso, de exploração econômica, de práticas político-partidárias etc.) deixam de ser as únicas e prevalentes [...] e passam a ser concomitantes, indicativas, mas não determinantes para as decisões”.
As dificuldades com origem nas circunstâncias e especificidades do patrimônio industrial ferroviário no Brasil somam-se à dificuldade de compreender o legado das ferrovias no contexto do alargamento da noção de “bem cultural”, e de situá-lo no campo de conhecimento da preservação. A Carta de Nizhny Tagil, documento do Comitê Internacional para a Conservação do Patrimônio Industrial, estabelece que o patrimônio industrial é constituído pelos “vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico”. Essa definição, que engloba “edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de tratamento e de refino, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde se desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação”, define um universo patrimonial cuja característica intrínsica de variedade, complexidade e abrangência, acaba por se constituir no principal obstáculo à definição de critérios técnicos e de fundamentação teórica para orientar ações de preservação. Quanto mais amplo e diversificado é o conjunto de bens a considerar, mais difícil se torna o arbítrio, já que não se trata de tudo conservar e tampouco de tudo demolir ou transformar radicalmente, como muito bem argumenta Beatriz Kuhl. Também quando se trata da preservação do patrimônio industrial ferroviário de interesse cultural é necessário fazer escolhas conscientes baseadas em critérios claros, por sua vez embasados no conhecimento aprofundado dos bens que se propõe preservar e valorizar: “[...] apesar de a preservação ter pertinência relativa [...] nem por isso é ato arbitrário, por dever estar ancorada nas ciências, em especial nas ciências humanas. Deve-se lembrar que são sempre testemunhos únicos, não repetíveis, e por isso as propostas devem ser baseadas em rigorosos critérios”.
No âmbito das instituições governamentais responsáveis hoje pela preservação no Brasil, não existem recursos financeiros, muito menos clareza conceitual, técnica ou legal, quanto às formas efetivas de preservação deste legado. Tão pouco de observa, nos projetos propostos, encaminhamentos que considerem a história das ferrovias - compreendida no seu sentido amplo e interdisciplinar - e as relações intrínsecas de “complementaridade na diversidade” dos bens que fazem parte do patrimônio das ferrovias. As ações de historiar, inventariar, documentar, conservar e valorizar este patrimônio ameaçado, refletindo sobre sua preservação, passaram a fazer parte de um esforço de pesquisa e articulação hoje concentrado no âmbito acadêmico, nas organizações não governamentais e na representação das instituições internacionais voltadas para a preservação do patrimônio.
A ferrovia chega em São Paulo:
A primeira ferrovia construída no Estado de São Paulo, a São Paulo Railway – SPR, também conhecida como Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, está em quinto lugar na ordem cronológica de construção das ferrovias brasileiras. Concebida para ligar o porto de Santos à cidade de Jundiaí, então a porta de entrada da região produtora de café no Oeste do Estado, passando pela sua capital – a cidade de São Paulo – a SPR foi o ponto de partida para a implantação da extensa malha ferroviária de São Paulo.
A São Paulo Railway destaca-se como um padrão de qualidade na comunicação, constituindo um marco técnico e de desenvolvimento econômico e cultural para São Paulo. Dois anos depois da inauguração da companhia, o Estado de São Paulo produzia e exportava pelo porto de Santos 3 342 151 arrobas de café, que passa a ser caracterizado como o primeiro produto brasileiro tipicamente de exportação; pelos trilhos da SPR chegaram a escoar, entre 1924 e 1928, cerca de 70% dos produtos brasileiros destinados à exportação, porcentagem representada pelo café produzido em São Paulo.
A partir da construção da São Paulo Railway, troncos e ramais de várias companhias de estradas de ferro como a Companhia Paulista (1872), a Companhia Sorocabana (1875), a Companhia Mogiana (1875), a Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil (1907), foram se estendendo pelo território de São Paulo, seguindo de perto as lavouras de café, fixando povoamentos e desenvolvendo regiões por todo o interior do Estado, responsáveis por desenhar fronteiras, fundar cidades, reorganizar caminhos, eleger as regiões de expansão e crescimento. Desde a inauguração da SPR, aceleraram-se também as transformações da capital, a cidade de São Paulo, que inicia seu processo de industrialização, expande a área urbanizada e se reconstrói em tijolo com feições européias. Pela ferrovia passam a circular bens de consumo, fazendeiros, operários imigrantes, a produção de café e o capital gerado por ela, as modas e as idéias; os trilhos rompem definitivamente com o isolamento que caracterizou a capital nos seus primeiros anos. Na virada do século 19 para o século 20, São Paulo contava com 2,3 milhões de habitantes, mais de meio milhão de pés de café e 3 373 quilômetros de ferrovias. Nessa mesma época, a inglesa SPR, que iniciara o transporte ferroviário em São Paulo no ano de 1867, inaugurava a duplicação das linhas e a reforma de toda sua infraestrutura de funcionamento.
São Paulo Railway Company: projeto e construção do primeiro sistema funicular
O Decreto Imperial n. 1 759, de 26 de abril de 1856, concedeu o privilégio da concessão de uma estrada de ferro na Província de São Paulo ao Barão de Mauá, que obteve em Londres o capital necessário para empreender a construção de 139 quilômetros de estrada de ferro ligando o porto de Santos à cidade de Jundiaí, localizada na região de expansão das plantações de café. O projeto completo da estrada de ferro foi encomendado ao engenheiro britânico James Brunless, que, por sua vez, enviou Daniel Makinson Fox ao Brasil, como engenheiro residente, para estudar as condições do território. No ano de 1859 o engenheiro D. M. Fox foi contratado para supervisionar a construção da ferrovia San Paulo (Brazilian) Railway Company Ltd, ou simplesmente São Paulo Railway – SPR.
O projeto divide a ferrovia em três segmentos para efeito de execução e operação. O primeiro trecho ligava o Porto de Santos à Raiz da Serra, atravessando uma planície pantanosa. O terceiro segmento ligava o topo da serra à cidade de Jundiaí, passando pela capital São Paulo. O segundo trecho, o mais complexo, correspondia à subida da Serra do Mar, contraforte rochoso, escarpado, com cobertura de floresta tropical sobre terreno frágil, sujeito a índices pluviométricos altíssimos, onde seria necessário vencer um desnível de 762 metros em apenas oito quilômetros.
No documento intitulado “Description of the line and works of São Paulo Railway in the Empire of Brazil”, apresentado e discutido em Londres um ano após a inauguração da SPR, Fox analisa todos os aspectos da construção da estrada: alternativas técnicas para superar os fortes declives da Serra do Mar, condições físicas dos terrenos, clima, materiais necessários e disponíveis, mão-de-obra, concluindo pela defesa do sistema funicular como a melhor solução para vencer a serra. Sem poder contar com mapas ou levantamentos precisos, o engenheiro enfrentou contrafortes e abismos cobertos de floresta tropical, “febres, insetos e animais ferozes”, para explorar a serra e abrir picadas com um grupo de trabalhadores à procura da passagem mais favorável para a ferrovia.
Para transpor os obstáculos naturais, tentando evitar os freqüentes deslizamentos (mesmo com as obras concluídas, eles chegavam a interromper o tráfego por semanas), foram efetuados numerosos cortes no terreno e construídos canais de drenagem, aterros, muros de contenção, viadutos e pontes, que transformaram a construção desse trecho da SPR num verdadeiro desafio à engenharia. O viaduto da Grota Funda – estrutura de ferro pré-moldada importada do Reino Unido com 214, 87 metros de extensão, em curva de 603 metros de raio, apresentando dez vãos de 20,13 metros cada um e um vão de 12,20 metros, chegando a atingir 48,80 metros de altura em relação ao terreno –, foi considerado a maior obra de engenharia do Brasil na época de sua conclusão, louvado em diferentes relatos: “Na subida dos três primeiros planos inclinados, depois de 560 metros acima do nível do mar, o viajante, surpreendido e enlevado pelo espetáculo grandioso dos vales que o circundam, pelo rumorejar das cascatas e cursos d’água, que se insinuam e desaparecem entre as anfractuosidades dos rochedos e das matas virgens, pela sensível variante atmosférica, por todas essas belezas infinitas da criação; transpõe maravilhado o grande viaduto que imortalizou no Brasil o nome do engenheiro Brunlees, e constitui a obra prima do caminho de ferro de S. Paulo”.
O sistema eleito para vencer o forte declive da serra, seguindo a sugestão do engenheiro D. M. Fox, foi o funicular. Além de abreviar a viagem e diminuir as despesas de custeio, esse sistema permitiria a execução da obra num prazo menor e dentro do orçamento inicialmente previsto. Uma linha férrea usual, funcionando de acordo com o sistema de “simples aderência”, exigiria trajeto muito mais longo para evitar as rampas fortes e teria custo maior. O sistema funicular vinha sendo utilizado principalmente nas áreas de exploração de minas para enfrentar grandes declives, quando o peso aderente não era suficiente para vencer os componentes de força-peso que se opunham naturalmente ao movimento. O declive total foi dividido em quatro planos inclinados, com rampa de aproximadamente 10%, e em quatro patamares, cada um com uma máquina fixa alimentada pelo vapor de três caldeiras trabalhando em regime de revezamento e dotadas de cilindros que ofereciam 40 t de esforço-tração para os cabos de aço.
As máquinas fixas tracionavam os cabos de duas pontas, tail-end, presos em uma das extremidades a um vagão especial sem força motriz, o serra-breque, ao qual era acoplado um conjunto de vagões. As viagens assim compostas, que subiam e desciam concomitantemente para tirar proveito do contrapeso dos vagões, cruzavam-se em um único conjunto de três trilhos no meio percurso. As composições eram desfeitas e recompostas nos pátios das estações do Alto da Serra e da Raiz da Serra, já que os motores só comportavam conjuntos de até três vagões comuns mais o serra-breque, ou um peso máximo de 60 t. Nessas estações, cargas e passageiros esperavam a recomposição de trens funcionando no sistema de simples aderência, puxados por locomotivas a vapor, para seguir para seus destinos.
No dia 16 de fevereiro de 1867, iniciou-se o tráfego nos 139 quilômetros da via férrea com bitola de 1,60 m em toda a extensão ao custo final de 2,75 milhões de libras esterlinas. Em 1869, dois anos depois da inauguração, superando todas as expectativas, a SPR transportou 69 186 passageiros e 78.065 t de carga, utilizando 12.000 composições; em 1887 a SPR havia multiplicado o transporte de carga para 359.141 toneladas, contra as 114.000 t conduzidas pela Estrada de Ferro D. Pedro II, no Rio de Janeiro, que contava com maior extensão de linha. Porém, nos relatórios da companhia e do governo brasileiro, é constante a menção de que o mais importante estrangulamento do fluxo de tráfego da SPR estava na Serra do Mar, no sistema funicular.
A São Paulo Railway Company: expansão e retrocesso
Por volta de 1890, com capacidade de transporte e de armazenamento de carga esgotados, e sofrendo pressão do governo de São Paulo, dos engenheiros fiscais brasileiros e dos agricultores, que começavam a computar prejuízos e até a colocar em dúvida o monopólio de transposição da serra por via férrea, a SPR iniciou conversações para ampliação da capacidade de carga de suas linhas. Em 1892 são iniciados os serviços noturnos nos Planos Inclinados, que um ano depois recebem luz elétrica, enquanto têm início as negociações para aumentar o prazo de concessão da companhia, duplicar a linha em toda a extensão, melhorar a infra-estrutura de apoio e, principalmente, aumentar o poder de tração na serra, ou seja, aumentar o fluxo nos funiculares. O mesmo engenheiro D. M. Fox foi encarregado da realização do segundo projeto cuja construção teve início no ano de 1896.
O engenheiro Bento José Ribeiro Sobragy, ao fazer considerações sobre as estações da SPR, em 1866, observa que “o aspecto rude de toda a linha deixava claro que elas (estações) não estão muito longe do ponto estritamente necessário para dar passagem aos trens de materiais”. A maior parte das estações primitivas da companhia, duas terminais e nove “de passagem”, eram pequenos edifícios de alvenaria com cobertura de telhas de barro, dispostos paralelamente à via, não oferecendo muita margem à expressão arquitetônica. As mais importantes eram as estações terminais, Santos e Jundiaí, a Estação da Luz situada junto ao centro urbano da capital, e as duas estações nas extremidades do sistema funicular, Alto da Serra, depois Paranapiacaba, e Raiz da Serra, depois Piaçaguera.
Um ano antes do início das obras de ampliação da via permanente e das instalações da SPR, o engenheiro-chefe do projeto, James C. Madeley, no documento denominado “Memória Justificativa dos planos e orçamentos da duplicação da linha atual com novos planos inclinados”, enumera e justifica, trecho por trecho, os melhoramentos e novas construções que deveriam ser efetuadas ao longo dos 139 quilômetros da ferrovia; entre reformas e novos projetos, dobra o número de estações, dotando-as de aparelho telegráfico, parte do novo sistema de comunicação direta, implantado ao longo de toda a via férrea.
Foram construídas duas novas estações de passageiros “especiais de segunda classe”, segundo a tipologia de projeto estipulada pela SPR, uma na Raiz da Serra e outra no Alto da Serra. Nesses dois locais eram numerosas as manobras e grande o movimento de passageiros que aguardavam a recomposição dos trens para seguir viagem, após a transposição dos Planos Inclinados. No Alto da Serra, ao lado do 5º Patamar do novo sistema funicular – entre outras obras importantes como a ponte metálica de comunicação da estação com a vila, o girador (vira-máquina), as carvoeiras, o depósito para dez locomotivas – foi planejado e implantado um núcleo urbano destinado aos funcionários da companhia que trabalhavam na tração, no tráfego e na conservação. A Vila Martim Smith, parte da Vila de Paranapiacaba localizada hoje no município de Santo André, foi projetada como uma cidade de serviços, com traçado ortogonal, zoneamento hierarquizado, 46 casas térreas de madeira pré-fabricadas para habitação, alojamento para solteiros, sistema de esgoto e água potável encanada, sendo dotada ainda de um hospital, uma igreja presbiteriana, um mercado, uma escola e um clube de esportivo e de recreação com seções regulares de cinema.
A execução do funicular da Serra Nova ficou a cargo do engenheiro Emilio A. H. Schonoor, brasileiro formado na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, com a supervisão do engenheiro-chefe da SPR, o inglês James Fforde. Segundo os engenheiros Lavander e Mendes, a alternativa de uma linha que funcionasse pelo sistema de “simples aderência” foi descartada devido ao alto custo de implantação, e o traçado do novo sistema funicular seguiu ao longo do mesmo espigão da Serra do Mar onde estava a linha antiga, um pouco acima dela. A nova linha sobe a partir da cota 4,50 metros em Cubatão, atinge 800,5 metros em Paranapiacaba, completando 796 metros de altitude vencidos nos 11.031 metros de extensão dos cinco Planos Inclinados. O entroncamento com a linha antiga passou a se dar no quilômetro 30, no Alto da Serra.
O sistema da Serra Nova passa a contar com cinco Planos Inclinados e cinco patamares de manobra para vencer 10 quilômetros de desnível, com três trilhos em toda a extensão, exceção feita aos desvios intermediários, cruzamentos e patamares, onde o trilho continuava duplo. O antigo sistema de cabos é substituído por outro, endless-rope, ou cabo sem fim, no qual os cabos de aço passam a se movimentar somente em uma direção. O cabo de tensão também é redimensionado para suportar até 96 t, passando a ter 4,8 cm de diâmetro. A flexibilidade dos cabos é mantida para, uma vez acionados pelos Planos Inclinados através das respectivas máquinas fixas à vapor, eles possam responder aos mecanismos das polias: “na máquina fixa havia dois eixos de movimento e quatro volantes; os menores movimentavam o cabo de tensão enquanto os maiores, ligados entre si por cabos flexíveis, tinham a função de garantir o movimento sincronizado e atenuar os impactos dos engates, além de manter a própria inércia”. Em cada patamar, são construídas uma Casa de Máquinas, localizada sob os trilhos, uma Casa de Caldeiras e respectiva chaminé, localizadas na lateral dos trilhos no mesmo nível da máquina fixa para abrigar quatro caldeiras, e um poço de tensão localizado também sob os trilhos e cujo objetivo era manter o cabo sem fim sempre tensionado.
Um novo veículo especial com força motriz própria, o loco-breque, é dotado de uma tenaz para engatar no cabo e receber o esforço de tração, movimentando o conjunto de vagões nas viagens na serra; essa pequena locomotiva 0-4-0T agilizava a operação nos patamares, manobrando o conjunto de carros e vagões a ela acoplados. Um sistema de 4 800 polias rotativas é instalado entre os trilhos para manter o cabo de aço alinhado e firme, e todo material rodante é munido do eficiente sistema de frenagem contínua a vácuo, o Rapid Acting Vaccun Brake, medidas que aumentam a confiabilidade e a segurança das operações. O principal objetivo da instalação do novo sistema funicular é obter “tração direta do cabo pela máquina fixa, sem inversão do esforço produzido, como acontece no sistema de movimento alternativo empregado na linha antiga, proporcionando ao novo sistema as vantagens de movimento uniforme e mais suave, além de notável economia de usura do cabo”.
Os Planos Inclinados da Serra nova provocam admiração não só dos viajantes, como também de especialistas como o engenheiro Adolpho Augusto Pinto que descreve detalhadamente as obras empreendidas: “Aqui são alterosas muralhas de arrimo sustentando imensos moles de terra; ali túneis que perfuram a montanha em condições técnicas extremamente difíceis; logo adiante um viaduto em reta ou curva, a transpor uma grota [...] Se todas essas obras provocam justa admiração, quer pela variedade, quer pela esmerada fatura dos diferentes tipos, não menos de admirar é a quantidade em cada espécie. Assim é que, nesse curto trecho de linha, apenas de cerva de 10 quilômetros, se contam não menos de 79 bueiros e pontilhões com 14 154 metros cúbicos de alvenaria, 58 muralhas de arrimo medindo a extensão total de 2755 metros lineares e 82906 metros cúbicos de alvenaria (dois destes muros atingiram 30 metros de altura vertical), 18 pontes e viadutos com o comprimento total de 1477 metros, pesando o ferro 3947 toneladas, 13 túneis com o comprimento total de 1350 metros”.
Porém, durante a construção, multiplicaram-se os percalços e imprevistos. Além das habituais dificuldades impostas pelo clima, pelo transporte até o local das obras e pela montagem das superestruturas metálicas vindas da Inglaterra que exigiam altos e custosos andaimes, houve problemas com as fundações das obras de arte de engenharia e com a consolidação dos cortes e aterros feitos na serra, por vezes exigindo a “sustentação de montanhas inteiras que, deturpadas em seu equilíbrio, corriam para baixo, ameaçando criar abismos profundos, e soterrar a linha atual debaixo de suas massas em movimento, necessitando obras de elevado custo, em que foi necessário empregar toda a arte do engenheiro para seu projeto e execução”. Uma via tipo Decauville foi assentada a partir da Raiz da Serra, com ramificações que alcançavam os patamares da Serra Velha, uma verdadeira estrada de ferro de serviço paralela com 21 quilômetros de extensão e bitola 0,60 metros, que servia ao transporte de materiais e trabalhadores. O tipo especial de tração utilizado na serra exigiu ainda a perfeita execução do leito da estrada, a fim de evitar a queda de pedras e barreiras durante a tração dos vagões, sendo construídas numerosas galerias subterrâneas para o dessecamento, muros de todos os tipos e formas, gigantes para suportar as massas rochosas imersas no talude ou em terrenos porosos e aqüíferos. Tanta ciência e tanto esmero técnico resultou em acréscimo considerável no custo das obras; além das condições climáticas e dos imprevistos técnicos citados, a dificuldade para obtenção de material em São Paulo e as mudanças de preço do material importado, além dos problemas com a mão de obra, fizeram que o custo inicial fosse duplicado. O fato exigiu que o engenheiro-chefe da SPR, E. Schnoor elaborasse um relatório justificativo para ser encaminhado ao governo brasileiro, intitulado “Memória justificativa do custo das obras novas para a duplicação da linha dos Novos Planos Inclinados – São Paulo Railway Company”, importante fonte de informações sobre a obra na Serra Nova.
A linha duplicada ficou pronta em 1899 quando começaram a funcionar os Novos Planos Inclinados, oficialmente entregues em dezembro de 1901, de acordo com o Decreto Federal nº 3.786, de 01 de outubro de 1900 (36). A partir do início da operação da nova linha da SPR, durante a superintendência de William Speers na SPR, foram mantidos dois turnos de serviço na Serra Nova e um turno na Serra Velha (só para carga), empregando-se 1.400 homens e gastando-se 28.000 toneladas de carvão por ano só nesse trecho. A comparação entre os dois sistemas confirma que, nos primeiros anos, após a inauguração do novo sistema funicular na Serra do Mar, observou-se a reivindicada descompressão do sistema funicular:
Sistema Funicular Serra Velha – Inaugurado em 1867 com oito quilômetros de extensão e rampas de 10% de declividade para vencer um declive de 762 metros. Operado pelo sistema de cabos simples, com quatro máquinas fixas a vapor, abrigadas em construções situadas no alto de cada um dos quatro planos inclinados. Peso máximo por viagem: 60 toneladas, balanceadas por pelo menos 30 toneladas na outra ponta do cabo. Média de viagens diárias: 48,7. Transporte médio diário: 2.432 toneladas para cima e 1.857 toneladas para baixo. Tempo necessário para a subida ou descida: 50 minutos, incluindo paradas, manobras e mudança de pessoal.
Sistema Funicular Serra Nova – Inaugurado em 1901, com dez quilômetros de extensão e rampas de 8%, para vencer um declive de 796 metros. Operado pelo sistema de cabos sem fim, com cinco máquinas fixas a vapor abrigadas em construções no alto de cada um dos cinco planos inclinados. Peso máximo por viagem: 120 toneladas, balanceadas por pelo menos 60 toneladas na outra ponta do cabo. Média de viagens diárias: 114,6. Transporte médio diário: 11.747 toneladas para cima e 9.521 toneladas para baixo. Tempo necessário para a subida ou descida: 35 minutos, incluindo paradas, manobras e mudança de pessoal.
Porém, apenas 20 anos depois da ampliação da capacidade de operação do sistema, o Ministro de Viação e Obras Públicas informa sobre “uma nova crise de transporte na Estrada de Ferro Santos a Jundiaí face ao excesso de mercadorias a serem transportadas”, prevendo um futuro esgotamento dos Planos Inclinados. O Ministro veta a solicitação da SPR de implantar um novo sistema de cremalheira sobre o leito da Serra Velha, de menor inclinação, por não concordar com a condição de prorrogação da concessão por mais trinta anos. De qualquer forma, os ingleses já vinham se desinteressando pela SPR desde 1924 quando tem inicio a construção do trecho Mayrink - Santos da Companhia de Estradas de Ferro Sorocabana, que iria cruzar a Serra do Mar em 1938, decretando o fim definitivo do monopólio do transporte para o porto de Santos e para a baixada santista mantido pela São Paulo Railway através do sistema funicular.
O prazo de concessão de noventa anos, que havia sido outorgado pelo Governo Imperial a São Paulo Railway Company, findou em 1946 quando ocorre o ato de encampação pelo governo brasileiro. Mas, ainda durante onze anos, essa ferrovia continua prestando bons serviços rebatizada de Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, sendo depois incorporada à Rede Ferroviária Federal, empresa estatal extinta no ano de 2007.
Durante quase um século de existência, período em que conseguiu manter o monopólio do transporte ferroviário para o litoral paulista, a São Paulo Railway foi a companhia de viação férrea de maior importância para o desenvolvimento do Brasil, a mais rentável da América do Sul e uma das maiores do mundo em densidade de tráfego apesar de sua pequena extensão. Fundamental para o desenvolvimento do Estado de São Paulo de grande parte de suas cidades, assim como da Capital, este conjunto, tombado, que com certeza está entre os bens mais significativos e representativos do patrimônio industrial de todos os brasileiros, está hoje praticamente abandonado e em vias de extinção.
Parabéns SPR, pelos seus 156 de resistência!
Nota do blog: Na imagem, Locobreque N. 12, em Paranapiacaba, em 1922.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Praça do Japão, Década de 1970, Curitiba, Paraná, Brasil


 

Praça do Japão, Década de 1970, Curitiba, Paraná, Brasil
Curitiba - PR
Fotografia


Praça do Japão, no início da circulação dos ônibus expressos pela Avenida Sete de Setembro.