Cemitério dos Ingleses, Salvador, Bahia, Brasil
Salvador - BA
Fotografia - Cartão Postal
O Cemitério
dos Ingleses (ou British Cemetery) é uma necrópole brasileira de Salvador, localizada na avenida Sete de
Setembro, mais precisamente na ladeira da Barra, na região sul da capital baiana. Sua história remonta
à transferência
da corte portuguesa para o Brasil e à assinatura do Tratado de Comércio e Navegação entre
o Reino de Portugal e
o Reino Unido,
que permitiu a presença da Igreja Anglicana no país. Mantém-se, desde sua
inauguração em 1814, como principal patrimônio histórico da colônia britânica
na Bahia.
A história do
anglicanismo no Brasil inicia-se no século XIX, no contexto da vinda da família
real portuguesa para o país. A Marinha Real Britânica escoltou
as embarcações portuguesas que partiram para o Brasil em 27 de novembro de
1807, ocasião da invasão
napoleônica de Portugal. Assim sendo, muitos ingleses desembarcaram
no país. Vários deles decidiram ficar e explorar a atividade comercial após a
assinatura do Tratado de Comércio e Navegação em
fevereiro de 1810, que garantia um imposto menor às mercadorias britânicas
importadas para o Brasil, o que acabou garantindo aos ingleses uma vantagem
competitiva que os levaram a dominar o mercado nacional e formar uma
significativa comunidade em centros comerciais como Salvador, Recife e Rio de Janeiro.
O Tratado de Comércio
e Navegação também permitiu a construção de templos anglicanos no território
brasileiro. No entanto, eles não poderiam ter a aparência de igrejas
cristãs – ou seja, não poderiam ter torres ou sinos – e nem buscar a conversão
de cristãos católicos brasileiros. Segundo a tradição, o tratado teria
sido assinado por D. João VI no local onde foi erguido
o Cemitério dos Ingleses. Há quem afirme, no entanto, que o cemitério foi
inaugurado na década de 1830 e que, antes disso, os ingleses eram sepultados
em Massaranduba, na Península de Itapagipe,
local destinado ao enterro de indigentes, escravos e
criminosos; entretanto, há registros de sepultamentos no cemitério datados de
1813. Acredita-se que ele seja mais antigo do que o próprio Cemitério do Campo Santo,
o primeiro cemitério público da cidade.
Antes do Campo
Santo, os baianos eram enterrados em igrejas. A exceção, no entanto, eram os
"hereges", ou seja, os não católicos. Eles eram proibidos
de serem sepultados nas mesmas necrópoles que o restante da população pela
Constituição do Arcebispado da Bahia. O Tratado de Comércio e Navegação
veio para resolver essa situação para os ingleses, principais parceiros
comerciais dos portugueses, que encontravam dificuldade em manter sua fé
protestante num Estado confessional católico.
Após a assinatura do tratado, começaram a ser realizados os primeiros cultos anglicanos
do país ainda em 1810 – em língua inglesa e voltados exclusivamente para a
comunidade britânica –, inicialmente em residências. Mas os ingleses
ainda não tinham um lugar para realizar as cerimônias fúnebres e enterrar seus
os mortos.
Em 8 de
fevereiro de 1811 o Conde dos Arcos Marcos de Noronha e Brito,
então Governador da Bahia,
autorizou a construção de um cemitério na capital baiana para a realização dos
rituais de sepultamento dos membros da comunidade britânica da cidade. Logo
foi erguida uma pequena capela para a realização de funerais no local; seus primeiros registros datam de
1819. Até a inauguração da Capela Anglicana do Campo
Grande em outubro de 1853, esta capela, conhecida como Igreja
de São Jorge (ou Saint George's Church), foi o único templo não católico
romano de Salvador, sendo o local onde a comunidade anglicana da cidade
organizava seus cultos. Após a inauguração do templo de Campo Grande, deixou de
celebrar cultos regularmente e passou a ser utilizada apenas para a realização
de funerais, como ainda ocorre nos dias de hoje.
A área em que
o Cemitério dos Ingleses foi construído pertencia à Arquidiocese de
São Salvador, mais especificamente à vizinha Igreja de Santo Antônio
da Barra. Tamanha era a influência dos britânicos na sociedade baiana da
época que em 1814 o Conde dos Arcos expropriou o terreno da Igreja Católica e
doou-o para a comunidade britânica da capital baiana, que fundou a Sociedade de
São Jorge para organizar suas atividades. Acredita-se que a Igreja de
Santo Antônio da Barra e o Cemitério dos Ingleses eram conectados por um portal
até meados do século XIX, o que seria uma prova do relacionamento profícuo
entre católicos e anglicanos. Segundo o pesquisador Francisco de Paula Santana
de Jesus, o relacionamento entre os baianos e os protestantes alemães era bem
mais hostil. Até a inauguração do Cemitério dos Alemães em 1851 no bairro
da Federação, estes
também eram enterrados no Cemitério dos Ingleses devido à proibição do
sepultamento de não-católicos nos cemitérios públicos.
O Cemitério
dos Ingleses foi considerado um sítio histórico pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia em
1993, sendo tombado pelo órgão no mesmo ano. Após uma bem sucedida
campanha iniciada pela pesquisadora inglesa Sabrina Gledhill, moradora de
Salvador, o local foi restaurado em 2006 com recursos do Estado e da
Fundação Clemente Mariani. Desde a restauração do sítio, foi aberto
no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional um
processo para que seja tombado também por este órgão. Em 2008, a Sociedade
de São Jorge conseguiu, no Supremo Tribunal Federal,
o direito de não pagar uma dívida de R$ 41.831,70 em IPTUs atrasados. Segundo o entendimento do plenário,
cemitérios sem fins lucrativos são imunes à cobrança do imposto. Em 2009
foi lançado, no Cemitério dos Ingleses, o projeto Darwin na Bahia, que
marcava o bicentenário do nascimento de Charles Darwin, que esteve na capital baiana durante sua expedição do Beagle.
Dois companheiros de viagem do cientista britânico na expedição estão
enterrados no local. Em 2010 a Paróquia Anglicana do Bom Pastor se separou
juridicamente da Sociedade de São Jorge, que desde então administra o Cemitério
dos Ingleses de maneira independente como uma organização sem fins lucrativos.
O Cemitério
dos Ingleses está localizado na Av. Sete de
Setembro, mais precisamente na ladeira da Barra, entre a Igreja de Santo Antônio da Barra e o Yacht Clube da Bahia; é
uma área nobre na região sul da cidade, com uma vista privilegiada da Baía de Todos-os-Santos.
Tratava-se de uma área, quando de sua fundação, afastada do Centro de Salvador,
embora não estivesse muito longe do então ascendente Largo do Campo Grande,
morada de estrangeiros, ricos negociantes e dignatários. Segundo João Reis, sua
distância do centro da cidade era proposital, uma vez que o cemitério
"estava adaptado à uma concepção de uma necrópole longe da cidade,
integrada a um cenário rural, que estava em moda na Europa e nos Estados
Unidos".
Segundo o
jornal A Tarde, o Cemitério dos Ingleses é um verdadeiro museu a céu
aberto, graças às belas esculturas que fazem parte de suas lápides, muitas das
quais adornadas com a cruz céltica e com a inscrição "IHS" (latim para Iesus
Hominum Salvator, que significa "Jesus, Salvador da Humanidade"). O
cemitério possui dois níveis, sendo o inferior, esteticamente menos
interessante, o principal local de sepultamento de judeus, o que é facilmente identificado pela presença da estrela de Davi nos túmulos. Também há uma área onde
teria ocorrido um sepultamento em massa de marinheiros, mas ela ainda não foi
descoberta pelos pesquisadores. Acredita-se que até meados do século XIX a
estrutura do cemitério era um pouco diferente; teria existido um portal que
ligava-o ao outeiro da Igreja de Santo Antônio da Barra.
Além de
judeus, é possível identificar túmulos de estrangeiros que não necessariamente
eram anglicanos, como franceses e alemães. Dada a proibição de enterrar
protestantes ao lado de católicos, logo pessoas de outras religiões, como luteranos, começaram a ser enterradas no local também. A
prática durou pelo menos até a inauguração do Cemitério dos Alemães em 1851 e
pode ter persistido mesmo após essa data, visto que a resistência dos baianos
católicos era maior aos alemães luteranos do que aos ingleses anglicanos. Segundo
a historiadora Sabrina Gledhill, "o preconceito era mútuo" e, mesmo
que lhes fossem permitido ser enterrados nos cemitérios públicos (o que se
tornou permitido em 1889, com a proclamação de uma República
laica), os protestantes não iriam querer ser sepultados ao lado de
católicos.
Seus túmulos
são pequenos. Segundo Francisco de Paula Santana de Jesus, os ingleses eram
enterrados em covas de 7 palmos de profundidade, sempre adornadas com pequenos
mausoléus das mais modestas demonstrações. Isso devia-se ao fato de que,
no século XIX os ingleses já haviam superado o culto aos mortos e aos túmulos,
até então caros aos católicos. Era necessário então, "fazer
desaparecer o corpo, com decência, evidentemente, mas também de modo rápido e
completo, graças à cremação". Segundo Elizete da Silva, essa atitude estava
ancorada em três concepções que os anglicanos, em sua maioria, possuíam:
"que a morte do cristão era uma morte bem-aventurada, pois morriam no
Senhor; "que identificava a morte como um sono, um repouso dos fiéis no
aguardo da ressurreição eterna"; "que [a morte] se constituía numa
passagem, numa partida desta vida para a vida eterna". Isso
explicaria a sobriedade dos túmulos presentes no Cemitério dos Ingleses.
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