Mapa 17 de Céspedes Xeria, original no Archivo General de
Indias sob a cota ES.41091.AGI/27.3//MP-BUENOS_AIRES,17, 78 × 116cm,
Sevilha.
Mapa 17bis de Céspedes Xeria, original no Archivo General de Indias sob a cota ES.41091.AGI/27.3//MP-BUENOS_AIRES,17BIS, 77,5 × 117cm, Sevilha.
Mapa de Céspedes Xeria, cópia de Santiago Montero Díaz a 29 de
setembro de 1917 elaborada a partir do original 17bis. Localizável no Museu
Paulista mediante a cota colocada no verso IC 10239, 78,9 × 117,6cm, São
Paulo.
Affonso de Taunay e as Duas Versões do Mapa de D. Luis de Céspedes Xeria (1628) / Primeira Iconografia Conhecida da Cidade de São Paulo / La Villa de San Pablo, São Paulo, Brasil - Artigo
Artigo
Resumo:
Este trabalho tem como objetivo aprofundar o
estudo do mapa da viagem de D. Luis de Céspedes Xeria da vila de São Paulo de
Piratininga a Ciudad Real de Guayrá, na Província do Paraguai, em 1628. Para
tanto, recorremos a fontes primárias como os manuscritos da Coleção De Angelis,
mantidos na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, bem como aos manuscritos do
Archivo General de Indias, em Sevilha, incluindo a ampla documentação escrita e
sobretudo as duas versões disponíveis do documento cartográfico produzido por
Céspedes Xeria em 1628. Em seguida comparamos a cópia encomendada por Affonso
d’Escragnolle Taunay em 1917 com ambos originais seiscentistas remanescentes,
aferindo-se a fidelidade dessa cópia com um dos originais. Analisamos ainda as
representações cartográficas dos povoamentos representados no mapa, que em 1938
suscitaram discussões públicas entre Taunay e Benedito Carneiro Bastos Barreto,
o Belmonte, concluindo que todos são símbolos cartográficos ou ícones
padronizados em vez de representações baseadas na aparência dos edifícios tal
como eram quando foram visitados por Céspedes Xeria na primeira metade do
século XVII. Durante este processo distinguimos dois momentos do historiador
Taunay: o primeiro revela sua preocupação com a fidelidade ao copiar documentos,
e o segundo, a plasticidade de interpretação na análise e utilização desses
documentos.
Introdução:
Aproxima-se o bicentenário de nossa
Independência e acaba de completar-se o centenário da publicação de uma cópia
do Mapa del río Ayembí (actual Tieté) y del Paraná, con sus afluentes, que
recorrió Luis de Céspedes Jería, gobernador del Paraguay, al entrar en su
jurisdicción desde Brasil. Torna-se, pois, oportuno seu estudo mais
aprofundado, também pelo fato de alguns trabalhos recentes - ao não levarem em conta
algumas fontes primárias (entre elas uma segunda versão desse mapa) - ficaram
na dúvida se Affonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958) ou o cartógrafo que
trabalhou para ele teriam modificado esse documento cartográfico.
Colocações semelhantes não são novidades
na historiografia paulista. Nos fins do século XIX, Cândido Mendes de Almeida
atribuiu a Frei Gaspar da Madre de Deus forjar um documento a respeito da
aclamação de Amador Bueno para construir um passado glorioso e independentista
para São Paulo. Taunay, em defesa do historiador beneditino, encontrou em 1915
uma patente comprovando a fidelidade com que este transcreveu sua fonte, o que
mostra seu apreço pelos documentos, ao elogiar a fidelidade do historiador
beneditino.
Agora é o momento de trazer à baila uma
cópia duplicada, também manuscrita e com mesma data, do mapa de Céspedes Xeria
existente no Archivo General de Indias, que comprova que o então diretor do
Museu Paulista não fez nem mandou fazer mudanças. O estudo mostra, entre outras
conclusões, como a cartografia encomendada por Taunay reproduz com perfeição
todos os detalhes do segundo mapa feito por Céspedes três séculos antes.
Affonso de Taunay e o Mapa de D. Luís de
Céspedes Xeria:
Para entender a relação de Taunay com esse
mapa é importante reconstituir brevemente sua trajetória profissional até sua
nomeação como diretor do Museu Paulista em 1917, mesmo ano em que solicitou uma
cópia do mapa em estudo.
Affonso Teixeira d’Escragnolle Taunay
nasceu na cidade do Desterro (atual Florianópolis) em 1876, tendo se mudado com
sua família para o Rio de Janeiro alguns meses após seu nascimento. Foi na
antiga capital do Brasil que iniciou seus estudos no Colégio D. Pedro II e
formou-se em 1900 como engenheiro-civil na Escola Politécnica daquela cidade.
Iniciou sua carreira profissional em São Paulo, onde por indicação de Augusto
Carlos da Silva Teles foi contratado a 9 de janeiro de 1899 como
preparador dos laboratórios de química na Escola Politécnica paulista. Nessa
escola Taunay foi lente substituto da cadeira de física experimental e noções
de ciências naturais (botânica e zoologia) a partir de 1904, sendo efetivado
como lente catedrático das cadeiras da área de física, que incluíam as noções
de ciências naturais, em 1911.
Paralelamente, Taunay nutria profundo
interesse pela história do Brasil, tendo sido discípulo de Capistrano de Abreu
no Colégio D. Pedro II, professor e amigo com quem manteve ativa e profícua
correspondência por décadas. Sua proximidade com os beneditinos, que desde cedo
haviam notado seu tino para a história, rendeu-lhe um convite para lecionar a
disciplina de história universal no Ginásio de São Bento, em 1903. Oito anos
mais tarde o abade do mosteiro beneditino, D. Miguel Kruse, o convidaria para
ministrar a mesma disciplina na Faculdade Livre de Filosofia e Letras de São
Bento. Destarte, pode-se dizer que sua experiência como professor; a
atuação nos institutos históricos - com a publicação de seus primeiros e
importantes trabalhos na área; e a proximidade das comemorações pelo centenário
da Independência do Brasil foram elementos fundamentais para que Taunay fosse
nomeado “diretor em comissão” do Museu Paulista em fevereiro de 1917, em
substituição ao naturalista alemão Hermann von Ihering.
Em seu primeiro ano como diretor do Museu
Paulista, Taunay se empenhou em inaugurar uma nova sala de exposição que fosse
exclusivamente dedicada à história do Brasil e ao passado paulista (Sala A-10).
Nessa sala, a cartografia era peça importante para a composição de um cenário
expositivo que narrasse a história brasileira segundo suas concepções. Nesse
sentido, ele buscava adquirir, por permuta ou encomenda de cópias
fac-similares, toda uma documentação relacionada ao passado pátrio ou de São
Paulo. Do arquivo sevilhano, de nosso interesse mais imediato, Taunay se
empenhou em conseguir uma cópia fac-similar do Mapa de D. Luís de Céspedes
Xeria, cuja existência naquela instituição soube pelo Reverendo Padre Pablo
Pastells, como ele mesmo declara em artigo publicado na Folha da Manhã: “Quando
em 1917, o eminente Pablo Pastells me assinalou a presença do mapa de Céspedes
no Archivo General de Indias, em Sevilha, e mo descreveu, sofregamente o fiz
copiar fac-similarmente. Dei-me logo pressa em divulgar esse documento
preciosíssimo”. Além disso, cabe lembrar que o primeiro tomo de sua
monumental História da Companhia de Jesus já havia sido publicada cinco
anos antes.
Para se ter uma ideia do trabalho
realizado por Taunay, apenas em seu primeiro ano como diretor foram levantadas
46 cartas para a inauguração da sala A-10. Segundo o Correio Paulistano de 24
de dezembro daquele ano, a inauguração da nova sala ocorreu em 25 de dezembro,
em que foram expostas 29 cartas quinhentistas, 16 seiscentistas e 9
setecentistas, das quais 39 referiam-se à cartografia sul-americana e brasileira
e apenas sete à paulista. Ainda segundo o texto publicado no periódico, a
intenção, nesse primeiro momento, era mostrar “a evolução da geografia do nosso
continente, desde o mappa de Juan de la Cosa, datado do anno pronto da
descoberta do Brasil, até o das “Côrtes”, em 1750, carta oficial da demarcação
dos territórios das corôas de Portugal e Hespanha, em virtude do tratado de
Madrid”.
A cópia do mapa de Céspedes Xeria foi
acertada por correspondência com Santiago Montero Díaz, um copista já bastante
experimentado que trabalhava no Archivo General de Indias. Montero Díaz não
copiou apenas o mapa, mas também toda a documentação que dizia respeito a essa
peça cartográfica, assim como o material textual referente a Céspedes Xeria.
Na correspondência trocada entre Taunay e
Montero Díaz, vê-se a especial atenção que Taunay solicitava em relação à
fidelidade da cópia a ser realizada. A este respeito, Montero Díaz informava a
Taunay, em carta datada de 13 de agosto de 1917, que a cópia já estava em
andamento conforme seu pedido, e que:
En conformidad de lo que el señor me dice
de que desea una copia exacta del mapa de don Luis de Cespedes Xeria con su
tamaño y colores naturales, reproducción exacta de un delineante cartográfico,
le comunico que queda haciéndose y que cuando esté terminado se lo enviaré.
Em resposta a esta carta, Taunay voltava a
insistir na questão da exatidão e fidelidade da cópia a ser feita, como se pode
observar na carta enviada por ele em 13 de setembro de 1917:
Já desanimara de receber resposta sua
quando hoje tive o prazer de ler sua carta. Como já tive a occasião de lhe
escrever, desisti de mandar fazer photographia do mappa de D. Luiz Cespedes; o
que desejo é uma reprodução exacta, fiel, dessa carta.
Ao concluir a cópia, Montero Díaz enviou
nova correspondência a Taunay, datada de 1º de outubro de 1917, informando-lhe que
havia concluído o trabalho e remetido o mapa ao Brasil, dando conta ainda do
valor que cobrara pelos serviços realizados.
Con esta fecha le remito por correo
certificado y en paquete separado la copia del mapa de don Luis de Cespedes
Xeria que me pidió en su carta de 19 de junio del presente año.
Se ha tardado en copiarlo algún tiempo más
del que yo le dije en mi carta de 22 de febrero pero se ha hecho con todo
esmero y en copia exacta del original en tamaño, dibujo y colores, hasta el
extremo de que los trazos de letras que en el original estén muy gruesos por
haberse corrido la tinta, se han puesto iguales en la copia y se lo advierte
para que no se crea que ha sido falta del copista.
Respecto al pago, pongo con esta misma
fecha en circulación una letra a su cargo y ocho días vista por valor del
importe de la copia del mapa, 200 pesetas, que espero será de su conformidad.
Por este trecho, vê-se que para atender o
pedido de Taunay chegou ao extremo de reproduzir os traços mais grossos do
mapa, feitos acidentalmente no original em decorrência de escorrimento da
tinta. Quanto ao valor pago pelos serviços de Montero Díaz, as duzentas pesetas
equivaliam a 178 mil réis (178$000), que foram pagas em duas remessas de cem
pesetas.
Tão logo as cópias dessa documentação
chegaram a suas mãos, Taunay passou a divulgá-las. A inauguração da sala A-10
foi uma das iniciativas nesse sentido, sendo o mapa de Céspedes Xeria um dos
destaques da exposição, como fez questão de apontar o já mencionado texto
publicado no jornal Correio Paulistano.
Além de expor a cópia fac-similar da carta
que mandara fazer na Espanha, Taunay também passou a divulgar a história de
Céspedes Xeria e de seu “mappa-roteiro” através de uma série de artigos que
publicou no Correio Paulistano entre 1917 e 1919. Posteriormente, esses
artigos foram reunidos e publicados na Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro sob o título de Na era das bandeiras. Mais que isso,
nas comemorações do centenário da Independência do Brasil, Taunay publicou toda
a documentação que já havia reunido e transcrito sobre esse tema no primeiro tomo
da nova revista que criara centrada exclusivamente em história, os Anais do
Museu Paulista.
Por fim, vale observar que, se por um lado
Taunay se empenhava em obter cópias fiéis da documentação cartográfica que
mandara levantar nos mais distintos acervos, por outro, deu-se grande liberdade
para organizar a nova sala A-10 como concebia e interpretava a história
paulista e nacional. Nesse sentido, convém apontar que o cenário expositivo do
novo espaço contava com, além dos mapas que ele mandara copiar - todos
emoldurados e expostos nas paredes -, outros elementos como documentos
textuais, quadros, retratos e efígies de personalidades que, segundo sua concepção
histórica, contribuíram para a formação do Brasil. Assim, expunham-se ao lado
das cartas que pretendiam mostrar a “evolução da geografia de nosso
continente”, as efígies de Alexandre de Gusmão, tido por Taunay como “o primeiro
delimitador diplomático da fronteira nacional”, e do Barão do Rio Branco, “o
fixador das fronteiras definitivas da confederação brasileira”. Junto a esses
também expôs um retrato do bandeirante Domingos Jorge Velho, destruidor do
Quilombo dos Palmares, entremeado pelos retratos do imperador, D. Pedro I e do
patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva. Havia ainda
quadros de personalidades do quinhentismo paulista, tais como Martim Afonso de
Souza, o fundador de São Vicente e donatário da capitania homônima, e do Padre
José de Anchieta, um dos fundadores do colégio jesuítico em Piratininga que deu
origem à vila de São Paulo em 1560.
Portanto, não é equivocado afirmar que a
atuação de Affonso de Taunay na formação da coleção cartográfica do Museu
Paulista nos primeiros anos de sua gestão foi, juntamente com a aquisição de
coleções textuais e iconográficas, muito importante para que ele conseguisse
engendrar a trama de uma narrativa histórica nacional na qual os paulistas eram
tidos como protagonistas. Essa coleção também celebrava os feitos dos
antepassados da elite cafeeira paulista que, desde os primeiros anos da
República, estava no controle do poder político do Brasil. Não por acaso, foi
justamente essa elite quem deu carta branca e “largos créditos” a Taunay para
que ele levasse adiante seu projeto de transformação do Museu em uma
instituição devotada às histórias paulista e brasileira.
Por outro lado, vale a pena destacar desde
já um ponto: o olhar crítico para o modo como Taunay formou essa coleção
cartográfica aponta para, entre outros aspectos, sua grande preocupação com os
documentos que mandara copiar em fac-símile, por manter a maior fidelidade
possível, até mesmo nos mínimos detalhes, reproduzindo inclusive rasuras ou
manchas dos originais. Tal cuidado na transcrição dos documentos textuais sob
orientação de Taunay já havia sido observado pelos trabalhos de Ana Cláudia
Brefe e Karina Anhezini, de modo que essas autoras aproximaram o
antigo diretor do Museu Paulista da escola metódica de historiadores, com forte
influência dos franceses Langlois e Seignobos.
É de fato importante fazer a análise
crítica do modo como Taunay selecionou, organizou e divulgou o acervo, mas é
preciso ao mesmo tempo ter o cuidado na análise heurística da documentação
levantada pelos envolvidos na cópia fac-similar, a fim de que se evitem
afirmações que coloquem em questão a idoneidade, tanto dos pesquisadores
(Affonso de Taunay) como das instituições envolvidas (Archivo General de Indias
e Museu Paulista).
Como se destacou até aqui, a organização dos
documentos reunidos por Taunay para a inauguração da sala A-10 está de fato
alinhada com sua concepção do como fazer história e, ao mesmo tempo, com a
visão que tinha da história nacional. Na composição do cenário expositivo dessa
sala, buscou destacar o papel dos paulistas na formação do território nacional,
tendo como personagem principal os bandeirantes, colocando-os lado a lado com
Alexandre de Gusmão e o Barão do Rio Branco; com o patriarca e o imperador.
Entretanto, até onde foi possível investigar, não há indícios ou evidências de
que Taunay tenha ordenado fazer quaisquer alterações nas cartas que mandara
copiar nos acervos nacionais e estrangeiros. No caso específico do mapa de
Céspedes Xeria tal operação seria ainda mais improvável, uma vez que o
desenhista responsável pela cópia encomendada por Taunay trabalhava a serviço
do Archivo General de Indias e não tinha vínculos com o diretor do Museu
Paulista. Passemos pois à apresentação dos originais e da cópia, para depois
compará-los.
Os duplicados desse mapa:
Foi justamente na primeira edição dos
Anais do Museu Paulista que Taunay fez publicar, entre outros documentos, duas
cartas de Céspedes Xeria a sua majestade D. Felipe IV de Espanha. A primeira
delas, escrita na Ciudad Real de Guayrá em 8 de novembro de 1628, informa que
“ay enbio a vuestra magestad todo aquel Rio que andube … en un boron que vine
haciendo con tintas de yeruas. Vuestra magestad lo vea y luego … oyga lo que le
voy diciendo”. O título dado à carta pelo Archivo General de Indias, por sua
vez indica: “acompaña un mapa donde se indica su derrota”. É o mapa que
estudamos. Já a segunda correspondência, escrita em Assunção em 29 de maio de
1629, ao referir-se à carta anterior traz a interessante informação de que “…De
la ciud Real del guayra … escreui a UM [Vuestra Magestad] por sinco
duplicados, dos por la via de lima y tres por la del Brasil”. Em outra
passagem, referindo-se a esses mesmos documentos, Céspedes, talvez equivocado,
indica que mandou “despachar seis pliegos por duplicado para su magestad”.
Esse envio de mais de uma cópia era uma
prática comum e até obrigatória na época, em função da precariedade das
comunicações e risco de se perderem no caminho, em viagens acidentadas através
de rios, montanhas escorregadias, fortes chuvas e outras dificuldades. Saint
Hilaire e Von Martius, por exemplo, enviavam os exemplares de suas coleções
botânicas por mais de uma via, em geral três: Belém do Pará, Rio de Janeiro e
uma pessoalmente. Era a esperança de que pelo menos uma chegaria a seu destino.
Céspedes, mais precavido, como se viu, enviou cinco ou seis exemplares, da
carta e do mapa, ainda que na prática só houvesse dois conjuntos de documentos.
Perdido um deles, perdiam-se todas as cópias que seguiam no mesmo malote.
No Archivo General de Indias encontram-se
dois conjuntos (carta e mapa), talvez os que foram despachados pela via de
Lima. Atualmente estão localizados na mesma estante, caixa e dossiê que as
cartas mencionadas. Em meio digital receberam nova cota ou código de
referência, que diferem somente pelo acréscimo da expressão “BIS”. Daqui
em diante utilizaremos as expressões 17 e 17bis (ou simplesmente bis), para
referir-nos aos mapas, e as expressões N1 e N1bis para as cartas.
Teria Taunay conhecimento dessa
duplicidade? Quem ler com atenção verá que a cota do Archivo General de Indias,
transcrita no primeiro tomo da já mencionada obra de Pablo Pastells, inclui
ao final a expressão duplicado. Admitindo-se que Taunay conhecia a existência
de mais de uma cópia, é de se perguntar se ele teria condições de especificar a
Santiago Montero Díaz, o copista do arquivo sevilhano, qual dos dois exemplares
ele deveria utilizar para executar o serviço. Acreditamos que, por não ter
visto os exemplares, Taunay não teria consciência das diferenças entre ambas.
Além disso, é importante que se tenha em conta que as expressões duplicado e
bis indicam uma identidade substancial entre as duas versões. Pelas discussões
com Belmonte, das quais trataremos mais adiante, fica claro que ambos
desconheciam o mapa 17. As Figuras 1 e 2 mostram esses duplicados, que serão
comentados mais adiante, apontando as diferenças. Mas antes disso é importante
caracterizar melhor essas e outras fontes utilizadas nesta pesquisa.
Figura
1
Figura
2
Este trabalho se inspirou na necessidade
de estudar mais profundamente os mapas fac-similares publicados por Taunay
na Coletânea de mapas de 1922. Para isso recorremos ao Archivo General de
Indias, obtendo as duas versões desse mapa, que comparamos com a cópia dessa
Coletânea e constatamos que ela havia sido baseada no mapa 17bis, e não no
mapa 17. A seguir, estudamos os documentos textuais associados aos mapas
publicados por Taunay e procuramos suas fontes originais, que não estão
indicadas nessa publicação. Constatamos que a maioria desses documentos está no
Archivo General de Indias, exceto dois deles, que atualmente encontram-se nos
Manuscritos da Coleção De Angelis, da Biblioteca Nacional, editada com ampla
introdução, notas e glossário por Jaime Cortesão.
Constatamos também que o Archivo General
de Indias possuía outros documentos elucidativos para esta questão que não
foram publicados, e assim fizemos a transcrição paleográfica das páginas de
interesse para este estudo.
Mapas e textos são complementares e
dialogam entre si, permitindo certas inferências. Da mesma forma, a
existência de duas cópias de cada documento também enriqueceu o estudo,
permitindo ampliar as análises.
Para evitar duplicações, nosso estudo
começou focalizando o mapa 17bis que, como dissemos, serviu de base para a
cópia encomendada por Taunay. Paralelamente, foram analisadas as variantes
tanto do mapa 17 como das diversas cópias. A primeira delas, feita no Archivo
General de Indias, é colorida, encontra-se atualmente no acervo cartográfico do
Museu Paulista e está reproduzida na Figura 3.
Figura
3
A partir dessa versão, foi impressa uma
cópia em preto e branco, em tamanho real, para a Collectanea de mappas comemorativa
do Centenário, e em escala menor para as duas edições da mencionada Na era das
bandeiras. Em seu capítulo A viagem de D. Luis de Céspedes Xeria, Taunay
analisa esse mapa tomando como fontes as duas cartas enviadas por Céspedes
Xeria ao rei em diferentes ocasiões; o relato da viagem escrito pelo
governador, publicado nos Anais do Museu Paulista; uma relação feita por
Céspedes, presente no Archivo General de Indias, que Taunay menciona sem citar
a fonte e, é claro, a cópia da versão 17bis, com sua rica legenda.
No apêndice documental A2 transcrevemos
essa legenda.
Nesse ponto é interessante focalizar o
autor do mapa e suas cartas ao rei que complementam o documento cartográfico.
Autoria e data:
Vida e ventura de Luis de Céspedes Xeria estão
descritas por Taunay na bibliografia citada (particularmente Na era das
bandeiras). Em todo caso, levanta-se a questão da autoria do mapa em um
sentido mais profundo, considerando também as discussões de John Brian Harley.
Na produção de um mapa manuscrito podemos
distinguir três momentos ou fases, ações e autores, que podem coincidir ou não.
A primeira é o levantamento de dados, seguida da elaboração ou desenho do mapa
e, por fim, a confecção de uma possível cópia.
Por exemplo, Diogo de Campos Moreno
levanta, na segunda metade do século XVI, os dados da costa do Brasil e Luis
Teixeira elabora um texto e desenha os mapas do Roteiro de Todos os Sinais; o
padre Cristóvão de Acunha levanta latitudes e distâncias no Rio Amazonas e
tanto Sanson como o conde de Pagan (meados do século XVII) desenham mapas; Bourguignon
Danville (meados do século XVIII), cartógrafo de gabinete, elabora seus mapas a
partir de muitas fontes; Guillaume Delisle (no início do século XVIII) reforma
a cartografia mundial a partir de mapas anteriores e de longitudes observadas
por muitos outros. Em todos esses casos, o mapa foi atribuído ao autor do
desenho, em parte pelo grande trabalho que tiveram. Em alguns deles são
citadas, no próprio mapa ou documento anexo, as fontes em que se baseiam. Os
copistas, na maioria dos casos, não são citados, por sua tarefa ser considerada
de menor relevância (cópia); ainda que em alguns casos se indique copiado por,
mormente quando são incluídas alterações ou atualizações.
Hoje existe maior consciência da
necessidade de reconhecer o trabalho de cada ator do processo, o que é
facilitado quando se criam os chamados metadados de um mapa. No caso concreto,
Céspedes indica que ele mesmo veio colhendo os dados (borrón que bine
haciendo, Apêndice A1, linhas 71-72) e que desenhou o
mapa para anexar à primeira carta que enviaria a Felipe IV. Além disso, os
longos dizeres inseridos como legenda do mapa estão em primeira pessoa (estive,
andei, eu e meus criados e outras expressões semelhantes). Depois, Céspedes
Xeria contou com a ajuda de um ou mais amanuenses para fazer as diversas
cópias: isso se deduz pelo fato de as legendas dos dois mapas apresentarem
caligrafias diferentes. Por sua vez, as duas cópias das cartas solidárias aos
mapas apresentam a mesma caligrafia (e iguais à legenda de um dos mapas), mas
não são autógrafas, o que se deduz pelo fato de estarem assinadas como Don Luis
de Céspedes Xeria. Pela tradição epistolar da época, nenhum nobre se dirigia ao
rei nomeando-se Don, fato que nos permite inferir que as cartas foram
escritas por um amanuense. Outras razões são o tipo de letra e a análise
linguística.
Por outro lado, a legenda dos mapas e as
cartas parecem escritas ao ditado, fato perceptível pela grafia de certas
palavras que possuem sons idênticos: b e v; x e j. Por exemplo, na legenda do
mapa 17bis, muitas vezes o som da letra v é grafado por b: benimos, aberla, ba,
bacas, obejas etc., em contraposição a venimos, averla, va, vacas e ovejas que
aparecem na legenda do mapa 17. Da mesma forma se processam as mudanças abajo
por abaxo, alojamiento por aloxamiento, entre outras trocas.
Frago-Gracia, analisando o texto da
carta N1 (correspondente ao mapa 17), elogia sua correção e deduz que o texto,
embora não seja um autógrafo, foi escrupulosamente revisado pelo autor, que
denota ser culto e respeita a tradição linguística, mostrando certo andaluzismo
fonético, com o que é provável que fosse dessa região da Espanha. Por sua
importância, transcrevemos a versão 2 da carta (correspondente ao mapa bis)
no Apêndice documental A1.
O mapa foi datado pelo Archivo General de
Indias como sendo de 8 de novembro de 1628, o que é razoável, pois é um anexo
de uma carta com essa data. Pequena margem de variação seria admissível, já que
é praticamente impossível elaborar cinco ou seis cópias da carta e do mapa no
mesmo dia. Ainda hoje colocamos datas aproximadas ou simbólicas para a edição
de um livro (“acabou de imprimir-se em…”), assim não nos parece descabida a
solução de indicar uma mesma data para a carta e o mapa em todas as vias.
Pode-se ainda questionar o papel dos
amanuenses na elaboração desses mapas; ou seja, em que medida eles poderiam ter
introduzido variantes nas diversas cópias. Era prática corriqueira e
indispensável que um governador da época tivesse entre seus criados pelo menos
um amanuense encarregado de conservar os papéis e tintas e redigir documentos,
além de, no caso, desenhar mapas. Mas a carta mostra, por seu conteúdo e
estilo, que se trata de uma pessoa culta e com um tratamento a sua majestade
que não é própria de um amanuense. Assim, chega-se à conclusão de que as cartas
e os mapas foram escritos e desenhados ao ditado e sob a supervisão direta de
Céspedes. Parece-nos que, nesses pressupostos, os amanuenses não
introduziram variantes substanciais ao que esse governador do Paraguai
pretendia com o material, e se há alguma, foi feita com o consentimento dele.
Aprofundemos, pois, no estudo desse mapa e
nos objetivos de seu autor.
Descrição geral do mapa e sua finalidade:
Primeiramente, deve-se levar em conta que
a finalidade declarada do mapa era acompanhar a carta enviada ao rei, buscando
facilitar seu entendimento; ilustrar o trajeto de São Paulo até Guayrá, pelos
rios Tietê e Paraná. Além disso, Céspedes, como todo governador, tinha a
obrigação de escrever prestando contas de seus atos ao rei e, demais, ele
queria pedir expressamente que os cinco anos de seu mandato começassem a correr
a partir da data de sua chegada ao Paraguai, pois demorou quase dois anos nessa
viagem, em razão das diversas dificuldades encontradas desde Sevilha até
Assunção. Por fim, também está presente o desejo de agradar e mostrar seus bons
serviços e préstimos ao rei D. Felipe IV: boas cartas e bonitos mapas (o poder
das imagens) causam boa impressão e favorecem as petições gerais e solicitações
de mercês, como fez para um de seus filhos do primeiro casamento.
Mais do que um mapa de uma ou mais
regiões, trata-se da descrição cartográfica de um trajeto, representado em
linha vermelha para maior destaque, incluindo o posicionamento de cidades,
vilas e aldeamentos indígenas.
Quanto a sua natureza, em sua humildade de
ocasião, Céspedes classifica-o como um borrão, um rascunho, ainda que não
deixe de causar boa impressão visual. Nesse tipo de mapa, não importam tanto as
coordenadas, o sistema de projeção, a escala, a precisão geométrica, o tamanho
e a uniformidade absoluta dos símbolos; enfatiza-se a posição relativa, a
topologia, o esquema.
As dimensões desse mapa (praticamente
idêntica nos dois) são de 1,18 × 0,79m. Na versão bis, por exemplo, nota-se uma
grande dobra vertical ao meio, em que o mapa esteve rasgado e cuja restauração
não conseguiu recuperar totalmente. Há outras dobras nessa direção, perfazendo
um total de doze. Na outra direção há quatro dobras com espaçamento
aproximadamente igual e dois menores nas extremidades. Por essas marcas pode-se
deduzir que o mapa em sua forma dobrada (para o transporte e anexação a uma
carta) teria 10 × 16cm, aproximadamente. Essa forma dobrada é característica
dos pliegos a que Céspedes se refere em suas cartas.
Por outro lado, todo mapa possui uma
posição preferencial para o leitor, que advém, dentre outros motivos, da direção
em que a legenda e outras informações estão escritas. Assim, o mapa em questão
está no formato que atualmente chamamos de paisagem, sendo que o rio Paraná
corre paralelamente à maior dimensão, chamada horizontal por convenção. Toda a
legenda está paralela a ela e a grande maioria dos textos é legível com o mapa
nessa posição, frente ao leitor. As exceções são Xerez (ou Gerez ou Jerez) nos
dois mapas e São Paulo no mapa 17, posição que foi modificada ou corrigida no
mapa 17bis. As edificações aparecem paralelas aos rios mais próximos e com a
frente voltada para eles, salvo as de São Paulo no mapa 17bis.
Com relação à distribuição de massas, a
legenda ocupa o quadrante superior direito; o Tietê, os quadrantes da esquerda;
o Paraná, os inferiores; e as aldeias e outras povoações, o quadrante inferior
direito.
A legenda está dividida em três colunas,
separada por margens duplas, desenhadas antes da escrita, começando na margem
superior e terminando imprecisamente na região do desenho dos afluentes da
margem esquerda do Paraná. Ela inclusive transmite a impressão de que o
desenhista receava que o espaço não fosse suficiente para conter o texto e, por
isso, avança na primeira coluna sobre o rio Paranapanema, sem entretanto se
sobrepor à missão de Santo Inácio. Na cópia 17bis há uma linha a menos nessa
coluna, talvez por se perceber que o texto poderia ser deslocado para a próxima
coluna e deixar espaço para desenhar o torreão e a haste no topo dos ícones.
Taunay denomina essa legenda por Dizeres
que o acompanham. O próprio autor, depois de um parágrafo inicial, pula uma
linha e centraliza na coluna o que seria o título, “Declaración del Rio”, que
talvez pudesse preceder qualquer outra explicação.
A legenda, como em muitos outros mapas,
utiliza letras de A a Y para estabelecer uma ligação entre o acidente
geográfico do mapa, identificando-o e situando sua explicação na legenda com o
mesmo caractere. A letra A indica uma cachoeira, junto com uma explicação
geral. Após o título também há uma explicação geral, seguida das demais letras,
de B a Y, de montante a jusante, com uma interpolação tardia após a letra D
para explicar o rio Sarapuí, que ele havia saltado por desatenção. Após a letra
Y há mais algumas explicações gerais e uma tabela com o título “La interpretación
de los dichos Rios”, em que explica o significado dos nomes tupis-guaranis dos
diversos cursos d’água de seu mapa, com exceção dos três afluentes do Paraná a
montante da foz do Tietê.
A simbologia é, em grande parte, explicada
nessa legenda: as cruzes, de quatro braços iguais e com travessas nas pontas,
correspondem aos locais nas margens dos rios onde a expedição montou
acampamentos; os riscos transversais à torrente líquida correspondem aos locais
com grande correnteza; os pontos negros correspondem a pedras pontiagudas
afloradas no meio do rio e a penhascos; os grandes “ós” amarelos (por
semelhança com a letra do alfabeto) identificam as ilhas por onde passaram; a
linha vermelha no meio do rio, e saindo dele nos dois grandes saltos, indica a
rota seguida. Além dessas declaradas explicitamente, há duas canoas desenhadas
ao longo do rio: a primeira no ponto de partida e outra no salto de
Avanhandava, junto a duas pedras; a identificação desse símbolo se dá
justamente porque o autor menciona explicitamente que uma delas ficou presa
entre duas rochas após passar essa cachoeira. Há também o que consideramos uma
rosa dos ventos simplificada no canto superior esquerdo; somos levados a isso
pelo fato de, em geral, nesses ícones constarem as quatro direções principais e
as quatro secundárias, a intervalos de 45°, com a flor-de-lis, apontando para o
norte e uma ponta em cruz apontando para leste. Assim encontramos as rosas dos
ventos em mapas quinhentistas como os de Cantino, Pedro Reinel, Diego Ribeiro,
para citar alguns. Nesse mapa, a direção do norte não corresponde ao norte
geográfico, e pela configuração geral se deduz também que Céspedes não se
serviu de uma bússola para o traçado dos rios. Por outro lado, a posição dessa
imagem chama a atenção para o ponto de partida, local por onde se deve começar
a ler um roteiro de viagem.
Outras duas convenções, não explícitas e
que serão analisadas mais adiante, são os desenhos de edificações e do cruzeiro
junto a cada uma delas.
Com relação ao uso de cores, o desenhista
utilizou o vermelho (que ficou esbatido com o tempo) para destacar a rota
seguida e a canoa no ponto de partida; o azul em aguadas para hachurar os rios
e edificações; o amarelo (também apagado com o tempo) para as ilhas e uma
aguada marrom-avermelhada para o entorno das margens fluviais, com tons mais
escuros nas proximidades de São Paulo no mapa 17. Por sua vez, o mapa 17bis
carregou as tintas no azul do Tietê em região próxima ao ponto de partida e
possui um borrão dessa cor junto à primeira coluna da legenda.
Nos dois mapas há pequenos rasgões que não
comprometem a leitura, bem como a marca de carimbo Archivo General de Indias e
a atual marca AE Archivos Estatales, com copyright nas cópias digitais.
Depois de analisar os elementos cartográficos,
cumpre estudar os componentes textuais presentes na legenda, que esclarecem
diversos elementos e ajudam a contar a história da viagem.
A legenda ou dizeres que o acompanham ou
declaração do rio:
No Apêndice documental A2 apresentamos a
transcrição dessa legenda, pela importância de seus dizeres, incluindo a
chamada interpretação dos rios. Essa transcrição também se justifica pois,
dispondo de duas versões dos mesmos dizeres, pudemos corrigir pequenas dúvidas
e solucionar algumas interpretações equivocadas do copista em Sevilha, que
também influíram na análise de Taunay.
Nessa tarefa seguimos literalmente a
legenda do mapa 17bis, que foi o exemplar copiado a mando de Taunay,
comparando-o com aquela transcrita pelo próprio Taunay e apresentada na segunda
edição de Na era das bandeiras. A diferença entre as duas legendas é da
mesma natureza que se verificou na comparação das cartas N1 e N1bis, isto é,
trocas de v por b e j por x. Há também outras diferenças de abreviaturas, troca
de i por y, R por rr e outras pequenas variantes. Em ambas, o estilo é um tanto
confuso, o que se agrava ainda mais pela falta de vírgulas e pontos.
Acrescentamos essa pontuação e os acentos da ortografia atual para maior
clareza, tal como fazem atualmente alguns linguistas.
Como resultado de nossa comparação
destaca-se a fidelidade do copista ao original 17bis na forma das letras e
caligrafia de uma maneira geral. Ainda que em pontos pequenos, o mapa 17 difere
muito mais do 17bis do que a cópia de Taunay com este original.
Dando continuidade ao estudo de Céspedes,
passamos à análise da cronologia de sua viagem, que foi elemento decisivo para
interpretar algumas afirmações suas nas cartas e no mapa.
Neste item, como nos anteriores,
procuramos não repetir o que já foi dito por Taunay, mas completar com algumas
informações não mencionadas ou corrigir alguma pequena interpretação equivocada
do texto. Em Taunay encontra-se a informação que ele se baseou na “Relación de
viaje que temos à vista e vamos analisar”. Esse texto difere da relação
publicada no Anais e encontra-se no Archivo General de Indias, disponível em
meio digital.
Como se verá, Céspedes é impreciso nas
duas datações ou formas de dizer, que chegaram a confundir Taunay. Assim, para estabelecer
a cronologia, foi importante a correspondência enviada pelos missionários
jesuítas ao governador do Paraguai, recolhidas na mesma edição dos Anais, pois
estas indicam o dia do recebimento de cartas e a data e o local em que
escreveram as suas. A Tabela 1 resume essa cronologia de
forma sintética, sendo que indicamos em itálico as datas prováveis; as demais
estão documentadas.
Tabela 1 Efemérides de Céspedes, da saída da Espanha à chegada em Assunção:
Tabela 1 Efemérides de Céspedes, da saída da Espanha à chegada em Assunção:
06/02/1625 Nomeação como governador do Paraguai. Era um
fidalgo que havia servido no Peru e no Chile, encontrando-se em Madri nesse
momento. Vai para Lisboa, onde permanece bastante tempo.
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18/04/1626 Embarca em Lisboa para a Bahia (quarenta
dias de viagem). Demorou cerca de vinte meses nessa cidade em função de
variadas dificuldades.
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11/01/1628 Parte de Salvador para o Rio de Janeiro (34
dias de viagem).
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04/02/1628 Chega ao Rio de Janeiro, onde faz amizade
com os Correa de Sá e se casa com D. Vitória de Sá (quatro meses e quatro
dias de estadia).
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08/06/1628 Deixa o Rio de Janeiro em direção a Santos,
com vinte dias de casado, segundo ele.
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18/06/1628 Chega a Santos, onde fica por onze dias,
partindo para São Paulo.
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30/06/1628 Chega a São Paulo e se prepara para a viagem
fluvial. Pode ter chegado a 1º ou 2 de julho.
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16/07/1628 Parte em direção ao Guayrá, via Tietê e
Paraná. Gasta em torno de cinco dias para chegar ao porto fluvial, que ele
indica estar a quarenta léguas (parece um exagero). Encontra-se nas
proximidades da atual Porto Feliz.
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06/08/1628 Permanece cerca de um mês nesse porto.
Também parece um exagero pelos dados e datas mais seguras informados adiante.
Deve ter iniciado a viagem fluvial a 6 de agosto.
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07/09/1628 Chega à foz do Tietê, depois de navegar 32
dias.
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08/09/1628 Chega à foz do Paranapanema e toma terra em
seus domínios. A data é certa, pois indica que foi na festa de Nossa Senhora
de setembro, que é a Natividade, no dia 8, em que completava quarenta anos de
nascimento e batismo.
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11/09/1628 Sobe o Paranapanema, encontra um comboio
descendo e volta ao Paraná. Deve ter gasto dois dias nessa operação, pois
indica que navegou por oito dias no Paraná. A conta seria: um dia da foz do
Tietê à foz do Paranapanema e mais sete desse ponto (na volta da incursão
pelo Paranapanema) até Ciudad Real del Guayrá. Não esteve nas aldeias desse
rio (Loreto e S. Inácio, que menciona), como a redação parece indicar e
Taunay recolhe essa impressão que o texto passa.
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18/09/1628 Chega a Ciudad Real del Guayrá, na foz do
Pequiri, nas proximidades do salto de Sete Quedas. Informa de sua chegada às
autoridades de Porto de Maracajú, Ciudad Xerez, Vila Rica do Espírito Santo e
Assunção. Lá permanece por cerca de vinte dias.
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12/10/1628 Parte para Vila Rica, pelo Paraná e Ivaí.
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23/10/1628 Chega a Vila Rica, onde fica até 2 de
janeiro de 1629. Toma diversas providências: envia visitadores às Reduções
jesuíticas do Pirapó, Piqueri e outras; organiza o Porto de Maracajú; proíbe
a venda de armas aos índios; manda reedificar a igreja destruída; procede à
eleição de Alcaldes e Regidores.
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Nessa estadia, a 8 de novembro de 1628 escreve a
primeira carta a sua majestade, acompanhada do mapa já mencionado.
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02/01/1629 Parte para as aldeias de Pirapó, em uma
viagem demorada.
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21/01/1629 Chega às aldeias de N. S. de Loreto e S.
Inácio, onde permaneceu por nove dias. Em 28 está em S. Inácio.
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30/01/1629 Sai das reduções em direção a Ciudad Real
del Guayrá.
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Taunay descreve essa viagem fluvial
seguindo de perto as informações do mapa e as descrições do próprio Céspedes,
procurando deduzir os tempos gastos nos percursos através das cruzes colocadas
ao longo do trajeto. Estas indicam realmente os locais de pouso, mas é enganoso
pensar que entre uma e outra cruz foi gasto um único dia: há 19 pousos (no mapa
17bis) e o percurso foi vencido em 32 dias, o que dá uma média de quase dois
dias entre um pouso e outro. Certamente se gastou mais tempo na transposição
das grandes cachoeiras, com a varação das canoas, e também em algumas outras
corredeiras. Além disso, as afirmações de Céspedes dão margem a dúvidas; por
exemplo, a expressão “un Rio que le pasamos diez y ocho vezes”, colocada antes
de descrever o ponto de partida, levou Taunay a afirmar que o rio Tietê foi
cruzado 18 vezes nesse curto trajeto feito a pé, algo que não faz sentido e
parece-nos que se deve interpretar como ter cruzado esse rio ao longo de todo o
percurso até a foz do Paranapanema. Com efeito, analisando as cruzes, vê-se que
há 18 alternâncias de margem, na montagem dos acampamentos, durante o percurso.Um exemplo da imprecisão de Céspedes se
nota nessa tabela, com relação ao mês que teria ficado no porto fluvial e que
não pode ter sido tanto, confrontando com a data de partida de São Paulo,
duração da viagem e data de chegada à foz do Paranapanema. Outra se refere aos
dados de seu casamento, informados na carta a sua majestade. Por um lado,
indica que aos oito dias de sua chegada casou-se com D. Vitória de Sá, o
que é muito pouco tempo, e pouco abaixo afirma que só esteve com sua
mulher vinte dias antes de partir, dados que não se compatibilizam com sua
estadia de mais de quatro meses no Rio de Janeiro.
Céspedes também induz a erro quando diz
que navegou por oito dias pelo Paraná e que entrou pelo Paranapanema onde
existem as reduções de Loreto e Santo Inácio. Isso induz a pensar que, nesse
momento, o governador visitou as aldeias que constam no mapa - Taunay
interpreta assim -, mas, de fato, ele só visitou essas aldeias mais tarde,
depois de ter feito o mapa, como esclarecem seus relatos. Céspedes também não
informa quanto tempo gastou para subir e descer o Paranapanema (talvez dois
dias) e poderia parecer que esse tempo está incluído nos oito que gastou no
Paraná e nesse afluente.
Depois de nos ocuparmos da cronologia da
viagem e de ter anteriormente apontado as semelhanças entre os mapas, cabe
agora olhar para as diferenças.
Da comparação, elemento a elemento, dos
dois duplicados de 1628, surgem algumas diferenças. Em primeiro lugar, as
cruzes que indicam locais de acampamento: no mapa 17 não estão desenhadas cinco
cruzes que constam do mapa 17bis, e por outro lado, esse mapa inclui uma cruz
omitida neste últimos, na margem esquerda, junto à foz do Tietê. Isso fortalece
a hipótese de que havia um original a partir do qual foram feitos esses dois
duplicados: na operação de cópia não é difícil esquecer algo, sendo menos
provável a inclusão de uma cruz em novo local.
Outras diferenças são: no mapa 17 o nome
do rio Anhembi está colocado em sua margem, enquanto no 17bis está sobre o rio;
isso também ocorre com o Paranapanema e o Mineí. A alternância no sentido
inverso ocorre com os rios Cururaí, Itaiguiri e Piqueri.
A canoa nas proximidades do ponto de
partida contém quatro traços transversais (talvez indicando remos), no mapa
17bis, que faltam no outro. A letra B está desenhada como um D, por engano, no
mapa 17, enquanto no segundo foi colocado um D, mas foi corrigido por cima para
B. A letra G está borrada no mapa 17bis.
As inúmeras ilhas se correspondem nos dois
mapas, mas no 17bis uma delas foi transformada em pedra (ponto preto), assim
como há uma transformação no sentido inverso, como se pode conferir no trecho
entre as letras D e E. O tamanho dessas ilhas varia ligeiramente de um mapa
para outro. Os saltos de Avanhandava, Itapura e Sete Quedas são representados
com cores claras no mapa 17bis, e com tintas (azul escuro) bem mais carregadas
no outro. Por sua vez, o mapa 17bis possui um azul de fundo muito forte no
hachurado do Tietê entre os pontos B e D, o que não ocorre no outro. No salto
de Itapura do 17bis, ao hachurar o rio, preencheu-se com o mesmo azul, por
engano, o espaço de terra entre a margem do rio e o trajeto da canoa feito por
terra (linha vermelha). O rio Itaiguiri no mapa 17bis está quase perpendicular
ao Paraná, enquanto no outro forma um ângulo agudo em direção à montante.
Com relação aos topônimos, há pequenas
variações de posição: La Villa de San Pablo en el Brasil está escrito em duas
linhas em um dos mapas, e em uma só no outro, o que também acontece com Santo
Inácio; já na outra aldeia, ao nome Nossa Senhora de Loreto acrescenta-se del
Pirapó em um deles.
Os pequenos seis ícones de cada mapa
representando povoações através de casas apresentam diferenças não só entre si,
mas também em comparação par a par. Por exemplo: Santiago de Xerez em um deles
é uma casa simples (porta e duas janelas), e no outro está cortado pela margem
do mapa e possui um início de balcão ou pequena torre sobre o telhado; as duas
aldeias (em que o autor não esteve antes de fazer o mapa) possuem torres e
bandeirolas em um e não no outro. Ciudad Real del Guayrá possui um anexo do
lado esquerdo em um dos mapas e no outro não, e o outro anexo perdeu as janelas
que tinha em um dos mapas; Vila Rica do Espírito Santo possui um denteado no
telhado e um adorno sobre a porta que não constam do outro; São Paulo ganha um
anexo na cópia 17bis e sua posição é invertida em 180° para que os dizeres
possam ser lidos na posição natural da escrita do mapa. Os cruzeiros junto aos
ícones possuem um pedestal variável, maior ou menor, independentemente de mapa
ou edificação. No total há mais de 30 mudanças nesse nível de detalhe.
Para não nos alongarmos mais, comparamos
somente São Paulo nas duas representações, pela importância de sua análise nos
debates iconológicos e historiográficos. As Figuras 4 e 5 mostram ambas para comparação.
Acrescentamos também, na Figura 6, a representação de São Paulo na
cópia solicitada por Taunay.
Figura
4
Figura
5
Figura
6
As diferenças da Figuras 4, tomando a 5 como padrão, são: figura girada de
180°; cruzeiro do lado esquerdo do ícone, e não direito; tamanho maior de seu
pedestal; casa acrescentada à esquerda; bandeirola dentro do rio e com vento
soprando para a esquerda, e não para a direita; acabamento sobre a porta
principal; foi suprimido um hachurado do telhado da casa principal; torre da
bandeirola deslocada para a direita, e não centrada como no outro desenho;
diferenças nos dizeres: artigo la acrescentado; San por extenso e não
abreviado; Brasil em minúscula; e z em vez de ç.
Embora possam parecer grandes,
cartográfica e iconograficamente, essas diferenças são pequenas, a ponto dos
cartógrafos e técnicos do Archivo General de Indias terem qualificado este
documento como um duplicado, ou seja, substancialmente idêntico ao outro. Do
ponto de vista iconológico, as diferenças podem ser interpretadas de muitas
maneiras, inclusive na forma de Céspedes repensar o que havia feito na primeira
versão (mapa 17) e porque resolveu mudar algo na versão 17bis (aumentar os
anexos da casa). O que não convém é atribuir a Taunay, no século XX, mudanças
de Céspedes, no século XVII.
A história de uma cópia:
A mesma comparação entre os duplicados
pode ser feita entre o mapa 17bis e a cópia por Santiago Montero Díaz, seguindo
a indicação precisa de Taunay: manter a maior fidelidade possível, incluindo as
cores.
Fizemos uma comparação exaustiva entre as
duas peças cartográficas e as diferenças são as seguintes: a letra B, corrigida
sobre um errôneo D, foi grafada diretamente como B, sem primeiro escrever o D;
o salto de Sete Quedas está interrompido em sua parte final. De resto,
conferimos todas as ilhas (em amarelo), todos os pontos negros (pedras
salientes no trajeto) e ondas transversais para indicar corredeiras. Só
localizamos a falta de uma dessas ondas em uma das corredeiras. Os borrões e
tons das cores foram mantidos, inclusive erros do original como uma hachura
indevida fora do rio na região do salto de Itapura.
A letra é também uma imitação bem
realizada da caligrafia do mapa 17bis, a menos da maior firmeza e uniformidade
do traçado, talvez em função da diversidade dos instrumentos de escrita de cada
época.
Ana Cláudia Brefe - ao tratar da cópia do
mapa de Céspedes Xeria em seu estudo sobre a construção da história nacional a
partir da atuação de Affonso de Taunay à frente do Museu Paulista - destaca a
grande preocupação do diretor em obter uma cópia fiel do mapa, solicitando
inclusive que fosse em fac-símile, mantendo as mesmas dimensões e, se possível,
as mesmas cores do original. Como já mencionado, Santiago Montero Díaz foi o
correspondente de Taunay e responsável pela execução da cópia do mapa. Ao
analisar a correspondência trocada entre ambos, a autora chama atenção para
duas cartas, em especial as de 13 de agosto e de 1º de outubro de 1917, nas
quais Taunay destacava a importância de obter uma cópia “em fac-símile exato,
sem redução das dimensões e divergência de cores”. Brefe ainda destaca que
na correspondência trocada com outras instituições, o diretor do Museu Paulista
perguntava pela possibilidade de se fazerem “cópias absolutamente fiéis aos
originais”, concluindo que isso indica como Taunay concebia o documento
histórico, isto é, um “testemunho do passado e, nesse sentido, como
matéria-prima indispensável para reconstruí-lo tal como ele aconteceu”.
Como se sabe, Taunay filia-se à corrente
historiográfica metódica, tendo como principais referências metodológicas os
historiadores franceses Chales-Victor Langlois e Charles Seignobos. Karina
Anhezini, em artigo com título significativo (“Um metódico à brasileira”)
destaca que, ao assumir a cadeira de história universal na Faculdade Livre de
Filosofia e Letras de São Bento, Taunay fez um discurso inaugural no qual
buscava resumir os “princípios gerais da moderna crítica histórica”. Para
tanto, tomou como base o livro seminal de Langlois e Seignobos intitulado
Introdução aos estudos históricos, publicado originalmente em 1898. Segundo a
autora, ao publicar seu discurso na Revista do Instituto Histórico e Geográfico
de São Paulo em 1914, Taunay antecipou em três décadas a tradução do livro de
Langlois e Seignobos para o português no Brasil, pois até então não contava com
uma versão brasileira.
No Brasil, uma de suas principais
referências foi seu mestre e amigo Capistrano de Abreu, de quem era
interlocutor assíduo. Dele herdou a profunda preocupação de realizar cópias
fiéis dos documentos e mapas, como se constatou também neste caso. Outro ponto,
em um segundo momento, são as leituras e usos que fez desses documentos, como
nas exposições que montou, nos quadros de José Wasth Rodrigues, cuja execução
orientou, e na interpretação dos símbolos presentes neste mapa, os quais
analisamos a seguir.
É bastante ilustrativa nesse sentido a
elegante polêmica entre Taunay e Belmonte, nas páginas da Folha da Manhã nos
meses de abril e maio de 1938. Esta se deu acerca dos ícones desse mapa,
perguntando se o desenho correspondente à Vila de São Paulo representa ou
pretende representar com fidelidade o aspecto de um edifício específico da
cidade, mais precisamente a Casa da Câmara. Taunay respondeu
afirmativamente a essa questão, e a partir daí incentivou e orientou José Wasth
Rodrigues a pintar o que seria essa edificação, resultando em uma imagem que se
difundiu e reproduziu à saciedade, como bem mostrou Cavenaghi. Essa
hipótese de fidelidade ao aspecto do edifício supõe que Céspedes o tenha
desenhado à vista, para não perder os detalhes com o passar do tempo e o
esfumaçar-se da memória.
Cartograficamente falando, e sem
concentrarmos em minúcias técnicas, os ícones de mapas podem ser basicamente de
três tipos, em função da menor ou maior semelhança entre estes e a realidade
representada. No primeiro, os ícones podem ser puramente convencionais, quando
se utilizam símbolos que nada dizem respeito àquilo que representam, como um
pequeno círculo para uma cidade, podendo-se utilizar símbolos semelhantes
(menores ou de outra cor) para outros objetos de mesma natureza (uma vila, por
exemplo). Não é esse o caso do mapa em questão.
No segundo tipo ocorre uma maior
semelhança: escolhe-se um ícone com certa parecença: desenha-se uma edificação
estilizada, casa ou igreja de tamanho pequeno para representar a povoação,
podendo apresentar certas variações, das mais simples às mais complexas, para
representar seus indivíduos, por exemplo: fazenda, capela, capela curada, freguesia,
vila, cidade. Nesse caso, os símbolos são uniformes e existe uma legenda
(cartela, explicação, notularium) que indica cada correspondência
símbolo-realidade. Existiam mapas desse estilo em meados do século XVII,
inclusive o de Joan Blaeu, em que as vilas e cidades em território
português são representadas por edificações encimadas por uma cruz: S.
Sebastián (Rio de Janeiro), Angra, S. Vicente e Santos (em posições
invertidas), S. Pablo, Concepción (Itanhaém), Cananea. Já Parnaíba (Santana de)
e Moxi (das Cruzes) aparecem com ícones simplificados. As reduções ou missões
jesuíticas são representadas por uma cruz simples (um x com uma cruz): Loreto,
S. Ignácio, S. Ioseph e todas as demais. Já Ciudad Real del Guayrá e Vila Rica
do Espírito Santo, por uma cruz com duas travessas, indicando jurisdição
episcopal para as aldeias indígenas dependentes do bispo no território desses
dois núcleos coloniais. Naturalmente Blaeu acrescenta um notularium explicatio
informando essas convenções. Aparentemente, não é este o caso do mapa de
Céspedes, pois os desenhos são muito grandes (4 ou 5cm, contra os 3 ou 4mm de
um símbolo) e não são absolutamente iguais. Mas, como se sabe, Céspedes não é
um cartógrafo profissional e desenha um borrón. É mais chamativo desenhar
edificações que se destaquem no mapa e não se percam em função do reduzido
tamanho. Mais que isso, deve-se ter sempre em mente o objetivo do documento e o
público a que se destinava. Como já dissemos, trata-se de uma representação da
viagem de Céspedes Xeria que, junto com informações textuais, foi enviada ao
rei para informá-lo do caminho que Céspedes realizara e das dificuldades
encontradas até sua chegada ao Paraguai. Portanto, não era um mapa destinado a
uma ampla circulação, exibição, ou mesmo um presente ao rei; trata-se
praticamente de um anexo a uma carta, destinada a uma visualização bastante
restrita, limitada aos assessores de Felipe IV, ao Conselho das Índias e, em
última instância, ao próprio rei.
No terceiro tipo de ícone, os desenhos
possuem uma semelhança maior com a realidade, escolhendo-se o edifício mais
significativo para representar a povoação, sendo desenhado com a maior
fidelidade possível conforme a habilidade do autor. Assim, o problema do intérprete
é identificar o edifício escolhido, e se este é válido para todo o mapa, por
exemplo, a Casa da Câmara ou a Matriz.
Para essa análise, dispomos hoje de um
segundo mapa de Céspedes de 1628 que Taunay e Belmonte não conheciam, e que
ajuda a lançar luzes sobre o problema. Assim, comecemos pelas similaridades e
diferenças das doze imagens (duas cidades, duas vilas e duas aldeias em cada
mapa), para inclusive testar a hipótese de uma certa uniformidade dos ícones.
Todas elas possuem cruzeiros junto às edificações, porém há um só cruzeiro para
Loreto e S. Inácio, por formarem uma unidade no mapa e na visão do governador,
ainda que distassem cerca de 30km. Todas as imagens possuem uma casa com uma porta
e duas janelas, ainda que haja anexos a algumas. Todas apresentam um torreão de
pequenas dimensões e forma quadrada sobre o telhado, com uma abertura (para um
sino ou para uma janela?); sobre este há uma haste, com bandeirola ao meio e
terminação em cruz. As exceções aparecem somente na versão 17bis, copiada por
Montero Díaz: não há torreão nas aldeias em função do texto escrito invadir o
desenho e não deixar espaço para tanto, nem em Xerez, provavelmente por
descuido. São Paulo talvez não tenha a cruz do mapa, mas se estivesse
desenhada, seria confundida com o traço grosso da margem do rio Tietê.
Assim, com diferenças quase nulas,
parece-nos que Céspedes tentou uniformizar em seu aspecto básico os símbolos, e
ao mesmo tempo conferir alguma diversidade a São Paulo e Ciudad Real por anexos
ou casas próximas. Como dissemos, o fato de os ícones serem grandes, deve-se
mais a uma razão estética que cartográfica.
Parece-nos, ao mesmo tempo, que o
governador não pretende indicar um edifício concreto, desenhado à vista, pelas
seguintes razões: a primeira é o fato de São Paulo estar desenhado de maneira
diversa nas duas cartas; assim, ambas não podem ser imagens copiadas fielmente
de uma mesma realidade. E o mesmo se diga de Ciudad Real.
Em segundo lugar, Céspedes não esteve em
Pirapó e Loreto, e muito provavelmente também em Xerez antes de desenhar o
mapa, como se mostrou na cronologia (Tabela 1). Portanto, ele ilustrou por
imaginação ou no máximo por ouvir dizer, o que vai contra a hipótese de tê-lo
feito à vista do edifício. Só depois de ter o mapa pronto visitou Loreto e
Pirapó, e escreveu “tienen las dichas dos reduciones con hermosísimas iglesias
que no las he visto mejores en las yndias, que he corrido todas las del Peru y
Chile”. Isso concorda com a descrição da igreja de Loreto feita por
Nicolau Durán em sua carta ânua de 1628: “La iglesia, que estava llena de
gente, y me holge notablemente de verla porque es grande i de tres naves, tan
bien hecha i tan alegre, y estaba tan adornada de flores”. O tamanho é
compreensível, dada a quantidade de índios que devia abrigar nas missas e
demais atos de culto. O contraste desses textos com a representação no mapa de
Céspedes é patente. A conclusão geral é que não havia a preocupação de que a
imagem desenhada no mapa fosse semelhante à realidade, e, portanto, que fosse
feita olhando para ela. Assim, parece-nos que as figuras mais se assemelham a
ícones, com grande parecença entre si, do que aos diversos edifícios presentes
nas localidades.
Dando um passo além, podemos testar a
hipótese de que se trata da representação de um edifício genérico, semelhante
em todos os locais. Que edifício seria esse? Céspedes pretendia representar uma
Casa de Câmara, uma Matriz ou uma igreja dos jesuítas? Haveria um edifício comum
em todos esses locais? Sabe-se que nas duas reduções não havia nem Matriz nem
Casa da Câmara; que em Vila Rica não havia Igreja (estava destruída e Céspedes
incentivou sua reconstrução); nem nessa Vila, nem em Ciudad Real ou Ciudad
Xerez havia igrejas dos jesuítas. Então, não há um edifício comum em todos os
locais que possa representar as povoações.
Mas poderia, por generalização, Céspedes
ter escolhido um edifício qualquer e desenhá-lo em todos os locais? O que
queria ele representar com esse símbolo?
Para representar a Casa da Câmara e evitar
a ambiguidade, deveria ilustrar um pelourinho (excluindo o desenho nas
reduções), e não a cruz que aparece em todas as povoações. A cruz remete aos
missionários, e a primeira coisa que faziam os jesuítas era isso: “plantó una
cruz en el puesto que le pareció más acomodado para la fundación del pueblo que
pretendia” ou “escogimos de nuevo puesto más ayroso y plantamos en el una
hermosa cruz”, ou ainda “Hallamos un sitio muy a propósito … y llevantamos una
muy hermosa cruz de siete brazas de alto en medio de la plaza”. Há até hoje uma
cruz nos remanescentes das aldeias de Carapicuíba (do século XVI, reconstruída
no século XVIII) e São Miguel Paulista (de 1622, reformada no final do XVIII).
O desenho da pequena cruz no topo do mastro também remete para um edifício
religioso.
Por outro lado, das atas da Câmara de São
Paulo (em mais de uma passagem) se depreende que, nessa época, o edifício onde
funcionava tinha balcão e alpendre, elementos que não aparecem nesse desenho.
Estamos em uma situação de confronto: ou seja, as atas escritas contra um
desenho, que como mostramos é apenas um ícone-símbolo, e não o retrato de uma
realidade observada. Nessa polêmica Taunay insistiu teimosamente que, para São
Paulo, tratava-se de uma representação fiel da Casa da Câmara e Cadeia;
Belmonte, com argumentos fortes e não contestados satisfatoriamente, rejeitou
sua hipótese.
Ao longo destas páginas, contando com
documentos cartográficos e textuais da época, analisamos o mapa de Céspedes
Xeria em suas duas versões e na cópia encomendada por Taunay na ocasião da
montagem da primeira sala do Museu Paulista dedicada exclusivamente à história
(Sala A-10). Composta basicamente a partir de documentos cartográficos,
selecionados com o que pôde conseguir em poucos meses, Taunay organizou a sala
buscando narrar como se dera a evolução geográfica do continente, destacando o
protagonismo dos paulistas a partir dos bandeirantes. Estes, por sua vez,
aparecem representados na sala pelo retrato de Domingos Jorge Velho, que Taunay
já encontrou pronto quando assumiu a diretoria do Museu, e reaproveitou-o na
composição do cenário expositivo do novo espaço. Nesse processo de organização
da sala e construção da narrativa da evolução geográfica do continente, o mapa
de D. Luiz de Céspedes Xeria, bem como toda a documentação escrita contendo a
narrativa de sua viagem, teve grande importância para Taunay. Sempre que tinha
oportunidade o diretor os destacava, chegando mesmo a publicá-los nos
periódicos paulistanos, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro e, por fim, os capítulos de sua obra Na era das bandeiras, publicada
em 1922, representando um episódio do grande movimento de penetração no
continente.
O recurso a esses documentos coetâneos,
incluindo os duplicados, ajudou a aprofundar a análise e compreensão desse
mapa, bem como do modo de trabalhar de Taunay especialmente com a documentação
cartográfica. Nesse sentido, como na visão de um bom metódico, é preciso
distinguir dois momentos: o heurístico, em que se procuram os documentos, se
verificam suas autenticidades para, enfim, se efetuar cópias fidedignas, e o
hermenêutico, em que estes documentos são interpretados. Nessa última etapa
entram em jogo a formação do historiador, a concepção de história da época,
além do projeto de Museu que, tanto ele como aqueles que o nomearam para
diretor, tinham, sendo essas compatíveis com as expectativas dos intelectuais
da época e do público em geral.
Como se viu, para inaugurar essa sala
ainda no primeiro ano de seu mandato, Taunay realizou uma intensiva busca
documental, principalmente de mapas, sendo que o de Céspedes Xeria pode ser
considerado “a joia da coroa”. Depois, com mais calma, foi delineando e
construindo um projeto de memória paulista, servindo-se, dentre outros
documentos, desse mapa e do ícone da Casa da Câmara e da Cadeia. E, uma vez
montada a narrativa, torna-se muito difícil recuar e admitir teses contrárias,
como aconteceu na polêmica com Belmonte sobre os ícones do mapa, em que a razão
assistia esse último e Taunay teimava em sustentar seus pontos de vista com
malabarismos pouco verossímeis.
Ao perceber que não haveria consenso com
seu interlocutor, e também para encerrar a discussão, Taunay exclamou: “Assim
nos resta um recurso único. Esperemos que a voz dos séculos se faça ouvir,
partida de algum arquivo europeu. Mas tal se dará? Parece-me muito pouco
provável…. Enfim…”. Acreditamos que, de acordo com a pouco esperançosa profecia
de Taunay, a voz dos séculos se fez ouvir: essa ajuda para aprofundar na
questão veio com o duplicado desse mapa, adormecido no Archivo General de
Indias, em Sevilha.
Parece-nos, sobretudo, que este caso é um
bom exemplo de como um novo documento pode impactar o estudo de uma questão já
debatida. Pensamos que esta segunda versão lançou luzes no estudo desse mapa,
no debate sobre a representação da Casa da Câmara de São Paulo e sobretudo nas
dúvidas ou sombras que pairavam sobre o então diretor do Museu Paulista, de ter
modificado estruturalmente esse documento cartográfico. A longo prazo essa
dúvida poderia se estender a toda a atividade de Affonso de Taunay como
pesquisador; ao questionamento sobre a fidelidade das inúmeras réplicas
encomendadas e a credibilidade das instituições envolvidas nos processos de
cópia: o Archivo General de Indias e o Museu Paulista.
Apresenta-se neste apêndice documental a transcrição
de dois textos associados ao artigo citado em epígrafe, ou seja, uma carta de
D. Luis de Céspedes Xeria, governador do Paraguai, escrita em 8 de novembro de
1628, ao rei da Espanha, Felipe IV e a Legenda de um mapa em que se desenha o
trajeto percorrido pelos rios Tietê e Paraná. Existem duas versões (duplicados)
de cada um deles no Archivo General de Indias. Escolhemos para traduzir as
versões copiadas facsimilarmente por Santiago Montero Díaz, técnico desse
arquivo, por encomenda de Taunay em 1917. Embora já publicados entre nós, sua
leitura ficou prejudicada nessa primeira versão pela interpretação deficiente
de diversas palavras e pela falta de pontuação e acentuação, entre outras
questões. Além disso, fazemos uma exaustiva comparação desses documentos com
seus respectivos duplicados.
Devemos muito ao professor Juan Antonio
Frago-Gracia, que em seu artigo, transcreveu e comentou a carta em sua
primeira versão e gentilmente conferiu nossa tradução da segunda versão ou
duplicado (Apêndice A1), a que Taunay conheceu e
citou. Nossa correspondência com esse autor foi muito proveitosa para validar
nossas conclusões, sanar dúvidas e conhecer melhor as antigas grafias do
espanhol, bem como o cotidiano dos governadores e seus amanuenses nessa época.
Com a orientação desse pesquisador, fizemos também uma nova tradução da legenda
do mapa 17bis (Apêndice A2) e a comparamos com a do mapa
17.
Também agradecemos ao professor Eduardo de Almeida
Navarro, pesquisador do tupi antigo da Universidade de São Paulo, para a
interpretação dos nomes de rios citados por Céspedes Xeria na legenda de seu
mapa.
Notas técnicas da
transcrição:
1-/ significa
quebra de linha e número da linha seguinte. A barra dupla // significa, além
disso, mudança de coluna ou de página.
2-Para facilitar a leitura, inserimos pontuação,
acentuação e uso de maiúsculas. Por simplicidade, deixamos de colocar o pingo
sobre o y (i griega do castelhano) e omitimos alguns poucos sinais, quando não
modificavam o sentido da expressão.
3-(sic) indica trecho grafado tal qual aparece no
documento, para confirmar que não há erro de transcrição.
4-Na terceira página, faixa lateral direita, o
final das linhas não aparece, por defeito do original ou da cópia, mas
considerando a redação da outra carta e o início das palavras, pode-se presumir
com razoável certeza as letras que faltam. Em todo caso, foram colocadas entre
colchetes.
Apêndice
A1:
Transcrição
da Carta de 8 de novembro de 1628 bis
Señor
Del Estado del Bracil y sus
ciudades, la Baýa de Todos los Santos / y el Río Genero, dí qüenta a V.
Magestad por muchas vezes de mis / grandes detenencias en aquella tierra,
causadas de enemigos que / allí vinieron y otros ynpedimentos que Dios fue
seruido de dar / me, que él saue que yo de mi parte puse toda diligencia
por llegar a este puerto. / En el último auiso que enbié a V. Magestad del
Río Genero dixe me deter- / minaua a benir por tierra a estas provincias;
falto ya de embarcación y / remedio, y deseoso de servir a Dios y a V.
Magestad, como lo yntenté lo yçe (sic). / Salí del Río Genero sesenta
leguas por la mar hasta el puerto de la / villa de Sanctus, de donde entré
la tierra adentro hasta la uilla / de San Pablo. Suplico a V. Magestad
mire con atención desde aquí lo que / le voy diciendo y oyrá desta gente
de San Pablo y su jurisdición / las mayores maldades, trayciones y
vellaquerías que le hazen ni / an hecho vasallos suyos. También oyrá desta
tierra donde e lle- / gado por su gouernador las mayores lástimas de
pobresa y deznudez, / y poco gouierno, poco amparo en las cosas de Dios y
ninguna ayuda / en el vno ni en el otro. En la uilla de San Pablo reciden
quatro- / cientos vezinos (sic); tienen sus casas en ella, su asistencia
dellos, mu- / geres y hijos es en los campos; vienen al pueblo los días de
fiesta / y esos armados con escopetas, rodelas y fistolas. Públicamente
consi- / éntenlo las justicias, porque no lo son más que en la aparencias
y son / como los demás: muertes, cuchilladas y otras ynsolencias, matán-
/ dose y aguardándose en los caminos; todos los días suseden sin que
/ aya sido castigado hombre ninguno hasta el día de oy, ni tal se
/ saue; y para que V. Magestad remedie esto y castigue tan malos basallos,
no / solamente lo son en su patria, sino también en estas prouincias, que
bienen / a ellas muchas vezes ducientas y trecientas leguas y se lleban
los yndios / reducidos a V. Magestad y los que no lo están de aquestos
pueblos, y vna / vez destas llegaron a vno, no estando aý el padre que
dotrinaua / los yndios, y se los lleuaron todos con hijos y mugeres, y las
ymágenes [de la] / yglecia, y después la quemaron y a todas las casas. Lo
que hazen de to[das] / estas almas que lleuan, christianos y no
christianos, es vendellos por e[s]- / clauos públicamente, y no fuera
tanto si se quedaran en la tierra, pe[ro] / embíanlos en los nauíos a
bender por todo el Estado del Bracil y / a Lisboa y a otras partes, y aora
actualmente estando yo allí y hart[o] / temeroso que no me matasen, porque
sauían el zelo con que benía a [es-] / torbarles algunas cosas, estauan en
campo nobecientos hombre[s] / de aquella villa y su jurisdición con tres
mil yndios para b[e]- / nir azia estas partes a saltear y rouar estas Reduciones,
que / ansí me lo dixeron ellos mesmos. V. Magestad, por quien es y por
Dios nuestro señor, pri- / meramente remedie esto y haga castigar estos
traydores que aún no lo son / sólo en lo que e dicho, sino también en lo
que hazen, y es que para salir en ca[m]- / po a hazer estas bellaquerías
ellos mesmos se hazen capitan[es], / alférez y sargentos, y alsan banderas
y tocan caxas sin consentimiento / de su gouernador, que digo mal, que lo
saue y no lo remedia. Esto pasa en / esta uilla, cierto y verdadero,
porque hablo a V. Magestad lo que vy no lo qu[e] / oý, y quedo corto por
no selle molesto, y quien tiene la culpa de que [es-] / ta ladronera y
capa de todos los delinqüentes del Bracil y de Lisb[oa] / esté como está
son los gouernadores generales de aquel Estado, que a[n] / tenido y tienen
hasta agora su parte de lo que aquellos traidores roben / de piesas de
yndios e yndias, con que les tapan la boca para que no se les en- / bíen
el castigo que meresen y también es causa desta desorden sus mes- / mas
justiçias, que son los capitanes y los que los acaudillan. Para ello
/ salí con toda priesa de aquella mala tierra por ver si puedo reme-
/ diar alguna cosa defendiendo estos pueblos de yndios de aquellos tray-
/ dores con mi presencia y buenos medios, o lo que pudiere hazer si no
/ quisieren boluerse. Caminé quarenta leguas por tierra y a pie, por ser
/ camino que no se puede andar de otra manera. Con ynfinitos trauajos de
/ llubias y ríos que pasamos, llegué a vno donde estube vn mes haciendo
/ embarcaciones de palos grandícimos. Hize tres y la en que (sic) yo benía
fue / de vn palo que tenía ocho brasas de ruedo; bino a quedar después
/ de labrado güeco por dentro y hecho a modo de vn gran barco, luen-
/ go de setenta y cinco palmos de largo y seys palmos de boca. Bení-
/ amos dentro della (sic) cinqüenta indios que remauan y mi persona
/ y criados. Los otros dos eran la mitad menos, donde benía el susten-
/ to nuestro y de los yndios. Salí de aquel puesto y caminé por aquel
/ río treinta y dos días con grandícimos riesgos, cada vno de perder-
/ me con sus grandes corrientes y saltos que haze el agua en muchas par-
/ tes. Andube ocho días por el río grande de La Plata, donde entré
/ por estotro. Aý embío a V. Magestad todo aquel río que andube y lo que e
/ andado de éste hasta llegar a este Guayrá, en un borrón que bine
/ haciendo con tintas de yeruas. V. Magestad lo uea y como tan
christianísimo, / oyga lo que le boy diciendo de esta tierra donde me
hallo. Entré // en esta Ciudad Real de Guayrá, fui a la Uilla Rica y a la
ciudad de Xerez, / fui al puesto de Maracayú, donde se coxe y haze la
yerua, trato con que / tienen algún refrigerio para ayuda a pasar sus
grandísimos trauajos / los moradores destas ciudades: adbiértole a V.
Magestad que diciéndole / de una le digo de todas las que le e nombrado.
En la primera que entré / fue menester, por aberme de receuir, dar yo de
lo que traýa algunas / cosas menesterosas. Los alcaldes y regidores y
demás moradores / desta tierra venían vestidos de lienço de algodón teñido
negro, / y esto muy roto. Las mugeres [e] hijos destos andan bestidos de
lo mes- / mo; hasta las camisas, con tanta miseria y desbentura que las
más / y ellos no la traen. Su sustento son vnas rayçes que se llaman
yucas, / naranjas y plántanos y trigo de las Yndias. No tienen bacas ni
obe- / xas ni otro ningún ganado. La tierra en sí es capax (sic) de criar
todo / lo que en España; a les faltado la ayuda para que aquesto fuera a
más y que no / ubieran pasado tantos trauajos estos pobres, y estas ciudades
lo fueran, / que cierto más son cortijos, y es que después que V. Magestad
las pobló y puso / debaxo de su proteción y amparo, y sus naturales no an
entrado / ni bisitádolas ningún gouernador ni obispo de los que aquí lo an
sido, y ansí / pasan lo que digo. Y es de manera que todos los nacidos en
aquella / tierra no están confirmados y en la ciudad de Xerez á años, y
mu- / chos, que no tienen vicario ni quien les administren los sacramentos
/ y en esta en que me hallo, lo mesmo. ¡Lástima grandísima que biuan
/ los españoles y sus basallos de V. Magestad como bárvaros! ¡Nobenta y
tan- / tos años que a que se pobló esto y no le ayan dicho la verdad para
/ que lo remediase! Prometo a V. Magestad que le estoy escriuiendo
lastima- / dícimo de ber a estos pobres y su miseria. Sus casas son de
xitanos, / que lo digo todo con esto; para darme a mí de comer aún no lo
an te- / nido, y así estoy ayudándoles a su nesecidad. Espero en Dios y en
/ el fauor y ayuda de V. Magestad [para] lebantalle estas ciudades y ponérselas
/ de manera que bayan a más y estos pobres tengan algún descanso,
/ porque hasta aquí a auido grandes bellaquerías, que, estando / bien
aberiguadas, las sabrá V. Magestad y también mi cuydado. Suplí- / cole me
ayude, fauoresca y ampare para que le buelua esto a el estado / que V.
Magestad quiere y yo deseo, mandando a su Real Audiencia de Chu- / quisaca
me ampare con justicia en todo lo que le pidiere para hazer lo que / digo.
Dé V. Magestad por bien empleadas mis largas detenencias, que yo / doy a nuestro
Señor muchas gracias de abérmelas dado, porque espero ha- / celle vn gran
seruicio y a V. Magestad en aquesta tierra mientras viuiere / o V.
Magestad me mandare otra cosa, y entiendo como christiano que / quiso
siempre Dios nuestro Señor hiciese yo este camino para su sancto ser[uicio].
/ Entrando por esta Ciudad Real de Guayrá comensaron los hombr[es],
/ las mugeres y niños, derramando muchas lágrimas de conte[nto], / a
dezirse vnos a otros a vozes: “¡Alegría, que ya a benido el reden- / tor
de nuestros trauajos y desbenturas!” El del cielo y de la tierra me / dé
fuerças para que sirua a V. Magestad y en su real nombre ampare / todo
aquesto y lo fauoresca. Con esta va vn testimonio del día que / tomé la
posessión. Suplico a V. Magestad desde ese mesmo me corra el tiempo / de
los cinco años para que en ellos haga lo que tengo dicho hasta don- / de
alcansaren mis fuerças con estos pobres, que prometo a V. Magestad / que
casi todos los salarios que se me an de dar en este tiempo los estoy / ya
deviendo con los grandes gastos que e tenido y ganancias que / me an
llebado los que me an dado su dinero en la ciudad del Río Ge- / nero. A
los ocho días que allí llegué, casé con doña Vitoria de Saa, hija / del
capitán de aquella fortaleça, Gonsalo de Saa, hermano del gouernador
/ Martín de Saa, hijos del gouernador y poblador que fue de aquel Río
Genero, / Saluador Correa de Saa. No estube con mi muger más que solos
/ veinte días, y por acudir a esto con toda breuedad y también por / no
entrar haciendo descami[nos] y siempre haciéndolos muy / buenos, guardando
las órdenes de V. Magestad; la dexé hasta que me en- / víe su lisencia
para que benga con su casa y criados por donde yo bine. / Suplícoselo a V.
Magestad vmílmente se la dé, para que yo y ella estemos co- / mo Dios
manda, sirbiéndole y a V. Magestad; en tomando la residen- / cia la
despacharé con cuydado, así como V. Magestad manda, y con ella / todo lo
más que se ofresiere abisar del real seruicio de V. Magestad, / que guarde
Dios felisísimos años para que ampare sus reynos. / Ciudad Real de Guayrá,
8 de nobiembre, 1628 años. / Don Luis de Cés / pedes Xería
/ (rubrica)
Comentários:
Variantes da primeira carta com
relação a esta segunda
Indica-se a seguir, por grupos, as
variantes da grafia da primeira carta com relação a esta, e a linha em que
ocorre. O leitor consultando a linha indicada encontrará com facilidade a mesma
palavra na grafia da segunda carta. Quando necessário indicamos também a
palavra modificada na segunda carta, junto com sua grafia na primeira (em
itálico), separadas por uma barra.
Troca de v (ou u) por b: abiso,
lleban, vellaquerías, benían, debiendo, embíe.
Troca de b por v (ou u): vender,
Vracil, Lisvoa, venir, vanderas, vino, Veníamos, venía, adviértole, vestidos,
desventura, visitádolas, ver, vellaquerías, averiguadas, avérmelas, venido,
desuenturas, lleuado, vreuedad, venga
Troca de c por s: grandísimos,
sinqüenta, grandísimos, nasidos, lastimadísimos
Troca de j por x: cortixos
Troca de x por j: jitanos
Emprego de duplo no início da palavra:
rrodelas, rregidores
Emprego de r simples no meio da
palavra: corientes (sic), borrón / borón (sic)
Troca de palavras e variantes:
causadas / causada (sic), yçe (sic) / hiçe, vezinos (sic) / soldados,
aparencias / aperencia (sic), mil / mill (sic), azia / haçia, vy / bi, en-bíen
/ embién (sic), también / tanbién (sic), justiçias (sic) / josticias (sic),
aquella / aquesta, los otros (sic) / las otras, con / por, como / y luego,
como, los / lo (sic), justicia / josticia (sic), hacelle / hazelle, dezirse /
decirse, fortaleça / fortaleza, Céspedes / Çéspedes
Acréscimos de textos: na carta 1
faltam todas as palavras: traidores roben de piesas de yndios e yndias, con
que; na carta 1, antes de hombres, existe a palavra yndios, tachada, na carta
1, a seguinte expressão em itálico está invertida na frase: desde ese mesmo
tiempo me corra los cinco años para.
Balanço geral das diferenças
Parece-nos que as diferenças são
relativamente pequenas, e as cartas são essencialmente a mesma, ainda mais por
na época não haver uma ortografia oficial, sendo as diversas variantes
permitidas.
Sendo escritas ao ditado, o som das
letras era idêntico (x e j, b e v). A letra das duas cartas é muito similar, e
os especialistas apontam como sendo de um mesmo autor e provavelmente de um
mesmo amanuense, que obrigatoriamente acompanhava o novo governador desde sua
saída da Espanha: todos esses cargos deviam ter o apoio de um escrivão para
facilitar a comunicação com a coroa. Assim, a carta, na realidade uma relação
cronística com estilo epistolar, teria sido ditada pelo próprio Céspedes Xeria,
pois um amanuense não teria utilizado a linguagem afetiva e familiar do texto,
linguagem que pertence portanto ao governador viajante.
As cartas estão condicionadas pela
nova realidade encontrada pelo governador; por exemplo, o escasso número de
espanhóis fá-lo colocar espontaneamente yndios, logo a seguir corrigido para
hombres.
A carta 1 possui um sobrescrito,
disposto transversalmente na margem esquerda da última folha, e o texto não
iria diretamente às mãos do monarca, mas ao Conselho das Índias, que governava
as Indias de Castela.
A carta 2 parece escrita com mais
calma e sossego, corrigindo a primeira em alguns pontos: vecinos em vez de
soldados é um caso flagrante; o viajante, diante da visão de São Paulo, pensou
em seus habitantes. Vecinos eram as casas habitadas, e para se chegar à
população seria necessário multiplicar por cinco ou seis o número de casas. Não
se tratava, portanto, de soldados, o que foi corrigido na carta 2. Em todo caso
parece um exagero, pois na época falava-se de São Paulo como constituída de 120
fogos portugueses, muito menos que os quatrocentos vizinhos dessa carta. Também
é um exagero e incompatível com tais dados quantificar em novecentos soldados
os participantes da expedição preadora de Raposo Tavares.
Nessa mesma versão exprime-se de
maneira mais precisa alguns aspectos importantes da mensagem do governador: a)
as palavras acrescentadas traidores roben de piezas de yndios e yndias con que,
faltantes na carta 1, em si não eram necessárias, pois a acusação de suborno
(dos governadores do Brasil pelos escravocratas) ficava clara na carta 1. Mas a
passagem introduzida qualifica (traidores) e especifica a matéria do suborno:
tapava-se a boca dos governadores com índios capturados nas correrias
paulistas, o que agravava uma corrupção baseada no tráfico escravista contrário
às leis espanholas e portuguesas. b) A mudança de desde ese mesmo (día) me
corra el tiempo de los cinco años busca precisar ao máximo a duração que devia ter
esse governo, na realidade pouco prazerosa para Céspedes Xería.
Com esses retoques, a carta 2 fica
mais favorável aos interesses de Céspedes e indica que houve uma releitura
muito cuidadosa da carta 1 antes de fazer a segunda, como mostram também as
correções realizadas: aperencia / aparência; josticia / justicia, além de
outras como o uso de rr no meio da palavra e não no início: rodelas, borrón,
corrientes, de uso mais aceito na época e o uso mais intenso do b, que dá uma
aparência mais culta, mais humanística.
Finalmente, nota-se um amanuense
seseoso, pois confundia s, c, z em ambas as direções. Atinha-se ao fundamental,
e os deslizes lhe são naturais na operação de escrever ao ditado. Isso confirma
que uma mesma pessoa não tinha uma grafia única para a mesma palavra, inclusive
ocorrendo variantes de uma mesma palavra no mesmo documento.
O que se pode deduzir desse texto
Frago Gracia (1995), analisando a
carta 1, deduz que não se trata de um autógrafo, pela assinatura: nenhum
fidalgo ou nobre se dirigia ao rei colocando seu título (Don, ou seja,
cavaleiro, fidalgo); já um amanuense, colocando ao final o nome de seu senhor,
deveria incluir o título. Mas trata-se de um texto original, muito bem cuidado,
com duas únicas correções (yndios, tachado, e a inicial da palavra Real) e,
comparado com outros documentos de época, conclui-se que o documento foi
escrupulosamente revisado pelo autor; isso fica claro ao considerar que se
tratava da primeira carta do novo governador, escrita já em seus domínios.
Por meio das análises linguísticas e
do uso de certas expressões, deduz-se pelos rasgos grafêmicos e morfológicos
que se trata de um autor culto. Isso se confirma do ponto de vista estilístico,
pelo recurso a orações exclamativas, pelo reforço adverbial em certas
expressões e pelo emprego de três elementos nominais consecutivos, conferindo
beleza à redação, em mais de dez passagens.
Outra dedução importante é o
andaluzismo fonético, decorrente das trocas de s, c e z, em um sentido ou outro
(seseo, ceceo), o que denota a origem de seu autor, fato confirmado também pelo
emprego de x por j. Muitas outras análises linguísticas e terminológicas
interessantes podem ser encontradas nesse artigo de referência, a exemplo da
assimilação do termo cachuera (cachoeira).
Ao final, discutem-se brevemente
alguns aspectos históricos, sendo relevantes os dados populacionais: Assunção
(650 vecinos), Guairá (toda a província, 200 vecinos), São Paulo (400 vecinos,
o que parece um exagero, como apontamos). Para calcular a população total seria
preciso multiplicar esses números por cinco ou seis pessoas. Destaca-se também
a confirmação de que essa região dependia da audiência da assim chamada cidade
dos quatro nomes: Plata, Charcas, Chuquisaca e modernamente Sucre. Os
documentos no Archivo General de Indias estão no item “Audiencia de Charcas”.
Todas essas conclusões aplicam-se à
carta que transcrevemos, por serem as duas muito semelhantes e ditadas pelo
mesmo autor e escritas pelo mesmo amanuense, como se vê pela grafia.
Apêndice A2:
Trata-se da transcrição da legenda
do Mapa de Céspedes Xeria, na versão do mapa 17bis, ao final comparada com
a do mapa 17. Os dizeres estão dispostos em três colunas e há uma tabela
ao final com a interpretação dos rios.
Notas técnicas da transcrição:
O caractere ‘/’ marca quebra de
linha no texto original e ‘//’ indica mudança de coluna na legenda.
Por falta de caractere no teclado, a
letra ‘y’ aparece aqui grafada sem o ponto sobre ela que havia na grafia
original.
(sic) indica trecho grafado tal qual
aparece no documento.
Não consignamos pequenas diferenças
como letra maiúscula ou minúscula.
Em itálico, após a palavra, e entre
colchetes, figura a variante da legenda do mapa 1 com relação a este.
Legenda do Mapa de Céspedes Xeria:
Mapa 2 (ou 17bis): apenso à carta 2:
Mapa del río Ayembí (actual Tieté) y del Paraná, con sus afluentes, que
recorrió Luis de Céspedes Jería, gobernador del Paraguay, al entrar en su
jurisdicción desde Brasil.
Salto, que haze el río, por nombre
caçhuera que cae de al- / tísimos riscos y peñascos por cuia caussa nos
vinimos [binimos] / a embarcar abájo [abaxo] dél, caminando por tierra y a
pie / quarenta léguas, camino fragossíssimo [fragosíssimo] con un río
/ que le pasamos diez y ocho vezes; /
- Declaración dél río -
- Las rayas que le atraviesan son
todas grandíssimas [grandícimas] / corrientes que pasé con las canoas con
grandes riesgos. /
- Los puntos negros son riscos y
peñascos que están / en mitad de el río, donde peligramos muchas
/ vezes. Las [La (sic)] Oes grandes de color amarilla son las / yslas
por donde pasamos, que en todas las más tenía- / mos grandes corrientes; y
estas solas son las parti- / culares que no ubiera donde pintar, tantas
como / ay. Adviertase que en todo el río ay raya ni punto
/ supérfluo, sino la verdad. Donde se hallare cruz [cruzes] / es el
alojamiento de cadal (sic) dia y la raya bermeja [vermeja] / que va [ba]
por medio del río es [por] donde camináuamos [caminábamos] / con las
canoas procurando saluar los peligros.
Donde esta la b es el puerto que le
puse por nombre / Nuestra Señora de Atocha donde estuve [estube] un mes
con / cinqüenta yndios y mis criados haziendo tres ca- / noas para
salir de allí. La primera que se hizo fue / de un palo que derriuamos, que
tenia de ruedo / ocho brasas; labrámosle y vino a quedar una / canoa
que tenia setenta y cinco palmos de largo y / seis de voca, en que veníamos
[beníamos] por este río cinqüenta / yndios y mi persona y criados. Las
otras dos, tenia / una sesenta y seis palmos y quatro de voca, y la outra
/ cinqüenta y cinco palmos, y tres y medio [media (sic)] de voca.
/ Traían estas dos la ropa y matalotaje [matalotaxe] de todos.
En la C tuvimos [tubimos] una
peligrosíssima [peligrosísima] corriente; / segundo día de nuestra biaje
[biaxe] que nos obligó a salir / [a] todos por tierra arresgando toda la
ropa y comi- / da, por no poder hazer otra cossa.
En la d es un peligroso salto que haze
allá [allí] el agua, / donde sacamos la ropa en tierra, y las
/ canoas las echamos por él, a riesgo de ha- / zerse mill pedaços
entre aquellas peñas.
En el río Sapoy está una hacienda de
San Pablo / por donde bajan [baxan] canoas a este río.
En la E, es paraje [parage] donde
haze el río grandíssimas [grandísimas] / corrientes.
En la f es un gran salto que haze el
río por sima / de grandíssimas [grandísimas] peñas, por cuya causa sacamos
las / canoas por tierra, por ser impusible (sic) [inposible (sic)] yr por
el río / y se bajaron [baxaron] dos mil pasos. Su nombre proprio es
/ Abayandaua, donde se nos atrabesó una canoa / entre dos peñas después de
averla [aberla] barado [baxado] / los dichos pasos sin ser poderoso a
poderla / sacar con cinqüenta yndios. Y todos los que veníamos
/ acomodámonos lo mejor que pudimos. //
En la g. es un salto trabajosíssimo
[trauajosíssimo], adonde sacamos / toda la ropa y comida para la poner
fuera de riesgo. /
En la h, es un salto peligrossimo
(sic) [peligrosimo (sic)] donde sacamos de las ca- / noas la ropa y comida per
(sic) sima de peñascos y corrientes / más de media legua, y adviértase que
desde el salto gran- / de Abayandaua hasta aqueste de Ytapira, todo es
/ grandíssimas [grandícimas] corrientes, peñascos y riscos por donde
/ veníamos todos los días desnudos, arrenpujando [arrenpuxando] las
/ canoas y teniéndolas para que no se haziessen [haciesen] pedasos
[pedaços] / y otras vezes echándolas al água con palancas.
Es un gran salto que haze el río por
ssima (sic) [sima] de peñascos / por cuya causa se sacaron las canoas obra
de mill / y quiñentos pasos. /
En la l es el fin del río Ayemby, y
adonde entra en el / río de la Plata, en la barra [uarra] del qual están,
junto a una ysla, grandísimos remolinos de água y de mucho peligro / para
las canoas, donde me desembarque con toda mi gente, / siendo [yendo] por
tierra gran pedaço, y las canoas por este peligro. / Caminamos por este
río de la Plata seis días [díaz] con felix (sic) / viaje [biaje] por ser
limpísimo [limpiysimo (sic)] todo, hasta el río donde /
{M.} está la m, que es [un río]
muy grande, donde tiene Su Magestad / dos grandes pueblos de yndios, que
abra en ellos, en- / tre hombres, mugerez [mugeres] e hijos, doze [doçe]
mill almas. Do- / trinánlos los padres de la Compañia, jurisdición de
/ mi gobierno. A la qual barra llegué dia de Nuestra / Señora de
setiembre [septiembre] que fue en el que reenaci (sic) [renaci]
/ vautisandome [bauptisandome] mis padres. De aquí nauegué por / el
mismo río de la Plata ocho días hasta lle- / gar a la Ciudad Real de
Guairá donde fui receuido / por governador y capitán general como Su
Magestad / manda.
En la N es un salto grandíssimo
grandícimo que haze el / dicho río de la Plata que siendo de legua y media
/ de ancho ba [va] angostandose hasta venir a ser / de modo que se
puede arrojar [arroxar] de una parte / a otra una piedra. Y es tal [tanto]
el ruído que / haze que, estando la Ciudad Real de Guayrá / tres
leguas y media, se oye en ella como si estu- / vieran [estubieran] debajo
[debaxo] dél.
Todos estos riesgos que aquí digo
que tuvimos / son por maior [mayor], que no quiero poner los tron-
/ pesones que veníamos dando cada ora. / Y es cierto que la Virgen
Sanctísima de Ato- / cha de quien yo soy muy deuoto, y todos / lo
fueron en esta ocasión, nos sacó dellos mi- / lagrosamente y así lo tengo
por fé porque / conmigo en el discurso de mi vida a he- / cho tres
milagros patentíssimos [patentísimos], dándome / muchas ayudas en mis
nesesidades [nesecidades]. //
Tiene este río, por donde veníamos
[venimos] hasta entrar / en el de la Plata, tanta abundancia de pes-
/ cado, dorados y otros géneros que quando / llegáuamos al
alojamiento [aloxamiento] se llenaua / tanto cogido coxido a ansuelo que
comíamos todos y sobraba sobraua por ay. / También tiene grandíssima
[grandísima] suma de cassa (sic) [casa], / muchos tigres, leones,
muchísimas antas / que matamos, con que veníamos [beníamos] comiendo
/ carne, por ser como de baca, mucha pajarerias [paxareria] / de
diuersos [diversos] colores.
La interpretación [ynterpretación]
de los dichos ríos:
Ayemby
|
quiere dezir río de unas aves
añimas
|
Ytamiriguaçu [ytamiriguasu]
|
Río de piedras (chicas y grandes)
|
Mboy, ry
|
Río de las qüentas
|
Riuiera
|
Arroyuelo
|
Capibary
|
Río de las capibaras
|
Y, roy
|
Río frio
|
Sarapoy
|
Río de un peje pexe llamado Sarapó
|
Y,equacatu
|
Río sin peligro
|
Mbaguarigueen [mbaguariguen]
|
Vomitado de un pájaro [páxaro]
|
Yacarey
|
Río de largatos
|
Piray
|
Río de pejes [pexes]
|
Mba,e,y,ry
|
Río capax de alojamento
[aloxamento]
|
Camajiboca [camajiuoca]
|
Río de las camajibas [camajiuas]
de que hazen frechas [flechas]
|
Yacarepepi
|
Pestaña de lagarto
|
Guacuri y
|
Río de unas palmeras
|
Y, pitanga
|
Río colorado
|
Tayaguapoy
|
Río de onzas [onças]
|
Guiray
|
Río de pájaros [páxaros]
|
Aguape y
|
Río de hojas [ojas]
|
Paranapane
|
Río sin pescado
|
Miney
|
Río que no corre
|
Hu y bay
|
Río de cañas
|
Piquery
|
Río de las mojarras [moxaras]
|
Ygatemi
|
Río de proa aguda
|
Comentários:
Variantes da legenda do mapa com
relação a esta
Comparando os dois documentos,
encontram-se as seguintes variantes da legenda do mapa 17 com relação a esta,
que se refere ao mapa 17bis. Indica-se a linha onde ocorre:
Troca de u ou v por v ou b: binimos,
ba, caminábamos, estube, tuvimos, aberla, bauptisandome, va, estuvieran,
diversos.
Troca de b por v ou u: bermeja,
trauajosíssimo, uarra, viaje, camajiuas.
Troca de j por x: abaxo, matalotaxe,
biaxe, baxan, baxaron, arrenpuxando, moxaras.
Troca de j por g ou por x: parage,
arroxar, debaxo, aloxamiento, paxareria, páxaro, pexes, aloxamento, páxaros.
Troca de i por y: mayor,
ynterpretación.
Troca de ss por s ou c:
fragosíssimo, grandíssimas, peligrosísima, grandísimas, peligrosimo (sic),
grandícimas, haciesen, patentísimos, nesecidades, casa.
Troca de z por c, ç ou s, e vice
versa: haciesen, díaz, mugeres.
Troca de ç por s: ytamiriguasu,
onças.
Variantes: Las / La (sic), cruzes /
cruz; es donde / es por donde, medio / media (sic), a todos / todos, allá /
allí, impusible (sic) / inposible (sic), varado / baxado, ssima (sic) / sima
(sic), siendo / yendo, limpiysimo (sic), doze / doçe, setiembre / septiembre,
reenaci (sic) renaci, tal / tanto, veníamos / venimos, mbaguarigueen /
mbaguariguen, frechas / flechas, hojas / ojas.
Nota preliminar:
Como foi dito em relação às cartas,
na época em que foi escrito esse documento, havia grafias mais usuais, mas não
havia uma regra obrigatória, de tal maneira que a troca de letras era admitida
como normal ou natural - principalmente quando o som era o mesmo: u, b e v; j,
g e x; i e y; s, z, c ou ç, em documentos que foram escritos ao ditado.
Essas mudanças de grafia recebem
nomes específicos em castelhano (como em português) como sesseísmo, rotacismo,
lambdacismo, entre outros, que não são relevantes ao escopo desta pesquisa.
Considerações gerais:
A maioria das considerações feitas
para as cartas vale para essas legendas. Por exemplo, a variedade das grafias
das palavras, ainda que haja uma tendência maior para o uso do x e também ao
não uso do s duplo.
Com relação à caligrafia, as
legendas apresentam diferenças significativas, dando a impressão de que se
trata de dois amanuenses diferentes. A segunda parece ter sido escrita pelo
amanuense das duas cartas, ainda que com letra menos cuidada (mais apressada)
que a desses documentos principais.
Com relação ao léxico há uma
diferença significativa entre a carta e a legenda. Na carta, o autor cuida que
não haja deslize de termos indígenas ou hispano-americanos, o que seria fácil
de ocorrer, pois ele esteve dois anos em contato com os portugueses e diversos
meses com os indígenas. Assim, por exemplo, na carta não aparece o termo canoa,
de origem tupi, que foi empregado 22 vezes na legenda do mapa, além de outros
vocábulos, como anta. E, acima de tudo e inevitável, a tarefa de consignar os
nomes dos rios em tupi-guarani.
Os nomes dos rios
Com a ajuda do professor Eduardo
Navarro, montamos a seguinte tabela com três colunas: nome no mapa, etimologia
e explicação dos étimos.
A identificação dos rios
Por outro lado, em todo o resto do
trajeto, anotam-se pequenos riachos, sem nome próprio. Mais adiante, quando se
entra em rio morto (sem corredeiras e outros obstáculos), tudo parece igual.
Alguns locais mantiveram o topônimo:
Capivari, Avanhandava, Itapura, ou mantiveram o conceito mudando de língua:
Piraí, Rio do Peixe. Outros são pouco esclarecedores: há três rios Jacareí e um
Jacarepepi, que poderia ser o Jacaré Pepira, se não estivesse na margem
contrária.
Esse caminhamento foi comparado com
as descrições de viagem pelo Tietê de Jusarte e de Hércules Florence, bem como
com os mapas da CGG (1905) e do IBGE (1972). Tantos os nomes como as
corredeiras e saltos ajudaram na identificação de alguns topônimos. O Tietê
possui uma bacia estreita na maior parte de seu percurso, de forma que não
existem muitos rios caudalosos que seriam candidatos mais prováveis a serem
assinalados no mapa, mas isso foi de pouca ajuda.
Como resultado identificou-se uma
porcentagem razoável dos rios, mas ainda assim diversos cursos d’água não foram
identificados, a exemplo dos três primeiros e pequenos afluentes da margem esquerda
e alguns mais. Assim foi elaborada a tabela a seguir:
Nome junto ao topônimo, grafia atualizada, interpretação / nome atual, fundamento / explicação
Nome junto ao topônimo, grafia atualizada, interpretação / nome atual, fundamento / explicação
Rio de Ayembi Anhembi Tietê Vai de
São Paulo ao Rio Paraná Salto Cachuera Salto em Itu Antes do Porto de
Araritaguaba Porto Nª Sª de Atocha Araritaguaba / Porto Feliz Já havia
experiência de navegação e sobre o melhor local para embarcar Mboy ry Mboy /
Embú (m) Bojui Grafia e som Ytamiriguaçu Itamirimguaçú Três pequenos afluentes
da margem esquerda difíceis de identificar Rivera Riveron Corrente muito
perigosa Corredeira do Matias Imediatamente antes do rio Capivari Capibary
Capivari Capivari Homonímia e posição Y roy Roi? Pequeno afluente não
identificado Sarapoy Sarapuí Sarapuí, afluente que nomeia o principal: Sorocaba
Gente de São Paulo em Sorocaba Y equacatu Equacatu Capivara? Nasce na serra de
Botucatu mbae y ry Piracicaba Posição. Pelo caudal não podia faltar no mapa
Mbaguarigueen Araquá? Salto perigoso Bariri Guaçu Maior cachoeira no trecho yacarey
Jacareí Jacaré Pepira Posição e Nome Correntes muito grandes Cachoeira
Guamicanga ou Vamicanga Posição Piray Piraí Batalha Posição Mbauru Não
identificado yacarey Jacareí dos Porcos Posição Camajiboca Batalha Posição
Yacarepepi2 Jacaré Pepi Dourado Posição Rivera grande da Fartura Posição Salto
de Avanhandava Avanhandava Salto trabalhoso Cachoeira das Ondas Grandes Maior,
dentre as três próximas de Avanhandava yacarey Jacareí Dois pequenos, não
identificados Riveron Salto Itapura mirim Posição, logo antes Salto de Itapura
Itapura Homonímia Parana que es el Rio de La Plata Paraná Homonímia e Posição
Parnaíba Parnaiba Homonímia e Posição Cururay Pântano Posição Ytayquiri São
José dos Dourados Posição Ayembi Tietê guacury y Guacuri ou Bacuri Sucuriú
Posição y pitanga Ipiranga Feio ou Aguapeí Posição tayaguapoy Taiaguapoí do
Peixe Posição guiray Guiraí Santo Anastácio Posição aguapey Aguapeí Pardo
Posição paranapane Paranapanema Homonímia e Posição miney Minei Ivinhema
Posição Hu y bay Ivaí Ivaí Posição piquiry Piqueri Piqueri Posição Ygatimy
Iguatemi Iguatemi Posição Variantes presentes no duplo, ou seja, mapa 17: B /
D, por engano, pois é B; Existe um Jacaré Pepira, mas na margem direita; Huybay
(uma palavra só). Esclarecimento: o termo “Posição” indicado nessa tabela
corresponde à topologia: antes, depois ou em frente na sequência dos afluentes
no rio. Existem ainda outros topônimos em posições que não ao longo do Tietê,
relacionados na tabela abaixo: Mapa 17 bis – Mapa 17
Este Rio Andubo D. Luis de Céspedes
Xeria gov.or y cap.an gl.del paraguay Este Rio andubo D. Luis de céspedes Xeria
gov.or y cap.an gl.del paraguay
La villa de san pablo en el Braçil Villa de S. Pablo / en el Brasil
Aldea de nª sª de loreto / del pirapo Aldea de nª sª / de loreto
Aldea de S. Ignaçio Aldea de S. / Ygnaçio
çid Real del guaira Ciud. Rl. de guaira
çiudad de gerez Ciud Gerez
Villa rrica Villa Rica
Artigo de Jorge Pimentel Cintra, José Rogério Beier e Lucas Montalvão Rabelo.
La villa de san pablo en el Braçil Villa de S. Pablo / en el Brasil
Aldea de nª sª de loreto / del pirapo Aldea de nª sª / de loreto
Aldea de S. Ignaçio Aldea de S. / Ygnaçio
çid Real del guaira Ciud. Rl. de guaira
çiudad de gerez Ciud Gerez
Villa rrica Villa Rica
Artigo de Jorge Pimentel Cintra, José Rogério Beier e Lucas Montalvão Rabelo.
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