A Dama de Shanghai 1947 - The Lady From Shanghai
Estados Unidos - 87 minutos
Poster do filme
Dramas e suspenses investigativos são os gêneros mais vistos
nos filmes noir, e A Dama de Shangai não foge disso, se apoiando numa
relação amorosa inquieta que move todos os acontecimentos da trama, que instiga
o expectador e levanta seus personagens com suas intenções e objetivos. O uso
da narração do protagonista (outra característica do estilo) se mostra
envolvente, importante para expor os sentimentos do personagem e suas decisões.
A moralidade de todos é questionada de forma singular, e consegue dar ao filme
um clima ambíguo, mas eficaz nas sensações causadas na plateia.
Michael O’Hara (Orson Welles) é um marinheiro
que vê a bela Elsa Bannister (Rita Hayworth) passeando de
charrete no parque. Ele a ajuda quando ela é assaltada por três homens,
levando-a até seu carro. No dia seguinte Michael recebe a visita de Arthur
Bannister (Everet Sloane), marido de Elsa e um advogado
criminalista consagrado, que deseja que ele trabalhe em seu iate durante uma
viagem que o casal fará. Inicialmente relutante, Michael aceita o trabalho
devido à atração que sente por Elsa. Na viagem também está George Grisby (Glenn
Anders), sócio de Arthur, que oferece a Michael US$ 5 mil para que
ele o mate, algo que deixa Michael confuso, mas não o suficiente para recusar a
proposta.
A partir desse momento, um mistério gigantesco ronda os passos
de Michael, que confiante na ideia de George decide não se preocupar. O filme
expressa a falsidade das pessoas e como suas relações podem ser baseadas no
dinheiro, no romance e na traição. Orson Welles (também diretor e roteirista)
interpreta um ótimo protagonista, enquanto Rita Hayworth mais uma vez se mostra
uma femme fatale perfeita em todos os sentidos, desde seu ar sedutor até
seu olhar dúbio e sua voz vaga. A atriz prova que mesmo depois do filme que
marcou sua carreira com o personagem homônimo (Gilda), ainda soube interpretar
outras personagens menos sorridentes como a loira Elsa. Os coadjuvantes Sloane
e Anders (Arthur e George) agradam quando aparecem, e mantêm a tensão da
história sigilosa por trás da narrativa.
Ângulos e movimentos incomuns de câmera se fazem curiosos, e
caracterizam a direção de Orson Welles como uma das melhores que o cinema
possui, sendo o homem responsável por outros clássicos como Cidadão Kane (1941)
e A Marca da Maldade (1958). O roteiro surpreende nos diálogos e no
enredo, portanto demandam uma grande atenção do público, que de qualquer forma
não conseguirá nem piscar diante do desenrolar dinâmico do terceiro ato. A obra
é uma aula de iluminação, pois sabe bem brincar com um jogo de luzes
impressionante, que além de ser belo visualmente, conduz as emoções dos
personagens.
Injustiça. Outro elemento que move os sentimentos do
expectador, que por sua vez passa a torcer pela vida de Michael, embora
questione sua moralidade. A busca pelo que é justo deixa-nos a sensação de que
somos todos vítimas dos desejos e das armadilhas, e que podemos lutar com todas
as forças para que as coisas corram conforme desejamos, mas nem sempre isso se
concretiza. A paixão é uma arma poderosa, beneficia o sedutor e prejudica o
seduzido, que passa a perder a razão e agir com o coração (isso fica explícito
com a fala de Michael logo no começo do filme). Saber elaborar um suspense que
cerque o protagonista e force o público a se sentir encurralado junto com o
mesmo não é simples, e é preciso valorizar roteiros que alcançam tal proeza.
A Dama de Shangai é uma obra valiosa
que temos a nossa disposição, seja em mídias físicas ou digitais, mas o
relevante é a obrigação que todos possuímos em conferi-la. O filme estimula
nosso ceticismo, questiona nosso senso de justiça, e acima de tudo nos mostra
como o mundo pode ser corrupto. A cada esquina existem pessoas que podem ser
persuasivas, perigosas, com más intenções e de boa aparência. Que saibamos
escolher nossos passos com cautela, e que a confiança seja nossa aliada, não
inimiga. Finalizo esse texto relembrando da memorável cena dos espelhos em que
Michael e Elsa se encontram logo nos últimos minutos do filme. O suspense dessa
sequência é tão bem construído que merece jamais ser esquecido por nós
cinéfilos, que apreciamos uma boa história de crimes passionais, e também pelos
cineastas, que devem sempre se inspirar nas temáticas clássicas e adaptá-las de
maneira original para nosso cinema contemporâneo.
Durante uma caminhada noturna, o marinheiro Michael O’Hara (Orson Welles) cruza
com a bela Elsa Bannister (Rita Hayworth) e
acaba se apaixonando por ela. Ao se despedirem, logo após ser salva de um
assalto, Elsa propõe a O’Hara um trabalho na viagem de barco que fará com seu
marido, o renomado criminalista Arthur Bannister (Everett Sloane),
algo que irrita o marinheiro por descobrir que a jovem já era casada. Mesmo
após recusar a proposta inicialmente, o marujo é convencido quando, no dia
seguinte, o próprio Arthur vai a seu encontro para convidá-lo pessoalmente. O
que não passava por sua cabeça, no entanto, era que acabara de entrar no meio
de uma grande intriga de crimes. Essa é a trama de A
Dama de Xangai, dirigida pelo brilhante Orson Welles.
Com a construção interessante de um romance proibido, que
torna-se tão encantadora por conta do imenso talento de seu realizador, Welles
prende o público desde o início, que pode pegar-se torcendo para um final feliz
entre os recém apaixonados quase sem perceber. O mais fascinante da obra,
porém, fica a cargo das discussões e embate de visões de mundo que o diretor
aborda durante boa parte do longa, convidando-nos para um exercício reflexivo
pessoal e social.
Welles evoca em Michael alguém que vê pouco ou nenhum sentido
na busca desenfreada por bens materiais e poder, quase dono de enorme repulsa a
esse estilo de vida seguido pelo casal Bannister e George Grisby (Glenn Anders), amigo
do casal e sócio de Arthur Bannister. Além da exposição de ideias contrárias
durante os diálogos, detalhes como as profissões, comportamento das personagens
e até os locais ajudam a formar essa clara distinção de como levar a vida.
Enquanto Michael é um marinheiro calmo, centrado, pouco extravagante e que pode
ser encontrado facilmente nas docas com outros marujos, Arthur e George são
dois criminalistas bem sucedidos, muito mais excêntricos, abusam do álcool e
podem ser encontrados em algum iate particular. Elsa, apesar de aproveitar do
dinheiro de seu marido, apresenta uma personalidade mais ambígua, como se
influenciada tanto pela paixão que nutre por Michael quanto pela vida que
dispõe ao lado de Arthur.
As reflexões continuam quase sempre fomentadas por Michael. Em determinado
momento, enquanto conversa com George, ele revela que fez parte da luta contra
o ditador espanhol Francisco Franco, o que causa certo incômodo entre ambos, já
que seu interlocutor lutou ao lado dos franquistas durante a guerra. O
marinheiro também faz uma analogia sobre tubarões quando junta-se aos outros
três em um piquenique. Ele compara a situação de matança e morte entre os
predadores aquáticos que presenciou enquanto pescava em Fortaleza com o casal
Bannister e George (e todos que possuem um estilo de vida semelhante,
evidentemente), e finaliza dizendo que nenhum dos tubarões sobreviveu àquela
selvageria. A mensagem não poderia ser mais clara: a sede desenfreada por poder
levaria todos ao precipício.
Vale destacar também a utilização das cores das roupas de
Michael e Elsa ao longo do filme. Sim, A Dama de Xangai é um
filme em preto e branco e é exatamente por essa razão que vejo ainda mais
necessidade em destacar esse ponto. Welles tinha à disposição quase que somente
o preto e o branco para demonstrar os sentimentos das personagens, no entanto
não pareceu problema. Ao longo de toda a metragem podemos notar situações em
que o casal proibido veste trajes da mesma cor quando estão em completa
sintonia, mas é necessário a troca de uma única peça para que tanto as cores
percam sua harmonia quanto a sincronia dos dois deixe de existir. Talvez a cena
que melhor exemplifique é quando Michael está controlando o iate e Elsa se
aproxima, ambos com trajes inteiramente pretos, e se desagrada com um comentário
dele sobre amor. No mesmo instante, ela coloca um sobretudo completamente
branco e demonstra sua irritação em suas feições, comprovando a quebra de
sintonia.
A Dama de Xangai é
uma ótima obra e essencial dentro da filmografia de um dos maiores diretores de
todos os tempos. Ao abordar confrontamento de ideias e debates interessantes
sem abrir mão de uma narrativa bem construída e amarrada, o filme consegue ser
duplamente encantador e prende o espectador até o desfecho da rede de intrigas
com uma cena final arrebatadora. Um excelente exemplo da grandiosidade e
talento de Welles.
Talvez não devesse ser surpresa, mas “The Lady from Shanghai”
foi mais um dos trabalhos de Orson Welles altamente
editado, regravado e modificado pelo estúdio antes de seu lançamento. Ao
contrário de “Touch
of Evil“, vale dizer, o conteúdo cortado não foi encontrado nem as
anotações do diretor a respeito de sua visão original. O que se tem é apenas a
versão revisada pela Columbia Pictures e Harry Cohn, o produtor. A obra saiu
com mais de um ano de atraso no mercado americano e foi inicialmente mal recebida.
Mas há motivo para não gostar do que se vê aqui? Apesar de um pouco confuso por
vezes, esta é outro trabalho digno de um dos maiores diretores de todos os
tempos.
Michael O’Hara (Orson Welles) é um
marinheiro sem muitas ambições além de fazer suas caminhadas noturnas e ter
dinheiro o bastante para gastar em bebida e cigarro com os amigos. É uma vida
simples e sem muita variedade, exceto pelas eventuais viagens a trabalho que o
levam para portos em todos os continentes, lugares em que ele adquiriu a tal
experiência de vida que o difere de vários outros marinheiros ignorantes. Mas a
mesmice muda quando ele cruza o caminho de Elsa (Rita Hayworth) por
acaso. Deste ponto em diante, Michael se encontra num emaranhado de mistério e
perigo em que nunca esperava entrar.
O assunto facilmente rende conteúdo para preencher um livro
inteiro. Não obstante, a carreira de Orson Welles é um
exemplo um tanto peculiar entre tantas histórias diferentes que acabam
compartilhando alguns elementos; tal como vários atores da Era de Ouro de
Hollywood que começaram suas carreiras no Vaudeville ou atores britânicos com
origens em companhias de teatro clássico. Welles, por outro lado, começou no
topo com “Citizen Kane” e foi descendo de lá ao longo dos anos, como ele mesmo
diz em “F
for Fake“. “The Lady from Shanghai” teve inspirações fortes no estilo
documental de filmagem, que seria traduzido em um filme quase totalmente
gravado nos locais idealizados. Mas não, o produtor ficou insatisfeito com essa
abordagem e exigiu regravações feitas em estúdio, onde iluminação, som e
direção poderiam ser mais firmemente controlados. Isso depois que as cenas já
tinham sido gravadas no México e na Califórnia, por exemplo.
Eventualmente, um filme que tinha sido entregue antes do prazo e abaixo do
orçamento foi atrasado e teve custos a mais do que os planejados. Quem levou a
má fama de gastar mais do que deveria, é claro, foi Welles.
Mas de que tudo isso importa no final das contas? Novamente é
possível notar parte dessa influência negativa nas partes mais esquisitas de
“The Lady from Shanghai”, se posso chamá-las assim. Em econômicos 87 minutos, a
história conta o essencial para que o espectador consiga desvendar o mistério
acerca de indivíduos imersos em segundas intenções e ambições invisíveis. É
possível ver quem estava contra quem, qual era o plano e onde este deu errado;
os ingredientes essenciais para que a experiência faça sentido e deixe o
público satisfeito. Sendo justo, a história e suas viradas incríveis não deixam
impressões fracas. Mesmo assim, é possível enxergar uma margem para crítica na
narrativa, que com certeza não está absolutamente dentro do espectro da clareza
e da objetividade. Não seria surpresa ver alguém que se perdeu na metade e
sentiu que as soluções não se apresentam de forma totalmente natural. Tenho um
forte palpite de que parte do conteúdo cortado e modificado melhoraria um pouco
esse quesito.
Só não posso dizer que concordo com aqueles que classificam a
trama como complexa e confusa, tratando-a como um dos problemas de “The Lady
from Shanghai”. Por mais que não se gaste muito tempo com uma exposição calma
dos fatos, ao menos sua execução compensa. Caso contrário, daria para dizer que
o resultado atingido é como o de “The
Postman Always Rings Twice“, que ttem suas similaridades e não consegue ser
tão convincente quanto aqui. Aliás, esta é uma comparação interessante porque
“The Lady from Shanghai” aborda temas parecidos no desenrolar de sua história e
acerta melhor neles. Ambos começam com um homem completamente comum que se
apaixona por uma mulher comprometida, passa a conviver perto dela e começa sua
onda de problemas a partir daí, eventualmente esbarrando em toques de um drama
de tribunal no caminho. A diferença está no modo como tudo isso é trabalhado,
especialmente porque uma duração com 26 minutos a mais não faz diferença para o
filme de Tay Garnett.
Nem de longe daria para dizer que o envolvimento entre Michael
e Elsa existe apenas pelo fato de Orson Welles e Rita Hayworth estarem
casados durante a produção deste filme, pois ainda em 1947 os dois fecharam seu
divórcio. A principal diferença encontra-se principalmente na escrita das cenas
entre os dois principais e na atuação de Welles e Hayworth. Enquanto o primeiro
estabelece situações mais funcionais para um envolvimento intenso, o último faz
as cenas entre uma esposa-troféu e um marinheiro vivido serem poderosas e
transbordarem a paixão proibida tão necessária para o sucesso. “The
Postman Always Rings Twice” introduz seu romance abruptamente em seus
primeiros momentos e passa o resto do tempo tentando compensar isso, apenas
indo moderadamente bem. “The Lady from Shanghai”, por sua vez, faz um trabalho
significativamente superior ao também colocar o primeiro encontro nos primeiros
minutos e depois trilhar um caminho bem mais longo até que a atração se
manifeste de forma mais evidente.
Além de um planejamento adequado por parte do roteiro, que
trata a interação como um processo ao invés de um fato, toda a relação funciona
em grande parte pela atuação de Orson Welles como o
personagem principal. Sim, seu curioso sotaque irlandês chama a atenção e
gera um pouco de simpatia pelo rapaz por conta do charme sobre cada palavra,
mas é sua personalidade que realmente faz tudo funcionar. Michael O’Hara é um
homem teimoso e desconfiado. Nunca negou sua atração pela garota, como sua
narração inicial faz questão de indicar, ao mesmo tempo que tenta não se
envolver muito, ficar quieto em seu canto até que as circunstâncias forcem
alguma atitude. Essa eterna resistência de atos nunca cometidos com absoluta
certeza torna não só seu envolvimento inicial com Elsa mais suave como também
abre possibilidades dentro da trama. Ser de poucas palavras não impede de que
ele guarde as certas conforme cada situação.
Potencialmente, “The Lady from Shanghai” poderia ter sido
tantas coisas inimagináveis que dificilmente serão conhecidas, pois o estúdio
provavelmente destruiu as gravações não usadas. Alguns pontos denotam
abertura para maior exploração, como cenas adicionais entre a sequência de
eventos que levam o mistério para frente, mas não posso dizer que encontrei
aqui a falta de alguma coisa. Ao menos em termos de história, soa mais certo
qualificá-la como objetiva e enxuta ao contrário de simplista, rasa ou
incompleta. Muito menos pode-se acusá-la de ir longe demais em sua ambição,
como o outro noir citado anteriormente. Este é mais um excelente filme de um
dos mestres do Cinema, com o único elo fraco sendo Glenn Anders e uma
atuação desnecessariamente forçada e desconexa com todo o resto. Seu personagem
se encaixaria muito melhor num faroeste, que costuma ter indivíduos
desequilibrados e meio pirados em seu elenco.
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