Ferrari 488 GTB, Itália - Jeremy Clarkson
Fotografia
Nós britânicos gostamos de pensar em nós mesmos como
bem-educados e cultos, com um grande senso de humor e uma determinação férrea.
Mas quando dirige uma Ferrari por aqui, você percebe logo que, na verdade,
somos hipócritas, amargos e cheios de inveja e ódio.
Se uso um carro normal para ir trabalhar, eu paro no cruzamento
do final da minha rua e as pessoas me deixam entrar no lento rastejar da via
principal. Mas quando eu estou em uma Ferrari, é o oposto.
Na Grã-Bretanha, o Sr. Normal vê a Ferrari como lembrete de que
sua vida não se desenrolou como esperava. Ele vê seu motorista como
personificação do menino que roubava seu lanche na escola. Ele acredita que, se
puder criar obstáculos para alguém numa Ferrari, é um tapa na cara dos ricos e
privilegiados. E depois há os ciclistas. Muitos usam sua bike para promover uma
guerra de classes. Eles veem os motoristas como um cruzamento entre Margaret
Thatcher e Hitler, por isso gritam e cospem nos carros. Mas se estiver numa
Ferrari, eles ficam frenéticos, pois agora você é um embaixador do próprio
demônio. Você usa mão de obra infantil para ganhar dinheiro. Então, é o dever
deles bater no seu teto e gritar obscenidades.
Mesmo os bem de vida não podem lidar com uma Ferrari. Em uma
cidadezinha próxima a Londres, encontrei um BMW M3. Ele era o macho alfa dessa
terra. E ele realmente não gostava de que aparecesse alguém com um membro
obviamente maior. Então, ele emparelhou comigo, rugiu seus escapamentos, dançou
e patinou para fazer com que eu fosse embora. E eu fui.
Você não consegue qualquer uma dessas respostas em outros
países. Uma Ferrari nos EUA é um estímulo, um lembrete de que você precisa
acordar mais cedo e se esforçar mais. Na Itália é uma obra de arte, que deve
ser admirada. Em qualquer outro lugar, é um sonho tornado realidade. Mas na
Grã-Bretanha, faz com que todo mundo diga: “it’s all right for some” (“algumas
pessoas têm sorte”). Que é a expressão mais deprimente da língua inglesa.
Isso significa que, para cada minuto de prazer que você obtém
com sua Ferrari, tem de aguentar dez minutos de abuso e ódio. Significa que
você precisa ser durão para dirigir uma. A não ser que você me encontre em suas
viagens. Porque, quando vejo alguém dirigindo uma Ferrari hoje, quero correr e
abraçá-lo e me oferecer para ter filhos com ele.
O problema é o imposto sobre ganho de capital aqui no Reino
Unidos, que fez carros como as Ferrari virarem uma moeda de alto valor. Você
compra algo raro, coloca na garagem, sempre cobrindo com uma capa, e então você
vende e embolsa 100% do aumento de valor. O Leão não recebe um centavo.
Significa que ela é seu pé-de-meia. Sua poupança com limpador de para-brisas. E
você não vai sair com ela por aí. O risco é grande demais.
Isso me entristece, porque todos os carros maravilhosos do
mundo agora estão trancados em adegas com umidade controlada. O que significa
que não estão na estrada, onde eles pertencem. Se fosse ministro da Fazenda
britânico, eu decretaria um imposto sobre ganho de capital em carros e traria
todos esses carros maravilhosos de volta às vistas do público, para podermos
ter a satisfação de contemplá-los.
Certamente, se fosse dono da Ferrari que dirigi recentemente,
eu a usaria para ir a todo lugar. Eu me apresentaria para fazer coisas para
amigos. E eu ficaria feliz se meu filho me ligasse às 3 da manhã dizendo que
ficou sem dinheiro e não tinha como vir para casa. Porque daí eu poderia sair
para pegá-lo.
Há os que dizem que a 488 GTB não é uma Ferrari de verdade,
porque é turbo. E essa turboalimentação não tem espaço num puro-sangue desses.
Eles argumentam que ela é turbo só para atender às normas de emissão da União
Europeia e que seguir estritamente a letra da lei vai contra o ethos da
Ferrari. Ferrari é liberdade e adrenalina, velocidade e paixão, beleza e alma.
Não é sobre dióxido de carbono e burocracia.
Sim, eu entendo. Mas não esqueçamos que a Ferrari de F-1 de
Gilles Villeneuve era turbo e que a melhor Ferrari de todas – a F40 – também. E
não podemos esquecer que, graças aos modernos sistemas de gerenciamento de
motor, você não tem como saber que bruxaria está sendo usada para bombear
combustível e ar para o V8. Ela nem sequer tem som de carro turbo. Tem o som de
uma Ferrari. Um som lindo. Um som maravilhoso.
E, por Deus, é adorável de dirigir. Você pode passear
tranquilamente com o câmbio no automático, pois ela não é nada desconfortável
ou difícil. Esse é talvez o maior feito da Ferrari com a 488. Pegar algo tão
afinado, nervoso e potente e fazê-lo parecer um gatinho. Ela é tão dócil que
você fica com a impressão de que não é possível que ela ande quando você cravar
o pé no acelerador.
Mas ela anda, e como! Eu não conheço qualquer outro carro com
motor central que passe uma sensação de ser tão amigável. Tão a seu favor. Não
há absolutamente nenhuma saída de frente, tampouco qualquer perda súbita da
traseira. A velha 458 não era tão boa quanto um McLaren 12C. Mas o novo carro
coloca o cavalinho rampante de volta no topo. Como máquina de dirigir ela é –
não tenho outra palavra – perfeita.
Bem, eu ainda detesto o painel. Colocar todos os controles dos
faróis, setas e limpadores de para-brisa no volante é algo tolo. E também o GPS
e o rádio, que só podem ser operados pelo motorista.
Mas a melhor coisa da 488 é que você pode usá-la. O James May
recentemente adquiriu a velha 458 Speciale, cujo valor disparou para um nível
que faz com que ele praticamente não a use. Já a 488, como não é uma edição
especial, não vai lhe trazer lucro. Por isso você pode, e deveria, usá-la como
um carro.
Sim, ela vai fazer com que todos na rua tenham ódio de você.
Mas olhe desta maneira: quando você está enchendo o tanque dela sendo xingado
pelo cara da bomba ao lado, dê-lhe uma razão real para que ele não goste de
você. Vá até ele e fale que se você não tivesse uma Ferrari, isso não faria
diferença na vida dele. Ele ainda estaria indo para uma floricultura sem graça
em seu Citroën caindo aos pedaços com sua mulher feia e dois filhos idiotas.
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