Tiradentes Supliciado / Tiradentes Esquartejado, Rio de Janeiro, Brasil (Tiradentes Supliciado / Tiradentes Esquartejado) - Pedro Américo
Rio de Janeiro - RJ
Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora, Brasil
OST - 270x165 - 1893
Tiradentes Esquartejado, originalmente chamado Tiradentes
Supliciado, é um óleo
sobre tela de 1893 do pintor brasileiro Pedro
Américo de Figueiredo e Melo. Atualmente o quadro se encontra no Museu Mariano Procópio, em Juiz de
Fora (MG). A pintura retrata o corpo em pedaços de Tiradentes após
o seu enforcamento e esquartejamento. Ele é considerado um dos primeiros
quadros ocidentais a retratar o esquartejamento.
O quadro foi concebido originalmente como o último de uma série
de cinco outras obras sobre a Conjuração Mineira que nunca foram concluídas e
talvez seja o retrato mais emblemático do herói já feito, embora tenha recebido
críticas mistas e sido rejeitada quando foi inicialmente exposta. A obra possui
grande inspiração renascentista, com o tronco do personagem representado se
assemelhando ao de Cristo de Michelangelo no quadro Pietá. Ele também é
conhecido por estar em inúmeros livros didáticos escolares.
O quadro retrata a figura enunciada no título, Tiradentes, após
este ser desmembrado devido ao seu papel na Inconfidência Mineira. As partes do
seu corpo estão colocadas e espalhadas sobre uma estrutura de madeira, que se
assemelha ao cadafalso de uma forca. Em primeiro plano, ao centro, está a
cabeça de Tiradentes sobre um pano branco com poucas manchas de sangue, que
escorrem do seu pescoço. A cabeça possui cabelos, barba e bigode castanho
avermelhados e os olhos estão virados para baixo. Ao lado da cabeça está
colocada uma pequena réplica da imagem de Jesus crucificado. Ao lado da imagem,
estão colocados uma corda com nós frouxos, algemas e correntes de ferro,
simbolizado o enforcamento de Tiradentes.
A pele possui um tom rosado, porém pálido. Abaixo da cabeça
está o tronco, colocado deitado com o tórax para cima. Do lado esquerdo do
tronco há um dos pés, que está virado para baixo com a planta do pé amostra. Do
lado direito do tronco há um pano azul. Ocupando a parte inferior direita do
quadro há a perna de Tiradentes, que possui estacas de madeira lhe rasgando a
carne de sua parte superior e uma corda amarrada acima da coxa. Abaixo da
estrutura de madeira, no plano de fundo, há casas brancas com telhado marrons,
onde aparecem figuras humanas embaçadas, com trato muito menos realista que o
resto da obra, possivelmente assistindo a cena. Completa o fundo um relevo
montanhoso e o céu azul esverdeado pálido, que ocupa mais de 2/3 do fundo da
obra. Curiosamente, apesar de Américo colocar representações de habitações e
relevo típicos de Minas Gerais, Tiradentes foi enforcado e esquartejado em
Lampadosa (atual Praça Tiradentes) no Rio de Janeiro e só posteriormente
seus restos mortais foram levados ao seu estado natal.
A obra nasceu em um período definitivo para república,
proclamada em 1889. Ao mesmo tempo em que procurava atender as demandas dos
principais grupos oligárquicos que propunham diversos projetos para o país, o
novo governo também precisava criar novos ícones, sobretudo heróis que
personificassem a causa republicana. O federalismo facilitou a rememoração
de figuras históricas locais, e suscitou novamente as lembranças das revoltas
contra os regimes, duramente reprimidas.
Com a proclamação da república, Pedro Américo tinha perdido o
seu posto de pintor oficial da corte imperial. Ele se aposentou aos 49 anos da
Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro e foi eleito deputado do Congresso
Nacional pelo estado da Paraíba em 1891. Há a possibilidade que José Maria da Silva Paranhos, o Barão
do Rio Branco, seu amigo pessoal e membro do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, tenha lhe sugerido o tema da Inconfidência e também ter lhe dado
ajuda financeira. Em suas correspondências, Américo pergunta ao amigo se
ele teria alguma ideia de uma possível figura história para que ele pudesse
pintar. Logo após essa troca de cartas, a Conjuração Mineira foi o próximo tema
de estudos do pintor.
Durante as pesquisas de Américo sobre o movimento, o Barão lhe
sugere o livro “História da Conjuração Mineira” de Joaquim Norberto de Souza
Silva. O livro se tornou a principal fonte de estudo para a composição do
quadro para o artista.
Em seu primeiro plano, Américo tinha a ideia de criar dois
quadros, um retratando a execução de Tiradentes e outro, os inconfidentes
reunidos. Porém, em 1893, em um anúncio no Jornal do Brasil, época em que
"Tiradentes Esquartejado" já estava finalizado, o artista afirmou que
a obra estaria presente em exposição dentro de uma série composta de cinco
quadros, todos ligados a Inconfidência Mineira.
Os temas das outras obras, que nunca vieram a ser feitas,
surgiram posteriormente, em face as críticas recebidas por "Tiradentes
Esquartejado". Estes retratariam “a cena idílica de Gonzaga a bordar a fio
de ouro o vestido nupcial de sua Marília”, “a mais importante das reuniões dos
conjurados”, “a cena da constatação de óbito de Cláudio Manuel da Costa”, e “a
prisão de Tiradentes”. Américo defendia que não era possível entender a obra
fora da série inicialmente proposta.
Só são conhecidos os estudos das telas, os esboços a óleo de “a
mais importante das reuniões dos conjurados" e estudos anatômicos para o
desenho do corpo despedaçado de Tiradentes, na única tela da série que veio a
público. Tiradentes Esquartejado teria sido feita na cidade de Firenze na
Itália em apenas 12 dias.
A morte de Tiradentes era festejada antes da proclamação, mas
de forma velada, por membros do primeiro partido republicano do Brasil desde
1870. A república declarou o dia 21 de abril (data da morte de Tiradentes) como
feriado nacional em 1890. Em 1893, porém, as comemorações foram canceladas
pelo governo, três meses antes do quadro Tiradentes Esquartejado ser exposto
pela primeira vez, devido ao Clube Tiradentes (grupo republicano que celebrava
a data da morte de Tiradentes) ter tentado derrubar uma estátua de Dom
Pedro I colocada no lugar onde Tiradentes foi enforcado. Havia uma
grande discussão no Congresso sobre colocar ou não uma homenagem ao herói no
lugar onde o Clube tinha praticado a ação. A movimentação do grupo criou
problemas na representação que a república fazia do mártir até então.
Anteriormente ligado a um caráter mais radical e revolucionário, a república
buscava no momento transforma-lo em uma figura integradora e de fortes valores
cristãos.
Os principais motivos da popularização de Tiradentes como
mártir e herói nacional de pouca controvérsia se devem principalmente ao
caráter religioso criado em torno da sua vida e morte. A alegoria a Cristo crucificado,
com cabelos e barbas longas, sendo inclusive referido na peça de Castro
Alves de 1875 “Gonzaga ou a Revolução de Minas” como o “Cristo da
Multidão”, criou uma imagem de fácil associação e aceitação entre o povo e as
elites em um país predominantemente cristão. Outro fator essencial para a
difusão do mito foi a sua proximidade com o centro econômico e político do
país, o que de certa forma o colocou a frente de outros mártires que também
morreram ligados a uma causa republicana, como Frei Caneca.
A tela pode ser lida como uma crítica ao regime republicano, ao
retratar em pedaços o personagem escolhido pelo então novo governo como representante
de seus ideais. Américo defendia que a pintura só poderia ser compreendida
quando dentro da série inicialmente proposta. Segundo os estudos a óleo feitos
para o conjunto de telas, o primeiro quadro representaria o poeta Tomás Antônio Gonzaga em uma cena
idílica ao lado de sua noiva e musa Marília (Maria Doroteia Joaquina de
Seixas Brandão), sem qualquer preocupação com movimento do qual era um dos
líderes. O segundo, “a mais importante das reuniões dos conjurados”, mostraria
os inconfidentes hesitantes, e entre eles estaria colocado em destaque Joaquim Silvério dos Reis, que
posteriormente trairia o grupo. O terceiro retrataria a morte de Cláudio Manuel da Costa que,
pressionado pelas autoridades coloniais, confessou a sua participação no
movimento e morreu em circunstâncias ainda debatidas. Na quarta tela a prisão
de Tiradentes seria mostrada, o que culminaria no último quadro e também o
único a ser completado, que o mostra em seu destino final, enforcado e
esquartejado. A construção dessa narrativa, que segue em um arco de
"auge", "declínio" e "queda", pode indicar que
Américo pretendia retratar a fragilidade do movimento.
O retrato de Américo pode ser inserido no contexto das pinturas
de personalidades históricas do século XIX, que após a queda de Napoleão
romperam com a representação heroica tradicional e começaram a retratar figuras
de forma mais realista. O corpo dilacerado de Tiradentes pintado pelo artista
não seria então uma exaltação da pátria ou do mártir e sim uma constatação da
incompetência e ineficácia dos envolvidos na conspiração fracassada e da
solidão da morte de um inocente.
A quase ausência de sangue e de deformidades do corpo diminui
consideravelmente o realismo da figura, apesar do tom de pele pálido e os
detalhes nos cabelos, barba e pelos lhe darem um aspecto naturalista. A limpeza
do quadro e a riqueza de detalhes nos membros podem ser atribuídas a um ímpeto
do artista de focar somente na decomposição da personagem, e não
necessariamente na violência da ação. A composição do quadro também facilita
uma reconstrução imagética do corpo de Tiradentes. O rigor estético e anatômico
da obra rompe com os ideais de beleza da época e provoca uma sensação de
inquietude no espectador.
A falta de realismo também pode ser entendida, apesar do corpo
mutilado, como uma continuação da tradição dos retratos clássicos dos mártires
cristãos, retratados com semblantes calmos, afastados das marcas das violências
que sofreram. A imagem de Jesus colocada ao lado da cabeça de Tiradentes
reforça o caráter cristão da construção da personagem, o colocando em um
patamar próximo - ou igual - a Cristo.
Há no quadro alusões a Pietà de Michelangelo,
na posição do braço de Tiradentes, o Sepultamento de Cristo de Caravaggio,
assim como ao quadro A
Morte de Marat de Jacques-Louis David, com as posições do tronco
e do braço de Tiradentes se assemelhando aos do Marat representado na obra.
O quadro foi colocado em exposição pela primeira vez na galeria
do jornal A Cidade do Rio, e depois na galeria de arte Glace Elégante no
mês de julho em 1893. Ele atraiu a atenção da imprensa, sobre tudo por
causa da ação do Clube Tiradentes, que havia feito o governo proibir as
comemorações em torno da figura principal da obra. Muitos criticaram a obra acusando
o pintor de fazer uma "propaganda republicana" devido ao momento em
que ela foi exposta e muitos a consideraram "repugnante". Américo se
defendeu das críticas em um artigo intitulado "Tiradentes Supliciado"
no jornal "Gazeta de Notícias" defendendo que o trabalho, sendo
exposto com as outras obras anteriormente propostas, "teria produzido no
meio dos outros impressão diversa e porventura menos terrível".Quanto ao
que os críticos viram de "repugnante", o pintor escreveu:
(...)Não me parece que eu haja revestido o fato de cores mais
vivas que a crua verdade comportava. Um homem enforcado e imediatamente
decapitado e esquartejado deveria oferecer um espetáculo muito mais repugnante
do que a pintura exposta(...)
Após o fracasso da exposição no Rio de Janeiro, Américo tentou
expor a obra em Juiz de Fora, cidade que no momento apresentava um grande
crescimento econômico e cultural. O pintor foi para a cidade no final do mês de
julho de 1893, e negociou longamente com a Câmara Municipal para que a obra
ficasse na cidade, sendo ela adquirida em 4 de outubro.
Em 1922 o quadro foi
adquirido pelo vereador Alfredo Ferreira Lage, fundador do Museu
Mariano Procópio, onde ficou exposto por mais de cinquenta anos sem nunca sair
de lá. A obra só ganhou circulação nacional quando foi reproduzida na
biografia de Pedro Américo escrita pelo seu genro Cardoso de Oliveira e,
posteriormente, ao ser colocada na enciclopédia "Grandes Personagens da
História", lançada em 1969 pela editora Abril. A obra ressurgiu em 1998, na primeira vez que
o quadro foi saiu de Juiz de Fora, quando a artista plástica Adriana Varejão fez uma instalação focada na
construção e desconstrução imagética da obra na XXIV Bienal Internacional de
Arte de São Paulo.
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