Whisky 2004 - Whisky
Alemanha / Argentina / Espanha / Uruguai - 99 minutos
Poster do filme
Jacobo (Andrés Pazos) é o velho dono de uma pequena fábrica de
meias no Uruguai. Marta (Mirella Pascual, em uma das interpretações mais
minimalistas e perfeitas dos últimos tempos) é sua fiel e silenciosa
supervisora. Ambos vivem uma relação próxima, porém fria, demonstrada muito
mais por sutis gestos e olhares do que por palavras, compartilhando uma rotina
seca e insípida. Esta convivência melancólica ficará abalada quando Jacobo pede
a Marta que se passe por sua esposa enquanto Herman (Jorge Bolani), seu irmão
que vive no Brasil há muitos anos, estiver visitando-o para a cerimônia judaica
de um ano de falecimento da mãe de ambos.
Um brilhante retrato dos efeitos do tempo e da solidão sobre as
pessoas, o filme não poupa suas personagens da amargura e outros sentimentos
menos nobres. O roteiro investe em estruturas de repetição que poderia tornar o
filme enfadonho, mas só denota ainda mais o quão perecíveis são as vidas dessas
pessoas. É como se as vidas de Jacobo e Marta fossem pesados fardos a serem
carregados até a morte.
Já Marta se torna a personagem mais complexa da trama,
principalmente depois da entrada em cena de Herman. O filme não apresenta
absolutamente nada sobre sua vida ou seu passado, senão ela ser funcionária da
fábrica. Ela acaba se transformando no vértice de um renegado triângulo formado
pelos irmãos. Dá a entender ser apaixonada por seu patrão – e talvez por isso
tenha aceitado participar da farsa, mas ao mesmo tempo demonstra estar se
afeiçoando a Herman. Ou apenas tentando agarrar uma oportunidade qualquer que a
vida lhe der para fugir de sua situação atual.
Dirigido por dois uruguaios, Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll
(este suicidou-se há pouco tempo, deixando em seu legado um outro filme, 25
Watts, que por aqui passou apenas em festivais), o filme consegue emocionar sem
nunca cair em armadilhas fáceis ou resolução piegas. Com notável criação de uma
atmosfera suja, decadente, é propositalmente esquemático e repetitivo, como a
vida de suas personagens. Sem qualquer tipo de excessos, deixa aflorar
sentimentos reprimidos – os sorrisos agridoces de seus protagonistas ao
proferir ‘whisky’ para tirar uma fotografia são os mesmos que emolduram os
espectadores ao término do filme. A realidade mostrada ali pode estar mais
próxima do que pensamos.
É impressionante como a simplicidade rende momentos de rara
beleza. Porém, não se engane: fazer as coisas de modo simples é algo
praticamente impossível no mundo de hoje, movido por uma luta constante entre
pessoas que necessitam ganhar mais destaque do que seus pares, e para isso
buscam formas diferentes (e mais complicadas) de encararem determinadas
situações. É como diz o dito popular:
“Para que facilitar se a gente pode complicar”.
Dentro destas características, o grande mérito do filme
uruguaio “Whisky” (2004) é ser violentamente simples. A câmera não se move,
fixa no tripé, enquanto os atores dão vida (ou encenam a morte) aos seus
personagens. Cenas longas e repetidas também entram no pacote, mostrando a
solidão de pessoas que perderam as esperanças e vivem a vida no piloto
automático, fazendo todos os dias as mesmíssimas coisas do dia anterior (como
se fossem máquinas de uma velha fábrica) em uma rotina que, vista em sequência,
traz risos, mas é imensamente perturbadora. “Whisky” surge como o melhor filme
sul-americano de 2004 e um dos cinco grandes filmes do ano no mundo.
As pessoas solitárias no filme dos diretores Juan Pablo Rebella
e Pablo Stoll (que já haviam trabalhado juntos em “25 Watts”) são, a rigor,
três: Jacobo (Andres Pazos), um homem de 60 anos que vive sozinho desde a morte
da mãe. Ele é dono de uma decadente fábrica de meias em que encontra, todos os
dias, Marta (Mirella Pascual). Ela tem 48 anos e cuida do negócio de Jacobo
atuando como uma supervisora e gerente. Ah, ela é responsável pelo chá do
chefe, todos os dias. Além de Marta e Jacobo, mais duas empregadas trabalham na
fábrica. O som do ambiente é o barulho das velhas máquinas. Jacobo não gosta de
rádio.
O terceiro personagem a adentrar a história de “Whisky” é
Herman (Jorge Bolani), irmão de Jacobo, que saiu do Uruguai há mais de 20 anos,
constituindo família e bens (uma fabriqueta de meias em Porto Alegre que, muito
melhor do que o concorrente irmão, exporta o produto para diversos países) no
Brasil, enquanto o irmão cuidava da mãe doente em Montevidéu. Herman volta ao
país para participar da matzeiva, uma celebração judaica para a colocação da
pedra do túmulo em até um ano após a morte de uma pessoa. Herman nem chegou a
ir ao enterro de sua mãe, mas prometeu ao irmão vir para a matzeiva.
A vinda de Herman faz renascer uma grande disputa entre os
irmãos. A primeira atitude de Jacobo é tentar mostrar que está vivendo bem no
Uruguai, feliz com uma esposa, com a casa, com a fábrica. Para realizar seu
plano, Jacobo pede para que Marta seja sua esposa alguns dias, fazendo parte de
uma farsa familiar que soará triste em alguns momentos, mas imensamente cômica
na maioria das cenas. Desde as primeiras imagens, Marta chama a atenção muito
mais por seus silêncios do que por suas falas. E a maioria de suas falas, aliás,
será repetida várias vezes durante o filme.
A chegada de Herman irá mudar a vida dos três personagens em
vários sentidos. Mais brincalhão que o turrão Jacobo, Herman conta piadas,
relembra histórias e decide levar o irmão e sua “esposa” para um passeio em uma
praia que a família visitava quando eles eram crianças. O Uruguai desenhado por
Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll nestas cenas externas é terrivelmente vazio.
Poucas pessoas nas ruas, carros velhos nos sinais, um hotel de uma cidade
turística cuja metade do letreiro está apagada. Tudo denota que o Uruguai já
viveu melhores dias nas cenas de “Whisky”.
Na verdade, tudo viveu melhores dias em “Whisky”: o país, as
indústrias, as pessoas, o time de futebol de Jacobo, as amizades. Para
conseguir um sorriso para uma fotografia, um fotógrafo no Estados Unidos
pediria para que as pessoas dissessem “Sex”. No Brasil é o popular “olha o
passarinho”. No Uruguai, ele pede para que Jacob e Marta digam “Whisky” (uíque,
assim mesmo, sem o s). O sorriso retratado é falso, como quase tudo no filme.
Em “Sadness”, canção do Porno For Pyros, Perry Farrel defende que a felicidade
não dura mais do que uma hora. Em “Whisky”, a felicidade dura apenas o clic da
máquina fotográfica.
Com o segundo longa de suas carreiras, Juan Pablo Rebella e
Pablo Stoll conseguiram realizar um dos melhores filmes sul-americanos de 2004,
quilômetros à frente de “O Abraço Partido” (Argentina) e de “Olga” (Brasil).
“Whisky” ganhou o Regard Original Award e o Prêmio FIPRESCI da Mostra Um Certo
Olhar, no Festival de Cannes neste ano. O filme também levou para o Uruguai
três Kikitos de Ouro no Festival de Gramado, nas seguintes categorias: Melhor
Filme, Melhor Atriz (Mirella Pascual) e Prêmio do Júri Popular. Do Festival de
Tóquio saiu com dois prêmios: Melhor Filme e Melhor Atriz (Mirella Pascual).
(Forte) Concorrente uruguaio ao Oscar de Melhor Filme
Estrangeiro, “Whisky” é um retrato da melancolia dos solitários, desenhado com
tanta leveza e simplicidade que impressiona. Por mais que seja densa, monótona
e pesada, a temática do filme não chega ao espectador como uma “porrada no
estômago”, por privilegiar as situações cômicas. Funciona, mais ou menos, como
uma “boa” bebedeira: a pessoa se diverte enquanto está bebendo, mas sofre com a
ressaca quando acorda. “Whisky” diverte o espectador na sala de cinema, mas faz
pensar depois: não há nada mais triste do que a solidão e a desesperança.
Diga “Whisky”, caro leitor…
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