Hospital Santa Tereza, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
Ribeirão Preto - SP
Fotografia
Poucos sabem, mas o nome do hospital psiquiátrico que existe no
município — Hospital Santa Tereza de Ribeirão Preto (HST) — refere-se à estação
Santa Teresa da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro, inaugurada em 15 de
novembro de 1896 para o escoamento da produção de café da Fazenda Santa Theresa
e adjacências. Em 1911, a área foi destinada à instalação do Posto Zootécnico.
Posteriormente, abrigou o Patronato Agrícola Regente Feijó. A fundação do
Hospital Santa Tereza foi, basicamente, determinada por um telegrama enviado à
Estação da Cia. Mogiana, em 29 de fevereiro de 1944, que comunicava a
transferência de 20 internados do sexo masculino do Hospital Psiquiátrico do
Juquery para o Hospital de Insanos de Ribeirão Preto, conhecido como Hospital
Santa Teresa, pelo Interventor Federal do Estado de São Paulo, Adhemar de
Barros.
A instituição surgiu, justamente, num momento que se
caracterizou pela expansão de hospitais públicos em estados brasileiros, por
meio de convênios celebrados entre o Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM)
e os governos estaduais. Naquela época, a Psiquiatria visava se estabelecer
enquanto especialidade médica. Foram introduzidos no país os instrumentos mais
avançados da Psiquiatria biológica, como o choque cardiazólico, a psicocirurgia,
a insulinoterapia e a eletroconvulsoterapia. Enquanto na França, iniciativas
como a abertura do Hospital Saint-Alban inovavam o setor com a criação do
modelo cooperativista, com centros de saúde mental comunitários que previam o
acompanhamento após a alta hospitalar, no Brasil, os manicômios ainda eram
marcados como espaços de segregação, um lugar para aqueles que não se
encaixavam no contexto social. Por aqui, pouco se sabia a respeito das
transformações ocorridas na prática psiquiátrica europeia e americana, no
período pós-Segunda Guerra.
Segundo a psicóloga Cristina Carniel, esses anos foram marcados
por grandes dificuldades. “Os hospícios estavam lotados e, no território
paulista, os manicômios — ‘filhos’ do Juquery — eram construídos para desafogar
o complexo construído em Franco da Rocha”, conta. Cristina lembra que as
internações aconteciam pelos mais diversos motivos. Os pacientes eram pessoas
com comportamentos desviantes — os diagnósticos iam de esquizofrenia,
psicopatia, depressão, ansiedade e alcoolismo a perseguidos políticos.
Naquele tempo, a doença mental era vista como algo que deveria
ser isolado, mas, nem sempre recuperado. Como em boa parte das vezes, os
pacientes não eram “curados”, ficavam, definitivamente, morando nos manicômios.
“Por perderem o vínculo com a sociedade e com a realidade fora do hospital,
passavam a sofrer da doença mais comum entre os veteranos de internação: a
institucionalização. Depois de tantos anos, todos apresentavam hábitos
semelhantes: olhar distante, afeto embotado e dificuldade para fazer escolhas
simples do dia a dia”, explica. Ainda de acordo com a psicóloga, viver em um
hospital era como ter a vida suspensa em definitivo, pois poucos conseguiriam a
tão esperada alta — tudo o que fizessem ou deixassem de fazer era interpretado
como sintoma do diagnóstico e justificava à necessidade de contenção.
O tratamento seguia o padrão dos demais hospitais brasileiros:
isolamento e restrição física. Os profissionais acreditavam que, afastando a
pessoa do meio onde adoecera, ela recuperaria a saúde. Dentre os inúmeros
métodos de contenção, os utilizados com mais frequência eram a
eletroconvulsoterapia (ECT), a camisa de força, a cela forte e a lobotomia. Na
década de 50, com o avanço da farmacoterapia, esse controle passou a ser,
também, químico.
Conforme a psicóloga, a situação começou a ser modificada a
partir dos anos 60. Com a expansão de modelos que não tinham o hospital como
centro, surgiram tratamentos que priorizavam a preservação dos vínculos com o
meio de onde o paciente vinha. “O médico passou a compartilhar o tratamento do
indivíduo com outros profissionais, constituindo as equipes multi e
interdisciplinares, o que favoreceu a compreensão dos chamados transtornos
mentais. Hoje, com o avanço da farmacologia, contamos com drogas que ajudam a
diminuir o sofrimento com um prejuízo menor do que anteriormente, desde que
administrados de forma criteriosa”, explica Cristina.
A especialista em Psicologia Clínica e Hospitalar, Maria de
Fátima Cury Meirelles, atua no Hospital Santa Tereza desde 1992, onde,
atualmente, ocupa o cargo de Assistente Técnica de Direção. Também atende em
clínica particular e é vice-presidente do Instituto de Estudos Psicanalíticos
(IEP-RP). Quando iniciou a trajetória no Santa Tereza, o hospital tinha como
foco o atendimento a pacientes moradores, com apenas 14 leitos para internação
de pessoas com crise aguda. Maria de Fátima trabalhava no Núcleo de Convívio,
uma casa usada por diretores do hospital transformada em moradia para pacientes
semiautônomos, que estavam sendo preparados para residirem na cidade.
“Encantei-me com o trabalho desenvolvido: jogava dominó com os pacientes após o
almoço, dava aulas de matemática e, caso surgisse alguma questão que precisasse
ser resolvida do ponto de vista psicológico, eu fazia a intervenção ali mesmo”,
relata.
Em 1996, a região de Ribeirão Preto enfrentou uma profunda reformulação com o fechamento de hospitais conveniados. O HST e o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP) passaram a ser os únicos para atendimento de pacientes em crise aguda. Foram abertos 80 leitos, divididos, igualmente, entre pacientes agudos do sexo masculino e do sexo feminino, e mais 20 leitos para dependentes químicos do sexo masculino. Havia somente duas psicólogas e Maria de Fátima foi designada para cuidar dos pacientes agudos masculinos. “Era todo um setor a ser estruturado, um verdadeiro desafio, mas uma tarefa motivadora. A Dra. Aurora Di Paula propôs um modelo de atendimento e, aos poucos, fomos nos adequando. Em 1997, o diretor da época, Dr. Alan Kardec Gonzalez, resolveu fazer uma experiência piloto. Por meio de uma votação, fui eleita para gerenciar os setores de agudos masculino e de dependentes químicos”, conta a especialista.
A assistente técnica de direção conta que acompanhou muitas mudanças ao longo da carreira. A equipe se tornou multidisciplinar. Os internos começaram a se envolver em atividades de manhã e à tarde com psicólogos, terapeutas ocupacionais e professor de Educação Física. As famílias se aproximaram, recebendo os pacientes em visitas domiciliares e participando de reuniões agendadas para prepará-los para a alta, que englobavam prestadores de serviços extra-hospitalar de Ribeirão Preto.
Com a contratação da psiquiatra Célia Bianco, foi inserido no tratamento o que há de mais moderno em medicamentos, o que permitiu que pacientes acometidos por transtornos mentais, durante um período prolongado, tivessem melhoras significativas. Os internos também começaram a participar mais do cotidiano do município: visitavam o Parque Luiz Roberto Jábali, conhecido como Curupira, diversos clubes e o Theatro Pedro II, por exemplo. “Apesar de serem ações que demandavam muita responsabilidade, era recompensador ver a alegria deles, pois muitos nunca tinham tido acesso a esse tipo de programa”, afirma Maria de Fátima. A psicóloga assumiu, então, o cargo de assistente técnica de direção, posição que ocupa até hoje.
A profissional recorda que, quando passou a atuar no hospital, o estigma relacionado à imagem do Santa Tereza logo se desfez. “Percebi que não era um lugar de abandono. Vi que havia programas específicos, profissionais envolvidos e muita gente pensando em como melhorar o que já existia”, explica Maria de Fátima. Antigamente, a estrutura era precária. Sem verbas, a instituição só fazia pequenos reparos de manutenção. Com a troca de gestão, reformas importantes foram feitas e continuam sendo realizadas. “Hoje, o hospital é todo informatizado. Conseguimos comprar roupas e sapatos de boa qualidade para os pacientes. Fornecemos medicações de ponta. As mudanças não só modernizaram o hospital, mas trouxeram mais conforto aos que dependem dele”, completa Maria de Fátima.
Ainda em 1992, Maria de Fátima presenciou a saída dos primeiros pacientes do hospital, que passaram a residir na cidade, graças ao Residências Terapêuticas, um programa do qual o Santa Tereza é o precursor no Brasil. A especialista também acompanhou a desativação dos grandes pavilhões, que deram lugar a unidades menores, onde os pacientes puderam receber mais atenção e um investimento maciço na ressocialização.
Hoje, o Santa Tereza possui 102 leitos para internação de pacientes em crise aguda e 60 leitos para pacientes moradores. São atendidos os pacientes que fazem parte da Direção Regional de Saúde XIII, que abrange 26 municípios. O tempo médio de internação para os pacientes em crise aguda gira em torno de 30 dias — para a alta hospitalar, basta que haja a redução dos sintomas, a adesão à medicação, e a família estar pronta para recebê-lo.
Cada paciente conta com um profissional de referência, que acompanha mais de perto a evolução do quadro, e todos possuem um projeto terapêutico institucional, discutido pela equipe, que norteia as condutas que serão tomadas na busca por um tratamento efetivo.
Existem, em média, 40 pacientes vivendo no hospital, que devem permanecer lá em caráter definitivo, devido à idade avançada, ao fato de não terem conseguido localizar as famílias ou de não serem por elas aceitos ou, ainda, em função de condições clínicas que não permitem a saída. Ainda assim, a situação é bem diferente do que ocorria na época do pós-guerra, quando os pacientes ficavam confinados nos hospitais psiquiátricos, em um ambiente insalubre, sem possibilidade de melhora, esquecidos pela sociedade. “Para esses pacientes que moram no Santa Tereza, estar no hospital é a única garantia de viverem com dignidade, rodeados por todo tipo de cuidados”, conclui a especialista. Texto da Revide.
Em 1996, a região de Ribeirão Preto enfrentou uma profunda reformulação com o fechamento de hospitais conveniados. O HST e o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP) passaram a ser os únicos para atendimento de pacientes em crise aguda. Foram abertos 80 leitos, divididos, igualmente, entre pacientes agudos do sexo masculino e do sexo feminino, e mais 20 leitos para dependentes químicos do sexo masculino. Havia somente duas psicólogas e Maria de Fátima foi designada para cuidar dos pacientes agudos masculinos. “Era todo um setor a ser estruturado, um verdadeiro desafio, mas uma tarefa motivadora. A Dra. Aurora Di Paula propôs um modelo de atendimento e, aos poucos, fomos nos adequando. Em 1997, o diretor da época, Dr. Alan Kardec Gonzalez, resolveu fazer uma experiência piloto. Por meio de uma votação, fui eleita para gerenciar os setores de agudos masculino e de dependentes químicos”, conta a especialista.
A assistente técnica de direção conta que acompanhou muitas mudanças ao longo da carreira. A equipe se tornou multidisciplinar. Os internos começaram a se envolver em atividades de manhã e à tarde com psicólogos, terapeutas ocupacionais e professor de Educação Física. As famílias se aproximaram, recebendo os pacientes em visitas domiciliares e participando de reuniões agendadas para prepará-los para a alta, que englobavam prestadores de serviços extra-hospitalar de Ribeirão Preto.
Com a contratação da psiquiatra Célia Bianco, foi inserido no tratamento o que há de mais moderno em medicamentos, o que permitiu que pacientes acometidos por transtornos mentais, durante um período prolongado, tivessem melhoras significativas. Os internos também começaram a participar mais do cotidiano do município: visitavam o Parque Luiz Roberto Jábali, conhecido como Curupira, diversos clubes e o Theatro Pedro II, por exemplo. “Apesar de serem ações que demandavam muita responsabilidade, era recompensador ver a alegria deles, pois muitos nunca tinham tido acesso a esse tipo de programa”, afirma Maria de Fátima. A psicóloga assumiu, então, o cargo de assistente técnica de direção, posição que ocupa até hoje.
A profissional recorda que, quando passou a atuar no hospital, o estigma relacionado à imagem do Santa Tereza logo se desfez. “Percebi que não era um lugar de abandono. Vi que havia programas específicos, profissionais envolvidos e muita gente pensando em como melhorar o que já existia”, explica Maria de Fátima. Antigamente, a estrutura era precária. Sem verbas, a instituição só fazia pequenos reparos de manutenção. Com a troca de gestão, reformas importantes foram feitas e continuam sendo realizadas. “Hoje, o hospital é todo informatizado. Conseguimos comprar roupas e sapatos de boa qualidade para os pacientes. Fornecemos medicações de ponta. As mudanças não só modernizaram o hospital, mas trouxeram mais conforto aos que dependem dele”, completa Maria de Fátima.
Ainda em 1992, Maria de Fátima presenciou a saída dos primeiros pacientes do hospital, que passaram a residir na cidade, graças ao Residências Terapêuticas, um programa do qual o Santa Tereza é o precursor no Brasil. A especialista também acompanhou a desativação dos grandes pavilhões, que deram lugar a unidades menores, onde os pacientes puderam receber mais atenção e um investimento maciço na ressocialização.
Hoje, o Santa Tereza possui 102 leitos para internação de pacientes em crise aguda e 60 leitos para pacientes moradores. São atendidos os pacientes que fazem parte da Direção Regional de Saúde XIII, que abrange 26 municípios. O tempo médio de internação para os pacientes em crise aguda gira em torno de 30 dias — para a alta hospitalar, basta que haja a redução dos sintomas, a adesão à medicação, e a família estar pronta para recebê-lo.
Cada paciente conta com um profissional de referência, que acompanha mais de perto a evolução do quadro, e todos possuem um projeto terapêutico institucional, discutido pela equipe, que norteia as condutas que serão tomadas na busca por um tratamento efetivo.
Existem, em média, 40 pacientes vivendo no hospital, que devem permanecer lá em caráter definitivo, devido à idade avançada, ao fato de não terem conseguido localizar as famílias ou de não serem por elas aceitos ou, ainda, em função de condições clínicas que não permitem a saída. Ainda assim, a situação é bem diferente do que ocorria na época do pós-guerra, quando os pacientes ficavam confinados nos hospitais psiquiátricos, em um ambiente insalubre, sem possibilidade de melhora, esquecidos pela sociedade. “Para esses pacientes que moram no Santa Tereza, estar no hospital é a única garantia de viverem com dignidade, rodeados por todo tipo de cuidados”, conclui a especialista. Texto da Revide.




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