Nascente do Rio Carioca, Floresta da Tijuca, Rio de Janeiro, Brasil
Sem ele, a cidade não existiria. Tampouco sua gente, que
leva seu nome. Usado como fonte de água potável pelos índios tamoios e para
abastecimento dos primeiros moradores, o rio Carioca — que nasce no Parque
Nacional da Tijuca, percorre os bairros do Cosme Velho, Laranjeiras, Catete e
Flamengo, até desaguar na baía da Guanabara— é, desde dezembro de 2018, o
primeiro curso d’água urbano tombado no país. Uma vitória do movimento
“Carioca: o Rio do Rio”, que há quatro anos fez o pedido ao Instituto Estadual
do Patrimônio Cultural. Outra boa notícia é que a Caixa da Mãe D’água, na rua
Almirante Alexandrino, mais antigo reservatório da cidade, construído em 1744,
está em fase final de restauração e, com novos jardins, poderá ser visitada.
Apesar de todo o simbolismo, o Carioca tornou-se um rio secreto, que corre como
um criminoso, escondido debaixo de ruas. Sua extensão é de 5,5 quilômetros.
Apenas no trecho original está integrado à paisagem da floresta. Desce a céu
aberto nas áreas ocupadas pelas favelas Vila Cândido e Guararapes. Ali as águas
são limpas —existe até uma espécie de piscina em pedra e concreto, grande
diversão da molecada nos dias de calor. Depois segue canalizado, recebendo
saídas de esgoto, algumas delas clandestinas. Há um trecho visível, no largo do
Boticário, onde o lixo se acumula. Quando chega à foz, na praia do Flamengo, é
um fio negro nutrido por superbactérias. O tombamento é importante para tentar
a despoluição. (Se é que ainda é possível.) Muitos cariocas nem sequer
desconfiam de sua existência. O escritor Antonio Callado só viu o rio à luz do sol
nas terríveis chuvaradas de 1967, quando uma tromba d’água veio do Corcovado,
rachando o asfalto da rua das Laranjeiras em duas partes. “Acho que foi esta a
única vez que o rejeitado Carioca teve a fúria de grande rio”, escreveu
Callado. Pelas palavras do escritor Alceu Amoroso Lima, entende-se, na teoria e
na prática, o papel do primeiro manancial de água da cidade: “Muito antes de
existir o Rio de Janeiro existia o Rio Carioca”. O Rio Carioca nasce na Serra
do Corcovado, na altura das Paineiras, sendo o primeiro grande manancial que
abasteceu a cidade. Um pouco abaixo, ao longo do Vale das Laranjeiras (hoje, o
local abrange os bairros de Laranjeiras e do Cosme Velho), o Carioca divide-se
em dois braços, um dos quais tem sua foz na Praia do Flamengo, e o outro
desemboca junto ao Outeiro da Glória. Como a maioria dos rios da cidade, ele
nasce nas áreas mais altas dos maciços (Serra do Corcovado) que fazem parte do
relevo da região, segue o seu curso e vai desaguar na Baía de Guanabara. Por
longo tempo, o rio, com suas águas cristalinas, foi o mais importante da
região, sendo aquele que abastecia de água potável os europeus pioneiros que
alcançaram a Baía de Guanabara, da mesma forma que já fornecia à população
nativa. Trilhas e caminhos, como o do Catete (origem do atual bairro localizado
na Zona Sul da cidade), surgiriam diante da necessidade de encontrar água
própria para o consumo em sua nascente ou em sua foz. Antigos documentos
relatam que o Carioca era bem mais caudaloso e pelo seu curso subiam canoas,
direcionadas ao interior, que traziam produtos das chácaras situadas no Vale
das Laranjeiras. A desembocadura do rio com o mar, onde hoje é a Praia do
Flamengo, servia como fonte de abastecimento às embarcações que, a partir do
descobrimento, pela ausência de porto, lançavam suas âncoras na Baía de
Guanabara. Daí a sua primeira denominação: Aguada dos Marinheiros.
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