domingo, 8 de novembro de 2020

Estação Ferroviária Nova Louzã, Espirito Santo do Pinhal, São Paulo, Brasil

 




Estação Ferroviária Nova Louzã, Espirito Santo do Pinhal, São Paulo, Brasil
Espirito Santo do Pinhal - SP
Fotografia



Este trabalho tem por objetivo apresentar o caso da estação ferroviária Nova Louzã, possibilitando o reconhecimento de seu valor no quadro do patrimônio ferroviário paulista e da necessidade de sua preservação. Esta estação se localiza na Colônia Nova Louzã, fazenda de café fundada em 1867 em Espírito Santo do Pinhal – SP, e foi construída em 1889, no contexto da expansão ferroviária ocorrida no final do século XIX. As ferrovias caracterizaram algumas regiões, transformaram a paisagem de cidades e vilas, participando da vida cultural, econômica e social desses lugares. As edificações que serviam às ferrovias, principalmente as estações ferroviárias, são testemunhos da história do transporte do principal produto de exportação de São Paulo, o café, que gerou riqueza e possibilitou o desenvolvimento do estado. É fundamental que haja esforços para o conhecimento e a preservação dessas edificações, documentos históricos que representam as raízes de uma época de importantes e significativas transformações.
O desenvolvimento da produção cafeeira, ocorrido entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX, teve uma direta relação com a instalação e expansão ferroviária, uma vez que, por razões de ordem econômica, a ferrovia seguiu os rumos das plantações de café, para melhoria de seu transporte. Observamos, em meados do século XIX, a ascensão da então província de São Paulo, tornando-se uma das regiões mais dinâmicas do país. Segundo Reis Filho (1997, p.146) O vulto assumido pela cultura do café no centro-sul, em meados do século XIX, transferiu rapidamente para essa região o centro de gravidade econômica e política do País, que se conservara até então localizado nas províncias do Nordeste, graças às lavouras mais antigas, do algodão, do fumo e especialmente de cana-de-açúcar. Na Europa, o conjunto de avanços tecnológicos, com profundas transformações socioeconômicas, iniciado principalmente na Inglaterra em meados do século XVIII, possibilitou, nos centros urbanos em crescimento, uma “expansão dos grupos de renda média e consequente elevação do nível de vida dos trabalhadores” (HOLLOWAY, 1984, p.18). Dessa forma, houve uma ampliação nos padrões de consumo de massa, permitindo, inclusive, o aumento da demanda pelo café, “produto até então consumido por um pequeno número de pessoas ricas e cosmopolitas” (HOLLOWAY, 1984, p.18). No estado de São Paulo, a importância do café acentua-se a partir de 1850, quando a cafeicultura começa a tomar vulto mais expressivo ao longo do antigo Picadão de Cuiabá e do Caminho de Goiás, e extensas áreas de florestas são derrubadas para implantação de novas áreas de cultivo. Nessa época, era ainda muito vantajoso plantar café no Vale do Paraíba e na região Central, devido à maior proximidade dessas regiões com os portos exportadores. Na primeira metade do século XIX o controle português foi finalmente rompido através de sua emancipação política em 1822, e, de acordo com Holloway (1984, p.20) surgia, nessa época, “uma elite local, nascida no país, que também devia sua existência à estabilidade da economia mundial e ao papel periférico que o Brasil nela desempenhava”. Essa elite agro-exportadora, formada por latifundiários, funcionários e alguns comerciantes, deu prosseguimento aos objetivos dos dirigentes portugueses, orientando os interesses do país para uma política agrária de exportação. Como o tradicional setor agrícola voltado para exportação estava estagnado, “o café surgiu como uma nova possibilidade garantindo, de meados do século XIX em diante [...] à elite nacional, herdeira do regime colonial, um novo período em sua privilegiada posição no âmbito da economia mundial” (HOLLOWAY, 1984, p.20). Ainda segundo o autor, [...] a crescente demanda por café na Europa e América do Norte, a possibilidade de crescente produção no Brasil e a migração em massa da Europa Meridional para as fazendas de café convergiram, na década de 1880, para formar no São Paulo rural um complexo histórico que durou até que a crise da década de 1930 abalasse seus alicerces. Em São Paulo, no entanto, não havia mão-de-obra suficiente e necessária para um plantio em larga escala, principalmente por estar comprometido o tráfico negreiro, por causa uma série de pressões exercidas tanto por fatores externos quanto internos que culminaram com a abolição da escravidão em 1888. A solução encontrada pelos poderes constituídos e local foi uma política imigratória iniciada antes mesmo do final oficial da escravidão. A expansão dos cafezais pelo interior da então província criou, segundo Saes (1984, p. 40/41), “[...] enormes distâncias entre as lavouras e o porto de Santos, dificuldade a que se aliam o volume crescente das safras e o elevado preço do transporte animal. Este se tornou antieconômico”. Além disso, o estado das estradas de rodagem era precário; não havia manutenção constante, nem mão-de-obra suficiente para isso. Quase sempre a conservação, e mesmo a abertura de estradas, era efetuada por escravos dos próprios lavradores, os maiores interessados. A fim de que fossem realizadas melhorias no sistema de transporte, foi necessário dispor de capitais locais, advindos dos lucros da lavoura do café, e esses investimentos viabilizaram a substituição do tradicional sistema de transporte com tropas de mulas pela extensa malha ferroviária a partir de meados do século XIX no estado de São Paulo. Saes (1984, p.67) defende a ideia de que “[...] o desenvolvimento das vias férreas não obedeceu a um plano sistemático; ele foi comandado pelos interesses dos administradores, produtores e comerciantes de café”, uma vez que os fazendeiros reclamavam a linha férrea até suas propriedades, alegando que “a proximidade da linha férrea tem por objetivo reduzir o custo de transporte para os produtos agrícolas de exportação (em especial o café)” (SAES, 1984, p. 54). Isso significa que as iniciativas de implantação da estrada de ferro no estado de São Paulo, por razões de ordem econômica, acompanharam a produção de café, e que sua expansão seguiu os rumos das plantações, ao contrário do que acontecia em plano nacional onde a implantação de ferrovias visava atender às necessidades de integração territorial. A expansão das exportações de café, decorrente das melhorias no transporte, foi “a grande responsável pela diversificação e modernização da economia paulista” no final do século XIX. Esse foi, em linhas gerais, o quadro brasileiro no século XIX, que perdurou até o início dos anos 30 do século XX. E foi nesse contexto de desenvolvimento proporcionado pela crescente produção cafeeira, mas ainda marcado pela predominância do regime escravista, que João Elisário de Carvalho Monte Negro adquiriu, de Joaquim José de Campos Silva, uma fazenda em terras do atual município de Espírito Santo do Pinhal, em 25 de janeiro de 1867, “como consta da escriptura publica passada no livro de notas do escrivão do juízo de paz da freguesia de Mogy-guassú” (MONTE NEGRO, 1872, p.1). A fazenda localizava-se na “freguesia do Espírito Santo do Pinhal, município e comarca da cidade de Mogy-mirim” (MONTE NEGRO, 1872, p.1), e possuía originalmente 200 alqueires, sendo que em 1872 já apresentava o dobro dessa área. Com relação à denominação original, encontramos informações de que [...] o primitivo nome d’esta fazenda foi das Palmeiras; mas o actual proprietario, para honrar a terra da sua naturalidade e em attenção ás pessoas ali empregadas, oriundas da Louzã, substituiu (assim que a comprou em janeiro 1867) o nome da fazenda e do ribeiro que a corta, dando a uma denominação de Nova Louzã e ao outro a de ribeiro de Arouce, denominações já sanccionadas pela assembléa legislativa da provincia de S.Paulo. Monte Negro emigrou para o Brasil no início da década de 1840, vindo de Lousã, próximo a Coimbra, Portugal, e se dedicou primeiramente ao comércio, trabalhando como caixeiro viajante. Tendo enriquecido dessa forma, decidiu investir seu capital na formação de um patrimônio em Pinhal, fundando a colônia Nova Louzã, que pode ser considerada “uma das primeiras experiências com o regime de trabalho livre de que se tem notícia”. Em Fevereiro de 1867, Monte-Negro, valendo-se do financiamento concedido pelo governo imperial para a importação de imigrantes, acertara a vinda de 29 compatriotas seus, para trabalhar na fazenda recém-adquirida.
Além de plantar algodão, milho, feijão, arroz, o café era a principal cultura em sua propriedade. Em 1872 já contava com cerca de 100.000 pés. (FREITAS, 2004, p. 43). É muito provável que tenha sido através de Monte Negro que a cultura cafeeira teve seu desenvolvimento em larga escala em Pinhal, pois os registros anteriores indicam a presença de pequenas lavouras de café nas fazendas da região. Monte Negro foi um grande incentivador da plantação do café no município, montando a primeira máquina de beneficiar café, a vapor, e construindo o primeiro terreiro ladrilhado para a secagem do produto.
Em 1875, a colônia recebeu a visita do Conde d’Eu’ e três anos depois, do Imperador D. Pedro II, em 16 de setembro de 1878, por convite feito pelo Comendador Monte Negro, seu amigo pessoal. O jornal Diário de Campinas fez um retrospecto desta visita, publicando na edição de 26/3/1887 que: “A comitiva do Imperador D. Pedro II era grande. Entre os que acompanhavam Sua Magestade encontravam-se o Barão d e Maceió, seu médico, o Conde de Iguassú, o Dr. Carvalho de Morais e o Conselheiro Sinimbú. De Mogy-Guassú, onde foi recebido pelo Comendador MonteNegro ao desembarcar do trem às 8:00 horas, dirigiu-se de trole coberto à Nova Louzã, acompanhado da comitiva alojada em maisde sete troles, fazendo o percurso em pouco mais de duas horas”. Citada pela imprensa da época, Nova Louzã tornou-se uma fazenda modelo, e as ideias e experiências do comendador tiveram bastante destaque. Jornais como A Gazeta de Campinas, Diário de São Paulo, A Província de São Paulo, Jornal do Comércio consideravam os esforços de Monte Negro de maneira positiva, e ele também usava a imprensa para defender as suas ideias. De 1867 a 1880, contribuiu com diversos artigos, defendendo a imigração e condenando a escravidão; defendia também o trabalhador agrícola, os interesses da Baixa Mogiana, e discutia o problema agrário no Brasil. A instituição do emprego de mão de obra livre remunerada sob uma base estritamente salarial foi uma atitude pioneira de Monte Negro, que seguia na contramão das relações de trabalho que existiam fora do regime escravista. Essas relações eram pautadas, sobretudo, pelos contratos de parceria ou de empreitada, sistemas que deixavam os colonos sujeitos a ocorrências que poderiam resultar em prejuízos. Em defesa do trabalho assalariado, Monte Negro afirmou que “O systhema, pois, adoptado no estabelecimento, para a distribuição do serviço, é o salário mensal, o único systhema que deixa de produzir descontentamentos nos colonos, causar ou dar azo a queixas e até a sérios motins, como tem sido exemplo vivo algumas colonias d’esta bella provincia. O immigrante, que vem justo por salário, já sabe qual o interesse, que deve auferir, deixando de ser imbuído de promessas artificiosas, como é norma empregar-se para com aquelles, que são contractados, segundo o systhema de parceria, que, salvo raras e bondosas excepções, só tem servido para desacreditar a colonisação na Europa.” As relações de trabalho, os direitos e deveres e as regras para boa convivência foram organizadas e compiladas no Regulamento Administrativo e Policial da Colônia Nova Louzã, aprovado em assembléia, com votos dos colonos, realizada em agosto de 1872. O regulamento era constituído de 26 artigos que tratavam, em sua maioria, do cotidiano de trabalho na fazenda, como horários e regras de limpeza das edificações e do entorno. Eram previstas penalidades e multas para os infratores, e o colono tinha o direito de recorrer caso considerasse injusta a sentença. Em 1879, Francisco Quirino dos Santos, jornalista e político campineiro, amigo do comendador, publica um texto no “Almanach Litterario de São Paulo para 1880” onde descreve a colônia: “Eu vou dar-lhes um quadro rápido e singello da Nova Louzã, aquela notável colônia que é um dos mais nobres títulos de orgulho para a nossa província.(…) Vimos as novas construcçòes: commodos para tudo – capella, quartéis de casados, dormitórios de solteiros, tulhas, celleiros, macchinas de beneficiar café, olarias, terreiros, poço, lagar, lavanderia, etc, e tudo nas melhores dimensões e tudo aceiado, largo, respirando conforto e aconchego.” Entre as edificações integrantes da configuração espacial da colônia, havia uma pequena indústria, para fabricação de produtos a serem consumidos no local e uma olaria, que fabricava telhas, tijolos e ladrilhos para as obras locais. Além disso, fazia parte do conjunto a casa da diretoria, com cozinha e refeitório anexos, que era “[...] construída de pedra até o vigamento, e d’ahi para cima de taipa. Toda Ella é assoalhada e forrada, pintada e envidráçáda, e as paredes internas, que são construídas de taboões e ripas serradas, são forradas de papel pintado.” Outras edificações eram casas que serviam aos colonos, uma enfermaria, casa de forno e dos monjolos, uma escola, reservatório de água e terreiros. Monte Negro pretendia construir mais casas para os colonos, e uma capela. Apenas em 1889, anos após a primeira tentativa da aproximação da linha férrea, é que a estação ferroviária passará a integrar o conjunto. Como os demais grandes fazendeiros de café do período, Monte Negro também tinha interesse em que a linha férrea passasse por sua propriedade, e isso fez com que ele participasse ativamente da discussão sobre o prolongamento dos trilhos da ferrovia, a fim de conseguir sua passagem pela colônia. Uma das principais ferrovias paulistas foi a Companhia Mogyana de Estradas de Ferro, formada em 1872 com o objetivo de ligar a cidade de Mogi - Mirim a Campinas, tendo seu primeiro trecho inaugurado em 1875. Essa Companhia foi formada após longa discussão sobre sua viabilidade e a preferência por se prolongar a ferrovia para Rio Claro, embate resolvido com a construção das duas linhas, a Companhia d’Oeste em 1870, seguindo o trecho Campinas - Rio Claro, e a Companhia Mogyana em 1872, ligando inicialmente Campinas a Mogi Mirim. A atuação do comendador Monte Negro, no momento da discussão sobre para qual cidade deviam seguir os trilhos, se para Rio Claro ou Mogi-Mirim, aconteceu sob o pseudônimo de Julio d’Arouce, ao lado de Campos Sales, presidente da província. Sustentei, auxiliado por opiniões muito autorizadas, que a linha principal de nossa estrada deve prolongar-se de modo a tocar na cidade de Rio Claro, passando por Limeira. Demonstrei que é esta a direção mais natural, mais útil aos principais municípios agrícolas desta parte da província e conseqüentemente mais vantajosa aos interesses e créditos da linha. Julio d’Arouce, em quem reconheço um amigo de subido mérito, contestou-me começando por pretender demonstrar que a estrada deve ser levada a Moji-Mirim, e concluindo por pedir um meio termo entre a sua e a minha opinião; isto é, entendo afinal que depois de chegar ao rio dos Couros, três léguas aquém daquela cidade, deve a linha pender à esquerda, passar por Limeira e seguir em direção ao Rio Claro. A polêmica sobre qual prolongamento da via férrea deveria prevalecer, se a estrada para Moji-Mirim ou a de Rio Claro, acabou sendo resolvida, ainda depois de muitas divergências, com a possibilidade da concretização das duas estradas de forma independente, uma vez que, [...] de parte a parte, cada um sustenta que pode realizar o seu prolongamento. A questão, pois, é de mera possibilidade. Se as duas empresas acaso puderem realizar simultaneamente, tanto melhor para a lavoura e o comércio da província. Os incorporadores da Companhia Mogyana foram, em sua maioria, fazendeiros, os principais interessados em que os trilhos fossem levados em direção aos seus cafezais. A partir de 1886, os trilhos da Mogyana atingiram a fronteira e penetraram em Minas Gerais, tendo sido instalados nesse percurso outros vários ramais, os chamados trechos “cata-café”. Várias cidades, entre elas Amparo, Socorro, Serra Negra, Itapira, Espírito Santo do Pinhal, Poços de Caldas, Vargem Grande, Guaxupé, Cajuru etc, foram interligadas pela ferrovia, formando uma complexa rede pelos antigos sertões, subsidiando as fazendas na ampliação de suas plantações e permitindo uma maior integração cultural entre a capital e o interior. Do mesmo modo que ocorria em outras regiões do interior paulista, os fazendeiros pinhalenses, além de Monte Negro, também reclamavam a aproximação da linha férrea para suas propriedades. Como resultado da campanha promovida por Monte Negro ainda em 1870, “a Companhia Mogiana [...] aquiescera em registrar no ano de 1875 o traçado de um ramal, que partindo da então Vila de Mogi-Guaçu fizesse ponto terminal nesta cidade”, mas que [...] dêle definitivamente se desinteressara por ter construído outro que, tendo início na mesma Vila, terminava em Poços de Caldas, nas lindes mineiras, após atravessar Mato-Sêco, Cascavel (hoje Aguaí) e São João da Boa Vista. O desinteresse da Mogyana pela construção do ramal de Pinhal incitou os fazendeiros pinhalenses a se organizarem para constituir uma companhia própria para a instalação de um ramal. Pela Lei n. 87, de 21 de abril de 1880 vemos que Foi o governo auctorizado a conceder, sem ônus algum para a província, privilegio a Lucio Ribeiro da Motta, [...] ou à Companhia que organizarem: - ao 1o para a construcção, uso e goso de um ramal de estrada de ferro, que partindo da linha Mogyana, no lugar que mais consulte os interesses commerciaes e economia de construcção, vá ter à Villa do Espírito Santo do Pinhal [...]. No entanto, foi somente após a promulgação da Lei n. 11, de 27 de março de 1886, que foi efetivada a criação de uma companhia própria para a instalação do ramal. Tal lei concedia privilégios a fazendeiros e políticos para estabelecerem, por si ou por meio de Companhia por eles organizada, uma linha que fizesse a ligação entre as cidades de Espírito Santo do Pinhal e Mogi-Guaçu, da linha Mogyana. Dessa forma, esses fazendeiros e políticos, entre eles Monte Negro, José Ribeiro da Motta Paes, Francisco Pinto da Fonseca, Vicente Gonçalves da Silva, Francisco Xavier Ribeiro, Francisco Antonio Rosas e José Antonio de Souza Brito, reuniram-se em 30 de abril de 1886 para constituir a empresa “Companhia Carris de Ferro Pinhalense”. De acordo com Rizzoni [1950?], foram necessárias várias reuniões no decorrer do ano de 1886, a fim de dar prosseguimento aos estudos que permitiriam a instalação da linha do trem e do edifício da estação ferroviária. Os estudos foram concluídos em fevereiro de 1887. Segundo relatório do engenheiro Garcia Redondo, responsável pelo projeto, a estrada ficou com uma extensão de 38 km e 760 metros. Para o início dos trabalhos, os representantes da Companhia solicitaram a autorização governamental, sendo que “o governo, com espanto de todos, indeferiu o pedido, sob a alegação de que a Mogyana possuía prioridade, pois registrara o traçado do ramal pinhalense em 1875” (Rizzoni, [1950?], p.9). Assim, a Companhia Mogyana ficou responsável pela construção do ramal, utilizando-se dos estudos previamente realizados pela companhia pinhalense, tendo contratado “com o Governo da Província, a 1o de março de 1888, a construcção das linhas de Mogy-Guassú ao Espírito Santo do Pinhal [...]”. A estação de Pinhal (km 37) foi inaugurada em 30 de setembro de 1889, assim como as estações de Conselheiro Laurindo (km 9), Nova Louzã (km 19) e Motta Paes26 (km 27), que faziam parte desse trecho da linha férrea. Apesar da inauguração da estação de Nova Louzã ocorrer apenas em 1889, já era prevista a construção da estação em 1872 por Monte Negro, que registra no seu relatório desse mesmo ano: Com os mappas que v.exc.verá em seguida, ponho termo á parte d'este relatório com referencia à Nova-Louza, mencionando ainda a circumstanciâ de que, antes de findar o presente anno, a estrada de ferro que vém do porto de Santos a Campinas, chegará à cidade de Mogy-mirim (*) o que é de interesse muito vantajoso para a parte econômica da colônia, e por essa mesma razão, augmenta consideravelmente o preço ou valor das terras, pois facilita as vias de communicaçãó, e diminue ou barateia o preço da conducção dos gêneros de exportação. (*) Antes de findar o presente anno devem começar os trabalhos do prolongamento da estrada de ferro, de Mogy-mirim à cidade de Casa Branca, sendo de presumir que Ella passe cerca de uma légua de Nova-Louzã, onde deverá construir-se uma estação. Especificamente no que diz respeito às estações paulistas, é interessante notar que a grande maioria delas é unilateral, com o edifício geralmente retangular e de alvenaria de tijolo, situado de um dos lados da linha paralelamente aos trilhos. A estação de Nova Louzã, construída pelo empreiteiro Nicolau Rehder, segue essa tipologia, configurando-se como um edifício retangular bastante austero, e foi construída em alvenaria de tijolos aparentes com um pavimento e a gare. Foi posteriormente modificada, provavelmente na virada do século, apresentando-se recoberta por argamassa e sem o beiral e a cobertura da gare, cortados para dar lugar à construção de uma platibanda. Tal modificação é característica da última década do século XIX e da primeira década do século XX, buscando atender às características do ecletismo vigente, e é possível que tenha acontecido por esse motivo. Nos aspectos externos, notamos que essa edificação não apresenta características estéticas sofisticadas, tendo sido concebida principalmente para atender à estocagem da produção de café, como ramal de um complexo maior, sem se preocupar com uma elaboração de plantas e elevações suntuosas. Nesse sentido, a importância dada ao prédio da antiga estação ferroviária reside em seu valor documental e histórico em detrimento do critério estético. O edifício evoca os grandes feitos realizados por Monte Negro, e é hoje símbolo e testemunho da existência da colônia Nova Louzã, fazenda pioneira e singular ao utilizar o regime de trabalho livre e assalariado em pleno regime escravista. A experiência de Nova Louzã pode se encaixar na afirmação de Kuhl (2010, p.14.), segundo a qual “deve-se ainda lembrar que tanto ferrovias quanto a própria produção cafeeira em larga escala constituem, por si, através de numerosos casos, exemplos de atividades com organização verdadeiramente industrial”. Concordamos com Freitas (2006, p.39), quando afirma que “a verdade é que a experiência de Nova Louzã tornou-se um símbolo dos ideais de liberdade para muitos brasileiros e ocupa uma posição histórica na luta entre os abolicionistas e os escravocratas, colaborando na instituição do trabalho livre no país. Entretanto, esse papel não tem lugar reconhecido na historiografia brasileira”. Além disso, deve-se reconhecer a importância dessa edificação por inserir-se no contexto mais amplo do cenário do patrimônio ferroviário do estado de São Paulo, cujo enorme valor se dá tanto pela importância do ciclo econômico ao qual está associado quanto pelas edificações relacionadas ao café. No entanto, com a decadência do transporte ferroviário, as áreas de imóveis de vilas ferroviárias do estado, como residências, vendas, estações ferroviárias e pontes, estão em estado de decadência, abandonadas, quando não já destruídas, em ruínas. As antigas edificações da colônia Nova Louzã também foram destruídas, e há apenas um edifício remanescente além da estação ferroviária, que foi desativada em 1961 junto com o ramal de Pinhal e vem sendo bastante depredada e descaracterizada ao longo dos anos. Um novo uso foi dado à fazenda, ao se instalar ali uma usina, sendo que o novo uso do espaço fez com que algumas edificações fossem preservadas, o que deixou de acontecer a partir de sua desativação. Houve um grande o êxodo populacional e o local ficou abandonado a partir de então. O edifício da antiga estação é utilizado atualmente como residência, onde construções foram anexadas, e está cercada no lado oposto ao da antiga gare. É péssimo o estado de conservação, e foi quase totalmente descaracterizado. Torna-se urgente, considerando seu atual estado, a necessidade de intervenção com o objetivo de revitalizá-la e inseri-la novamente no contexto da comunidade que ainda habita o local, para a preservação das referências históricas e simbólicas de que é imbuída.
As ferrovias caracterizaram algumas regiões, transformaram a paisagem de cidades e vilas, participando da vida cultural, econômica e social desses lugares. As edificações que serviam às ferrovias, principalmente as estações ferroviárias, tornaram-se marcos de grande relevância, e são testemunhos da história do transporte do principal produto de exportação de São Paulo, o café, que gerou riqueza e possibilitou o desenvolvimento do estado. Considerando os motivos apontados, pode-se considerar importante e urgente a preservação da estação, cuja construção foi de vital importância para a sobrevivência da colônia.
O edifício da estação de Nova Louzã preserva a memória através de sua materialidade. Constitui-se como documento histórico, símbolo das raízes de uma época de importantes e significativas transformações, e representa a realização pioneira de seu proprietário, um homem à frente de seu tempo.

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