domingo, 6 de dezembro de 2020

Segundo Projeto do Aterro da Rua Direita ao Morro do Chá, São Paulo, Brasil - Jules Martin


 

Segundo Projeto do Aterro da Rua Direita ao Morro do Chá, São Paulo, Brasil - Jules Martin
São Paulo - SP
Litografia - 37x59 - 1879

Até o século XIX a cidade de São Paulo praticamente se circunscreveu entre os vales do Tamanduateí e Anhangabaú, cujas baixadas se conservavam alagadiças e intransponíveis, a não ser por pontes. Não existia ligação direta entre a região então conhecida como Piques (hoje Praça da Bandeira) e a rua São João. Com o crescimento econômico, o consequente aumento populacional e a expansão da cidade em direção à região da Praça da República e adjacências, era necessário fazer uma grande caminhada para ir-se do centro ao então bairro do Morro do Chá, assim chamado por conta das plantações de chá ali iniciadas pelo marechal José Arouche de Toledo Rendon.
Em 1877 o litógrafo francês Jules Martin expôs em seu escritório uma imagem mostrando uma ponte que era um prolongamento da rua Direita até a rua do Barão de Itapetininga. Esta simples mas extraordinária ideia foi apresentada, em nome do engenheiro Alexandre G. Ferguson, em 1879, à Câmara Municipal da Imperial Cidade de São Paulo. Era mais que uma simples ponte: tinha 160 metros de extensão e 14 metros de largura, dando passagem a bondes, carroças e pedestres e, além disso, tinha prédios de ambos os lados, em um total de 41, para serem alugados a estabelecimentos comerciais.
A Câmara Municipal, por sua vez, já que era necessário obter "poderes para desapropriação e criação de um imposto de pedágio" e assinar o contrato, enviou a proposta ao Legislativo Paulista em 27 de março de 1879. Transformada em projeto de lei, foi aprovada pela Assembleia, mas recebeu, em 4 de maio, o veto do Presidente da Província, Laurindo Abelardo de Brito, que assim o justificou:
"O projeto procura favorecer o plano de um importante melhoramento para a Capital da Província concedendo à respectiva Câmara Municipal autorização para contratar com Alexandre J. Ferguson, ou com quem melhores condições oferecer, a construção de um viaduto destinado a comunicar a rua Direita com a do Barão de Itapetininga no Morro do Chá, mas, autorizando para esse fim no artigo 3º a mesma Câmara a desapropriar prédios e terrenos precisos para a dita construção, deixa em dúvida se a Câmara faz as despesas da desapropriação à custa de seus cofres, o que é impossível, já que estes não suportam sem déficit os seus encargos ordinários, ou se à conta do concessionário é levado esse sacrifício, e, finalmente, a quem pertencem os prédios e terrenos desapropriados, de um outro modo, se à Câmara Municipal ou concessionário. Sendo incompleto nesta questão o projeto, não é possível afirmar se o mesmo consulta os interesses desta importante Cidade ou favorece uma pretensão individual. Por estas razões nego sanção."
No ano seguinte, o próprio Jules Martin a reapresentou, em 18 de fevereiro de 1880, contando com o apoio técnico do engenheiro E. Stévaux. Agora o enfoque central da propositura era o de autorizar o governo provincial a contratar, sem ônus para os cofres públicos, Jules Martin, ou quem oferecesse melhores condições. Desta vez recebeu a sanção do Presidente da Província e transformou-se na Lei Provincial nº 48, de 1880.
Com base nela foi assinado um contrato, em 26 de novembro de 1880, subscrito por Jules Martin e o Presidente da província Laurindo Abelardo de Brito. Nele ficava estabelecido que a contratação de Jules Martin para a construção do viaduto lhe dava um privilégio por 50 anos, além de poder pleitear isenção de impostos municipais e provinciais para a construção, e definia que as obras seriam iniciadas em um ano a partir da assinatura do contrato e concluídas em três anos. Além disso, estabelecia algumas das características da obra: Todas as casas erguidas no viaduto seriam de sobrado; determinava que a rua teria a largura de 14 metros, sendo três metros para cada um dos passeios, e de oito metros para a rua propriamente dita; definia que competia a Jules Martin a primeira arborização da referida rua, conservando distância de oito metros entre cada árvore e que o aterro teria a inclinação de 1½ de base por 1 de altura, e as edificações seriam feitas sobre pilares e arcadas partindo do terreno natural. Também afirmava que "desde que seja aberta a rua ao trânsito público, será ela entregue gratuitamente pelo concessionário à Câmara Municipal, a fim de custeá-la como de direito" e que Jules Martin não cobraria imposto algum de trânsito.
A sua última cláusula determinava que o contrato ficava dependendo de aprovação da Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo. Em 17 de janeiro de 1881 Jules Martin oficiou à Assembleia solicitando aprovação do contrato, além de propor ampliação dos prazos de construção (de um para dois anos para o início das obras e de três para cinco anos para sua conclusão), o estabelecimento da isenção dos impostos municipais e provinciais por 50 anos e que a propriedade dos prédios e terrenos seriam de plena propriedade de Martin. Tal pleito foi atendido e resultou na Lei Provincial nº 73, de 17 de junho de 1881.
No entanto, a questão da propriedade, em razão de uma redação imprecisa, acabou gerando uma polêmica. A Lei nº 73 afirmava, em seu artigo 2º, que "findos os 50 anos da concessão, o Concessionário fica com a nua propriedade de todos os edifícios que construir". Jules Martin, em carta aos deputados da Assembleia Provincial, de 19 de janeiro, pleiteou a modificação do texto, pois via um paradoxo nesta formulação: "Como não poderia ter tido a pretensão de construir edifícios para outros os gozarem, ficando-lhe apenas depois do 50 anos da concessão, a propriedade sem o usufruto". Assim, Martin propunha que a expressão "nua propriedade" fosse substituída por "plena propriedade", o que acabou sendo concedido através da Lei Provincial nº 48, de 18 de Abril de 1882.
Três anos depois, novamente a Assembleia Legislativa, por meio da Lei Provincial nº 65, de 23 de março de 1885, promoveu modificações no contrato de 1880. Devem ser destacadas três delas: a substituição do aterro por um viaduto de ferro; a volta do direito de cobrança, por parte de Jules Martin, de pedágio "pela passagem de pessoas a pé, cavaleiros, carros, bondes e outros veículos" e a possibilidade de desapropriação do viaduto, depois de cinco anos, por utilidade pública, "pagando o capital despendido e mais a quantia que faltou para completar o juro de 8% ao ano, sobre o dito capital, caso a renda de pedágio tenha sido inferior a esta porcentagem nos anos anteriores" à desapropriação.
Foi constituída uma sociedade, a Companhia Paulista do Viaduto do Chá, para a construção da obra, que foi iniciada em 1889. O Viaduto foi inaugurado em 6 de novembro de 1892. Logo o encanto da população com a novidade foi substituído pelo descontentamento com o pagamento do pedágio de "três vinténs" para passar pelo viaduto. A opção pelo não pagamento obrigava o transeunte a dar uma longa volta para cruzar o vale do Anhangabaú. Logo se iniciou uma campanha na cidade pelo fim do pedágio. Em 5 de junho de 1893 o Congresso Legislativo do Estado de São Paulo (nome que o Legislativo paulista teve, abrigando Câmara e Senado, de 1891 a 1930) recebeu um livro de 157 páginas, conservado pela Divisão de Acervo Histórico da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, no qual 3.636 paulistanos pediam o fim do pedágio e a encampação do Viaduto do Chá:
"Certos do vasto horizonte que descortina vossa largueza de vistas na realização do progresso, não só material, como intelectual e moral do Estado de S. Paulo, vimos os Cidadãos, adiante assinados, chamar vossa esclarecida atenção para uma medida do mais elevado alcance, e que tem sido insistentemente reclamada, já pela imprensa, já pelo povo em geral.
É essa medida a encampação do Viaduto do Chá. Essa monumental ponte, sem competidora na América do Sul, concorre já para o desenvolvimento de uma das zonas mais importantes desta Capital, como sejam os Distritos da Consolação e de Sta. Ifigênia.
O pedágio, porém, que, com todo o direito, cobra a Companhia Ferro Carril de S. Paulo, a qual dotou esta Cidade de tão momentoso melhoramento, tem sido um verdadeiro óbice às grandes proporções a que ainda pode chegar o adiantamento da referida zona.
Além deste motivo, por si só mais que suficiente para se dar a encampação do Viaduto, há a repugnância que nutre o povo pelo empecilho que, com o pagamento do pedágio, se põe à sua livre locomoção, repugnância que tem sido causa de sérios Conflitos, mormente em ocasiões de festas populares, cujos Concorrentes em grande parte passam violentamente, sem satisfazer a devida retribuição.
Cumpria a Câmara Municipal levar a efeito tal desideratum. Sendo-lhe isso impossível atualmente, à vista do melindroso estado de suas finanças, ao patriótico Congresso, de que é a parte mais considerável a ínclita Corporação a que nos dirigimos, é que Compete resolver a tal respeito.
Rogamos-vos, pois, que, tomando na devida Consideração este assunto, vos digneis votar uma lei, autorizando o Ilustre Cidadão que mui acertadamente preside os destinos deste Estado, a encampar o Viaduto do Chá."
No dia 30 de setembro de 1896, por lei municipal, o Viaduto do Chá foi encampado, mediante ressarcimento aos antigos concessionários, pela Cidade de São Paulo. O primitivo viaduto metálico foi demolido em 1938 para dar lugar ao atual Viaduto do Chá.
Nota do blog: Ainda bem que optaram pelo viaduto...rs.




Nenhum comentário:

Postar um comentário