quarta-feira, 31 de março de 2021

Jaguar F-Type, Inglaterra - Jeremy Clarkson


 


Jaguar F-Type, Inglaterra - Jeremy Clarkson
Fotografia

Então, a Jaguar anunciou que abandonará totalmente a combustão interna e será toda elétrica dentro de quatro anos. Provavelmente você vai achar que esse é um plano idiota, bolado por um time de administração desesperado que já tentou de tudo e, provavelmente, espera que eu concorde com essa ideia. Mas não concordo.
Obviamente, há hoje casos bastante complicados de carros elétricos, porque enquanto a energia é limpa, dizem, o processo de manufatura envolve nuvens de óxidos de enxofre, rios envenenados, chuva ácida e uma expressiva quantidade de trabalho escravo infantil. Quem já viu fotos de crianças de 5 anos extraindo cobalto para as baterias não será o primeiro da fila para um carro elétrico. Sem sombra de dúvida.
A questão seguinte é a confiabilidade. Dê uma olhada numa dessas mensagens online sobre propriedade de carro elétrico e você as achará muito parecidas com o relatório anual do clube de donos de Maserati Khamsin. Até onde sei, todos chegam ao destino sobre um caminhão-prancha e o pior de todos, parece, é o Jaguar I-Pace, elétrico que está para todo lado.
Mas sejamos honestos. Isso será resolvido quando carros elétricos se tornarem norma. Produção em série sempre corrige problemas de qualidade. E assim será com os problemas sociais, porque pessoas conscientes das injustiças não passarão a semana derrubando estátuas e sairão no fim de semana num carro produzido lançando mão de escravidão. Insistirão que, em vez disso, ele é feito eticamente a partir de sementes da paz não-nucleares, e seguirão tranquilos seu caminho.
Desse modo, os modelos da Jaguar que chegarão ao mercado dentro de 4 anos serão limpos, moralmente corretos e confiáveis. E tem mais. Pense num Jaguar E-Type 1972 série 3 com rodas de liga leve furadas e dois tanques de combustível. Pense no Inspetor Morse e no Steed (personagem da série The Avengers). Pense no V-12 do XJS e na graça felina dos primeiros XKs. Pense no enorme silêncio e potência sem grandes esforços. É quase como se a propulsão elétrica fosse inventada para carros como esse.
O problema é que quando se fala em Jaguar, a maioria das pessoas pensa no E-Type, uma coisa esportiva e absurda, com um capô fálico e com David Niven ao volante, indo para o sul da França com gente não muito respeitável. E ninguém iria querer um E-Type elétrico, exceto Meghan e Harry Markle, claro, que o usaram para deixar a cena do próprio casamento.
Até a própria Jaguar está convencida dessa obsessão pelo E-Type. Ela pensa ser um fabricante de carros esporte e que deve, por isso, fabricar carros esportivos que rosnam, gritam e se dão mal nos buracos, como se seu sistema de suspensão fosse igual ao de um skate. Essa é a razão principal de a Jaguar estar na situação em que se encontra agora: por estar tentando ser uma coisa que não é.
O que me traz ao F-Type V-8, com compressor e tração nas quatro rodas, que dirigi recentemente. O carro é completamente errado! Foi projetado para ficar numa faixa abaixo dos maiores e mais suaves XKR e XKR-S, mas, então, quando os modelos XK saíram de linha, a Jaguar simplesmente preencheu o vazio aumentando os preços do F-Type. Desde então, ele é mais caro do que deveria.
Imagino que a Jaguar esperava que, seguindo o alfabeto depois do E-Type, as pessoas pagariam mais pelo F-Type sem nem pensar. Mas não o fizeram. Pensaram que, ou por um pouco mais, poderiam comprar um Aston Martin Vantage, ou por consideravelmente menos, um Ford Mustang.
E, por ele ter um V-8 sob o capô, é difícil imaginar algo tão “não-Jaguar”. Nos anos 1980, os engenheiros da Jaguar ficaram tão preocupados quando seus chefes os mandaram usar o inerentemente grandalhão V-8 da Rover que deliberadamente projetaram o compartimento do motor do então novo XJ40 muito estreito, de modo que ele não caberia. Eles sabiam que a Jaguar era afamada pelos seus sedosos V-12 ou pelos seis-em-linha suaves como uma máquina de costura, e ainda sabem.
Um F-Type tem som bruto ao rodar. Certamente é um grande som, e seria ainda melhor se pudesse ser ouvido dentro do carro, mas os Jaguar são para pretensos cavalheiros (e não vagabundos), de modo que uma trilha sonora desse tipo é tão inapropriada quanto o pum de um monarca.
O desempenho também não é como deveria ser. Não estou insinuando que seja lento, mas quando se toma ciência de que que o motor desenvolve 575 cv de potência e 71 kgfm de torque, espera-se uma performance de nave espacial. E isso nunca ocorre realmente.
E então, tem a questão do conforto. Ou melhor, não tem. Quem definiu a suspensão do F-Type deveria ter sido demitido, porque os donos de Jaguar querem um carro que os leve à opera. Eles não precisam de algo calibrado para fazer drifts em estacionamentos vazios de supermercados nas noites de sábado.
E, finalmente, o interior é completamente sem brilho. Onde estão o espesso carpete de lã de ovelha e a bandeja porta-lápis iluminada? Onde está o discreto charme? E por que há um enorme volante de direção?
Este é um carro, portanto, projetado para ser uma espécie de homenagem ao E-Type, que, para a Jaguar, era único. Como Wonderful Christmastime, de Paul McCartney, ou My Ding-a-Ling, de Chuck Berry. E nenhum deles chegou a achar que era necessário recriar essas maravilhas.
Tudo considerado, contudo, o F-Type é um carro extremamente apreciável. Ao contrário do volante de direção, ele é incomumente pequeno, mas não apertado. Há certo exagero nas formas, mas passa. E o capô é comprido na medida certa. Em resumo, é um dos carros mais bonitos do mercado atualmente.
Isso significa que é uma “boa vitrine de loja”. Se você achar uma que não foi decorada, parece boa no reflexo e lhe faz sentir-se bem; um carro que lhe faz sentir-se assim já é meio caminho andado. Olhando-o por esse lado, pense nas garotas atraentes que você conheceu. Certo, e de quantas delas você não gostou?
Os chefes da Jaguar estão dizendo que, no seu futuro totalmente elétrico, provavelmente não haverá lugar para carros esportivos. Faz sentido, porque a Jaguar não é uma marca desse tipo de carro.
Mas acho que esse cenário é promissor para um cupê ou um conversível tão bonito quanto o F-Type, porém que tenha uma suspensão agradável e bancos que lhe façam pensar “ahh” ao se assentar neles, além de propulsão tão silenciosa quanto a de um submarino nuclear. Até já tenho um nome para ele: G-Type. Ainda que “Ponto G” fosse mais apropriado…

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