quarta-feira, 31 de março de 2021

Toyota Yaris GR, Japão - Jeremy Clarkson

 











Toyota Yaris GR, Japão - Jeremy Clarkson
Fotografia

Eu não estava realmente a fim de andar no novo Toyota Yaris. Vi na minha agenda que deveria estar de volta por uma semana no começo de fevereiro e durante todo o mês de janeiro eu estive com imensa vontade de desenferrujar e escrever para meus filhos.
O Toyota Yaris é um carro que se compra por se achar que o Honda Jazz anda demais. É para senhoras recentemente enviuvadas que precisam de alguma coisa para levá-las e sua amiga Peggy ao clube de bridge. Só. Não há outro uso para ele.
Não há o que testar nele, e quando eu soube que o motor do modelo que eu testaria era de três cilindros, por pouco não falei com a Toyota cancelando o empréstimo. Isso, contudo, seria uma grande mancada, porque o Yaris era o modelo GR, que na verdade não é um Yaris de fato.
Para entender este carro – e pode ser necessário porque você vai querer um – é preciso estudar o regulamento que governa o rali internacional. Se um fabricante quisesse competir num rali nos anos 1980, ele precisaria produzir 5.000 unidades da versão para venda ao público nas concessionárias. Foi por isso que tivemos carros como o Lancia Delta Integrale e o Ford Escort Cosworth.
Mais tarde o regulamento foi modificado estabelecendo que os fabricantes precisavam produzir apenas 200 unidades. Daí surgiram o Audi quattro de entre-eixos curto, o incrível Peugeot 205 T16 e o ridículo Austin Metro de motor traseiro.
Hoje os fabricantes precisam produzir o brutal volume de 25.000 unidades de um carro para que possa participar do campeonato mundial de rali, o que explica por que a modalidade está entulhada de Hyundais e Volkswagen Polos sem graça e ninguém a acompanha mais. O rali do Royal Automobile Club era o maior evento em público. Agora tem-se mais espectadores no quarto de alguém com febre e tosse.
A Toyota decidiu firmemente fazer alguma coisa. Em vez de colocar adesivos e rodas grandes no Yaris comum, ela fez uma versão inteiramente nova que praticamente não tem nenhum componente em comum com seu irmão de quatro cilindros. E agora tem de ir atrás de 25 mil pessoas no mundo que queiram comprar um.
Começar pelo começo, o motor. É um tricilindro de 1,6 litro turbo, que não tem som de motor de rali em especial. Mas aí é que está, ele anda muito. O som pode ser artificial, mas à medida que se o dirige há um som descompassado, forte, como se você estivesse compartilhando o carro com um cão que ronca. É tremendo!
Aí, quando você afunda o pé no acelerador em baixa velocidade na última marcha é como ter acordado o cão docemente: ele dá um salto. A sensação da potência surgindo é enorme. O motor pode ser mínimo, mas ele produz 260 cv, o que num carro que pesa pouco, só pode resultar na mais séria e histérica aceleração. Histérica porque ele arranca como uma bola ao sair da marca do pênalti.
Para certeza de que nada da potência seja desperdiçada há o sistema de tração nas quatro rodas que leva a força para a roda que melhor possa transmiti-la ao solo. Há até um medidor no painel para mostrar o que está indo para onde, mas se você estiver mesmo bem rápido para que o sistema atue, acredite em mim, você não terá tempo ou inclinação para olhar para o painel, muito menos para achar onde seus óculos foram parar.
Este é um carro que me fez dar boas risadas. Levei-o a uma das minhas áreas de teste numa manhã e fiz uma grande lambança, mas não dei importância porque foi uma bagunça só. A partir do momento em que se aprende como usá-lo e como o sistema que permite escolher entre Pista, Esporte ou Normal não faz diferença discernível, fui para a estrada feita de lâminas de gelo. E nela foi uma bagunça igual.
Quando se achar que a aderência num carro normal acabou, sempre há o momento de cabelos em pé ao se pensar, “caramba, tomara que eu possa sair dessa”, mas no Yaris, com os diferenciais de deslizamento limitado na frente e atrás, você apenas pensa “beleza, lá vem diversão”. É incrivelmente fácil de controlar e por isso você se sente um deus ao volante. Que poderia vencer um rali. Como o que você está fazendo.
Esse é um dos carros mais apreciáveis e emocionantes que dirigi até hoje. É como se fosse uma versão filhote do Nissan GT-R, eu o adorei.
Do que não gostei? De algumas poucas coisas. No interior, devido à tela do navegador ficar no topo do painel sob o espelho retrovisor, há um enorme ponto cego. Tudo bem, isso é porque você se senta um pouco alto, mas é por os ralizeiros gostarem dessa posição de dirigir.
Num Fórmula 1, os pilotos ficam basicamente deitados como se estivessem na cama jogando um videogame – o que de certo modo é isso – enquanto seus pares no rali gostam de se imaginar sentados à uma mesa trabalhando.
Há também outros exemplos desse tema de rali. Em vez do freio de estacionamento eletromecânico, que seria inservível na Córsega ou em meio aos lagos da Finlândia, há uma bem-vinda alavanca; ela até desconecta a tração nas rodas traseiras quando puxada.
Agora, há o espaço na traseira, quer dizer, não há nenhum espaço na traseira. Os enormes bancos dianteiros impedem virtualmente o espaço para pernas atrás, e por os projetistas da Toyota terem desejado um teto caído para ser possível ter uma asa traseira no fluxo de ar, não há espaço para a cabeça também.
Por outro lado, contudo, não há nenhuma evidência de que seja um carro de rali. Há sensores que atuam no volante quando se vagueia para fora da faixa, e todos os itens da vida moderna. Talvez o fato mais inacreditável seja a maneira deste carro focado em competições não ser particularmente desconfortável. Ele não roda suave, mas também não soca. E mesmo os exagerados pneus de competição do meu carro de teste não são ruidosos.
Suspeito que isso tenha algo a ver com o fato de haver 4.175 pontos de solda no Yaris GR, 259 mais do que no carro normal, juntamente com 35 metros de adesivos estruturais. A carroceria, desse modo, é tão rígida quanto uma catedral, e isso proporciona uma sensação de alta qualidade e refinamento.
Mas deixei o melhor por último. Os preços do carro normal começam em menos de 30 mil libras (R$ 236 mil em conversão direta). Mesmo o que dirigi, com todos os avisos sonoros e pinças de freio vermelhas, custa apenas (R$ 263 mil). Não posso pensar em nada, além de um jornal e de um McLanche Feliz, que represente este valor. E que isto deixa este carro perfeitamente em sintonia com o nosso tempo.
Hoje as pessoas têm um problema com o privilégio. Os famosos devem se fustigar com a palmatória, os educados devem abandonar sua elegância e a realeza deve voar no fundo do avião. Que é o porquê de a riqueza dever ser furtiva. Você só pode se pavonear dentro de Ferraris ou McLarens se tiver pele mais grossa para suportar o tiroteio.
Você pode pensar que se hoje você tem um Porsche 911 ou algo desse quilate, que um Yaris GR, um pequeno hatchback japonês de três cilindros, seria degradante, mas não seria mesmo. Ele é mesmo bom, mas você precisa fazer logo seu pedido. A Toyota está produzindo 25 mil deles, e não será suficiente. Por um bom tempo.

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