O Fim do Theatro São José, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
As obras do Theatro Municipal, iniciadas em 1903, estavam em pleno andamento, quando a empresa Guimarães Aragão & Cia., sob a supervisão do arquiteto sueco Karl Wilhelm Ekman, começou a cravar quase em frente, os alicerces de outro teatro, que se chamaria São José — o historiador Antônio Barreto do Amaral, em 'Velhos Teatros de São Paulo', atribui a construção, ao engenheiro Regino Aragão.
Projetado em estilo eclético, era um gigantesco teatro, capaz de abrigar comodamente mais de 2000 espectadores (387 cadeiras na plateia, 39 camarotes, 28 frisas, 356 lugares no anfiteatro, 415 nos balcões e 629 nas galerias). As portas se abriam para o Viaduto do Chá e para a Rua Xavier de Toledo. Dispunha de muitas salas para a administração, sala de espera dos espectadores, instalações do bufê, sanitários e outros. O palco, um dos maiores que São Paulo já teve, era adequado a qualquer tipo de espetáculo e tinha um poço de orquestra capaz de abrigar 70 músicos, treze camarins e quatro salas de comparsaria. A platéia, na forma tradicional de ferradura, aproveitava o declive para o Vale do Anhangabaú e oferecia excelente visibilidade do palco, que se situava ao fundo, no lado da Rua Formosa.
Naquela época, São Paulo recebia — procedentes da Europa e Rio de Janeiro —, a visita de diversas companhias teatrais, de ópera e de operetas. Antonio Barreto do Amaral considera que o ano de 1909 foi dos melhores para o cenário paulistano das artes e espetáculos. Funcionavam na época, bem próximos, os teatros Politheama, Moulin Rouge e Cassino. No Brás, foi inaugurado o Colombo, em 1908.
O Teatro Municipal estava em fase de acabamento quando, a 28/12/1909, o São José foi entregue ao público. Supunha-se, que uma inauguração desse porte, iria merecer grandes comemorações. A realidade foi diferente. A visita de Rui Barbosa a São Paulo atropelou os preparativos e os festejos. O candidato civilista à Presidência da República e famoso tribuno vinha à capital do Estado e às principais cidades precedido por intensa campanha jornalística. O Correio Paulistano, durante quase todo o mês de dezembro não fez outra coisa senão descrever, nas primeiras páginas, as homenagens que o candidato recebia e os banquetes de que participava.
De qualquer forma, tudo leva a crer que os próprios donos do empreendimento não estavam interessados em quaisquer pompas na inauguração do teatro. Anunciada para a noite de 27 de dezembro, a abertura deu-se no dia seguinte, sem os discursos usuais, sem brindes ou flores. Apenas a execução do Hino Nacional, sucedida pela protofonia do "Guarany", de Carlos Gomes.
Seguiu-se a apresentação da ópera "Gueisha", de Howen Hallo e Sidney Jones, com elenco da Cia. Ernesto Lahoz que estava fazendo temporada no Teatro Politheama e que se mudara, a partir daquela data, para a nova casa. O espetáculo de estréia do São José, um musical de aceitação pública, já havia sido representado na cidade, pela mesma companhia, 12 dias atrás. Na noite seguinte à estreia, o São José anunciou "I Saltimbanchi", do maestro Ganné, sucedendo-se "Sonho de Valsa", de Strauss e "A Viúva Alegre", de Franz Lehar, que fechou a temporada de 1909.
No início de 1910, apresentaram-se no local: o transformista Donnini, as companhias 'De Variedades Irmãos Giordano', a 'Silva Pinto' e a de operetas 'La Teatral'. No dia 3 de maio, quando era encenada a opereta "Vida Bohemia", de Herchmann, estava presente na plateia o poeta Olavo Bilac que, antes do espetáculo, ressaltou o progresso de São Paulo. Posteriormente, seguiram-se temporadas de outras companhias conhecidas..
De 29 de agosto até 16 de setembro de 1910, o Teatro São José permaneceu fechado, reabrindo com a Companhia de Operetas Zarzuelas Espanholas Sagi-Barba, que foi sucedida pela Cia. Dramática Grand Guignol. Após a despedida do elenco, ocorrida a 18 de outubro, o São José acolheu o mágico Watr, até 20 de novembro, entrando novamente em recesso até 23 de dezembro, quando estreou a Cia. Lírica Italiana Ratoli-Biloro, conjugada à Cia. Schiaffino que, em uma temporada admirável, encenou uma após outra, as seguintes óperas: Aída, Manon Lescaut, Cavalleria Rusticana, I Pagliacci, Rigoletto, Werner, Amico Fritz Il Guarany, La Traviatta, Tosca, La Gioconda, La Bohéme, Carmen, Il Trovatore, Faust, Um Ballo in Maschera e Mefistófele. Essa temporada acabou sendo o ponto mais alto de toda a programação do teatro. Após duas semanas de interrupção, o São José recebeu a Cia. Italiana de Operetas, Óperas Cômicas e Féeries Gattini-Angelini.
Depois de nova interrupção, em junho apresentaram-se as Companhias Du Théàtre Du Châtelet et de Paris, seguida pela Dramática Italiana, da atriz siciliana Mimi Aguglia. O começo do declínio: em 12/09/1911, o Teatro Municipal abriu suas portas em noite de gala, causando o primeiro engarrafamento de trânsito na cidade.
Como era de se esperar, o novo teatro oficial passou a atrair toda a vida cultural do município e o São José teve a sua programação drásticamente alterada. Depois de curta temporada com elencos de segunda linha, mal divulgados e assistidos por plateias reduzidas, foi obrigado a recorrer a uma fonte de renda alternativa e minguada: o aluguel das suas dependências para pequenas lojas, ateliês, oficinas de alfaiates e até mesmo como residências. Em 1919, o teatro já estava inteiramente desativado e agora, tendo a Assunção e Cia. como proprietária.
Nesta mesma época, a Light procurava um lugar onde pudesse instalar o seu escritório. Sediada inicialmente na Rua de São Bento, a empresa canadense se transferiu depois para a Rua Direita e em fins de 1907, mudou-se para a Praça Conselheiro Antonio Prado. A diversidade de empreendimentos que foram se acumulando (serviços de bondes, luz, força, telefone, gás e calefação) obrigaram-na a aumentar o seu quadro funcional e, consequentemente, sua sede. Além dos 920 metros quadrados de que dispunha na Praça Antonio Prado, mantinha no edifício da Companhia de Gás e Luz, o seu Departamento de Eletricidade; na Casa dos Carros, na Alameda Glete, tinha o seu setor de Tráfego e, nas salas da Companhia de Gás, parte do departamento jurídico.
Decidida a se mudar para um prédio próprio, que pudesse abrigar a totalidade da administração, a Light iniciou a procura do lugar ideal. Só durante o ano de 1916, a empresa havia recebido três propostas: a primeira foi a tentativa frustrada de adquirir o Palacete Prates na Rua Líbero Badaró; a segunda, datada do mês de junho, envolvia um prédio da Rua de São Bento e finalmente em agosto, surgiu a oferta de alguns imóveis sobreviventes das demolições durante a remodelação do Largo da Sé. A proposta inicial de negociar o Teatro São José, aconteceu em 03/06/1919. Três dias depois, a direção da Light respondeu laconicamente, não mostrando nenhum interesse. Contudo, 10 dias depois, reatou negociações que evoluíram lentamente até 27/06/1920, quando houve o desfecho.
Como proprietária do Teatro São José, a Light solicitou em juízo uma notificação aos locatários, concedendo 2 meses para que desocupassem o prédio. Com Madame Ravidadt, uma inquilina do teatro que sublocava quartos para encontros amorosos, a Light foi mais severa: apenas 30 dias. No mesmo pedido judicial requeria também, a retirada dos painéis de propagandas pertencentes às marcas Água Platina e ao Cimento Rodovalho, afixados na fachada. Não obstante a eficiência do seu departamento jurídico, a empresa só se viu livre dos moradores que herdara, em maio de 1923.
De posse do imóvel, tratou de adaptar o teatro às suas necessidades. Algumas das alternativas, arquivadas no departamento de patrimônio histórico da Light, previam a abertura de frestas laterais em todo o corpo do prédio, de maneira a permitir a entrada de luz e ar. Premida pela urgência, a Light transferiu para a ala administrativa do São José, o setor de recebimento de contas de luz — exatamente em 01/11/1923, dia de Todos os Santos. Esgotadas todas as possibilidades de adaptação do prédio, a Light concluiu que o melhor seria demolir o teatro e erguer no local sua sede central, o GOB, como passou a ser chamado o General Office Building da Light.
Em 1924, os arquitetos norte-americanos Preston & Curtis foram requisitados e apresentaram o projeto para a Light: um grande edifício capaz de conter o cérebro da organização canadense. Este, foi rapidamente elaborado, prevendo a possibilidade de ser construído em quatro fases distintas: na primeira, com cinco andares de escritórios e dois níveis intermediários, de frente para o Viaduto do Chá e fazendo esquina com a Rua Xavier de Toledo; na segunda, com andares equivalentes, voltados para a Rua Formosa; na terceira, com a construção de outra ala de andares, utilizando o lote de terreno na Xavier de Toledo, anteriormente ocupado pelo Bar e Restaurante Pan-Americano e por último, sobre esse derradeiro bloco, mais dez andares de escritórios.
Para a sua execução, foi contratado o Escritório Técnico Ramos de Azevedo, Severo&Villares S.A. A vantagem do projeto era a possibilidade de ser executado à medida que a empresa fosse se desenvolvendo e então, necessitando maiores espaços. A Light terminaria a primeira fase em 1929 e a segunda em 1941. O restante do projeto não seguiu adiante. Inicialmente, em 29/08/1924, foi assinado o contrato para a demolição do São José. A empresa encarregada foi a de Ramos de Azevedo. O valor do contrato foi de 80 contos de réis e o prazo 90 dias.
Rápidamente, a paisagem paulistana foi destituída de um edifício a que os pedestres já estavam acostumados a contemplar por 25 anos: o Teatro São José. Era o segundo com esse nome, pois existira anteriormente um homônimo no centro velho da cidade. Inaugurado inacabado em 1864 e concluido após mais de uma década, foi destruido por um incêndio em 15/02/1898.
O entulho resultante da demolição do segundo teatro São José (propriedade da Light), foi utilizado para o aterramento da área onde o mesmo Ramos de Azevedo seria o responsável pela construção do Mercado Central de São Paulo. Algumas peças decorativas — muitas de gosto duvidoso — como os mascarões e as esculturas em cimento que guarneciam as fachadas do Teatro São José, foram aproveitadas na decoração do exótico (ou seria excêntrico) aglomerado arquitetônico idealizado por Francisco de Castro, mestre de obras português que viria a ser denominado como Vila Itororó, situada à Rua Maestro Cardim, com os fundos para a Rua Martiniano de Carvalho, no Bexiga. O conjunto de casas resiste precária e valentemente às sucessivas ocupações, depredações e vandalismo. Os planos para sua eventual restauração estarão esquecidos em alguma gaveta burocrática? Será que o custo compensaria o benefício?
A imagem frontal, a partir da Esplanada do Municipal, foi tomada em circa 1908 e integra o Acervo do Instituto Moreira Salles. As outras 3, foram registradas em 10/1920 e sob ângulos diferentes, mostram o efêmero Theatro São José a partir do Viaduto do Chá, da Rua Formosa e Xavier de Toledo, respectivamente.
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