Blog destinado a divulgar fotografias, pinturas, propagandas, cartões postais, cartazes, filmes, mapas, história, cultura, textos, opiniões, memórias, monumentos, estátuas, objetos, livros, carros, quadrinhos, humor, etc.
domingo, 29 de janeiro de 2023
Vista da Várzea do Carmo, Circa 1900, São Paulo, Brasil
quarta-feira, 7 de outubro de 2020
Várzea do Carmo, 1900, São Paulo, Brasil
Várzea do Carmo, 1900, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
Várzea do Carmo em São Paulo/SP em 1900. Foto feita da
rua Paula Souza em direção ao centro. Na margem oposta do rio Tamanduateí, o
Mercado Caipira e a rua 25 de Março. Na linha do horizonte, da esquerda para
direita, destacam-se: Convento do Carmo, Casa da Marquesa de Santos e Pátio do
Colégio, frontão Boa Vista, igreja do Rosário e Mosteiro de São Bento. Várzea
do Carmo era a denominação de uma das zonas centrais da cidade de São Paulo,
adjacente ao Convento do Carmo e frequentemente atingida pelas cheias do rio
Tamanduateí, inicialmente conhecido como Piratininga. Em 1821, o Major de
Engenheiros Pedro Arbues Moreira apresentou ao governo uma proposta de
desaguamento da Várzea do Carmo, com a abertura de um canal de 40 palmos de
largura. Por ser uma obra muito cara não foi executada. Durante a presidência
do Padre Dr. Vicente Pires da Mota foram feitas muitas melhoras no local, entre
elas a mudança no curso do rio Tamanduateí. Na administração dos presidentes
João Teodoro Xavier e João Alfredo Correia de Oliveira, foram realizadas várias
obras com o objetivo de preservar o local das inundações. O saneamento integral
e a recuperação da Várzea do Carmo foi um processo lento. Após a canalização do
rio, que só foi concluída na segunda década do século XX, o topônimo caiu em
desuso e, hoje a zona é - grosso modo - equivalente ao Parque Dom Pedro II. Na
Várzea do Carmo, em São Paulo, em 14 de abril de 1895, foi realizada uma
partida de futebol entre ingleses e anglo-brasileiros, formados pelos
funcionários da Companhia de Gás e da Estrada de Ferro São Paulo Railway. Essa é
considerada a primeira partida de futebol do país. O amistoso terminou em 4 a
2, com vitória do São Paulo Railway. A Companhia Mecânica, que havia efetuado
grande parte da canalização do rio Tamanduateí, recebeu a proposta da
Prefeitura para realizar a urbanização da Várzea. Tratava-se de executar o
projeto então elaborado para o parque. Como o Tesouro Municipal não dispunha de
recursos, o prefeito Washington Luís Pereira de Sousa propôs que o serviço
fosse pago com os terrenos remanescentes, que pertenciam ao Município. A
Companhia Mecânica, por ser uma poderosa organização empreiteira, não achou
vantajosa essa troca de terras por serviços e desistiu. O prefeito tinha como
secretário o Sr. Antônio Almeida Braga, que se propôs a conseguir os recursos
necessários para a urbanização por meio de uma companhia a ser construída.
Assim surgiu a Companhia da Várzea do Carmo, que tinha como presidente o
Visconde de Moraes. Para o Conselho Fiscal foi nomeado o engenheiro Ricardo
Severo da Fonseca e Costa, sócio do escritório de Engenharia e Construções
Ramos de Azevedo. Os escritórios dessa nova Companhia ficavam no prédio do
Banco Português do Brasil, na rua XV de Novembro. Em 1921 o canal do
Tamanduateí foi concluído, junto com o ajardinamento da área, atraindo multidões
à procura de trabalho. Dois anos depois o serviço estava completamente
terminado e teve início a venda de lotes, que eram em média de duzentos metros
quadrados com sete metros de frente. Os dois maiores lotes foram adquiridos
pela Prefeitura para a construção do Mercado Central (atual Mercado Municipal
de São Paulo). Com os trabalhos de urbanização do parque e canalização do rio,
mudava-se o leito antigo para transformar-se na rua 25 de Março. Ali existia um
movimentado porto, com grandes e rústicos armazéns. Dessa extinta atividade
restou a denominação Ladeira Porto Geral. Também desapareceram os portos do
Tamanduateí, denominados Beco das Barbas, na atual Ladeira Porto Geral, da
Figueira, na foz do Anhangabaú; da Tabatinguera, diante da rua de mesmo nome.
Já o rio estava difícil de navegar devido aos bancos de areia, entulhos e
aguapés. Antes de se tornar o Parque Dom. Pedro II, toda região era denominada
Várzea do Carmo, várzea por ser uma área que se inunda pelas cheias do rio
Tamanduateí e rio do Carmo , este que se encontrava próximo a igreja do Carmo,
que também nomeava a ladeira e ponte ao final dela (região hoje conhecida como
avenida Rangel Pestana). O rio Tamanduateí teve por anos suas margens
utilizadas para banhos, pelas lavadeiras e também para o despejo de lixos. As
recorrentes enchentes se tonaram um problema para a população, pois foi
responsável por trazer doenças às pessoas, por conta da insalubridade da
Várzea. Com a intenção de resolver este problema, em 1810, uma vala foi
construída no centro da Várzea para barrar os alagamentos. Em 1822, ao visitar
a cidade de São Paulo o botânico francês Auguste Saint-Hilaire, caracterizou a
Várzea de Carmo como uma “planície sem acidentes que apresenta uma encantadora
alternativa de pastagens rasteiras e de capões de mato pouco elevados […] nas
partes em que há mais água, o solo é entremeado de montículos cobertos de
espessos tufos de relva.” e o rio Tamanduateí como quem ia serpenteando a
região com suas sete voltas. Beco das Sete Voltas era denominada essa pequena
parte que margeava o rio. Em uma das setes voltas ficava o Porto Geral, que
recebeu esse nome por ser o mais movimentado dos portos do rio. Eles duraram
até 1849, quando se iniciaram obras para a retificação do rio. O Beco virou uma
rua, que hoje é conhecida por 25 de Março. No fim do século XIX, a obra ganhou
força para ser terminada. João Theodoro, em sua gestão, com o objetivo de
transformar o rio em uma reta, especialmente na região do Brás e Luz, realizou
a canalização da primeira parte do rio. Ainda, Theodoro foi responsável por
colocar jardins e projetar a Ilha dos Amores, o que o transformou como um dos
primeiros urbanistas do país. Em 1890, além de tentar encontrar novas soluções
para as enchentes que ainda atingiam a população, o poder público discutia um
plano de "embelezamento" da Várzea do Carmo. Para que uma decisão
fosse tomada, pelo executivo paulistano, sobre a situação das enchentes, foram
30 anos de discussões e debates. Em 1910, então, foi decido erguer um parque,
onde participariam a iniciativa privada, o poder público municipal e estadual.
Ideia que foi aprovada em 1914 e entregue a população em 1922. Assim, deixa de
existir a Várzea do Carmo e surge o Parque Dom. Pedro II que se torna um dos
mais importantes espaços públicos de São Paulo, por conter grande variedade de
árvores. Em 1924, considerando a ideia do poder paulistano e a importância de
transformar a região, foi contemplado o Palácio das Indústrias. Com o
crescimento demográfico e econômico da cidade, na década de 30, a maioria das
construções dos tempos coloniais e do império foram destruídas e a cidade foi
deixando de possuir característica "europeia". Além disso, nesse
período surge o Plano das Avenidas que mudaria totalmente a estrutura do
parque. A primeira proposta voltada para à cidade de São Paulo foi feita pelo
engenheiro Prestes Maia que, ao se tornar prefeito em 1938, começou a executar
seu plano. A principal característica de sua ideia era a tentativa de fazer uma
"cópia" das metrópoles americanas, e ter uma política voltada para o
transporte rodoviário. O parque sofreu intervenções e teve sua estrutura
alterado, no final dos anos 50, como a pavimentação da Avenida do Estado no
trajeto do Tamanduateí, a criação de cinco viadutos e diversas outras obras. A
propósito, a concepção da Avenida do Estado, foi o marco para o início da
degradação do parque. A estação do metrô Pedro II, o terminal de ônibus,
surgido em 1971, e outras ideias do poder público, foram de gradando e
destruindo o espaço do parque, que resultou no que temos hoje: apenas um espaço
de transição e não mais de interação com a cidade.
quinta-feira, 31 de outubro de 2019
Várzea do Carmo e Bairro do Brás, São Paulo, Brasil
Várzea do Carmo e Bairro do Brás, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Rosenhain & Meyer N. 9
Fotografia - Cartão Postal
Várzea do Carmo era a denominação de uma das zonas centrais da cidade de São Paulo, adjacente ao Convento do Carmo e frequentemente atingida pelas cheias do rio Tamanduateí, inicialmente conhecido como Piratininga. Em 1821, o Major de Engenheiros Pedro Arbues Moreira apresentou ao governo uma proposta de desaguamento da Várzea do Carmo, com a abertura de um canal de 40 palmos de largura. Por ser uma obra muito cara não foi executada. Durante a presidência do Padre Dr. Vicente Pires da Mota foram feitas muitas melhoras no local, entre elas a mudança no curso do rio Tamanduateí. Na administração dos presidentes João Teodoro Xavier e João Alfredo Correia de Oliveira, foram realizadas várias obras com o objetivo de preservar o local das inundações.
O saneamento integral e a recuperação da Várzea do Carmo foi um processo lento. Após a canalização do rio, que só foi concluída na segunda década do século XX, o topônimo caiu em desuso e, hoje a zona é - grosso modo - equivalente ao Parque Dom Pedro II.
Na Várzea do Carmo, em São Paulo, em 14 de abril de 1895, foi realizada uma partida de futebol entre ingleses e anglo-brasileiros, formados pelos funcionários da Companhia de Gás e da Estrada de Ferro São Paulo Railway. Essa é considerada a primeira partida de futebol do país. O amistoso terminou em 4 a 2, com vitória do São Paulo Railway.
A Companhia Mêcanica, que havia efetuado grande parte da canalização do rio Tamanduateí, recebeu a proposta da Prefeitura para realizar a urbanização da Várzea. Tratava-se de executar o projeto então elaborado para o parque. Como o Tesouro Municipal não dispunha de recursos, o prefeito Washington Luís Pereira de Sousa propôs que o serviço fosse pago com os terrenos remanescentes, que pertenciam ao Município. A Companhia Mecânica, por ser uma poderosa organização empreiteira, não achou vantajosa essa troca de terras por serviços e desistiu.
O prefeito tinha como secretário o Sr. Antônio Almeida Braga, que se propôs a conseguir os recursos necessários para a urbanização por meio de uma companhia a ser construída. Assim surgiu a Companhia da Várzea do Carmo, que tinha como presidente o Visconde de Moraes. Para o Conselho Fiscal foi nomeado o engenheiro Ricardo Severo da Fonseca e Costa, sócio do escritório de Engenharia e Construções Ramos de Azevedo. Os escritórios dessa nova Companhia ficavam no prédio do Banco Português do Brasil, na rua XV de Novembro.
Em 1921 o canal do Tamanduateí foi concluído, junto com o ajardinamento da área, atraindo multidões à procura de trabalho. Dois anos depois o serviço estava completamente terminado e teve início a venda de lotes, que eram em média de duzentos metros quadrados com sete metros de frente. Os dois maiores lotes foram adquiridos pela Prefeitura para a construção do Mercado Central (atual Mercado Municipal de São Paulo).
Com os trabalhos de urbanização do parque e canalização do rio, mudava-se o leito antigo para transformar-se na rua 25 de Março. Ali existia um movimentado porto, com grandes e rústicos armazéns. Dessa extinta atividade restou a denominação Ladeira Porto Geral. Também desapareceram os portos do Tamanduateí, denominados Beco das Barbas, na atual Ladeira Porto Geral, da Figueira, na foz do Anhangabaú; da Tabatinguera, diante da rua de mesmo nome. Já o rio estava difícil de navegar devido aos bancos de areia, entulhos e aguapés.
Antes de se tornar o Parque Dom. Pedro II, toda região era denominada Várzea do Carmo, várzea por ser uma área que se inunda pelas cheias do rio Tamanduateí e rio do Carmo, este que se encontrava próximo a igreja do Carmo, que também nomeava a ladeira e ponte ao final dela (região hoje conhecida como Avenida Rangel Pestana). O rio Tamanduateí teve por anos suas margens utilizadas para banhos, pelas lavadeiras e também para o despejo de lixos. As recorrentes enchentes se tonaram um problema para a população, pois foi responsável por trazer doenças às pessoas, por conta da insalubridade da Várzea. Com a intenção de resolver este problema, em 1810, uma vala foi construída no centro da Várzea para barrar os alagamentos.
Em 1822, ao visitar a cidade de São Paulo o botânico francês Auguste Saint-Hilaire, caracterizou a Várzea de Carmo como uma “planície sem acidentes que apresenta uma encantadora alternativa de pastagens rasteiras e de capões de mato pouco elevados […] nas partes em que há mais água, o solo é entremeado de montículos cobertos de espessos tufos de relva.” e o rio Tamanduateí como quem ia serpenteando a região com suas sete voltas. Beco das sete voltas era denominada essa pequena parte que margeava o rio. em uma das setes voltas ficava o Porto Geral, que recebeu esse nome por ser o mais movimentado dos portos do rio. Eles duraram até 1849, quando se iniciaram obras para a retificação do rio. O Beco virou uma rua, que hoje é conhecida por 25 de março.
No fim do século XIX, a obra ganhou força para ser terminada. João Theodoro, em sua gestão, com o objetivo de transformar o rio em uma reta, especialmente na região do Brás e Luz, realizou a canalização da primeira parte do rio. Ainda, Theodoro foi responsável por colocar jardins e projetar a Ilha dos Amores, o que o transformou como um dos primeiros urbanistas do país. Em 1890, além de tentar encontrar novas soluções para as enchentes que ainda atingiam a população, o poder público discutia um plano de embelezamento da Várzea do Carmo.
Para que uma decisão fosse tomada, pelo executivo paulistano, sobre a situação das enchentes, foram 30 anos de discussões e debates. Em 1910, então, foi decido erguer um parque, onde participariam a iniciativa privada, o poder público municipal e estadual. Ideia que foi aprovada em 1914 e entregue a população em 1922. Assim, deixa de existir a Várzea do Carmo e surge o Parque Dom. Pedro II que se torna um dos mais importantes espaços públicos de São Paulo, por conter grande variedade de árvores. Em 1924, considerando a ideia do poder paulistano e a importância de transformar a região, foi contemplado o Palácio das Industrias.
Com o crescimento demográfico e econômico da cidade, na década de 30, a maioria das construções dos tempos coloniais e do império foram destruídas e a cidade foi deixando de possuir característica europeia. Além disso, nesse período surge o Plano das Avenidas que mudaria totalmente a estrutura do parque.
A primeira proposta voltada para a cidade de São Paulo foi feita pelo engenheiro Prestes Maia que, ao se tornar prefeito em 1938, começou a executar seu plano. A principal característica de sua ideia era a tentativa de fazer uma cópia das metrópoles americanas, e ter uma política voltada para o transporte rodoviário.
O parque sofreu intervenções e teve sua estrutura alterado, no final dos anos 50, como a pavimentação da Avenida do Estado no trajeto do Tamanduateí, a criação de cinco viadutos e diversas outras obras. A propósito, a concepção da Avenida do Estado, foi o marco para o início da degradação do parque. A estação do metrô Pedro II, o terminal de ônibus, surgido em 1971, e outras ideias do poder público, foram de gradando e destruindo o espaço do parque, que resultou no que temos hoje: apenas um espaço de transição e não mais de interação com a cidade.
terça-feira, 9 de julho de 2019
Conjunto Habitacional Várzea do Carmo, Anos 70, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
Conjunto Habitacional Várzea do Carmo, o mais antigo de São Paulo. O local fica no centro da cidade, entre os bairros da Liberdade e Cambuci.
1.1. Diferentes modos de projetar e construir a chamada moradia popular
No dia 28 de julho de 1944, cerca de três anos após a Jornada de Habitação Econômica (1941) e treze anos depois do I Congresso de Habitação (1931), Plínio Reis de Cantanhede Almeida, presidente do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários – IAPI, submeteu à aprovação da Prefeitura Municipal de São Paulo o projeto de construção do Conjunto Residencial da Várzea do Carmo. As quadras dos terrenos, de propriedade do próprio IAPI, também construtor do conjunto, ficavam localizadas “entre a Avenida do Estado e Rua Luiz Gama – prolongamento da Teixeira de Freitas, Rua Justo Azambuja, Rua Barão de Iguape, entre outras”.
De acordo com o Memorial Descritivo, o projeto previa a construção de edifícios para lojas e moradias de padrões diferenciados. Portanto, construções verticalizadas distintas de múltiplo uso tanto para a habitação, como para o comércio e serviços em geral. Esses foram edifícios supostamente construídos para a categoria profissional representada pelo Instituto: os trabalhadores das Indústrias.
As especificações (distribuição, número de pavimentos, elementos construtivos, serviços, etc.) das edificações e de seus espaços, descritas pelo engenheiro responsável pelo projeto, Vicente Campos Paes Barreto, do Serviço de Engenharia do IAPI, separavam os edifícios em “tipos A – com sete edifícios; B – dezenove edifícios; C – dezoito edifícios; D – dois edifícios; J – um edifício; K – um edifício; e Complementares”. No projeto havia variações estéticas e estruturais entre as edificações em relação ao número de pavimentos (os tipos A e J com doze pavimentos; B e C com quatro pavimentos); elevadores (os tipos A, J e K possuíam elevadores); quantidade de apartamentos (o tipo A possuía dezoito apartamentos para habitação por edifício; o B, oito apartamentos por edifício); finalidade (quase todos para a habitação sendo que o tipo J possuía um pavimento com lojas); e acabamento (telha de “Brasilit” em alguns dos edifícios, por exemplo os de tipo B).
Para dimensionar a importância urbanística, arquitetônica e socioeconômica do projeto, segundo os cálculos da Prefeitura nos pareceres de seus técnicos dos Departamentos de Obras e de Serviços, seriam cerca de 4.048 apartamentos construídos. Com essa configuração, segundo o Departamento de Obras, teríamos: “lotação à razão de duas pessoas por quarto de dormir e uma por sala, poderão ser alojadas cerca de 18.000 pessoas. Além dos edifícios de habitação-apartamentos, serão construídos outros edifícios destinados a hotel, cinema, estação rodoviária, escritórios, club, restaurante popular, que poderão elevar a lotação acerca de 20.000 pessoas”.
Cabe observar que em 13 de abril de 1945, cerca de três meses após a entrada da solicitação junto à Prefeitura (11/08/1944), o engenheiro responsável pelo projeto, Vicente Campos Paes Barreto, do Serviço de Engenharia do IAPI, talvez sentindo as dificuldades de concretizar o proposto e de obter aprovação da municipalidade, reduziu as intenções do projeto informando que: “os edifícios para fins especiais como hotéis, escolas, estação rodoviária, ginásio, etc. não” seriam construídos naquele “momento”.
Mesmo assim, pelas estimativas dos técnicos da Prefeitura, a construção do Conjunto Residencial da Várzea do Carmo iria adensar populacionalmente a área. Com a efetivação do projeto, ocorreria, segundo o próprio parecer do poder público municipal, uma elevação do contingente demográfico acima até do índice desejado em comparação à Londres, um dos modelos urbanísticos de então:
... o projeto abrangerá uma área de cerca de 28 hectares. A taxa da lotação será de 700 pessoas por hectare, ou 285 pessoas por acre.
Adotada, para termo de comparação, a taxa de lotação fixada no recente plano de organização para a reconstrução das áreas arrasadas da cidade de Londres – 2000 habitantes por acre, na área de lotação maior, em prédios de apartamentos –, vemos que o projeto resulta em taxa excessiva...
Apesar do encaminhamento feito pelo então prefeito, Francisco Prestes Maia, em 13 de janeiro de 1942, para a análise dos Departamentos de Obras e de Serviços, em documento apensado ao processo, assinalar que “sob o ponto de vista urbanístico, em primeiro exame” a obra seria “aprovável” e “as ruas fechadas” poderiam ser consideradas “secundárias”, aparentemente parte do corpo técnico da municipalidade não viu com bons olhos a realização do projeto. Os trechos a seguir permitem assinalar que, mesmo considerando a necessidade em minimizar o déficit habitacional como um dos problemas urbanísticos mais prementes de São Paulo, (por isso tema recorrente nos eventos de 1931 e 1941), existiam divergências urbanísticas e arquitetônicas quanto às soluções. Em outro parecer, datado de 15 de janeiro de 1945, o Engenheiro Chefe Interino de Obras-1 A. M. Tomassini, declara:
Sr. Prefeito
Como V.Excia, mais do que ninguém, não ignora, os espaços livres da cidade de São Paulo estão muito abaixo do mais modesto nível que seria de desejar... muito abaixo dos de Londres ...
Ora, se São Paulo, por dificuldades financeiras, luta por ampliar esses espaços livres sem nunca poder conseguir grandes resultados, apesar dos esforços de V. Excia., parece que a política a seguir deva ser procurar uma melhor distribuição da densidade de população de modo a aproveitar melhor os seus pulmões.
Desse modo, a resolução dos problemas de habitação popular em São Paulo também esbarrava, segundo o corpo técnico da Prefeitura, nas dificuldades dos limites topográficos da cidade e na tentativa de evitar possíveis adensamentos que produzissem problemas urbanísticos espaciais nas áreas próximas ao núcleo central paulistano. A construção de moradias populares coletivas e verticalizadas próximas à área central tinha assim seus opositores dentro do próprio poder público.
Continuando, o Engenheiro Chefe de Obras-1 evidencia ainda mais os limites espaciais da área ao comparar São Paulo ao Rio de Janeiro. Para Tomassini, se o quadro já era preocupante, a situação poderia piorar.
O Parque Dom Pedro II, talvez o nosso melhor logradouro nesse sentido, está junto ao ponto de densidade máxima: o núcleo Carneiro Leão-Caetano Pinto, o que já absorve uma boa parte da função.
Aceitar, tal com está, o projeto dos Industriários, corresponde a criar outro núcleo de densidade superior ao da Rua Caetano Pinto, o que não é desejável. Apesar de no Rio os Institutos autárquicos estarem projetando segundo os jornais, grandes prédios de apartamentos na Av. Getúlio Vargas, isso aqui não parece ser aconselhável, em igual escala, pois as nossas condições são outras.
Contudo, demonstrando respeito às tendências arquitetônicas e urbanísticas modernas para a resolução da moradia popular e coletiva e não querendo se posicionar totalmente contrário à verticalização das moradias coletivas, o Engenheiro propõe a diminuição da altura das edificações e um afastamento maior uma da outra.
Explica o Engenheiro:
Por outro lado, a tendência moderna de agrupar as residências coletivas em grandes prédios, em vez de espalhá-las pelo terreno, com é a deste projeto, não deve ser impedida, mas pode ser atenuada pela imposição dos supremos interesses da coletividade, que são os da cidade. Isso se pode fazer desde que se atenda às exigências do Engenheiro Lodi e as sugestões do Engenheiro Lefévre, diminuindo razoavelmente a altura dos grandes blocos e afastando-os mais convenientemente, de modo a não provocar uma densidade de população excessiva. Não será tão econômico para os Industriários mas sim mais conveniente para a Municipalidade (...) – A. M. Tomassini – Engo. Ch. Into. – Obras-1.
Vale ressaltar que outras propostas arquitetônicas e de localização de construção foram apresentadas pelo mesmo IAPI e demais institutos (de Previdência do Estado de São Paulo; dos Comerciários; dos Empregados em Transportes e Cargas; dos Bancários; da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários). A seguir reproduzimos duas plantas de modelos de construção apresentadas para a aprovação da Prefeitura Municipal pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários-IAPB em 1 de março de 1948.
Denominadas como “blocos residenciais” pelo Engenheiro Arquiteto Responsável do projeto, Marcial Fleury de Oliveira, as edificações localizadas entre a Avenida Água Funda e Rua Santa Cruz, no Bosque da Saúde, foram classificadas como “casas populares” pelo Engenheiro Chefe Interino-Urbi-2 Carlos Lodi. Seria construído um conjunto residencial com sessenta e duas residências de tipos A e B.
Pelas imagens visualiza-se que os prédios propostos pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários possuíam três andares de uso exclusivo para habitação. Portanto, apesar da verticalização, arquitetônica e urbanisticamente diferenciava-se do projeto do Conjunto Habitacional da Várzea do Carmo.
Em 26 de abril de 1949, foi a vez do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – IPESP solicitar alvará de licença para a construção de cinquenta e duas “casas em terreno de sua propriedade, situado à Rua Costa Carvalho e Rua Projetada, entre as Ruas Marcos de Azevedo e Itamirindyba, em Pinheiros. A obra ficaria a cargo da Sociedade Anônima Construtora Arnaldo Maia Lello e as edificações constituiriam sobrados para uso exclusivo como moradia unifamiliar. No dia 19 de setembro do mesmo ano, o IPESP protocola outra solicitação substituindo o projeto original por um novo. A nova proposta ampliava o número de residências de 52 para 63.
Também em 1949, no dia 4 de abril, a Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários de São Paulo Railway, através de seu presidente, Oswaldo Reis Costa, protocola duas requisições de alvará de licença para construção. Uma licença para a construção de onze “prédios de residência” e outro para a construção de doze dessas edificações. Todas as vinte e três construções com dois pavimentos e localizadas no bairro do Ipiranga, entre as Ruas Lino Coutinho e Agostinho Gomes, em terrenos de propriedade da própria Caixa dos Ferroviários, sendo a firma construtora a Sociedade Paulista de Construções Civis.
Assim, os processos administrativos aqui discutidos permitem novamente destacar que existiam propostas diferenciadas de construção, como em outros momentos na cidade de São Paulo, para a chamada habitação popular quanto à arquitetura e à localização. Portanto, soluções urbanísticas distintas, apesar de uma forte tendência à construção verticalizada, particularmente nas áreas mais próximas do centro e de suas adjacências.
1.2. Habitação popular e a arquitetura moderna
Essa tendência à verticalização como solução para a moradia e de atribuir múltiplos usos ao próprio prédio habitacional e/ou de edificações complementares, apesar das críticas e ponderações para impor limites, ao que tudo indica também interagia com um contexto de modernização da cidade, desejado por parte dos formuladores dessas construções.
A leitura dos memoriais descritivos apensados nos processos administrativos, referentes às propostas de construção vertical para a habitação no período, assinala para a sintonia entre alguns desses projetos e o ideário das concepções modernas de cidade e de arquitetura expresso no CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna) e exposto na Carta de Atenas, de 1933.
Projetos como o Conjunto da Várzea do Carmo, apresentado pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários – IAPI, em 1944, quando colocados em comparação com as intervenções propostas pelo CIAM, oferecem pistas sobre essa influência. A tendência desse “urbanismo habitacional moderno”, aparentemente presente em alguns dos projetos dos IAPs, era a construção de grandes conjuntos habitacionais de múltiplos usos, através de equipamentos coletivos anexos.
Projetados como unidades de habitação por Le Corbusier “unité d’habitation” , um dos mentores do CIAM, os “conjuntos habitacionais modernos” possuíam uma íntima ligação com as motivações de ordem social pelo fato de construir moradias e outros equipamentos coletivos destinados a atender às demandas do crescimento populacional, do desenvolvimento produtivo, da produção e da reprodução da força de trabalho. No caso das propostas aqui em estudo, essa leitura evidencia-se pela presença dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões como propositores dos projetos.
Os Conjuntos Habitacionais eram pensados como unidades funcionais dentro de um conjunto de funções que constituiriam o espaço urbano, bem como a atuação e pensamento sobre ele: o urbanismo. Essa leitura funcional sobre a cidade e a habitação fica clara nos seguintes trechos e tópicos da Carta de Atenas de 1933:
77 - As chaves do urbanismo estão nas quatro funções: habitar, trabalhar, recrear-se (nas horas livres), circular. (...)
78 - Os planos determinarão a estrutura de cada um dos setores atribuídos às quatro funções-chave, e eles fixarão suas respectivas localizações no conjunto. Desde o congresso dos CIAM, em Atenas, as quatro funções-chave do urbanismo reivindicam, para manifestar-se em toda a sua plenitude e trazer ordem e classificação às condições habituais de vida, trabalho e cultura, disposições particulares que ofereçam a cada uma delas as condições mais favoráveis ao desenvolvimento de sua atividade própria. (...)
84 - A cidade, definida desde então como uma unidade funcional, deverá crescer harmoniosamente em cada uma de suas partes, dispondo de espaços e ligações onde poderão se inscrever equilibradamente as etapas de seu desenvolvimento. (...)
De acordo com a carta do CIAM, a moradia teria uma função no quadro de constituição da cidade. Ela seria a “célula social” primordial do urbanismo, necessitando de complementos externos voltados à educação, ao comércio e ao lazer.
Esclarece ainda a Carta de Atenas:
88 - O número inicial do urbanismo é uma célula habitacional (uma moradia) e sua inserção num grupo formando uma unidade habitacional de proporções adequadas.
Se a célula é o elemento biológico primordial, a casa, quer dizer, o abrigo de uma família, constitui a célula social. A construção dessa casa, há mais de um século submetida aos jogos brutais da especulação, deve torna-se uma empresa humana. A casa é o núcleo inicial do urbanismo. Ela protege o crescimento do homem, abriga as alegrias e as dores de sua vida cotidiana. Se ela deve conhecer interiormente o sol e o ar puro, deve, além disso, prolongar-se no exterior em diversas instalações comunitárias. Para que seja mais fácil dotar as moradias dos serviços comuns destinados a realizar comodamente o abastecimento, a educação, a assistência médica ou a utilização dos lazeres, será preciso reuni-las em "unidades habitacionais" de proporções adequadas.
89 - É dessa unidade-moradia que se estabelecerão no espaço urbano as relações entre a habitação, os locais de trabalho e as instalações consagradas às horas livres.
A primeira das funções que deve atrair a atenção do urbanismo é habitar e... habitar bem. (...)
Comparando-se esse trecho às proposições presentes em projetos como o do Conjunto Habitacional da Várzea do Carmo, percebe-se a influência do CIAM nas intenções e iniciativas sobre a moradia popular em São Paulo. Da mesma forma, faz lembrar de muitas das proposições apresentadas durante o I Congresso de Habitação (1931) e Jornada de Habitação Econômica (1941).
Para efetivar tais propostas, segundo o CIAM, os arquitetos teriam que lançar mão das técnicas modernas de construção. Técnicas essas que potencializavam cada vez mais a construção vertical:
90 - Para realizar essa grande tarefa é indispensável utilizar os recursos da técnica moderna. (...)
As modernas técnicas de construção instituíram novos métodos, trouxeram novas facilidades, permitiram novas dimensões. Elas abrem verdadeiramente um novo ciclo na história da arquitetura. As novas construções serão não somente de uma amplitude, mas, ainda, de uma complexidade desconhecidas até aqui. Para realizar a tarefa múltipla que lhe é imposta, o arquiteto deverá associar-se a numerosos especialistas em todas as etapas do empreendimento (Carta de Atenas, 1933).
Esse ideário do CIAM, embora já presente no I Congresso de Habitação (1931) e na Jornada de Habitação Econômica (1941), aparentemente, marcou algumas das propostas implementadas a partir das décadas de 1940 e 1950 em São Paulo, pelo menos parcialmente. A preocupação com a racionalidade e com a modernidade nos conjuntos propostos pelos Institutos e Caixas de Previdência e Pensões, na nossa compreensão, incorporou muito das propostas modernistas de moradia popular vertical.
A busca de soluções habitacionais verticais para maximizar recursos e aproveitar terrenos próprios conduziu à racionalização das tipologias e dos processos construtivos. Pensamos que o objetivo era produzir moradia padronizada e homogenia em larga escala. Postura que já era defendida no I Congresso de Habitação (1931). Segundo o eng. Armando Arruda Pereira, ao discutir os tipos de materiais de construção, era necessário “um maior controle fiscal na fabricação desses materiais nas industrias”. Para Pereira, a padronização seria “a arte ou o processo de fixar dimensões, quantidades, qualidades ou valores estabelecidos por lei, uso geral ou acordo”. Deste modo, “a padronização se resumiria em uniformidade, simplificação, economia e eficiência”.
Nesta direção a unité d’habitation de Le Corbusier, aproximava-se bastante de algumas das propostas já existentes em São Paulo. Comparando-se as duas imagens na sequência, são perceptíveis as semelhanças. A primeira é um desenho de uma unité d’habitation criada por Le Corbusier, em Marselha (1947-1952).
A próxima imagem é uma maquete do Edifício Japurá, do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários - IAPI, projetado por Eduardo Kneese de Mello, na década de 1940. Construído em meados da década de 1950, no lugar de um grupo de cortiços (Navio Parado, Vaticano, Pombal e Geladeira) na região do Bexiga, o edifício possuía 288 apartamentos, divididos em quatorze andares.
Na nossa compreensão, as semelhanças arquitetônicas são visíveis nessas duas edificações. Entre elas, além da evidente verticalização, pode-se ressaltar a impressão de um imenso bloco, que seria a residência, e os “pilotis” no pavimento térreo dos dois conjuntos. Cabe também destacar que a utilização de “pilotis” também foi proposta na construção do Conjunto Habitacional da Várzea do Carmo, representando portanto, uma provável característica dessa tipologia construtiva.
Contudo, edificações como essas não eram unanimidade para a resolução da habitação popular, sendo duramente criticadas por aqueles que discordavam tanto desse padrão arquitetônico como de seu resultado urbanístico. Voltando ao Processo Administrativo n.º 62631/44 do Conjunto Habitacional da Várzea do Carmo, de 11 de agosto de 1944, o tom de alguns pareceres quanto à tipologia das construções propostas torna claras as divergências arquitetônicas-urbanísticas. Os dois trechos na seqüência, apesar de não tratarem das imagens expostas anteriormente, podem ser lidos em comparação a essas gravuras.
No primeiro trecho, o Engenheiro Rogério Cezar Filho, em seu parecer escrito em 10 de janeiro de 1942 e dirigido ao Engenheiro Chefe Interino de Obras-1, A. M. Tomassini, escreve o seguinte sobre o Conjunto Habitacional da Várzea do Carmo:
O estudo impressiona evidentemente, bem de um modo geral, sobretudo pela magnitude do projeto mas também pela apresentação.
Entretanto, nota-se a falta de uma ideia central que empresta ao conjunto um merecimento especial. Na realidade, a impressão é sobretudo de monotonia quase uma lembrança das grandes penitenciárias. Essa impressão começa na planta de conjunto e afirma-se na consideração das “maquetes”. Não há encanto particular.
Como disposição o centro comercial está deslocado sem justificativa. Falta um amplo sistema de recreio perfeitamente possível no conjunto.
Num tom semelhante, em 23 de janeiro de 1942, o Engenheiro Heitor Nardow chega a questionar a postura de quem projetou a proposta. Em seu parecer enviado ao Engenheiro Chefe de Serviços, explicando sua análise quanto ao termo “habitação confortável”, algo ausente na proposta do “Conjunto”, o Engenheiro esclarece:
Na realidade não se trata de condição imperativa, consequência de dedução científica; trata-se, em verdade, de pura e simples comodidade de quem projeta; realizado que seja um plano, o autor, com raras exceções, julga ter atingido a perfeição não admitindo variações ou sugestões; fica por assim dizer obcecado pela ideia, que o impede de “ver” outras soluções; daí então, argumentar “vagamente” ter havido a preocupação de projetar uma habitação sadia, higiênica, confortável e econômica. Do exame das plantas verifica-se, e mais se concretiza nossa impressão de não ter sido o plano estudado com o “carinho” e as “preocupações” cita.
Apesar dessas “duras” críticas, em nosso estudo sobre os processos administrativos, acompanhamos que, dependendo do período no qual os projetos eram analisados, ocorriam contradições entre os técnicos do próprio poder público, podendo as propostas e os projetos obter pareceres deferindo, indeferindo e/o revisando as soluções arquitetônicas e urbanísticas apresentadas. A título de exemplo, reproduzimos a seguir partes de uma solicitação do mesmo IAPI, protocolada em 14 de novembro de 1952, que reivindicava ao Secretário de Obras do período a revisão do parecer de seu antecessor em 15 de janeiro de 1951. O parecer anterior negava a substituição de plantas dos Edifícios de tipo “A” do Conjunto Residencial da Várzea do Carmo. No trecho a seguir vale atentar que a justificativa menciona os referidos “pilotis”. Segundo o IAPI, o pedido foi indeferido:
... sob a alegação de que os banheiros apresentavam ventilação forçada por meio de poços, vem, salientando, que o prédio será construído sobre “Pilotis” e a areação dos poços desta forma será livre...
O novo Secretário, Pedro França Pinto, em 14 de janeiro de 1953, demonstrando uma outra postura em relação à esse tipo de construção, considerou como exagerado o indeferimento de seu antecessor:
Tal despacho foi exagerado à vista das informações contrárias à aceitação da forma de ventilação adotada para as instalações sanitárias do prédio projetado. Entretanto, estando essa ventilação prevista em condições muito favoráveis, visto que o poço tem abertura na base, onde o prédio assenta sobre colunas, e ser essa solução prevista no novo Código de Obras já encaminhado à aprovação superior, esta Secretaria é favorável à acolhida do que se requer na inicia (...)
Realçamos que, ao que tudo indica, não havia unanimidade nas soluções para a superação do déficit habitacional em São Paulo. O poder público refletia as divergências arquitetônicas e urbanísticas então existentes.
Contudo, a construção de Conjuntos Habitacionais verticalizados assinala para a concretização de uma das formas de construir a chamada moradia popular, implementada particularmente nos bairros e regiões próximas ao centro da cidade e antigos núcleos industriais e operários. Ao que tudo indica, como discutimos no segundo capítulo deste trabalho, havia a ambição de modernização dessas áreas objetivando uma intervenção nos espaços da cidade para adaptá-la à racionalização da produção capitalista. Assim, essa modernização era também relativa à procura pelo controle sócio-espacial e urbanístico-arquitetônico daqueles espaços, objetivando ao mesmo tempo a sua valorização imobiliária. Papel exercido pelo poder público, pelos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões, pelas construtoras responsáveis das obras e pelos engenheiros e arquitetos.
Cabe questionarmos se a quantidade e os custos desses projetos permitiram acesso aquisitivo àqueles a quem supostamente eram destinadas as construções apresentadas como econômicas: as camadas populares. Ou mesmo, se aqueles cujos nomes fazem parte da denominação dos próprios Institutos e Caixas de Pensões e Aposentadorias (Bancários, Industriários, Comerciários, Empregados em Transportes e Cargas, Ferroviários, Empregados em Serviços Públicos) teriam acesso a essas habitações.
1.3. Hierarquização de espaços e pessoas
A divisão tipológica das construções (A, B, C, etc.), a escolha do material de construção, a quantidade de pavimentos e cômodos, o tamanho da área ocupada, a localização, entre outros aspectos, ao mesmo tempo que assinalavam para a diversidade das soluções construtivas influenciadas pela arquitetura moderna (CIAM), eram elementos que apontavam para uma possível hierarquização do tipo de habitação chamada de “popular” no período. Nesse sentido, diferenciavam-se e hierarquizavam-se também aqueles que seriam os moradores desejados nessas construções.
Pensamos que as opções arquitetônicas e urbanísticas, isto é, as escolhas da tipologia construtiva, transfiguravam-se também em opções socioculturais e econômicas de acordo com o tipo de morador desejado nos lugares onde seriam construídas essas habitações em São Paulo, que combinavam com a ambição de cidadão e cidade moderna e supostamente racionalmente projetada, auxiliando na consolidação de um mercado de trabalho e no controle sobre os trabalhadores. Assim como a moradia, existiram moradores tipo A, B, C, conforme os custos exigidos para a aquisição da construção. Ao mesmo tempo, haveria aqueles que estariam até mesmo fora dessa categorização e padrão, o que conduziria à hierarquização e segregação sócio-espacial nessas construções e na cidade.
A qualidade arquitetônica e urbanística das edificações denominadas populares, conforme os processos analisados, possivelmente não era compatível com a renda de muitas das parcelas das chamadas camadas populares da população, especialmente aquelas que habitavam outros tipos de moradia coletiva, como os cortiços. Importa destacar que na documentação estudada (anais do I Congresso de Habitação (1931) e Jornada de Habitação Econômica (1941); boletins, revistas, jornais, decretos, leis e processos administrativos) não encontramos uma definição precisa do termo popular, quando aplicado nos discursos e iniciativas sobre a habitação. Contudo, na leitura dessas mesmas fontes transparece a relação entre a palavra popular e as categorias profissionais representadas pelos Institutos e Caixas de Pensões e Aposentadorias.
Durante a Jornada de Habitação Econômica (1941), em sua exposição defendendo a participação dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões na construção da moradia popular, o Prof. Francisco D´Auria fortalece essa relação entre a palavra popular e as categorias profissionais representadas por aquelas instituições. Assinala o D´Auria: “As Caixas Econômicas, as Caixas de Pensões, os Institutos de Previdência e as Companhias de Seguros deveriam, por lei, ter suas carteiras prediais destinadas para a construção de casas populares ...”
Desse modo, no período em estudo, pelo menos de acordo com a nossa compreensão da documentação pesquisada, existia uma relação entre o termo popular e certas categorias profissionais reconhecidas como “formais” e “legais”, em nome das quais as Instituições e Caixas de Aposentadorias e Pensões apresentavam seus projetos de habitação denominados também de “populares”. Os termos “formais e legais” decorrem das exigências também “legais e formais” para o reconhecimento do trabalhador como um contribuinte e “beneficiário” dos Institutos ou Caixa de Previdência e Pensões. Isto é, o trabalhador precisava de um vínculo empregatício reconhecido por lei relativo às categorias profissionais representadas por essas instituições.
A título de demonstração, o Art. 2º. do Decreto n.º 24.615, de 09 de julho de 1934, criando o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB), dispõe:
Art. 2º. São obrigatoriamente associados do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários e, neste caráter, seus contribuintes:
a) todos os empregados, sem distinção de sexo, nem de nacionalidade, que, sob qualquer forma de remuneração permanente, prestem serviços em bancos ou casas bancárias;
b) empregados do instituto;
c) os empregados dos sindicatos de classe dos bancários, quer de empregados, quer de empregadores (Decreto n.º 24.615 de 09 de julho de 1934, p. 25).
Nessa mesma direção, o Decreto-Lei n.º 9.218, de 1º de maio de 1946, autorizando a instituição da Fundação da Casa Popular e enquadrando as “operações imobiliárias e o financiamento das carteiras prediais dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões nas condições e instruções do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio”, esclarece:
Art. 60. A preferência para aquisição ou construção de moradia será estabelecida entre os candidatos, na proporção seguinte:
a) trabalhadores em atividades particulares. 3;
b) servidores públicos ou de autarquias. 1;
c) outras pessoas. 1 (Decreto-Lei n.º 9.218. 01 de maio de 1946, p. 98).
Ao que tudo indica, a terminologia habitação popular (moradia e/ou casa popular) nos documentos estudados relacionava-se à habitação para os trabalhadores de determinadas categorias profissionais. Portanto, a palavra “popular”, utilizada para definir certos tipos de moradia nos projetos e construções no período, na nossa compreensão, era uma representação relativa a certos trabalhadores (“formais” e “legais”) de alguns dos setores produtivos, comerciais e financeiros, assim como setores da construção civil, de transportes e de serviços públicos: industriários, comerciários, bancários, ferroviários, empregados em transportes e cargas, empregados em serviços públicos, marítimos, etc.
Além desse caráter restritivo da terminologia habitação popular, mesmo considerando que os grandes Conjuntos Habitacionais forneceriam residência a um expressivo contingente de paulistanos, o ritmo de crescimento demográfico da cidade apontava para os limites quantitativos daquelas soluções. A população crescia de maneira significativa no período, mais do que duplicando entre 1930 e 1950.
A título de comparação, entre 1940 e 1950, a população paulistana passou de 1.326.261 para 2.198.096 habitantes, registrando-se um crescimento de 871.835 pessoas. Enquanto isso, conforme dados apresentados por Virgilio Paula Santos na Revista Paulistania em 1952 e apurados junto à Secretaria de Viação e Obras Públicas, à Divisão de Estatística e Documentação Social da Prefeitura Municipal de São Paulo, ao IBGE, ao Sindicato da Indústria de Construções Civis de Grandes Estruturas e às firmas construtoras, naquela data existiam em São Paulo “meio milhão de prédios, sendo 408.833 residenciais, 19.099 industriais, 35.450 comerciais, 12.056 escritórios, 3.266 hospedagem, 1.402 para fins educacionais, 735 para fins sociais, 549 serviços públicos, e 3.663 em aplicações diversas”. Somando os prédios residenciais (408.833) aos de hospedagem (3.266) mesmo assim, por esses dados, é possível perceber que havia uma defasagem entre as construções dedicadas à moradia (cerca de 412.099 ao todo) e o número de habitantes em São Paulo (2.198.096). Desse modo, podemos perceber que o número de construções dedicadas à moradia era quantitativamente limitado.
Baseados na leitura das fontes levantadas, podemos considerar que tanto os agentes construtores como o poder público tinham ciência desse quadro de evolução populacional e dos limites sociais daquelas construções. A título de exemplo, o economista inglês S. Harcourt Rivington (membro da Real Sociedade de Economia de Londres), num artigo intitulado “A Evolução da Indústria X Os ‘Pulmões’ de São Paulo”, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 5 janeiro de 1945, alertava:
Se fizermos um gráfico do desenvolvimento de São Paulo durante os 20 anos passados continuarmos ano após ano, numa continuação do progresso presente (1945), ver-se-á que, em 1980, São Paulo passará da casa dos 4.000.000 de habitantes e será maior do que Paris atual. Será maior, realmente, do que Moscou, Chicago, Shangai, Osaka, Leningrado, Buenos Aires ou São Francisco da Califórnia, e assim será contada entre as grandes cidades do mundo. Que espaços livres haverá para as formigantes milhões de almas de São Paulo?
Tecendo comentários comparativos entre a evolução urbana paulistana e a de Londres e Paris, Rivington destacava que naquelas cidades europeias, desde o “começo do século dezenove” as autoridades já haviam previsto o crescimento demográfico, efetuando adequações nos espaços urbanos. Mesmo reconhecendo algumas iniciativas do poder público paulistano, o economista constatava os limites físicos da cidade e os perigos do adensamento da área central e, portanto, de muitas das propostas para a resolução do déficit habitacional. Rivington solicitava do poder público um planejamento que distribuísse a população paulistana por outros espaços que não a área central e suas proximidades:
Nestes últimos anos se tem feito notar em São Paulo a necessidade de uma administração forte e capaz para dirigir a abertura de novos subúrbios e já têm sido realizados alguns melhoramentos notáveis. Entretanto, as dificuldades são grandes, pois como todos sabem o crescimento da cidade tem sido fenomenal e nas suas primeiras fases foi, infelizmente, acidental, pois ninguém previu as enormes dimensões que a cidade atingiria mais tarde.
Assim como para o economista inglês, deveriam ser perceptíveis os limites do alcance das propostas efetivadas e dos projetos até aqui estudados para supostamente solucionar o déficit habitacional popular da cidade. Alguns dos técnicos do próprio poder público possuíam esta percepção. Voltando ao processo sobre a requisição de autorização para a construção do Conjunto Residencial da Várzea do Carmo, o Engenheiro Rogério Cezar Filho, em seu parecer de 10 de janeiro de 1942 endereçado ao Engenheiro Chefe Interino de Obras-1, A. M. Tomassini, oferece sinais nessa direção.
Escreve Cezar Filho:
Considerado o pedido do ponto de vista de solução parcial para o problema social – mesmo muito restrito – fica a impressão de que as habitações propostas serão inacessíveis à classe, [o Engenheiro refere-se à “classe operária”], porque ou se procura renda para a caixa do Instituto, e não interessa a natureza do inquilino, devendo prevalecer o critério da capacidade de pagamento, em detrimento do operariado, por consequência, ou o emprego do capital será antes um ônus do que um benefício, de vez que, nas condições atuais, os tipos escolhidos não podem ser considerados econômicos em cotejo com as pequenas edificações usuais entre nós.
Pelo parecer de Cezar Filho, a tipologia construtiva daqueles imóveis não atenderia sequer a finalidade de sua construção: propiciar moradia àqueles que compunham o nome do proponente – os industriários. As soluções técnicas para a construção do “Conjunto” tornariam “inacessíveis” aquela habitação aos próprios industriários.
Cabe lembrar que a atuação dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões na construção da moradia popular foi defendida na Jornada de Habitação Econômica (1941), entre outros, por Roberto Simonsen, Ubirajara D. Zogaib e Prof. Francisco D´Auria. Para eles, essas instituições seriam financiadoras da habitação popular e contribuiriam para resolver o problema social e urbano do déficit de moradia econômica. Ao mesmo tempo, beneficiariam as construtoras pela evolução da demanda e fortaleceriam o controle das empresas sobre os trabalhadores pelo fato destes dependerem de seus salários e vínculos empregatícios para serem vinculados ao sistema de contribuição dos Institutos Previdenciários. Da mesma forma, ficaria isento o Estado da obrigatoriedade de recursos diretos para a construção.
Contudo, relendo a defesa de algumas dessas teses apresentadas durante a Jornada de Habitação Econômica (1941), como a do Prof. Francisco D´Auria, já é perceptível a necessidade de aumentar a exigência legal em relação à destinação das arrecadações dessas instituições para a habitação popular. Esclarece D´Auria:
As Caixas Econômicas, as Caixas de Pensões, os Institutos de Previdência e as Companhias de Seguros deveriam, por lei, ter suas carteiras prediais destinadas à construção de casas populares, ou para alugá-las ou para propiciar a aquisição aqueles que a merecem, por seu trabalho honesto, e para assegurar a tranquilidade e o bem estar da família brasileira.
Assim, se por um lado a leitura dos processos administrativos que apuramos, envolvendo o requerimento de alvará dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões para a construção da chamada “moradia popular”, permite-nos destacar que a efetivação dessas instituições teve uma atuação limitada a algumas categorias profissionais, não atingindo parcelas das camadas populares dos paulistanos; ao mesmo tempo, possibilita-nos inclusive aventar que, em certos casos, especialmente nas propostas referentes à construção do Conjunto Habitacional da Várzea do Carmo, algumas dessas instituições (nesse caso específico, o IAPI) possuíam outros objetivos que não somente propiciar moradia aos trabalhadores de quem obtinham os recursos para seus projetos.
O parecer do Engenheiro Rogério Cezar Filho, em 10 de janeiro de 1942, permite ponderações nesse sentido. O engenheiro chegou a propor a “inversão” dos investimentos que seriam empregados na construção daquele Conjunto Habitacional para outro tipo de moradia, provavelmente as “pequenas edificações”. Cezar Filho recomendava o seguinte:
Assim, com a mesma inversão do capital, poderia o Instituto obter muito maior número de habitações para os seus contribuintes.
O IAPI, além de proprietário de terrenos, apresentava-se como construtor, possuindo em seus quadros administrativos um “Serviço de Engenharia”, cujo responsável em 1944 era o Engenheiro Vicente Campos Paes Barreto. A impressão que fica é que, particularmente no caso do IAPI, havia uma atuação dessa instituição como um verdadeiro agente imobiliário, construtor e, conforme assinala o Engenheiro Rogério Cezar Filho, rentista.
Criado pela Lei n.º 367, de 31 de dezembro de 1936, o IAPI, então sediado no Rio de Janeiro, segundo a definição do seu delegado em São Paulo em 1952, Raphael dos Santos Tavares, era um “órgão paraestatal, subordinado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, por intermédio do Conselho Nacional do Trabalho, como todos os Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões. Essas instituições eram principalmente “destinadas a conceder aos seus associados o benefício da aposentadoria e aos herdeiros, o da pensão”, conforme o Decreto n.º 24.615, de 9 de julho de 1934, que criou o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (Decreto n.º 24.615 de 09 de julho de 1934, p. 25).
De acordo com nossa pesquisa junto aos processos administrativos, em interação com outras fontes, podemos constatar que, no caso paulistano, especialmente a partir da década de 1940, após os eventos sobre a moradia, os Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões cada vez mais se inseriram na atuação da construção da chamada “habitação popular”. Assim, a verba destinada por essas instituições para construção da moradia social tornou-se em São Paulo uma de suas possíveis ações, ganhando grande importância interna a ponto de possuírem, em seus quadros, como no caso dos IAPI, engenheiros e um “Serviço de Engenharia”.
Do mesmo modo, a participação dessas instituições previdenciárias ganhou projeção no contexto urbano e social da cidade de São Paulo, vide a quantidade e qualidade das propostas apresentadas. Uma demonstração e reconhecimento disso, além dos processos administrativos, foi o Decreto-Lei n.º 9.218, de 1 de maio de 1946, que autorizava a instituição da “Fundação da Casa Popular” e procurava enquadrar as “operações imobiliárias e o financiamento das carteiras prediais dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões”, que certamente cresceram no período.
Contudo, pelos documentos estudados e conforme o que discutimos até aqui, os projetos e iniciativas dos Institutos e Caixas de Pensões e Aposentadorias no âmbito da habitação popular possuíram um caráter hierarquizado e quantitativamente e qualitativamente limitado. Em alguns casos, tiveram até outros objetivos, como possibilita-nos ponderar o parecer do Engenheiro Rogério Cezar Filho sobre o Conjunto Habitacional da Várzea do Carmo, anteriormente citado.
Nesse sentido, a atuação dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões na construção da habitação popular na cidade de São Paulo também, aparentemente, promoveu a diferenciação das soluções construtivas e a hierarquização dos tipos de construções, moradores e espaços, não constituindo alternativa para grande parte das camadas populares paulistanas legal e formalmente desvinculadas daquelas instituições.
1.4. Cortiços, vilas e periferia
Seguindo o relatório sobre levantamento realizado pelo Serviço de Saúde no Distrito de Santa Ifigênia, apresentado por Maria Antonieta de Castro na Revista do Arquivo Municipal em 1944 (mesmo ano em que foi protocolado o processo de permissão para a construção do Conjunto Habitacional da Várzea do Carmo – IAPI), havia na região cerca de 116 cortiços, que abrigavam 2.129 pessoas. Por esses números é perceptível que parte da população paulistana em algumas áreas do núcleo central da cidade, adjacências e nos bairros descritos como operários ainda morava em condições consideradas “irregulares” e/ou “impróprias” pelos próprios pesquisadores.
Do mesmo modo, as casas para operários construídas próximas às fábricas também continuaram existindo, mesmo após o surgimento dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões. Oracy Nogueira, um dos diretores da Escola de Sociologia e Política de São Paulo – ESP, contribui com essa compreensão. Relatando em, 1949, pesquisa sobre a “distribuição residencial dos operários de um estabelecimento industrial de São Paulo”, feita pela ESP, financiada pelo Departamento Regional do Serviço Social da Indústria, destaca que, após selecionar três fábricas têxteis para estudo, “situadas no Ipiranga, outra no bairro do Hipódromo e no bairro do Belenzinho”, constatou o seguinte sobre a habitação daqueles trabalhadores:
Uma vez localizadas na planta da cidade as residências dos operários dos três estabelecimentos mencionados, constatou-se que tanto os da fábrica do bairro do Hipódromo como os do estabelecimento do Ipiranga se distribuíam, em sua grande maioria, em duas áreas contínuas aos respectivos estabelecimento, havendo, ao mesmo tempo, nas vizinhanças destes, núcleos mais ou menos compactos de residências. Uma entrevista com os diretores de cada uma dessas organizações foi suficiente para esclarecer que essa configuração era grandemente influenciada, no caso do estabelecimento do Ipiranga, pela existência de vilas operárias mantidas pela própria firma nas imediações da fábrica, ao passo que no caso do segundo a distribuição se havia produzido sem qualquer interferência ou planejamento por parte dos administradores da empresa.
Portanto, muitos trabalhadores da cidade, pelo menos até a segunda metade da década de 1940, habitavam moradias típicas das vilas operárias. Ao que tudo indica, tanto os cortiços como as vilas operárias continuaram representando alternativas de moradia para as parcelas da população excluídas das propostas de construção projetadas e efetivadas pelos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões.
Continuando a leitura dos resultados da pesquisa relatada por Oracy Nogueira, é possível apreender também uma outra forma de morar dos paulistanos: os bairros mais distantes do núcleo central da cidade e de suas adjacências, conhecidos como periferia. Explica Oracy Nogueira sobre a terceira fábrica da sua pesquisa: “isto é, a do Belenzinho, a configuração da distribuição da residência de seus operários contrastava com a das anteriores pelo fato de abranger uma área geográfica muito mais ampla”.
Sem esclarecer a quantidade de trabalhadores por bairros, a pesquisa revela que entre os operários daquela fábrica no Belenzinho existiam 571 endereços diferentes. Entre os bairros mencionados, com predomínio dos localizados na região leste da cidade, aparecem: Canindé, Braz, Pari, Cambuci, Vila Maria, Mooca, Vila Prudente, Vila Formosa, Vila Luzitana, Vila Carrão, Vila Manchester, Vila Talarico, Vila Matilde, Vila Marieta, Vila Esperança, Vila Ré, Tatuapé e Penha.
Comparando as informações da pesquisa de Oracy Nogueira com o Quadro Populacional III (apresentado no primeiro capítulo) sobre o crescimento da população da cidade segundo os distritos e subdistritos (1934-1940-1950), apreende-se a forte tendência para a periferização da população paulistana nas áreas mais distantes da região central, de seus arredores e dos antigos bairros industriais (Braz e Belém, entre outros). A título de demonstração, enquanto o Belenzinho (lugar da fábrica pesquisada por Oracy Nogueira) demograficamente passou de 61.749 habitantes em 1940 para 63.435 em 1950, o bairro da Penha de França, no mesmo período, de 44.369 habitantes em 1940 atingiu o número de 82.814 em 1950.
Relendo o artigo do economista inglês S. Harcourt Rivington, escrito em 5 de janeiro de 1945, podemos perceber que, além de contribuir para a compreensão dos limites topográficos da cidade e dos riscos do adensamento do centro paulistano, o autor, ao apresentar a criação de subúrbios bem estruturados na periferia da cidade como solução para a moradia da população paulistana, também possibilitou reforçar essa tendência à periferização.
Contudo, Rivington reconheceu que, apesar da beleza e modernidade de alguns dos subúrbios paulistanos já existentes (provavelmente o autor estava referindo-se aos “bairros- jardins” Jardim América, Alto da Lapa, Pacaembu, Alto de Pinheiros, Butantã), estes eram de “pouco valor para os moradores dos bairros superlotados mais antigos”. Segundo o autor, a periferia da cidade estava entregue aos “industriais e construtores especuladores”, constituindo novas áreas.
Para o economista inglês:
São Paulo estava destinada a uma rápida industrialização, e antes da próxima geração chegar à velhice, milhares de novas fábricas terão, provavelmente, aparecido na atual periferia da cidade e uma dúzia ou mais de novos subúrbios estão surgindo. (...) Os industriais e os construtores especuladores, já estão em trabalho, ponteando os campos adjacentes com fábricas e ruas. À medida que a cidade de São Paulo com toda a probabilidade, se desenvolver e se tornar a maior cidade da América do Sul, a importância da localização das futuras fábricas e dos novos subúrbios industriais se torna mais evidente.
As palavras de Rivington, somadas aos dados populacionais e à pesquisa de Oracy Nogueira, permitem assinalar que, além das propostas dos conjuntos habitacionais e da continuidade da existência de cortiços e vilas operárias, grande parte da cidade e de sua população constituem um outro tipo de ocupação habitacional. Também de características populares, ocorria o crescimento da periferização da moradia, sobretudo o da popular.
Diferenciada do conceito dos conjuntos habitacionais, das vilas operárias e dos bairros-jardins, em relação à localização e estrutura urbana, a moradia na periferia, além da distância dos bairros industrializados e do núcleo central da cidade, provavelmente estava entregue à especulação, aos loteamentos clandestinos e à falta de acesso à infra-estrutura urbana. Essa compreensão surge a partir das palavras de Rivington, bem como da ausência de informações do poder público em parte da documentação estudada, como os processos administrativos. Da mesma forma, não encontramos a discussão das habitações periféricas entre as principiais preocupações dos participantes do I Congresso de Habitação (1931) e da Jornada de Habitação Econômica (1941). Com raras exceções, a exemplo do relato de Oracy Nogueira, foi possível encontrar indicativos sobre a moradia na periferia paulistana.
Assim, é perceptível que os discursos e iniciativas apresentadas como técnicas, racionais-científicas e modernizadoras, solicitando a presença do Estado, presentes nos eventos de 1931, 1941 e nos projetos e incitativas dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, possuíram alcance social e espacial limitado. Realizados em nome da moradia popular, as intervenções e projetos ficaram restritos a alguns espaços da cidade e algumas parcelas da população. Portanto, não incluíram em suas propostas e ações a habitação para uma população de baixos salários e/ou fora dos padrões dos trabalhadores considerados “formais e legalizados”.
Todavia, como discute Michel de Certeau, “a linguagem do poder 'se urbaniza', mas a cidade se vê entregue a movimentos contraditórios que se compensam e se combinam fora do poder panóptico”. Pensamos como Certeau. No caso da habitação social em São Paulo, parte significativa da população no período aqui discutido construiu formas diferentes daquelas propostas pelo poder público, pelas instituições organizadoras dos eventos sobre a habitação (Instituto de Engenharia e Idort), pelas construtoras privadas e pelos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões.
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018
Inundação da Várzea do Carmo, São Paulo, Brasil (Inundação da Várzea do Carmo) - Benedito Calixto
Inundação da Várzea do Carmo, São Paulo, Brasil (Inundação da Várzea do Carmo) - Benedito Calixto
São Paulo - SP
Museu Paulista, São Paulo, Brasil
OST - 125x400 - 1892
O quadro Inundação da Várzea do Carmo, pintado por Benedito Calixto em 1892, é um óleo sobre tela de 125 centímetros de altura por 400 centímetros de comprimento. Ele retrata, em grandes dimensões e com riqueza de detalhes, o centro de São Paulo no fim do século XIX, pouco antes da modernização paulista por conta do comércio voltado ao café. Nele, um problema recorrente da época: a cheia do Rio Tamanduateí, e seu transbordamento, que atinge uma área de grande importância econômica. Por suas dimensões e detalhes, a obra é considerada um documento iconográfico da cidade.
O quadro faz parte do acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, ou Museu do Ipiranga.
A obra é uma visão panorâmica, vista de uma colina, provavelmente da região do Pátio do Colégio, no centro de São Paulo. Calixto detalha minuciosamente a época de cheia da Várzea do Carmo, mostrando a presença do Rio Tamanduateí no cotidiano da cidade, retratada em pleno funcionamento. É importante frisar que, mesmo a cidade sendo retratada ativamente, o pintor é conhecido por registros documentais, por meio de pinturas históricas, o que significa que seus quadros normalmente não possuem movimento, são "paralisados" em um determinado momento. É como se a pintura fosse, na realidade, uma fotografia. Há grande preocupação com o realismo, uma tentativa de reconstruir o lugar e o momento retratado.
No primeiro plano, casas, árvores, plantas e, à esquerda, um mercado, que hoje é o Mercado Municipal de São Paulo. Este é representado ativo, com barracas, pessoas, cavalos e carroças. Mais uma vez, apesar desse funcionamento, pode-se ver que as pessoas, carroças e cavalos estão parados no momento. Por conta disso, a artista plástica Ruth Sprung Tarasantchi critica que Calixto não soube retratar bem cavalos nem cachorros. Para ela, o animal melhor retratado pelo pintor eram as vacas.
Ainda à esquerda da obra, há a fábrica de tecidos do Major Diogo de Barros, ao fundo, com diversas chaminés soltando fumaça. No centro, as casas ocupam o espaço que hoje é conhecida pela Rua 25 de Março.
Em segundo plano, o Rio Tamanduateí inundando a Várzea do Carmo, mais especificamente a região que hoje é o Parque Dom Pedro, com duas estradas retilíneas, que o cortam. Nelas, pessoas cruzam com suas carruagens.
Por ser uma visão panorâmica, é possível ter uma ideia da amplitude da cidade, com detalhes do horizonte urbano e paisagístico. É o que acontece no segundo plano, por exemplo, onde é representado o bairro do Brás. À distância, é possível ver casas e fumaça saindo de algumas chaminés, além do horizonte. À esquerda, ainda no terceiro plano, está a Serra da Cantareira.
Benedito Calixto fez, nesta obra, com que o Rio Tamanduateí adquirisse o papel principal. Antes, os rios eram retratados em pequenos suportes. Esta era uma característica do artista - mesmo tendo estudado na França e conhecido inúmeros outros pintores, não se deixava influenciar pelos seus estilos. A autora Ana Cláudia Fonseca Breve, no entanto, tem outra visão da obra: o Rio Tamanduateí, nas palavras dela, é "um imenso território vazio que fica entre o centro de São Paulo e o Brás, não sendo um objeto principal, mas sim a falta dele.
No século XIX, com a vinda da família real portuguesa para o Brasil e a transformação de colônia para capital, investimentos em diversos campos foram realizados, incluindo o das artes. Isso fez com que artistas franceses viessem ao Brasil na chamada Missão Artística Francesa. Neste contexto, as obras de Benedito Calixto fizeram sucesso, fazendo com que ele fosse convidado a ir estudar arte em Paris, em 1883.
Calixto não tinha frequentado nenhum ateliê ou a Academia Imperial de Belas Artes, do Rio de Janeiro, como grande parte dos artistas brasileiros. Na França, ficou apenas um ano, não conseguindo se adaptar à vida parisiense. No entanto, de lá trouxe a paixão pelo estudo da tradição e da história.
No final dos oitocentos, Benedito Calixto se preocupou em construir uma carreira voltada para organizações ligadas à esfera pública e seus interesses. Dessa forma, ele focou no mercado da arte preocupado em enaltecer, de um lado, o passado local e, de outro, o progresso - principalmente o urbanismo. Havia certa movimentação em torno das artes em São Paulo nessa época. Os artistas recebiam críticas, diversos jornais abriam espaço para divulgações, as questões artísticas circulavam na opinião pública, ou seja, o público comprador de arte e o número de exposições - além da cobertura da imprensa - era alto.
Como já dito, as pinturas de Calixto tinham forte influência do realismo e da fotografia. Da sua viagem a Paris, o artista trouxe uma câmera fotográfica, que o auxiliava em suas obras. Seguindo nesta linha, as pinturas de rua e paisagens de Calixto são baseadas em fotos tiradas pelo fotógrafo Militão Augusto de Azevedo, que eram reproduzidas em revistas.
Nesse contexto, mais especificamente em 1895, Calixto se associou ao Instituto Histórico Geográfico de São Paulo (IHGSP), instituição de suma importância para a consolidação de seu pensamento histórico. Lá, se envolveu em algumas polêmicas pois a preocupação do artista não era somente estética ou retórica, ele queria compreender documentos históricos.
A região retratada por Benedito Calixto, em 1892, era conhecida como principal ponto de comércio de São Paulo. Era ali que moradores da capital se reuniam para comercializar seus produtos, que iam desde medicamentos, artesanatos, madeiras, até produtos agrícolas específicos. O mercado, pintado à esquerda da imagem, ficou conhecido como "Mercado dos Caipiras", pois, como já mencionado, era um ponto de referência, onde moradores de áreas mais distantes como Penha, Nossa Senhora do Ó, Santana, Santo Amaro e Guarulhos costumavam se encontrar. Os produtos chegavam por meio de barcos que atracavam nas margens do Rio Tamanduateí, numa região conhecida como "Porto Geral" - onde hoje se localiza a ladeira de mesmo nome. A comercialização dos produtos ocorria tanto no espaço do mercado quanto no meio da rua - o segundo barateava o preço de alguns produtos.
É importante ressaltar que esta região não era bem vista por autoridades ou membros de classes sociais elevadas. Por conta das cheias do rio, proliferavam-se mosquitos e, consequentemente, doenças. Além disso, como já mencionado, o ponto de comércio de São Paulo envolvia pessoas das mais diversas origens, o que, novamente por parte de autoridades ou membros de classes sociais elevadas, era motivo de estranhamento e receio.
Dentre essas pessoas, encontravam-se as lavadeiras, os caipiras ou caboclos e os chamados "pretos véios".
As lavadeiras do Carmo, ou lavadeiras da Várzea, eram facilmente encontradas às margens do rio Tamanduateí com suas trouxas de roupas. O advogado Jorge Americano descreveu minuciosamente como era a rotina dessas mulheres em seu livro "São Paulo Naquele Tempo": elas "desciam da rua Glicério e de toda a encosta da colina central da cidade, de tamancos, trazendo trouxas e tábuas de bater roupa. À beira da água, juntavam a parte traseira à dianteira da saia, por um nó no apanhado da saia, a qual tomava aspecto de bombacha. Sugavam-na pela parte superior, amarravam-na à cintura com barbante, de modo a encurtá-la até os joelhos ou pouco acima, tomando agora o aspecto de calção estofado. Deixavam os tamancos, entravam n'água e debruçavam-se sobre o rio, sem perigo de serem mal vistas pelas costas."
Esse grupo aparece constantemente em obras de arte e crônicas da época. Por conta disso, acredita-se que eram extremamente procuradas e importantes para a cidade.
Os caipiras, ou caboclos, receberam esses nomes ou pela distância de suas casas em relação à Várzea do Carmo, ou por serem de origem indígena. Jorge Americano também descreveu esse grupo. De acordo com ele, os caipiras costumavam andar descalços, com um chapéu grande e um lenço no pescoço. Eles contribuíam para a existência de outras atividades nas ruas e praças, como rachar lenha para comerciantes que acabaram de adquirir seus produtos, ou carregá-los.
Os pretos véios eram conhecidos também como curandeiros, vendedores de ervas, "folhas secas, raízes, cascas de pau, frutas, figas, chifres de veado e de bode, unhas de cabra, couros, pelos e uma infinidade de produtos, misturados com pássaros e outros animais", como relata Carlos José Ferreira Santos. Eles eram uma espécie de médicos populares, que ofereciam curas alternativas para doenças. Os três grupos, entre outros, eram comuns, entre o século XIX e XX na área retratada pela obra de Benedito Calixto.
Calixto tinha uma dureza de linhas e grande acabamentos de primeiros planos, características que o acompanharam durante todas suas obras, principalmente aquelas em que o artista se preocupava em retratar cenas fielmente reproduzidas. De acordo com Ruth Sprung Tarasantchi, artista plástica, Calixto não tinha o dom de simplificar o que via. Era um pintor realista. Ele misturava a sociologia francesa, fortalecida com atributos da fotografia, da arquitetura, do urbanismo, da etnologia, da ciência política e da história intelectual.
No que diz respeito às pinturas de paisagens, como Inundação da Várzea do Carmo, a artista analisa que em geral, há uma faixa de casas no horizonte, que corta o quadro ao meio. O Rio Tamanduateí é ilustrado calmo, sereno, diferente de outras pinturas similares do século XIX. O céu é azul claro com algumas nuvens brancas. Calixto costumava usar pinceladas livres no que diz respeito aos morros e a água, diferentemente das casas, que retratava com detalhes.
Exatamente por ser um historiador e documentarista, algumas obras de Benedito Calixto não eram bem aceitas por críticos. O jornalista Odórico Glória, do Diário Popular, criticou, meses antes de terminada a pintura Inundação da Várzea do Carmo, que pinturas do artista (principalmente as que continham personagens) pareciam "sem vida", "duras", imagens "congeladas". No entanto, a pintura panorâmica da cheia do rio Tamanduateí teve o efeito oposto - ela encantou a mídia.
O próprio Odórico Glória alegou que a obra de Calixto "lembrava as suas já famosas marinhas, luminosas e festivas", entendendo o estilo do artista. Outro jornalista do mesmo veículo, A. Feio, alegou ter ficado encantado com a exatidão com que Calixto reproduziu a paisagem.
O jornal O Estado de S. Paulo, no dia 20 de agosto de 1892 publicou uma notícia em que contava o dia no Senado. Nele, o jornal conta que, durante uma sessão "a 1ª parte da ordem do dia o sr. Paulo Isgydio justifica e envia à mesa um projeto, autorizando o governo a fazer aquisição do quadro de Benedito Calixto, representando a inundação da Várzea do Carmo. Esse projeto foi apoiado a imprimir para entrar na ordem dos trabalhos". Um mês depois, aproximadamente, o mesmo jornal repercutiu outra notícia referente ao quadro de Benedito Calixto. Desta vez, há o relato de uma sessão da Câmara dos Deputados, datada em 23 e 24 de setembro de 1892. Dentre os temas discutidos na câmara, esteve o projeto do Senado referente à aquisição da obra.
Foi apenas seis meses depois, em 18 de fevereiro de 1893, que o jornal O Estado de S. Paulo informou que de fato o quadro Inundação da Várzea do Carmo, de Benedito Calixto, seria colocado em uma das salas do palácio do Governo, tamanha a admiração pela obra. O jornal ainda informou que o quadro "foi adquirido por compra pelo Governo, pela quantia de 10.000,000, de acordo com uma lei".
Exatamente pela Várzea do Carmo ter sido, na transição do século XIX para o XX, foco de estranhamento e receio no que diz respeito à doenças que eram proliferadas nas épocas de cheias e pessoas que frequentavam o local, foi instaurado o projeto da construção de um parque seguindo os modelos franceses. No entanto, a modificação da Várzea do Carmo foi lenta. Em 1810 foi construída uma vala para evitar o transbordamento constante do rio Tamanduateí, que era considerado um grave problema na época, o que não adiantou. Em 1849 começaram as obras de retificação do rio. Essas foram finalizadas no fim do século XIX, mas, mais uma vez, as cheias não foram solucionadas. Em 1880 o poder público voltou a discutir soluções para tal problema além de um plano de embelezamento para a região.
Foi somente em 1910 que foi decidida a construção de um parque no local onde encontrava-se a Várzea do Carmo. Um arquiteto francês, de nome Joseph Antoine Bouvard foi responsável pelo projeto. A construção do Parque Dom Pedro II teve início em 1914 e foi finalizada em 1922.