Santuário do Cristo Redentor / Atual Oratório do Morro da Providência, Início do Século XX, Rio de Janeiro, Brasil - Augusto Malta
Rio de Janeiro - RJ
Fotografia
Nota do blog: Por um milagre dos milagres milagrosos, essa construção histórica ainda existe, ainda que reformada completamente fora dos padrões originais. Porém, atualmente, é uma região inacessível para locais e turistas, estando em um território dominado pelo tráfico de drogas do Morro da Providência. Nem com "proteção divina" dá para ir no local. A chance de morte é mais que real. Abaixo fotos do estado atual da construção e do entorno, além de uma perspectiva feita pela Prefeitura do Rio de Janeiro de como ficará o local após futura revitalização. Notar que é uma perspectiva de computador criada à época da revitalização da cidade para as Olimpíadas Rio 2016, revitalização essa que, claro, não aconteceu. Faltou combinar e pedir "autorização" para os criminosos do local...
Abaixo um pouco de história e "mistérios" envolvendo o local, que é uma das coisas que esse blog mais gosta...rs. É impressionante como uma simples foto antiga tem assunto para mais de metro, uma verdadeira pena que o Brasil não preserva e conserva suas construções históricas.
Primeira parte: “Os mitos”:
O Oratório do Morro da Providência e o próprio morro estão envoltos em mitos. São eles:
1) A “lenda urbana” de que o oratório foi erguido pelos soldados retornados de Canudos em memória das almas dos colegas que tombaram no conflito. Daí também ser conhecido como Capela das Almas. Na cartilha do teleférico lemos que “a capela foi erguida em homenagem aos combatentes que não resistiram à Guerra de Canudos, na Bahia”. Não é verdade.
2) O mito de que os soldados retornados de Canudos iniciaram a ocupação do Morro, antes desabitado. Tampouco é verdade.
3) A mentira deslavada de que o morro recebeu esse nome porque os soldados, ante o descumprimento da promessa de receberem residências como prêmio pela vitória, tomaram a providência de ocupar o morro.
Segunda parte: “Os fatos”:
1) Quando fotografado por Augusto Malta no início do século XX (foto acima), o “Oratório do Morro da Providência” — situado na parte sudoeste do morro, tombado pela Prefeitura em 1986 e também conhecido por “Capela das Almas” — denominava-se Santuário do Cristo Redentor e em seu frontispício lia-se “A Jesus Christo” (a inscrição e a cruz superior se perderam). Depois da construção da estátua do Cristo no alto do Corcovado, o santuário ao pé dessa estátua recebeu esse mesmo nome. Uma placa no interior do Oratório indica que foi construído em 1900-1901.
O Oratório foi inaugurado no dia 1 de janeiro de 1901, o primeiro dia do século XX (uma explicação: assim como o século I foi do ano 1 ao 100, o século XIX foi de 1801 a 1900, o século XX começando em 1901; a comemoração do início do século XXI em 2000 foi um grande equívoco). Foi erguido com o objetivo explícito de comemorar a passagem do século, como mostram a foto abaixo da Revista da Semana de 6 de janeiro de 1901 e as notícias na imprensa da época.
Por exemplo, na pág. 2 da edição de 15 de dezembro de 1900 do semanário católico O Apóstolo, lemos (texto adaptado à ortografia atual): "Está quase concluído o monumento, a grandiosa Cruz que no Morro da Providência será erigida para comemorar a passagem do século e o amor deste povo a Jesus Cristo Redentor. Será bento e inaugurado a 31 do corrente pelo Ex. Rvm. Sr. Arcebispo. Nossos louvores a seus promotores." Já na pág. 2 da edição de 22 de dezembro do mesmo ano lemos: "A inauguração da Cruz, que como monumento em honra a Jesus Cristo se erguerá no Morro da Providência, se realizará no dia 1 de Janeiro, às 5 horas da tarde, sendo benta pelo Ex. Sr. Arcebispo D. Joaquim Arcoverde." Portanto, sobre a data da construção do Oratório não paira dúvida.
Está derrubado o mito de que o Oratório teria sido erigido em homenagem aos soldados tombados em Canudos. Na verdade, homenageou a mudança do século e a devoção a Jesus Cristo.
2) Outro mito que costumamos ouvir é que a ocupação do morro começou pelos soldados retornados de Canudos (1897). O mito cai por terra quando lemos em jornais e outras publicações anteriores menções a moradores e casas do Morro da Providência. Já existiam moradores lá havia tempos. Segundo Milton Teixeira, desde a época colonial.
O que os soldados criaram foi a favela. Aliás, os soldados mudaram o nome para Morro da Favela em alusão a um morro existente em Canudos, que aliás tinha esse nome devido a um arbusto, denominado "favela" ou "faveleiro", existente na região, como vemos em Os Sertões (ver Anexos ao final da postagem). Mais tarde o morro retomaria o nome original.
Na imprensa do século XIX encontramos fartas indicações de que o morro já era habitado bem antes da chegada dos soldados de Canudos e de que a denominação "Morro da Providência" é bem anterior à chegada desses soldados, derrubando assim também o terceiro mito.
O Diário do Rio de Janeiro de 30 de agosto de 1838 menciona a cobrança da décima urbana (espécie de IPTU) aos proprietários e inquilinos em vários logradouros, entre eles o Morro da Providência.
O Diário do Rio de Janeiro de 2 de abril de 1846 publicou esta nota:
Não se sabendo actualmente a residencia do Sr Antonio Luiz Machado que morou no morro da Providencia n 21 A, roga-se lhe que a declare porque uma pessoa lhe deseja fallar para negocio commum.
No Correio Mercantil de 30 de abril de 1848 encontramos esse retrato nada lisonjeiro do morro:
Tendo-se virado a atenção publica para o museu da rua da Providencia, ninguem se lembra de olhar para o morro da Providencia, ou antes da formiga [nome que tinha na época a vertente sul do morro], porque ali não há providencia de qualidade alguma, nem mesmo de luz, porque a illuminação é coisa que inda lá não chegou, patrulhas até ignorão a existência do morro, pedestres inda menos; entretanto em relação á pouca extensão já ha muito povoado, e os mal feitores e facinorosos tem ali um excellente asylo para se livrarem das pesquisas da polícia.
Na primeira página do Correio Mercantil de 21 de junho de 1856 lemos esta queixa:
Pedem-nos que chamemos a attenção da autoridade para a falta de asseio que ha na rua do Silva Manoel [atual André Cavalcanti] e para o morro da Providencia, onde mora muita gente, e onde não ha nem illuminação, nem agua, nem asseio, nem policia.
Em 19 de julho do ano seguinte o Correio Mercantil noticia a chegada da iluminação pública no Morro: O morro da Providencia não tinha lampeões, e pelo desvelo das autoridades competentes forão ultimamente alli postos para conforto e segurança de seus moradores.
Em 20 de março de 1860 esse mesmo jornal informa que "o morro da Providencia continua, em maior escala do que dantes, a servir de deposito de immundicias".
O Boletim do Ministério do Império de maio de 1861 cita um ofício ao inspetor geral das obras públicas solicitando um “parecer sobre a necessidade de abastecer de água potável o morro da Providência; propondo ao mesmo tempo os meios convenientes para levar-se a efeito semelhante medida”.
O Boletim da Câmara Municipal da Corte de 1863 cita à pág. 10 um requerimento para a construção de uma escada da rua do Sacco [Rua do Saco do Alferes, atual Rua da América] ao Morro da Providência:
O Sr. Dr. Monteiro dos Santos apresentou os seguintes pareceres:
"Sobre a informação do engenheiro ácerca do requerimento de alguns moradores e proprietarios do Morro da Providencia, pedindo permissão para fazerem gratuitamente no dito morro uma escada ou rampa para á rua do Sacco, sendo a obra inspeccionada pela directoria das obras municipaes: conformo-me com informação do engenheiro. Rio, 15 de maio de 1863. – Dr. Monteiro dos Santos."
– Foi approvado.
Notícia publicada na primeira página do Jornal do Brasil de terça-feira, 5 de setembro de 1873:
Baile a’ Navalha
Francisco Miguel do Nascimento dansava hontem alegremente num baile, no morro da Providencia.
Como nessas occasiões o sangue se esquenta e “o sangue é que faz mal ao corpo” o cunhado de Nascimento, de nome Josué José Gomes agrediu-o, dando-lhe tres navalhadas.
E o pobre homem passou do baile para a Misericordia.
Também em O Paiz encontramos indícios de ocupação pré-Canudos, por exemplo, na edição de 12 de setembro de 1885, na seção Annuncios, consta: "Aluga-se a casa do Morro da Providencia n. 23: está limpa; para tratar na rua do General Camara n. 365." E na pág. 2 da edição de 22 de novembro de 1885 lemos: "Juvencia Maria Rosa da Conceição, moradora em um casebre no morro da Providencia, estando ante-ontem, ás 5 horas da tarde, junto ao fogão, fazendo o jantar, foi presa pelas chammas, resultando ficar bastante queimada." E na edição de 22 de abril de 1886 de O Paiz, lemos:
O governo imperial, que tão solicito se tem mostrado em favorecer a construcção de casas e alojamentos para as classes operarias, concedendo ás emprezas que a isso se propõem os favores marcados em lei, não póde deixar de attender á reclamação que lhe fazem por este meio os moradores do morro da Providencia.
Reside neste logar grande numero de operarios e pessoas que trabalham por soldadas, não só pelo menor aluguel que ali pagam, como pela elevação do solo, que lhes dá presumpção de salubridade, mais do que lhes promettem os bairros baixos da cidade. Essas condições, infelizmente, são destruidas pela má distribuição da agua.
Estas notas & notícias da imprensa daquela época mostram que o morro já era habitado antes da vinda dos soldados de Canudos no final do séc. XIX.
3) O terceiro mito, de que o nome do morro se deve à providência tomada pelos soldados, as notícias da imprensa que acabamos de ver o desmentem. A menção mais antiga que achei ao Morro da Providência é a de 1938 supracitada. A análise de mapas antigos mostra que, até meados do século XIX, o que viria a ser o Morro da Providência era mostrado como fazendo parte do Morro do Livramento. Geograficamente falando, a Providência não é um morro separado, e sim um "cocoruto" no lado sudoeste do Livramento, tanto é que a Ladeira do Barroso que sobe o Morro do Livramento depois prossegue, por uma escadaria, Morro da Providência acima.
Terceira parte: “O mistério”:
A foto da Estação Marítima, de 1881, abaixo dá a impressão de que o Oratório já existia naquela época. Encontra-se na pág. 30 de Vistas Photographicas da Estrada de Ferro D. Pedro.
Primeira parte: “Os mitos”:
O Oratório do Morro da Providência e o próprio morro estão envoltos em mitos. São eles:
1) A “lenda urbana” de que o oratório foi erguido pelos soldados retornados de Canudos em memória das almas dos colegas que tombaram no conflito. Daí também ser conhecido como Capela das Almas. Na cartilha do teleférico lemos que “a capela foi erguida em homenagem aos combatentes que não resistiram à Guerra de Canudos, na Bahia”. Não é verdade.
2) O mito de que os soldados retornados de Canudos iniciaram a ocupação do Morro, antes desabitado. Tampouco é verdade.
3) A mentira deslavada de que o morro recebeu esse nome porque os soldados, ante o descumprimento da promessa de receberem residências como prêmio pela vitória, tomaram a providência de ocupar o morro.
Segunda parte: “Os fatos”:
1) Quando fotografado por Augusto Malta no início do século XX (foto acima), o “Oratório do Morro da Providência” — situado na parte sudoeste do morro, tombado pela Prefeitura em 1986 e também conhecido por “Capela das Almas” — denominava-se Santuário do Cristo Redentor e em seu frontispício lia-se “A Jesus Christo” (a inscrição e a cruz superior se perderam). Depois da construção da estátua do Cristo no alto do Corcovado, o santuário ao pé dessa estátua recebeu esse mesmo nome. Uma placa no interior do Oratório indica que foi construído em 1900-1901.
O Oratório foi inaugurado no dia 1 de janeiro de 1901, o primeiro dia do século XX (uma explicação: assim como o século I foi do ano 1 ao 100, o século XIX foi de 1801 a 1900, o século XX começando em 1901; a comemoração do início do século XXI em 2000 foi um grande equívoco). Foi erguido com o objetivo explícito de comemorar a passagem do século, como mostram a foto abaixo da Revista da Semana de 6 de janeiro de 1901 e as notícias na imprensa da época.
Por exemplo, na pág. 2 da edição de 15 de dezembro de 1900 do semanário católico O Apóstolo, lemos (texto adaptado à ortografia atual): "Está quase concluído o monumento, a grandiosa Cruz que no Morro da Providência será erigida para comemorar a passagem do século e o amor deste povo a Jesus Cristo Redentor. Será bento e inaugurado a 31 do corrente pelo Ex. Rvm. Sr. Arcebispo. Nossos louvores a seus promotores." Já na pág. 2 da edição de 22 de dezembro do mesmo ano lemos: "A inauguração da Cruz, que como monumento em honra a Jesus Cristo se erguerá no Morro da Providência, se realizará no dia 1 de Janeiro, às 5 horas da tarde, sendo benta pelo Ex. Sr. Arcebispo D. Joaquim Arcoverde." Portanto, sobre a data da construção do Oratório não paira dúvida.
Está derrubado o mito de que o Oratório teria sido erigido em homenagem aos soldados tombados em Canudos. Na verdade, homenageou a mudança do século e a devoção a Jesus Cristo.
2) Outro mito que costumamos ouvir é que a ocupação do morro começou pelos soldados retornados de Canudos (1897). O mito cai por terra quando lemos em jornais e outras publicações anteriores menções a moradores e casas do Morro da Providência. Já existiam moradores lá havia tempos. Segundo Milton Teixeira, desde a época colonial.
O que os soldados criaram foi a favela. Aliás, os soldados mudaram o nome para Morro da Favela em alusão a um morro existente em Canudos, que aliás tinha esse nome devido a um arbusto, denominado "favela" ou "faveleiro", existente na região, como vemos em Os Sertões (ver Anexos ao final da postagem). Mais tarde o morro retomaria o nome original.
Na imprensa do século XIX encontramos fartas indicações de que o morro já era habitado bem antes da chegada dos soldados de Canudos e de que a denominação "Morro da Providência" é bem anterior à chegada desses soldados, derrubando assim também o terceiro mito.
O Diário do Rio de Janeiro de 30 de agosto de 1838 menciona a cobrança da décima urbana (espécie de IPTU) aos proprietários e inquilinos em vários logradouros, entre eles o Morro da Providência.
O Diário do Rio de Janeiro de 2 de abril de 1846 publicou esta nota:
Não se sabendo actualmente a residencia do Sr Antonio Luiz Machado que morou no morro da Providencia n 21 A, roga-se lhe que a declare porque uma pessoa lhe deseja fallar para negocio commum.
No Correio Mercantil de 30 de abril de 1848 encontramos esse retrato nada lisonjeiro do morro:
Tendo-se virado a atenção publica para o museu da rua da Providencia, ninguem se lembra de olhar para o morro da Providencia, ou antes da formiga [nome que tinha na época a vertente sul do morro], porque ali não há providencia de qualidade alguma, nem mesmo de luz, porque a illuminação é coisa que inda lá não chegou, patrulhas até ignorão a existência do morro, pedestres inda menos; entretanto em relação á pouca extensão já ha muito povoado, e os mal feitores e facinorosos tem ali um excellente asylo para se livrarem das pesquisas da polícia.
Na primeira página do Correio Mercantil de 21 de junho de 1856 lemos esta queixa:
Pedem-nos que chamemos a attenção da autoridade para a falta de asseio que ha na rua do Silva Manoel [atual André Cavalcanti] e para o morro da Providencia, onde mora muita gente, e onde não ha nem illuminação, nem agua, nem asseio, nem policia.
Em 19 de julho do ano seguinte o Correio Mercantil noticia a chegada da iluminação pública no Morro: O morro da Providencia não tinha lampeões, e pelo desvelo das autoridades competentes forão ultimamente alli postos para conforto e segurança de seus moradores.
Em 20 de março de 1860 esse mesmo jornal informa que "o morro da Providencia continua, em maior escala do que dantes, a servir de deposito de immundicias".
O Boletim do Ministério do Império de maio de 1861 cita um ofício ao inspetor geral das obras públicas solicitando um “parecer sobre a necessidade de abastecer de água potável o morro da Providência; propondo ao mesmo tempo os meios convenientes para levar-se a efeito semelhante medida”.
O Boletim da Câmara Municipal da Corte de 1863 cita à pág. 10 um requerimento para a construção de uma escada da rua do Sacco [Rua do Saco do Alferes, atual Rua da América] ao Morro da Providência:
O Sr. Dr. Monteiro dos Santos apresentou os seguintes pareceres:
"Sobre a informação do engenheiro ácerca do requerimento de alguns moradores e proprietarios do Morro da Providencia, pedindo permissão para fazerem gratuitamente no dito morro uma escada ou rampa para á rua do Sacco, sendo a obra inspeccionada pela directoria das obras municipaes: conformo-me com informação do engenheiro. Rio, 15 de maio de 1863. – Dr. Monteiro dos Santos."
– Foi approvado.
Notícia publicada na primeira página do Jornal do Brasil de terça-feira, 5 de setembro de 1873:
Baile a’ Navalha
Francisco Miguel do Nascimento dansava hontem alegremente num baile, no morro da Providencia.
Como nessas occasiões o sangue se esquenta e “o sangue é que faz mal ao corpo” o cunhado de Nascimento, de nome Josué José Gomes agrediu-o, dando-lhe tres navalhadas.
E o pobre homem passou do baile para a Misericordia.
Também em O Paiz encontramos indícios de ocupação pré-Canudos, por exemplo, na edição de 12 de setembro de 1885, na seção Annuncios, consta: "Aluga-se a casa do Morro da Providencia n. 23: está limpa; para tratar na rua do General Camara n. 365." E na pág. 2 da edição de 22 de novembro de 1885 lemos: "Juvencia Maria Rosa da Conceição, moradora em um casebre no morro da Providencia, estando ante-ontem, ás 5 horas da tarde, junto ao fogão, fazendo o jantar, foi presa pelas chammas, resultando ficar bastante queimada." E na edição de 22 de abril de 1886 de O Paiz, lemos:
O governo imperial, que tão solicito se tem mostrado em favorecer a construcção de casas e alojamentos para as classes operarias, concedendo ás emprezas que a isso se propõem os favores marcados em lei, não póde deixar de attender á reclamação que lhe fazem por este meio os moradores do morro da Providencia.
Reside neste logar grande numero de operarios e pessoas que trabalham por soldadas, não só pelo menor aluguel que ali pagam, como pela elevação do solo, que lhes dá presumpção de salubridade, mais do que lhes promettem os bairros baixos da cidade. Essas condições, infelizmente, são destruidas pela má distribuição da agua.
Estas notas & notícias da imprensa daquela época mostram que o morro já era habitado antes da vinda dos soldados de Canudos no final do séc. XIX.
3) O terceiro mito, de que o nome do morro se deve à providência tomada pelos soldados, as notícias da imprensa que acabamos de ver o desmentem. A menção mais antiga que achei ao Morro da Providência é a de 1938 supracitada. A análise de mapas antigos mostra que, até meados do século XIX, o que viria a ser o Morro da Providência era mostrado como fazendo parte do Morro do Livramento. Geograficamente falando, a Providência não é um morro separado, e sim um "cocoruto" no lado sudoeste do Livramento, tanto é que a Ladeira do Barroso que sobe o Morro do Livramento depois prossegue, por uma escadaria, Morro da Providência acima.
Terceira parte: “O mistério”:
A foto da Estação Marítima, de 1881, abaixo dá a impressão de que o Oratório já existia naquela época. Encontra-se na pág. 30 de Vistas Photographicas da Estrada de Ferro D. Pedro.
A impressão é tão forte que no Inventário de 2015 dos Monumentos do Rio de Janeiro publicado pela Prefeitura lemos que o oratório "já aparece tal qual numa fotografia de 1881, dezesseis anos antes daquela guerra fratricida [Guerra dos Canudos]." Só que vimos farta documentação comprovatória de que o oratório foi inaugurado na virada para o século XX. Como é possível um oratório construído em 1900 constar de uma foto de 1881?
Aumentando ainda mais o mistério, duas gravuras antigas, uma de Martinet de 1847 e a outra de Sisson de data desconhecida aparentemente também mostram o oratório!!!
O historiador amador G. J. Sá Barros tem uma teoria interessante para tentar dirimir esse mistério. Depois que o corsário francês Duguay-Trouin, comandando uma poderosa esquadra, aproveitando a névoa em 12 de setembro de 1711, penetrou na Baía da Guanabara, sem ser interceptado pelas duas fortalezas guarnecendo os dois lados da entrada da barra (Santa Cruz e São João, existentes até hoje), tratou de tomar de assalto a Ilha das Cobras (13/9) e depois desembarcou na Praia de São Diogo, aos pés do morro de mesmo nome, onde fica hoje o Viaduto dos Marinheiros, ocupando os morros da atual Zona Portuária. Neste detalhe de um mapa francês de 1711 sobre a captura do Rio de Janeiro vemos que o primeiro acampamento (Premier Campement) dos invasores foi nos morros de São Diogo, do Pinto (na época chamado de Morro de Paulo Caieiro, ou Cairô/Cairu), e o Morro do Livramento/Providência. O segundo acampamento (Second Camp) foi no Morro da Conceição.
A tese de G. J. Sá Barros é que o oratório erguido em 1900 mas que misteriosamente "já aparece em fotografias e gravuras anteriores" na verdade não foi construído do nada, mas aproveitou uma velha atalaia abandonada, remanescente dessa ocupação francesa dos morros ou construída logo depois na onda de fortificação da cidade em que se tentou "correr atrás do prejuízo" (da qual resultou a Fortaleza da Conceição). Diz Sá Barros: "Imagina aquele morro da Providência que é uma pedra inteira, ardendo no sol de primavera de um Rio de Janeiro com 40 graus? Ficaram dois meses os franceses aqui? Ali vigiando tudo sem um telhado no alto do morro ardente expostos ao sol (insolação) e pegando vento e chuvas? Ali surgiu uma atalaia?" O detalhe de um mapa de 1850 abaixo mostra o local da atalaia, futuro oratório, marcado com um quadradinho (sob a seta no meio do mapa).
A tese de G. J. é reforçada por esta informação do engenheiro militar Augusto Fausto de Sousa no artigo "Fortificações no Brasil", na página 11 do tomo 48, Parte II, da revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: "vê-se que existia uma multidão de baterias e fortins em todo o contorno desde a Gamboa até a Praia do Arpoador." É possível fazer download da revista no site do Instituto.
A tese de G. J. é reforçada por esta informação do engenheiro militar Augusto Fausto de Sousa no artigo "Fortificações no Brasil", na página 11 do tomo 48, Parte II, da revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: "vê-se que existia uma multidão de baterias e fortins em todo o contorno desde a Gamboa até a Praia do Arpoador." É possível fazer download da revista no site do Instituto.
Quarta parte: “Apêndice”:
Trecho de Brasil Gerson, História das ruas do Rio, quinta edição, p. 183
Ao regressarem das expedições contra Antônio Conselheiro, no fim do século passado [XIX], receberam os soldados do Coronel Moreira Cesar e do General Artur Oscar, alguns recursos para instalar-se em casa própria no Rio, e foi ali, nas abas da Providência, que eles o fizeram, e logo disseram que ela era a sua “favela” carioca, numa alusão ao morro do sertão baiano de onde a artilharia legalista bombardeava o reduto daqueles jagunços místicos... E o nome, popularizando-se, ficou sendo também dos nossos demais conglomerados humanos semelhantes para, afinal, figurar depois no dicionário como um novo brasileirismo, bem típico dos tempos modernos, nas nossas atravancadas metrópoles.
Trechos de Euclides da Cunha, Os Sertões, Editora Nova Cultural, págs. 23-4, 31, 37
Todas traçam, afinal, elíptica curva fechada ao sul por um morro, o da Favela, em torno de larga planura ondeante onde se erigia o arraial de Canudos[.]
Galgava o topo da Favela. Volvia em volta o olhar, para abranger de um lance o conjunto da terra.
Do topo da Favela, se a prumo dardejava o Sol e a atmosfera estagnada imobilizava a natureza em torno, atentando-se para os descampados, ao longe, não se distinguia o solo.
As favelas, anônimas ainda na ciência — ignoradas dos sábios, conhecidas demais pelos tabaréus — talvez um futuro gênero cauterium das leguminosas, têm, nas folhas de células alongadas em vilosidades, notáveis aprestos de condensação, absorção e defesa.
Texto do blog “Literatura, Rio de Janeiro & São Paulo”, adaptado por mim. Mantida a grafia da época em várias passagens do texto.
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