Bentley Continental GT Mulliner, Inglaterra - Jeremy Clarkson
Fotografia
Como a maioria das pessoas de juízo, resolvi não pensar em férias no exterior este ano porque achei que seriam canceladas no último minuto pelas novas restrições à Covid. Com isso, eu perderia todo meu dinheiro e teria que entrar num desses programas de rádio em que ouvintes podem denunciar qualquer coisa e reclamar, com sotaque regional, do agente de viagem e do Boris Johnson, e me faria parecer um idiota.
Pensei até no fato de que não precisava de férias. Elas não são um direito concedido por Deus. As pessoas não tinham férias no século 14 e não as têm hoje em lugares como a Etiópia.
E, além disso, tenho hoje tantos compromissos que, de qualquer maneira, não teria tempo para sair.
Todavia, na semana passada ganhei inesperadamente três dias de folga — a colheita na minha fazenda foi suspensa devido à chuva — e assim decidi reviver minha infância e ir ao litoral britânico para me banhar nos piscinões de maré nas pedras.
Mas, onde ir? Gente normal diria que, como nasci em Yorkshire eu deveria ir a Whitby ou Scarborough, mas há quem diga que a vida começa de fato na concepção. E fui concebido em Cornwall — no Hotel Bedruthan e, caso lhe interesse saber, no apartamento 7.
Além de passarmos todas as férias da família lá e me lembrar delas com carinho. Sentando em cafés em Padstow, tomando chá amargo em canecas grossas, enquanto minha mãe espiava pelo buraco na condensação que ela fazia nas janelas riscadas pela chuva para avisar que “estava clareando”. Mas nunca estava.
Íamos atrás de quartzo e ametistas na chuva, procurávamos caranguejos na chuva, eu brincava com meu iate de madeira no mar, na chuva, e nos sentávamos no barracão alugado, jogando Banco Monopólio e ouvindo a chuva bater no teto de zinco. Eram tempos felizes, por isso fizemos reserva no Hotel Idle Rocks em St. Mawes, e lá fomos nós. Na chuva.
Cornwall mudou desde que eu tinha oito anos. Mesmo que ainda chova lá o tempo todo, é muito mais agitada hoje. O motivo principal é todas as equipes de filmagens estarem lá fazendo programas nos quais os locais sentam-se em suas lanchas de pesca Hatteras de teca e mogno achando ruim que seus pequenos bangalôs valem 17 milhões de libras e de como seu lugar é fotografado todo dia pelos desgraçados londrinos que gostam de pagar 40 libras por uma sardinha.
Os hotéis mudaram também. Devo confessar que amigos meus são donos do Idle Rocks. O mais rápido check-in da história, apartamentos bem arrumados e parecendo terem sido ocupados por pessoas que já estiveram num hotel. E vinho libanês, que me subiu à cabeça mais que eu esperava.
Comida? Bem, quando eu passava as férias em Cornwall eles colocavam legumes no forno quando você fazia sua reserva para que ficassem cozidos quando você os pedisse.
Mas isso acabou. Fui a Porlhleven almoçar no Bar e Restaurante Kota Kai e comi um prato de frutos do mar malaio de origem chinesa que me deixou vesgo e me fez entender, pela primeira vez, o que o diretor de filmes Michael Winner quis dizer quando ele descreveu a comida como “histórica”.
Mais tarde demos uma volta a pé pela cidade, na chuva, e moradores locais me ofereceram fotos de ondas por 1.400 libras e joias de vidro marinho. Crianças vestindo trajes secos pedindo à mãe para pular no mar do muro do porto, e eu não consegui entender por que ela estava tão hesitante, já estava mais seco no mar do que em terra.
Adorei Cornwall. Adorei como ficou e se tornou interessante e lugar de moda, cheio de praticantes de prancha a remo e barcos a vela, e cantinas servindo excelente comida para pessoas inteligentes. Mas não vou ter pressa em voltar porque uma coisa não mudou: ninguém tem pressa para nada.
Num certo momento eu seguia um Mini One numa descida forte chegando em St. Austell e mesmo que a rampa fosse quase vertical, o motorista não passava de 25 km/h. E já que não estava freando, só poderia estar em primeira e o motor girando a 4 milhões de rpm.
Depois encontrei um Renault Scénic dirigido num trecho largo da estrada a menos de 30 km/h. Às vezes, sem nenhum motivo que eu pudesse ver, ele reduzia para menos de 15 km/h. E não tinha como ultrapassar, pois o outro lado da estrada estava repleto de londrinos desgraçados com maleiros de teto nos seus Volvos de volta para suas primeiras casas em Notting Hill.
A velocidade era tão baixa que comecei a saber como a Sra. Benz deve ter-se sentido quando passou a mão no triciclo motorizado de seu marido para dar uma volta. Era possível ver uma placa informando que o destino estava a 25 quilômetros e se podia estimar estar lá em 20 minutos. Mas percorrer 25 km em Cornwall leva dias.
O que foi bom, pois eu estava dirigindo o novo Bentley Continental edição Mulliner. Lisa, minha cara-metade, disse que foi má escolha, já que as faixas de rolamento em Cornwall são estreitas e perderíamos tempo dando ré.
Mas não dei a mínima para esse argumento, porque não importa se você está ao volante de um microcarro elétrico indiano como o REVAi ou do caminhão que a Nasa usava para transportar os foguetes Saturn V: não dá para ultrapassar ninguém.
Nem acho que carros grandes sejam um problema em velhas vilas de pescadores, pois quando se trata de estacionar com criatividade sou medalhista olímpico de ouro. Tenho noção de que poderia estacionar em Downing Street de tal maneira que o policial de plantão forçosamente aceitaria não ser uma infração.
Desse modo, estou convencido de que o Continental é o carro ideal para se usar em Cornwall, porque seu tamanho é irrelevante e um lugar adorável, silencioso e confortável para ficar sentado enquanto as pessoas com maleiro no teto e os glaciais locais ficam no seu caminho.
Isso é especialmente verdadeiro no Mulliner, porque este é um carro onde você, o dono, pode satisfazer qualquer capricho que desejar. Qualquer madeira. Qualquer couro. Qualquer cor. Pode-se ter centros de cubos de rodas autonivelantes, um relógio Breitling e 400.000 pontos de costura no estofamento. Você pode contá-los. Há tempo para isso em Cornwall.
Meu carro recebeu acabamento por alguém que aplicou sua veia Cheshire. Seu interior é marrom e dourado. E tão vulgar quanto uma gravata pornográfica francesa. Mas os cidadãos em Cornwall parecem ter gostado. Um se aproximou com sua face cheia de rugas vestindo uma bata e perguntou quando custou. Ele ficou um tanto espantando quando expliquei custar um pouco mais de 200.000 libras .”Você quase pode comprar uma casa por esse preço”, disse.
O que eu escolheria? O Bentley ou uma segunda casa em Cornwall? Acho que o carro. Ele se molha menos quando chove.
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