"A Casa dos Trilhos", Bairro da Penha, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia
Se fôssemos julgar a história de uma casa pela sua arquitetura, provavelmente passaríamos batido – até poucos anos atrás – por esta pequena casa antiga, de 1938, localizada no número 228 da rua Vera Cruz, no bairro da Penha.
A casa estava escondida por um muro alto, é relativamente simples, não tem grandes adornos e nem nada demais em sua arquitetura. Apenas uma residência como tantas outras que podem ser encontradas pelo bairro da Penha.
Para piorar a situação, em janeiro de 2020, ocorreu um pequeno acidente na rua desta casa e seu muro acabou vindo abaixo.
Problemas e acidentes à parte, um detalhe despertou nossa curiosidade: A inscrição "M.A. 1938" na fachada. E através dela acabamos descobrindo que trata-se de um imóvel com uma história bastante interessante e que vamos contar em detalhes abaixo.
Ao notar a inscrição resolvi observá-la de perto, olhando por cima do muro e da cerca de madeira, no limite da residência com a pequena travessa ao lado, e acabei descobrindo algo: no meio do matagal existente no quintal da casa havia trilhos ferroviários.
Para entender o motivo da casa ter estes trilhos no quintal, vamos voltar no tempo e conhecer a história de um extinto ramal ferroviário e sua velha estação: a antiga Estação da Penha.
A antiga e extinta Estação da Penha não tem nenhuma relação com a atual estação do Metrô. Ela localizava-se um pouco mais acima, já na parte alta do bairro, bem próxima da igreja antiga da Penha.
Fundada em 1886, a estação era oriunda de um pequeno desvio ferroviário localizado alguns metros depois da Estação Guaiaúna (depois renomeada Carlos de Campos e também já extinta) e operou por anos como o principal sistema de transporte coletivo ligando a região central da cidade até este bairro.
Os trens saiam da Estação do Norte (atual Brás e ex-Roosevelt) e iam até a Estação Penha, sendo que esta foi a primeira linha de trens de subúrbio de São Paulo.
Com a chegada do serviço de bondes e as consequentes melhorias viárias feitas na Avenida da Intendência (atual Celso Garcia) o hábito de tomar o trem para ir ao centro da capital foi caindo em desuso, já que a grande maioria das pessoas preferiam se locomover usando os bondes. Com isso, entre 1910 e 1920, a importância desta estação foi diminuindo até que foi completamente desativada. Em 1924 ela já não constava mais em guias ferroviários, como o Guia Levy.
Mesmo assim a estação se manteve por vários anos, sendo que em dias de romaria para a Igreja da Penha haviam trens que especialmente seguiam até lá. Além disso, uma curiosidade sobre a Estação Penha, é que dependendo de onde você vinha para acessar a plataforma tinha que passar por uma propriedade privada da família Rodovalho, que cobrava um pequeno pedágio para isso.
Alguns anos mais tarde a estação foi demolida e boa parte deste ramal teve seus trilhos removidos, sendo realizada a urbanização do trecho, gerando as ruas Irapucara e General Sócrates.
No entanto, na altura da rua Vera Cruz, o ramal continuaria existindo até meados dos anos 1950 sendo usado para fins de transporte de gado, quando foi finalmente desativada, demolida e seus trilhos entre o ramal da Estação da Penha e a linha tronco quase que totalmente retirados.
Mas e a casa com a inscrição "M.A. 1938"?
Quando houve a primeira remoção de trilhos, com a consequente desativação da Estação da Penha, o governo federal construiu a casa, inaugurada em 1938, instalando um posto avançado do Ministério da Agricultura.
Ali embarcava-se o gado que era criado na região próxima do córrego Tiquatira, onde hoje está localizada a Avenida Governador Carvalho Pinto. Este gado subia a colina em direção ao centro da Penha, descendo até a casa em questão pela rua Betari, de lá seguindo para os abatedouros. Ainda hoje moradores antigos do bairro lembram-se desta travessia de gado pelas ruas.
Com o desenvolvimento da região, tornou-se impossível manter este tráfego animal pelas ruas da Penha e a atividade cessou. Com isso o posto avançado do Ministério da Agricultura foi desativado e o que restava deste velho ramal ferroviário foi completamente extinto e seus trilhos removidos, cessando de vez a história deste ramal.
No entanto quando foram remover os trilhos da área não removeram parte deles que ficavam na área desta casa, já que ela não pertencia a Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) e sim ao Ministério da Agricultura.
A casa acabou esquecida, junto com seus trilhos e a pequena plataforma que permanecem até hoje no seu terreno, no que hoje tornou-se o quintal da residência. As árvores ao redor da área cresceram e é quase impossível notar a existência dos trilhos a partir do nível da rua.
Com isso a simpática casa da rua Vera Cruz deve ser a única casa de São Paulo com trilhos em seu quintal. Curioso, não ? Segundo relatos de vizinhos, até hoje o imóvel pertence à União e seus moradores seriam os caseiros (informação não confirmada).
Em 2021 a Prefeitura de São Paulo atendeu ao pedido de moradores da região para requalificar este trecho do bairro da Penha, que é constantemente afetado pelas chuvas. O fato do bairro ser uma colina, faz com quem estas áreas mais baixas sejam muito castigadas pela descida das águas, trazendo inúmeros transtornos para os moradores da região.
Assim a gestão do Prefeito Ricardo Nunes (MDB) construiu um “jardim de chuva” neste e em outros locais próximos com o objetivo de diminuir os danos causados pelas águas das chuvas. Também foi refeito o muro da casa do Ministério da Agricultura (que desabou em 2020), além de uma grande limpeza na área onde estão localizado os trilhos.
O resultado é que a área foi devolvida à população paulistana como uma espécie de “mini parque” onde além do contato com a natureza é possível observar os trilhos do extinto ramal ferroviário.
Observem que ao redor dos trilhos a jardinagem foi feita de maneira a poder absorver a água das chuvas. O cimentado ao redor dos trilhos já existia anteriormente e foi preservado por conta de questões de tombamento.
A ótima iniciativa não só trará benefícios aos moradores, que verão seus problemas em dias de chuva diminuirem, quanto também trouxe de volta à vida um pedaço da história do bairro da Penha que há muito havia se perdido e que só podia ser visto através de fotografias. Texto de D. Nascimento adaptado por mim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário