Por Que Dar Gorjeta é Quase Obrigatório nos EUA - Artigo
Artigo
Você vai com seu parceiro a um restaurante nos Estados Unidos, lê o cardápio, pede dois pratos de US$ 15 e uma garrafa de vinho de US$ 20. Total: US$ 50.
Mas você acaba pagando US$ 60. Ao pagar em restaurantes você tem que pagar cerca de um quinto adicional da conta.
O pagamento é concebido como uma recompensa voluntária para agradecer o bom tratamento recebido, mas na prática ele é quase obrigatório, independentemente de o serviço ter sido excelente ou desastroso.
E isso acontece não apenas em restaurantes. Em bares, no cabeleireiro, no hotel ou no táxi, o cliente presume que tem que deixar uma generosa "tip", palavra que significa "gorjeta" em inglês.
E, caso algum cliente ainda não conheça essa etiqueta, a conta costumar vir com um lembrete ("gorjeta sugerida: 18%, 20% ou 22%)". Alguns estabelecimentos chegam a acrescentar a "taxa de serviço", dando ao cliente a opção de aumentar sua contribuição.
Muitos estrangeiros hesitam ou se irritam ao dar gorjetas nos EUA. A origem da cultura americana de "tip" vem de fora do país.
"Se um homem com seu cavalo se hospeda em uma pousada, além de pagar a conta, ele deve dar pelo menos um shilling (moeda inglesa) ao garçom e seis pence à empregada, ao noivo e ao engraxate, o que equivale a meia coroa."
Este texto escrito na Inglaterra em 1795 por um jornalista anônimo é citado no livro Tipping: An American History of Social Gratuities (Gorjeta: Uma História Americana de Gorjetas Sociais, em tradução livre) de Kerry Segrave.
O historiador diz que nos EUA não havia prática de se dar gorjetas pelo menos até 1840.
O viajante inglês John Fowler visitou uma cidade do Estado de Nova York em 1830, onde registrou a seguinte despesa: "total, 81 centavos; garçom 0, empregada e botas, idem; e cortesia e agradecimento pelo tratamento. Algo semelhante seria visto na Inglaterra? Levará algum tempo até que isso vire um costume por lá."
Fowler, um famoso engenheiro ferroviário, acreditava que a eliminação das gorjetas seria uma tendência exportada dos EUA para a Europa. Mas aconteceu justamente o contrário.
A cultura das gorjetas decolou nos EUA no final do século 19 e início do século 20, quando os americanos importaram esse costume da Europa, onde era mais comum, explica o doutor em psicologia social William Michael Lynn, autor de mais de 70 publicações sobre este fenômeno.
Assim, uma vocação elitista motivou os primeiros americanos a dar gorjeta em seu próprio país, imitando os costumes da aristocracia europeia.
No entanto, enquanto no Velho Continente o hábito não se consolidou em todos os estratos sociais, do outro lado do Atlântico ele pegou. Por quê?
A emancipação dos escravos nos EUA no final do século 19 teve um papel fundamental, diz Saru Jayaraman, ativista dos direitos trabalhistas e presidente da organização One Fair Wage.
"Restaurantes e empresas de hospitalidade queriam continuar a ter mão de obra negra gratuita, então adotaram essa cultura da Europa e transformaram a gorjeta de um incentivo extra do salário. Então eles falaram para os negros: nós vamos te contratar, não vamos te pagar, mas você pode receber gorjetas", explica ela.
Ao longo do século 20, a cultura da "gorjeta" se estabeleceu nos EUA, mas não sem resistências — seis Estados aboliram temporariamente essa prática em 1915, opositores proeminentes como o ex-presidente William Howard Taft surgiram e grupos anti-gorjeta foram formados — até que em 1966 a gorjeta foi definitivamente consolidada quando o Congresso promulgou a cláusula "Tip Credit".
Esse sistema permite que empresários do setor de serviços paguem a determinados funcionários um salário inferior ao salário mínimo, supondo que isso será complementado pela generosidade dos clientes.
Assim, hoje nos EUA o salário mínimo para trabalhadores que recebem gorjetas é de US$ 2,13 (quase R$ 11) por hora.
No entanto, apenas Porto Rico e 15 dos 52 Estados mantêm o salário mínimo federal. No resto do país, ele é maior e varia de US$ 2,33 (R$ 12) em Wisconsin ou US$ 6,60 (R$ 34) em Illinois a US$ 12,50 (R$ 64) em Nova York e US$ 13 (R$ 67) na Califórnia.
"Basicamente vivo de gorjetas", diz Diana, 30, que trabalha como garçonete em um restaurante peruano em Miami.
Seu salário é de US$ 6,98 (R$ 36) por hora, o mínimo legal na Flórida, que chega a uma média de cerca de US$ 1,2 mil (R$ 6,1 mil) por mês.
No entanto, contando as gorjetas, sua renda mensal passa de US$ 4 mil (R$ 20 mil) brutos. "O que me pagam por hora mal dá para cobrir os impostos", diz ela à BBC News Mundo.
Com seu trabalho como garçonete, Diana pagou seus estudos universitários, ajudou sua família e até poupou um pouco.
E se as gorjetas são boas para os trabalhadores de restaurantes, na vida noturna elas são ainda maiores.
"Na minha experiência, em uma noite você pode ganhar entre US$ 300 e US$ 1 mil (R$ 1,5 mil e R$ 5 mil). Depende do tipo de festa e do ambiente, se você presta um bom serviço e se você é bonito. Eu sou bonita e noto que me dão mais gorjetas", explica Silvia, uma chef cubana de 36 anos que trabalha no bar em boates e festas particulares em Miami.
A relação entre gorjetas e aparência física, gênero ou raça de quem as recebe tem sido objeto de estudo e também motivo de polêmica.
Um relatório da consultoria IPUS CPS publicado na revista especializada Eater indicou que entre 2010 e 2016 os funcionários brancos nos EUA ganharam em média US$ 7,06 (R$ 36) em gorjetas por hora, ante US$ 6,08 (R$ 31) para os latinos, US$ 5,57 (R$ 28) para os negros e US$ 4,77 (R$ 24) para asiáticos.
Além disso, garçons brancos, pouco mais da metade do total, responderam por 78% dos empregos em restaurantes de alta gastronomia, onde as gorjetas são maiores.
De acordo com um estudo mais recente, realizado pela One Fair Wage em Nova York em 2020, garçons brancos ganham US$ 5 (R$ 25) a mais por hora do que garçonetes negras.
"Homens brancos sempre recebem mais gorjetas devido ao preconceito implícito dos trabalhadores americanos", diz a presidente da ONG.
Jayaraman diz que a One Fair Wage não pede a abolição das gorjetas, mas leis que igualam o salário mínimo de todos os trabalhadores, considerando que a dependência de gorjetas coloca os empregados — principalmente mulheres e minorias — em uma posição mais frágil.
"Se você vive quase inteiramente de suas gorjetas, você é muito vulnerável ao preconceito e ao assédio do cliente. É por isso que nossa indústria tem as maiores taxas de assédio sexual nos EUA, juntamente com enormes disparidades entre mulheres, pessoas de cor e homens brancos que recebem gorjetas", denuncia.
Nota do blog: Eu, por princípio, sou contra gorjeta. Acho que todos os trabalhadores tem que receber pagamento diretamente do seu empregador, que é para quem eles trabalham, exatamente como acontece com a imensa maioria dos segmentos comerciais / industriais.
Qual a lógica de uma pessoa ter que pagar o salário de um funcionário de uma empresa de propriedade de um terceiro, da qual é cliente, para atendê-lo? O correto não seria o proprietário dessa empresa pagar seus próprios funcionários, para atender seus clientes, exatamente como acontece com a imensa maioria das atividades econômicas pela mundo?
Ter que pagar um funcionário de uma determinada empresa (da qual você é cliente) para obter um "bom atendimento" é algo que beira o absurdo (se você não for bem atendido, não comprará mais naquele local).
Ninguém deveria ter que trabalhar por gorjetas, ter sua renda baseada na boa vontade de outras pessoas. O correto é ter um salário, direitos e deveres, saber o quanto vai receber em troca da venda de sua mão-de-obra.
Sempre paguei gorjetas mas nunca concordei com isso. Sempre achei uma "tática" dos comerciantes para não remunerar seus funcionários com justiça, tercerizando o pagamento para os clientes. Acho, inclusive, que os estabelecimentos faturariam mais se ao invés de usar essa "tática", pagassem seus funcionários de maneira regular.
Finalizando, deixo claro o princípio que uso no tocante ao tema: se tiver que optar entre dois comércios, um que paga seus funcionários regularmente não cobrando gorjeta dos clientes e outro que usa essa "tática", vou sempre optar pela primeira. É o meu modo de combater essa prática que considero errada.
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