Os "Túneis Secretos" de Curitiba, Paraná, Brasil - Artigo
Curitiba - PR
Fotografia
Texto 1:
Histórias sobre caminhos subterrâneos que ligariam diversos pontos de Curitiba despertam a curiosidade e a imaginação de muita gente. Lendas sobre redes de túneis para dar fuga de perseguição, servir de esconderijo para tesouros ou atividades obscuras e violentas fazem parte da cultura dos moradores da capital há mais de um século.
Há quem diga que embaixo do centro histórico já existiu uma cidade subterrânea. Outros que contam sobre extensas galerias feitas por escravos, há cerca de 300 anos, a mando de padres da Companhia de Jesus. Existem relatos a respeito de um pirata inglês que usou túneis do Vista Alegre para guardar as riquezas que roubou. Além de histórias sobre túneis feitos por alemães, durante períodos de guerra, que serviriam de passagens entre prédios do antigo Centro.
Conversas sobre o assunto e até as narrativas oficiais em documentos, livros ou jornais antigos geralmente seguem para o campo da superstição. Diante de incompletas evidências, restou preencher com imaginação as lacunas dos registros históricos. O que existe de concreto, hoje, são umas poucas entradas de túneis em certos pontos da cidade, preservadas quase sempre por acaso. Algumas foram registradas em fotografias antes de desaparecer. A maioria foi obstruída sem deixar vestígio, durante mudanças urbanísticas.
Estivemos no que restou destes túneis, na tentativa de descobrir quais histórias podem ter fundo de verdade e quais não passam de fantasias.
Túnel da Delegacia de Explosivos, Armas e Munições:
Caminhamos pelo corredor até a última sala da Delegacia de Explosivos, Armas e Munições (Deam), no São Francisco, mas ainda não havíamos chegado ao subsolo. Os investigadores começavam o trabalho e fomos apresentados ao investigador Rogério Matuella, 54 anos, policial mais antigo da delegacia. Trabalha no prédio desde os anos 80 e conhece bem a história do lugar. É nosso guia nos porões que dão acesso à entrada do túnel.
A delegacia fica na Rua Ermelino de Leão, atrás do Museu Paranaense e perto do Belvedere e das ruínas da igreja de São Francisco de Paula. Seguindo Rogério, atravessamos mais salas e descemos algumas escadas. Depois de passar por pesadas portas de metal, enfim chegamos ao úmido porão. Segundo Rogério, nos tempos da ditadura militar, o local foi usado para esconder e torturar os “inimigos internos” do país. Foram encontrados documentos de prisioneiros e outros indícios.
O túnel da Deam possui três celas e há uma elevação de concreto antes da porta que leva à última. “Os militares usavam um armário para obstruir o calabouço. Impediam a passagem de luz e abafavam o som. O prisioneiro realmente desaparecia”, comenta o policial. Sem iluminação artificial, a escuridão ali dentro é monstruosa.
Depois de acender as lâmpada,s é possível ver os ladrilhos portugueses do assoalho. Na terceira cela existe uma parede recente, com grade de metal, que permite visão para o outro lado. Passando a câmera fotográfica pela estreita grade, conseguimos fazer um registro da entrada do antigo túnel, que a parede nova bloqueia.
A entrada é de tijolos à vista e segue modelo de construção das galerias do Mercês e do Clube Concórdia. O túnel da delegacia é conhecido por poucos. A maioria dos pesquisadores não sabia da existência dele. Pela direção, deve seguir para o Museu Paranaense ou para a região das ruínas. Mas essa dúvida só acaba se uma passagem for aberta na parede da terceira cela. De acordo com Rogério, é uma possibilidade a ser estudada. As marcas de patas de gato, perto da grade do túnel, mostram que pode haver uma saída.
Segundo o investigador Rogério, a hipótese mais provável é de que o túnel da delegacia seja ligado ao Museu Paranaense. O prédio foi construído em 1929, para uma família alemã. Depois se tornou “Palácio São Francisco” e foi sede do governo estadual entre 1938 e 1953. “O prédio da delegacia sempre foi imóvel do governo. Acredito que o antigo túnel era uma ligação entre os dois prédios, uma passagem segura para o governador”, supõe o policial. Porém, não descarta a possibilidade de ser em direção ao Largo da Ordem e as igrejas do centro histórico. “Sempre teve boato de túneis naquela região”. Devido à umidade, quando a Deam foi instalada no prédio, o porão se tornou inútil e a passagem do túnel foi fechada.
Túnel do Clube Curitibano:
Além de ser um dos prédios mais antigos de Curitiba, a sede do antigo Clube Concórdia, hoje pertencente ao Clube Curitibano, no bairro São Francisco, possui câmaras subterrâneas e a entrada de túnel mais bem preservada da capital. Entramos no edifício e depois de passar por um majestoso corredor, com as portas do salão principal à direita, chegamos a uma discreta passagem à esquerda para descer as escadas. É preciso se abaixar para entrar na câmara, que é feita de tijolos à vista e tem forro abobadado – técnica usada para evitar que desabe com o peso superior.
Possui pouco mais de dez metros e ao final há uma estreita abertura. Ainda é possível entrar e seguir por mais alguns metros. Depois a passagem é bloqueada.
“A primeira ligação seria com a casa ao lado, que era de um alemão”, aponta o pesquisador Marcos Juliano Ofenbok. “É possível que o túnel seguisse para o Largo da Ordem ou para o prédio ao lado da atual sede da Guarda Municipal, que era um depósito”. O túnel do Clube Concórdia foi de conhecimento restrito dos membros da comunidade alemã por muitas décadas, até que em 2007, Ofenbok e um colega conseguiram entrar no local e divulgaram o que tinham encontrado. Logo depois, diversas equipes de televisão fizeram o registro e a resistência de um ou outro associado mais antigo do clube esfriou.
No Clube Concórdia há também uma galeria subterrânea embaixo do palco do salão principal. Neste local existem algumas paredes mais recentes, que podem esconder outras entradas para o túnel principal. O prédio foi inaugurado em 1887. Era sede da Liga Alemã de Cantores e reunia imigrantes e descendentes germânicos. Por imposição do governo brasileiro, no fim dos anos 30, os membros foram obrigados a abandonar o nome alemão e passaram a ser “Club Concórdia”, incorporado há alguns anos pelo Clube Curitibano.
Ofenbok acredita que esse sentimento de perseguição durante a primeira e a segunda guerras mundiais foi estímulo pra construção dos túneis. “Poderiam usá-los em fugas ou como esconderijo. Muitos prédios antigos, feitos por imigrantes ou ordens religiosas, tinham estratégia subterrânea”.
O pesquisador Marcos Ofenbok não descarta a possibilidade de o túnel ter tido conexão com a Catedral Basílica de Curitiba. “O responsável pela construção do templo foi o mestre de obras alemão Henrique Henning, que teve a história contada pelo jornalista Cid Destefani no livro ‘A cruz do alemão’. Não deixa de ser uma possibilidade, já que ambos os prédios foram construídos na mesma época”, afirma.
Ele ainda acredita que poderia haver túneis que ligariam a Catedral à Igreja da Ordem e à Igreja do Rosário, seguindo para as ruínas da Igreja de São Francisco de Paula. Em 2007, quando Ofenbok tornou pública a existência do túnel do Clube Concórdia e cogitou a possibilidade de haver galerias que o interligavam a Catedral e demais igrejas da região do Largo do Ordem, o arcebispo dom Pedro Fedalto fez a seguinte declaração: “não posso falar que não existe, mas não tenho conhecimento. São lendas”.
Entramos em contato com a administração da Catedral, mas não conseguimos falar com nenhum religioso ou representante. A arquiteta Giceli Portela, responsável pela restauração da Catedral, em 2012, disse apenas que não tem conhecimento de nenhum túnel na igreja. Porém, pesquisadores apontam que embaixo do altar havia uma saída de ar de uma galeria subterrânea. Muitas das histórias ligadas aos túneis de Curitiba são relacionadas às ordens religiosas que ajudaram imigrantes perseguidos, como alemães e italianos. Os túneis na região do Vista Alegre e Mercês são bons exemplos.
Túnel do Bairro das Mercês:
Até meados dos anos 60, Curitiba viveu uma espécie de corrida pelo ouro. Moradores mais antigos do bairro Vista Alegre das Mercês, principalmente os das cercanias do Bosque Gutierrez, ainda lembram bem dessa história. A entrada do túnel, que supostamente foi usado pelo famoso pirata Zulmiro para esconder seu tesouro, ficava na esquina das ruas André Zanetti e Amapá. Mas as mudanças urbanísticas o soterraram.
Antes de isso acontecer, várias pessoas tentaram explorá-lo e alguns até fizeram escavações acreditando que iam enriquecer. No entanto, os relatos de tesouro não tiveram comprovação.
“Usávamos vela para entrar no túnel e nunca dava para ir muito longe. Era assustador. Ainda havia poucas casas na região. Teve gente que disse ter encontrado moedas de ouro, mas nunca soube de provas”, afirma Valdir Silva, 66 anos, relembrando os tempos de adolescente. Jeanete de Mattos, 65, filha de um dos pioneiros do bairro, conta que quando era garota, ouvia relatos dos meninos sobre o túnel. “Os mais corajosos entravam. Tinha lenda de fantasma, a maioria sentia medo”.
O túnel ficava na chácara da família Gutierrez, que doou parte do local para a prefeitura. Antes dos Gutierrez, a chácara foi do comerciante Manoel Cunha e, anterior a ele, pertenceu a Amadeu Teixeira Pinto, o primeiro a instalar luz elétrica no túnel para explorá-lo. Alguns acreditam que antes dele, no local funcionava um asilo para leprosos e que eles teriam construído o túnel.
O professor de história e arquitetura da Universidade Federal do Paraná, Key Imaguire Júnior, fez o último registro fotográfico do túnel, ainda na década de 60. “As paredes estavam esburacadas pelos caçadores de tesouros. Absolutamente não era o caso”, desacredita. Para Key, a hipótese mais acertada é de que o local foi construído por leprosos, para se esconder de uma eventual perseguição.
Para o pesquisador Marcos Ofenbok, os túneis do Bosque Gutierrez foram construídos por escravos, a mando de padres jesuítas. “Sempre procuravam locais elevados e com fonte de água. As nascentes do bosque são famosas e foram muito usadas por religiosos”, salienta. Os padres da Companhia de Jesus tinham a missão de catequizar povos indígenas e as regiões tropicais eram consideradas bastante hostis. Com medo de que eles se voltassem contra a coroa de Portugal, em 1760, o Marques de Pombal os expulsou do Brasil. Curitiba ainda era uma pequena vila e há quem diga que os jesuítas permaneceram somente em Paranaguá, onde construíram um colégio, que hoje é museu da cidade. No local há túneis, semelhantes aos encontrados na capital, mas não há registro histórico que os relacione.
O escritor Vicente Nascimento Júnior, fundador do Instituto Histórico de Paranaguá, é um dos poucos a relatar sobre a passagem do pirata William Saulmers pelo Paraná. Segundo Vicente, há cerca de 170 anos, Saulmers era oficial da marinha inglesa e, após abandonar o posto, fez diversos saques contra embarcações no Caribe e sul do oceano Atlântico. Teria escondido parte de seus tesouros na Ilha da Trindade. Depois disso, teria escondido parte em túneis que existiam perto da casa onde morou, na região do Vista Alegre, em Curitiba.
O inglês tinha um comportamento reservado. O nome Saulmers foi adaptado para Zulmiro, até sua morte, por volta de 1892. O historiador Vicente Nascimento tinha 12 anos nessa época e relatou mais tarde em seu livro “Histórias, crônicas e lendas”, que Saulmers teria revelado o segredo do tesouro antes de morrer.
Por volta de 1880, Zulmiro foi visitado pelo paulista Edward Stammers Young, filho de ingleses, que entrevistou o velho pirata. Vicente relata que Saulmers ficou animado em ouvir e falar a língua materna e, com a morte eminente, entregou o mapa para Edward. Mas o tesouro não estava em Curitiba, e sim na Ilha da Trindade, o posto mais avançado do território brasileiro no Atlântico. Mesmo após três expedições de paulistas até a ilha, nenhuma moeda jamais foi encontrada.
Texto 2:
“É bem provável que exista alguma ligação secreta escondida. Até porque atrás do colégio fica o Círculo Militar, e o exército sempre teve essa estratégia subterrânea em toda a sua história”. É com essa afirmação que o pesquisador Marcos Juliano Ofenbock descreve uma das mais curiosas histórias de Curitiba.
Os túneis espalhados pela região das Mercês e do Centro da cidade até hoje chamam a atenção de aficionados pelo tema. Há quem acredite que seja possível desvendar, através de escavações, os mistérios guardados por diversas gerações nessas passagens subterrâneas da capital paranaense.
Marcos conta que os túneis foram utilizados entre o período da primeira e segunda Guerra Mundial e teriam conexões entre o antigo Clube Concórdia (atual Clube Curitibano), e as igrejas Catedral, da Ordem, Rosário e Ruínas de São Francisco, no Largo da Ordem. Cada um desses túneis teria saídas estratégicas para outros lugares.
“Eu acredito que a conexão da Igreja Matriz [Catedral] foi utilizada pelo exército durante a Segunda Guerra Mundial e que conectava com o depósito de munição do exército que fica na esquina das Ruas Carlos Cavalcanti com a Rua Riachuelo”, diz Ofenbock.
O pesquisador argumenta que, em 2012, durante o período de reformas da Catedral, foi descoberto um poço sobre o chão do altar. “Ninguém sabe dizer o porquê deste poço. Na minha opinião era o respiradouro do túnel que foi alagado pelo exército”.
Segundo Marcos Juliano Ofenbock, essas passagens subterrâneas serviam para esconder tesouros, documentos, restos mortais e até mesmo para que imigrantes pudessem empreender fuga. “Eles precisavam dessa passagem secreta para uma possível invasão nazista, caso os alemães ganhassem a guerra na Europa e viessem para a América do Sul. Acho que a igreja poderia ser um local de reunião de líderes de uma possível resistência e distribuição de suprimentos”.
Empolgado, Marcos também fala da passagem no Colégio Estadual do Paraná (CEP). "Outro ponto da cidade que todos relatam que existe uma saída subterrânea é o CEP. O interessante é que a planta do colégio é a mesma da academia militar das Agulhas Negras (unidade de treinamento do Exército em Resende, no Rio de Janeiro), e o prédio possui um subterrâneo preparado para servir como abrigo antiaéreo”, explica Ofenbock.
Para o pesquisador, há chances de que tenham outras passagens secretas ainda dentro da estrutura do colégio. “Se essa construção foi baseada em um modelo militar, é bem provável que exista alguma ligação secreta escondida. Até porque atrás do colégio fica o Clube Círculo Militar, e o exército sempre teve essa estratégia subterrânea em toda a sua história”.
Sobre o antigo Clube Concórdia ele afirma que o túnel levava a dois lugares. “Uma conexão iria para as galerias do Largo da Ordem, e, a outra, em direção a Fundição Muller, onde atualmente está instalado o Shopping Mueller”, explica.
Na busca por outras passagens subterrâneas, Juliano conta que já entrou em vários lugares da cidade. Entre eles estão os porões da Câmara de Vereadores e casarões antigos. Ele explica que o interesse em estudar os possíveis túneis, é apenas para resgatar a história da cidade. “Resgatar a história é uma coisa legal porque a gente resgata para as gerações futuras e para si próprio”.
Fomos até a sede do antigo Clube Concórdia citado pelo pesquisador e constatou que existe um porão com uma entrada para um túnel quem tem aproximadamente 97 cm x 1,10 m de diâmetro.
Segundo Claudio Mader, um dos associados do clube, há muitas histórias, mas não é correto afirmar nada com convicção. “Não sei até onde é história ou lenda. Desse porão sai um túnel perto do banheiro e termina num alicerce de uma construção feita entre 1956 e 1957. Dali para frente é suposição, mas não tem registro oficial disso em lugar nenhum”, conta.
Para Mader, os associados acreditam que existe muita chance de não existir túnel nenhum, tendo como base o desenvolvimento da cidade de Curitiba. “Se existisse esse túnel com conexão para outros lugares como a igreja Matriz, por exemplo, com todas as galerias de água e esgoto que se tem em Curitiba, já teria sido descoberto esse túnel”, pondera Claudio.
Segundo a assessoria de imprensa do Curitibano, o prédio foi construído muito antes da primeira Guerra (1914-1918). A data de fundação do clube é 1886. Diante disso, o associado não vê a possibilidade do túnel ter servido de abrigo para refugiados. "Essa construção é muito anterior a primeira guerra mundial, não tem nada a ver e a suposição que o túnel teria sido construído para esconder”.
O porão, que é atualmente é ocupado pelo bar do clube, antigamente era o espaço da cozinha. Os mantimentos eram guardados nesse local porque na época não havia geladeira, e o local era o mais bem ventilado entre os demais.
A assessoria de imprensa confirmou ainda que existem projetos de restauração da sede, recém-incorporada, mas não afirma que serão feitos investimentos para que se investigue a procedência do túnel. "Trata-se de um patrimônio cultural de Curitiba, e por isso, todo cuidado histórico é tomado para que a composição do prédio seja resguardada".
Nota do blog: As fotos são do túnel do Clube Curitibano.
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