quinta-feira, 13 de julho de 2023

Primeira "Calçada Portuguesa" / Petit Pavé, Castelo de São Jorge, Lisboa, Portugal

 


Primeira "Calçada Portuguesa" / Petit Pavé, Castelo de São Jorge, Lisboa, Portugal
Lisboa - Portugal
Fotografia




A chamada "calçada portuguesa", conforme a conhecemos, em calcário branco e negro, foi empregada pela primeira vez em Lisboa no ano de 1842, por presidiários, então chamados "grilhetas".
A iniciativa partiu do Governador de Armas do Castelo de S. Jorge, Tenente-general Eusébio Cândido Furtado. O desenho foi uma aplicação simples, tipo zig-zag. Para a época foi uma obra de certa forma insólita que motivou versos satíricos dos cronistas portugueses e levou o escritor Almeida Garrett a mencioná-la no romance "O Arco de Sant'Anna".
O sucesso foi tanto que proporcionou ao Tenente-general novas verbas para pavimentar toda a área do Rossio - seguramente a região mais conhecida, mais central de Lisboa - numa extensão de 8.712 metros quadrados.
Com isso a pavimentação se espalhou por toda a cidade e pelo país. As jazidas estavam disponíveis nos maciços na periferia da capital portuguesa.A preferência pelas pedras confere uma espécie de atualização ao uso comum, até pouco antes, de seixos nos átrios das casas, dos conventos e palácios.
Curiosidade: a pedra preta que normalmente as pessoas tratam como basalto, é na realidade calcário negro, apesar de também se utilizar basalto para calcetar, nomeadamente nos Açores, é um tipo de pedra completamente diferente com um mais difícil corte e aparelhamento.

Petit Pavé em Curitiba, Paraná, Brasil




 

Petit Pavé em Curitiba, Paraná, Brasil
Curitiba - PR
Fotografia


Texto 1:
Sobre o petit-pavé, termo de origem francesa, significa pequeno pavimento. Em 1842, no Castelo de São Jorge, uma prisão de Lisboa, o comandante militar Eusébio Furtado ordenou aos presos que cobrissem o pátio com um zigue-zague de pedras. O resultado foi tão fantástico que atraiu a atenção não só dos portugueses. E, consta, foi objeto de uma das primeiras fotografias do mundo, feita por Louis Daguerre.
Batizado de mosaico português, o trabalho deu origem a uma profissão, a de calceteiro. Vai daí que, em Portugal, surgiria em 1986 uma escola para certificação desses profissionais.
Rio de Janeiro e Manaus, em 1905, foram brindados com a chegada do mosaico, graças aos portugueses que para lá imigraram.
A calçada com mosaicos passou a fazer parte da história de Curitiba na década de 1920. Temos como exemplo um trecho da Rua Conselheiro Laurindo, em frente ao Teatro Guaíra, e que remete a ondas do mar, lembrando calçadas de Copacabana. Não demorou e os pinheiros, pinhas e pinhões, estilizados pelo pintor e desenhista Lange de Morretes, ganharam seu devido espaço.
Na Praça Tiradentes, inclusive, encontramos temas indígenas. E, a alguns passos dali, imagens modernistas, com motivos geométricos criados pelo arquiteto Osvaldo Navaro.
Segundo o dicionário, calceteiro, substantivo masculino, é o operário que trabalha no calçamento de ruas ou de outras superfícies com pedras ou paralelepípedos. Trabalhador que faz o revestimento de calçadas com pedras portuguesas, pedras em forma de cubos que formam mosaicos.
O dicionário deveria acrescentar que é mais do que um trabalhador, é também um artista.
Texto 2:
Tanto quanto permitem saber minhas viagens terrenas e astrais, as calçadas e pavimentos executados com pequenas pedras remontam ao Império Romano. Na verdade, é uma prática muito óbvia para que ninguém a tenha pensado antes —mas, como pedigree para uma ideia, o Império Romano já está ótimo.
Embora esses calçamentos possam ser vistos em logradouros anteriores à cisão que deu origem ao Império Romano do Oriente — por exemplo, Óstia — e respectiva cultura bizantina, temos nesse momento um apogeu de formulações espaciais adjacentes: exemplo maior, o mosaico. 
Herdeiros da civilização romana, os portugueses — e não só eles — vão aplicar a estética do mosaico, devidamente adaptada, às suas calçadas. Há uma perda na capacidade de detalhar, que se compensa na estilização.
As calçadas portuguesas rodaram o mundo, onde se desejava um piso com trabalho mais refinado e elegante. No Brasil, são famosas as calçadas da Avenida Atlântica, com desenho lisboeta, mas o encontramos em muitas cidades com distritos históricos.
No caso de Curitiba, esse calçamento é particularmente importante: iniciou-se seu uso na cidade na década de vinte do século 20. Era um momento de preocupação, em vários estados brasileiros, com as identidades regionais. Na falta de figuras emblemáticas como o bandeirante, o gaúcho ou o cangaceiro, os paranaenses vão buscar na natureza — na então dominante floresta de araucárias — formas para alimentar o movimento que veio a se chamar “Paranismo”.
Esta crônica não é o momento para desenvolver a questão, já trabalhada dentro e fora da Academia. Diremos apenas que não durou o quanto merecia — ou deveria. E, entre as muito poucas marcas que deixou, os padrões decorativos no que chamamos de petit-pavé são os mais importantes. São uma presença marcante dentro das nossas paisagens urbanas mais tradicionais do centro da cidade.
Nem todos os desenhos das “calçadas portuguesas curitibanas” remetem ao Paranismo — mas, como bem demonstrou a arquiteta Lucia Vasconcelos, são diversas as origens que resultaram nas estilizações que conhecemos.
Mas — enfatizando — ainda que aviltados, maltratados e denegridos, são a última testemunha daqueles tempos que se aproximam do centenário. Ótimo momento para uma ação de resgate, valorização e até, retomada com novas propostas estéticas — mesmo porque, há muita calçada insípida, culturalmente inexpressiva, na cidade. Nem dá gosto de pisar…

Petit Pavé / Técnica de Pavimentação - Artigo

 


Petit Pavé / Técnica de Pavimentação - Artigo
Artigo

Um clássico português que ganhou as calçadas de diversas cidades brasileiras, o "petit pavé" conhecido como "pedra portuguesa", é um estilo de revestimento de piso utilizado especialmente na pavimentação de passeios, praças e espaços públicos.
"Petit pavé" é um termo francês que significa "pequeno pavimento".
Mas sua história teve início em Lisboa, capital de Portugal, no ano de 1842 quando o então comandante militar Eusébio Furtado determinou que os presos do Castelo de São Jorge cobrissem o chão do pátio com um zig-zag de pedras de formas mais ou menos regulares, em cores brancas e pretas.
Na época o layout diferenciado atraiu os olhares de quem passava por ali e acabou conquistando uma popularidade que foi além das fronteiras portuguesas.
No Brasil o "petit pavé" chegou por volta de 1905, trazido pelos colonizadores portugueses.
De acordo com os registros, as primeiras obras calceteiras foram realizadas em Manaus e no Rio de Janeiro, as quais deram origem a um dos cartões-postais mais famosos da cidade maravilhosa.
O "petit pavé" é popularmente conhecido como "calçada portuguesa". Esse estilo de calçamento é feito com pedras – geralmente calcário e basalto - em formato irregular, e costumam ser constituídas por padrões decorativos com pedras de cores distintas.
A criação e desenvolvimento do "petit pavé" foi tão importante para a sociedade portuguesa que em 1986 foi criada pela Câmara de Lisboa uma escola de calcetaria com o objetivo de divulgar as calçadas artísticas portuguesas.
Por suas características funcionais e estéticas, o estilo de calçamento português ganhou fama e alargou sua utilização.
Na época, a utilização do "petit pavé" estava diretamente ligada ao desenvolvimento da cidade, como por exemplo em Manaus, quando a cidade estava no auge da extração da borracha, e em São Paulo, com o mercado cafeeiro.

Sobrados, Rua Cerqueira César, Centro, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil


 

Sobrados, Rua Cerqueira César, Centro, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
Ribeirão Preto - SP
Fotografia

Nota do blog: Embora desfigurados (especialmente na parte térrea), ainda mantém seu charme.

Sala Clara Cauchick, Secretaria da Cultura e Turismo, Shopping Santa Úrsula, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil


 

Sala Clara Cauchick, Secretaria da Cultura e Turismo, Shopping Santa Úrsula, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
Ribeirão Preto - SP
Fotografia


Você sabia que Ribeirão Preto tem um espaço para promover cultura e turismo no Shopping Santa Úrsula? Pois é, eu também não sabia, mas agora temos.
Foi criado por meio de parceria entre a Secretaria da Cultura e Turismo e o Shopping Santa Úrsula, com objetivo de oferecer atividades culturais de forma gratuita.
A “Sala Clara Cauchick” será ocupada por diversas atividades culturais, como modalidades de danças, exposições, oficinas, palestras, bate-papo, atividades artísticas, entre outras.
Como é? Aí já não sei, estive em um sábado no referido shopping e a sala estava fechada, justamente o dia da semana que a maioria da população e turistas tem para passear e conhecer as coisas da cidade...




Indiana Jones e a Relíquia do Destino 2023 - Indiana Jones and the Dial of Destiny






















Indiana Jones e a Relíquia do Destino 2023 - Indiana Jones and the Dial of Destiny
Estados Unidos - 154 minutos
Poster do filme



 

Praça Osório, Vista Panorâmica, Curitiba, Paraná, Brasil


 


Praça Osório, Vista Panorâmica, Curitiba, Paraná, Brasil
Curitiba - PR
N. 9
Fotografia - Cartão Postal


Ao centro, vê-se a Rua Comendador Araujo adentrando nos limites da Praça, tendo os trilhos dos bondinhos que vinham da Comendador em direção à atual Av. Luiz Xavier. À direita, em diagonal, também iniciando na Praça, vemos o traçado da Rua Vicente Machado.
Não poderíamos deixar de citar a existência do predinho que abrigou o início da telefonia de Curitiba. Ele está encoberto pelas árvores, mais à esquerda, onde começa a Travessa Jesuino Marcondes. Ali, alguns anos antes, Olyntho Bernardi instalou a Companhia Telephonica Paranaense - CTP, que dispôs uma pequena central manual com 120 linhas para a população. No lado direito da foto, percebe-se um poste telefônico que abriga 12 cruzetas com 10 isoladores em cada nível, o que permitia a condução de 120 linhas saindo para toda a cidade.
Em meados do século 19, o terreno da Praça Osório não passava de um grande banhado formado pelo Rio Ivo. Na época, a área alagadiça era um entrave para o prolongamento da Rua das Flores, que contava apenas com três quadras de extensão – da Rua Barão do Rio Branco até a Alameda Dr. Muricy. O fato perdurou até o início dos anos de 1870, quando o Governo da Província – ao visualizar o progresso na região – autorizou a abertura da Estrada do Mato Grosso (atual Comendador Araújo).
A cerimônia de lançamento da pedra fundamental para abertura dela aconteceu no dia 15/04/1871, após a Câmara Municipal designar uma comissão com o intuito de demarcar o local.
Seu primeiro nome foi "Largo Oceano Pacífico". A mudança para a denominação atual aconteceu em 27/02/1879 como forma de homenagear Manuel Luís Osório, general de destaque durante a Guerra do Paraguai, passando a chamar-se "Largo General Ozório", porém, sem ter recebido um projeto específico, ficou uma área descampada onde destacamentos faziam manobras militares e circos montavam suas lonas.
As primeiras obras no local viriam ocorrer em 1905, quando o então prefeito Luiz Xavier determinou fossem feitos os melhoramentos no entorno da região; terraplanagem e o revestimento do mesmo com saibro e pedregulho; arborização do Largo; calçamentos, entre outras iniciativas. O fim das obras, no dia 29/10/1905, contou com a apresentação da banda de música do Regimento de Segurança do Estado.
Outras alterações urbanas viriam na sequência como a ligação entre as Avenidas Vicente Machado e Luiz Xavier e a Rua XV de Novembro; novo jardim com objetivo estético; tratamento paisagístico à francesa com estátuas de sereias e de um cisne; um relógio para marcar o horário oficial do município; além do calçamento em "petit-pavet".
A partir da metade do século 20, a Praça Osório recebeu mais intervenções: áreas de lazer, diversão, exercícios físicos, e a criação da Arcada da Praça Osório com bancas de revistas, cafés e a Boca do Brilho.
Nota do blog: A imagem é da década de 1910. A explicação para isso é que vemos um bonde de tração elétrica contornando a Praça Osório. Na época dos bondes de tração animal, eles circulavam no corredor central dela, exatamente onde a imagem parece mostrar obras para a erradicação dos trilhos de bitola de 700 milímetros que ali haviam. Os bondes elétricos foram testados em 1912 e entraram em operação em janeiro de 1913.

Vaso de Flores (Vase de Fleurs) - Maximilien Luce

 




Vaso de Flores (Vase de Fleurs) - Maximilien Luce
Coleção Privada
OST - 64x50 - 1907






Douglas DC-4 Sobrevoando Nova York, Estados Unidos

 


Douglas DC-4 Sobrevoando Nova York, Estados Unidos
Nova York - Estados Unidos
Fotografia

Nota do blog: Imagem de 1939.

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Quem Foi o Primeiro a Traduzir a Bíblia Para o Português? - Artigo

 






Quem Foi o Primeiro a Traduzir a Bíblia Para o Português? - Artigo
Artigo



Se você já manuseou uma Bíblia, são grandes as chances de ter se deparado com o nome dele na folha de rosto: João Ferreira de Almeida. Ou, para usar a versão completa: João Ferreira Annes d’Almeida.
Trata-se de um português nascido em 1628 que, oriundo de família católica, tornou-se protestante e, aos 17 anos, conseguiu uma proeza: foi o primeiro a verter para o português os livros considerados sagrados que formam a Bíblia.
"Ele nasceu em Torre de Tavares, então reino de Portugal, viajou por várias regiões que tinham ligação tanto com Portugal quanto com os [hoje chamados] Países Baixos, viajou por regiões onde atualmente ficam a Indonésia e Malásia", conta à BBC News Brasil o historiador e teólogo Vinicius Couto, doutor em ciências da religião pela Universidade Metodista de São Paulo, presbítero da Igreja do Nazareno e professor do Seminário Teológico Nazareno do Brasil e do Seminário Batista Livre.
A ligação de Almeida com a religião vem desde a mais tenra infância. Órfão, acabou criado por um tio, que possivelmente era sacerdote católico.
"Segundo consta em alguns documentos e relatos de historiadores, esse tio era padre. E ele assumiu a responsabilidade da criação e do cuidado do Almeida", afirma à reportagem o pesquisador Thiago Maerki, associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos.
"O fato é que pouco se sabe a respeito da infância e da adolescência desse sujeito, mas ele teria recebido uma excelente educação, possivelmente sendo preparados para seguir a carreira religiosa, inclusive."
Aos 14 anos ele já estava na Ásia. Ali, acabou instalando-se na Batávia, a atual capital da Indonésia, hoje chamada de Jacarta. Naquela época a região era disputada entre portugueses e holandeses.
A cidade era o centro administrativo da Companhia Holandesa das Índias Orientais e, logo ao lado, Malaca, na atual Malásia, havia sido colônia portuguesa depois conquistada pelos holandeses.
"No ano seguinte, ele deixou a Igreja Católica e se converteu ao protestantismo", prossegue Maerki. Essa guinada foi fundamental na trajetória que Almeida teria como tradutor da Bíblia.
Por razões históricas, vale ressaltar. Afinal, no contexto da chamada reforma protestante, a partir da questão trazida por Martinho Lutero (1483-1546) e que abalou os alicerces do catolicismo de então, era importante que o fiel tivesse acesso aos textos bíblicos diretamente e em sua língua. Ora, isso motivou que uma série de traduções bíblicas fossem realizadas pelo mundo, sobretudo nos século 16 e 17.
Almeida ingressou na então denominada Igreja Reforma Holandesa sob esse contexto. E logo viu que havia uma lacuna a ser preenchida: até então, os crentes lusófonos não contavam com uma versão no seu idioma.
A conversão de Almeida ao protestantismo não foi acidental, mas sim fruto do contato que ele teve, em Batávia, com os membros da igreja holandesa. "[A conversão] foi depois da leitura que ele teve de uma obra que trazia uma perspectiva anticatólica, questionando pontos que o protestantismo [histórico] questiona em relação ao catolicismo", pontua Couto.
Trata-se de um manifesto intitulado 'Differença d’a Christandade'. E entre os ataques promovidos pelo panfleto à Igreja Católica estava um ponto que serviria de maior estímulo ao incipiente tradutor: o uso exacerbado do latim durante os ofícios religiosos, em detrimento de línguas vernaculares.
"A tradução da Bíblia para as línguas vernaculares é uma conquista da reforma protestante. Uma grande sacada dos protestantes foi justamente isso: traduzir a Bíblia para as línguas das pessoas, as línguas que as pessoas falavam", contextualiza à BBC News Brasil o historiador, filósofo e teólogo Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
É justamente por isso que Maerki define Almeida como um jovem "com ímpeto e desejo de mostrar o quanto estava de fato permeado pela atmosfera protestante, encantado com a Igreja Reformada".
"Porque nela, um dos elementos principais é justamente a tradução da Bíblia para o vernáculo", acrescenta.
A base da tradução de Almeida foi a consagrada versão em latim elaborada pelo teólogo protestante francês Teodoro de Beza (1519-1605). Mas não foi a única fonte — os registros históricos indicam que ele, como é praxe em trabalhos de tradução do tipo, comparou sua versão com as opções realizadas por outros autores.
"O Beza foi um teólogo que trabalhou bastante na arqueologia bíblica, com muitos comentários [em sua tradução]. Almeida utilizou isso, mas também usou as versões da Bíblia em castelhano, francês e italiano", ressalta Couto. "Nesse período, já tínhamos uma boa quantidade de traduções da Bíblia para outros idiomas."
Almeida terminou sua primeira versão do Novo Testamento em 1645, quando ele tinha, impressionantemente, apenas 17 anos. Ele pretendia que o material fosse publicado e, conforme alguns pesquisadores afirmam, chegou a enviá-lo para um editor em Amsterdã. "Entretanto, essa primeira versão do trabalho dele se perdeu", relata Couto.
O tradutor descobriu isso apenas em 1651, quando foi procurado por interessados em publicar a versão em português. Então decidiu recorrer aos seus rascunhos, preservados, para refazer o trabalho.
Dali em diante, houve intensos debates acerca da publicação ou não do seu trabalho, já que alguns que tiveram acesso aos manuscritos puseram-se a criticar fortemente a qualidade da tradução. Em 1656 ele foi ordenado pastor da Igreja Reformada e enviado para Ceilão, hoje Sri Lanka. Ali, além de atuar como sacerdote, dava aulas de português para outros religiosos e ensinava o catecismo.
Em paralelo à sua atuação comunitária, dedicava-se a revisar a Bíblia.
"Seu texto chegou a ser publicado mas, logo em seguida, identificaram problemas de tradução. E tudo foi recolhido às pressas, para que não circulasse", afirma Couto. "Ele consegui pregar e fazer uso de alguns desses textos, mas uma equipe passou a se dedicar a revisar tudo."
Algumas dessas versões chegaram a circular. O Museu Britânico, em Londres, guarda um exemplar cuja impressão data de 1681. Mas ainda eram tiragens restritas e não consensuais entre os cristãos lusófonos.
Sobre a vida de Almeida, pouco se sabe. A maior parte dos textos biográficos aponta que ele teria se casado, no Ceilão, com uma mulher chamada Lucrécia Valcoa de Lamos. Assim como ele, ela também seria protestante de origem católica. O casal teria tido dois filhos, um menino e uma menina.
Sua vida foi cheia de conflitos, tanto com católicos quanto com grupos locais. Por suas pregações contra a Igreja Católica, enfrentou proibições do governo da Batávia, em 1657. Também experimentou sanções similares em Colombo, no atual Sri Lanka, entre 1658 e 1661.
Na então possessão portuguesa de Tuticurim, atualmente parte da Índia, os problemas foram com as populações locais. Ali, anos antes, uma comitiva da Inquisição havia promovido uma queima de seu retrato em praça pública, indicando aos habitantes que ele não era bem-visto pela Igreja Católica que tanto criticava.
No período de cerca de um ano em que ele foi pastor ali, sofreu as consequências. Moradores nativos se recusavam a ouvi-lo, e poucos aceitavam serem batizados ou terem seus casamentos abençoados pelo religioso.
Almeida morreu na atual Indonésia em 1691, com 63 anos. Não havia ainda concluído a sua tradução definitiva do Antigo Testamento e esse trabalho prosseguiu com um de seus colegas missionários, o pastor holandês Jacobus op den Akker (1647-1731).
Oficialmente, nem Akker nem Almeida viram a obra concluída. De acordo com a Sociedade Bíblica do Brasil, aquela que é considera a primeira edição da Bíblia completa em português foi publicada apenas no ano de 1753, em dois volumes. Já a primeira versão consolidada em apenas um volume data de 1819.
Uma curiosidade adicional à vida de Almeida é que muitas impressões antigas o creditam como "padre". "Na verdade ele nunca foi padre. Ele foi um pastor calvinista", frisa Moraes.
Até hoje muitas das versões da Bíblia em português trazem o gênese da versão de Almeida. É o caso daquela conhecida como ARA, assim chamada porque é Almeida Revisada e Atualizada. Também há a Almeida Corrigida Fiel e a Edição Revista e Corrigida, entre outras.
"É uma referência em língua portuguesa, uma tradução muito boa. Mas é lógico que, com o passar do tempo, vai-se fazendo ajustes e isso também é importante de salientar", comenta Moraes.
O historiador e teólogo dá um exemplo sobre esses ajustes. Por exemplo, quando no Antigo Testamento são mencionados os filhos de Noé. "Antes dos anos 1990, eles eram chamados de Sem, Cão e Jafé. Então começaram a chamar de Sem, Cam e Jafé. Para não gerar nenhum estranhamento com a palavra 'cão'", exemplifica Moraes.
Outra passagem bastante conhecida também foi ajustada mais recentemente. Trata-se do Salmo 23, aquele do "o Senhor é meu pastor, nada me faltará".
Ali, as versões antigas continham a frase "a tua vara e o teu cajado me consolam". "Os tradutores [contemporâneos] mexeram nessa expressão, porque com 'vara' poderia se gerar uma situação jocosa", conta Moraes. A ARA traz "o teu bordão e o teu cajado me consolam".
O teólogo Couto também identifica problemas na tradução de Almeida. No relato da criação do mundo, no livro do Gênesis, por exemplo, o trecho em que Deus cria "o homem à nossa imagem, conforme à nossa semelhança", é seguido da frase "e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra".
A ideia do ser humano "dominando" a natureza, se não incorreta, soa anacrônica aos tempos atuais, em que o discurso ambiental clama por cuidados ecológicos.
"A questão é que o verbo dominar vem do hebraico e essa tradução feita assim é muito pobre. Difícil encontrar uma tradução precisa, porque a ideia de domínio passa uma imagem de superioridade, sugerindo que o ser humano domina a natureza e esta lhe é inferior", comenta Couto.
"Mas, na verdade, a palavra original trazia uma conotação diferente, um sentido de mordomia responsável, querendo dizer que o ser humano seria quem deve cuidar da criação", explica o especialista.
O pesquisador Maerki ressalta outros trechos curiosos, alguns responsáveis, segundo ele, por "distorções".
"Um dos problemas apontados pelos estudiosos é a tradução da palavra ídolo, tanto do hebraico quanto do grego", afirma.
"Almeida traduz como escultura, como imagens em escultura, e não como ídolos. E isso acarreta justamente esse debate entre a tradição católica e a protestante sobre ter ou não imagens [sacras]. Foi um problema de tradução que originou um debate teológico."
"Outro trecho curioso está no livro de Isaías, quando a palavra que originalmente no hebraico significa ‘moça jovem’ foi traduzida por ele como 'virgem', mesmo que no hebraico haja outra palavra para 'virgem'", aponta. Trata-se do trecho encarado como profético e utilizado pelo cristianismo, sobretudo católico, para justificar o dogma da virgindade de Maria, mãe de Jesus: “eis que uma virgem conceberá, e dará à luz a um filho […]."
Probleminhas e problemões à parte, é unânime o reconhecimento de que o trabalho realizado por pioneiros como Almeida são dignos de respeito pela dificuldade em se traduzir textos tão complexos em uma época antiga. “Não havia os recursos de hoje e o tradutor sempre têm de fazer opções. Estamos falando de textos que originalmente foram escritos em idiomas com estruturas e até caracteres diferentes, como o hebraico, o grego antigo…”, comenta Moraes.
"O trabalho desses homens que traduziam a Bíblia no passado é um trabalho digno dos maiores louvores porque, além dos conhecimentos que eles tinham de ter das línguas ditas originais: o grego, o hebraico, o próprio latim, e de outras versões que eles já usavam para cotejar e decidir as melhores opções de tradução, como o francês, o italiano, o inglês, essa era uma temática totalmente nova", acrescenta o professor, lembrando que a reforma protestante encabeçada por Lutero que havia aberto essas possibilidades não estava tão distante daquele tempo.