A Caixa D'Água "Francesa" Fabricada na "Escócia", Praça da Caridade, Atual Praça Piratinino de Almeida, 1922, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil - Artigo
Pelotas - RS
Fotografia
A Caixa d’Água “Francesa” fabricada na “Escócia”:
A primeira cláusula do contrato da Companhia Hydráulica
Pelotense com o
Governo da Província previa a colocação de “um ou mais
reservatórios” no centro da cidade. O relatório da Companhia Hydráulica
Pelotense, de 1872 informou que as plantas e os detalhes para a execução das
obras foram contratadas com os Srs. R. B. Bell & D. Miller, engenheiros da
municipalidade de Glasgow, Escócia. A canalização também era proveniente de
Glasgow, do estabelecimento Phoenix Foundry de Thomas Edington & Filhos,
empresa de fundição que funcionou entre os anos de 1804 e 1920.
Mas com relação ao reservatório em ferro que foi colocado na
Praça da
Caridade (atual Piratinino de Almeida), não existem informações
que digam quando foi efetivamente encomendado, mas considerando que as plantas
e detalhes do sistema de abastecimento e os encanamentos vieram de Glasgow,
deduzimos que o projeto incluía também o reservatório.
Na Caixa d’Água de Pelotas não existe nenhuma inscrição que
identifique
sua origem, mas o reservatório de Rio Grande preserva uma placa
(foto no final do artigo) que revela sua procedência. Como o reservatório de
Rio Grande é igual ao de Pelotas, pois Hygino Correa Durão também foi
responsável, na mesma época, pela implantação do sistema de abastecimento da
cidade de Rio Grande, podemos concluir que a caixa d’água de Pelotas foi
fabricada pela mesma firma.
Na placa está registrado o nome da empresa que fabricou os
reservatórios,
Hanna Donald & Wilson, Makers, Abbey Works, Paisley, 1875.
A empresa de
engenharia Reid & Hanna, foi estabelecida em 1816, na
cidade de Paisley, na
Escócia. Em 1851, foi criada uma nova sociedade e o nome da
firma passou a ser Hanna Donnald e em 1870, com a inclusão de mais um sócio, a
companhia se tornou Hanna Donnald & Wilson. A empresa construía embarcações
navais, pontes, caldeiras, estações em ferro e sistemas de água e gás. A Hanna
Donnald & Wilson também realizou projetos de engenharia e mecânica que se
espalharam pela Europa, Oriente, Canadá e Austrália. A companhia foi arrematada
em 1910 e vendida em 1920.
A empresa Hanna Donnald & Wilson ficava na cidade de
Paisley, município
este que é vizinho da cidade de Glasgow, local de onde veio o
projeto do sistema de abastecimento de água de Pelotas, encomendado pela
Companhia Hydráulica Pelotense. Naturalmente, os engenheiros de Glasgow
conheciam os produtos da companhia Hanna Donald & Wilson e como parte
integrante do projeto incluíram o reservatório.
No mapa da Escócia percebe-se que a cidade de Glasgow é vizinha
de Paisley.
Inicialmente, a intenção da Companhia Hydráulica Pelotense era
instalar o
reservatório na Praça Pedro II (atual Coronel Pedro Osório),
mas a Câmara
Municipal não concordou com e expediu um ofício ao Governo da
Província:
O Sr. Dr. Anibal fez a seguinte proposta: - Proponho que a
Câmara
Municipal desta cidade proteste desde já contra a collocação da
Caixa d’Água
geral da Companhia Hydráulica Pelotense na Praça Pedro 2º e que
se officie
ao Exmo Sr. Presidente da Província mostrando a inconveniência
de tal
collocação não só nesta praça como em qualquer outra
pertencente a esta
câmara. - Ficou o Dr. Anibal encarregado da redação do offício
a presidência.
(Ata da Câmara Municipal de Pelotas, 3 de junho de 1872.)
O Governo da Província concordou com a reclamação da Câmara
Municipal
e aprovou sua determinação:
Responde (o Governo da Província) a câmara que aprovou sua deliberação
de não consentir na collocação da Caixa d’Água que pretendia a Companhia
Hydráulica Pelotense estabellecer na Praça Pedro 2º, por isso concorda com as
providências de que a mesma Companhia por seu contrato deve adquirir terreno
para aquele fim. (Ata da Câmara Municipal, 8 de julho
de 1872.)
Não existem informações de como a Praça da Caridade (atual
Piratinino de
Almeida) foi escolhida para a colocação do reservatório. Mas em
1875, os jornais anunciam a chegada de parte do material para a montagem da
caixa d’água e de que o local seria em frente a Santa Casa de Misericórdia. A
procedência do material, informada pela imprensa, era a cidade de Glasgow,
Escócia:
No dinamarquez Ellida, chegado ante-hontem ao Rio Grande,
procedente de Glasgow, veio a maior parte do material destinado
ao
reservatorio d’água que deve ser collocado em frente a Santa
Casa de
Misericórdia, nesta cidade. O resto do material vem em viagem,
no navio
Prince Alfred, que há mais de um mez sahiu de Glasgow. (Correio
Mercantil,
24 de janeiro de 1875.)
O material foi enviado para Pelotas em um lanchão dias depois:
A bordo do lanchão Dous Irmãos, procedente do Rio Grande,
chegou
hontem a esta cidade uma parte do material destinado ao
reservatório d’água
que deve ser collocado em frente ao novo edifício da Santa Casa
de
Misericórdia. (Correio Mercantil, 12 de fevereiro de 1875.)
Junto com o material veio também o engenheiro responsável por
coordenar
os trabalhos de montagem. Para conduzir as peças até a praça, a
Companhia Ferro Carril, estendeu trilhos de ferro:
Acha-se no porto da cidade todo o material necessário ao
levantamento da torre que deve servir para o reservatório
principal da agua
na cidade. Também já chegou o engenheiro encarregado de
realizar esse
trabalho, que deve começar mui brevemente. A conducção desse
importante
material, para o lugar destinado, esta contractada com a
Companhia Ferro
Carril, que para isso precisa estender trilhos até a praça da
Caridade Nova.
Agora podemos exclamar, cheios de satisfação: Graças ... a
Deus! (Correio
Mercantil, 22 de abril de 1875.)
Em 28 de abril de 1875, o material começou a ser conduzido para
a Praça
da Caridade:
Começou hontem a conducção do material, destinado ao depósito
d’água da cidade, para o lugar onde há de ser collocado. Esse
trabalho estara
prompto nesta semana e no principio da outra deve principiar a
organisação
daquelle deposito, para o que já ahi se acha o pessoal
competente. (Correio
Mercantil, 29 de abril de 1875.)
Os trabalhos de levantamento do reservatório começaram em maio
de 1875:
Começaram já os trabalhos para o levantamento do reservatorio
d’água
da cidade, no Largo da Caridade Nova. Ahi se acham depositados
quasi
todos os materiaes precisos, e, a julgar pela regular
quantidade de gente
empregada, muito breve se espera a terminação de semelhante
trabalho. Já
não é sem tempo. (Correio Mercantil, 8 de maio de 1875.)
Em 13 de julho de 1875, o jornalista Antônio Joaquim Dias tece
elogios ao
empreendimento da Companhia Hydráulica Pelotense:
No largo da Santa Casa de Misericórdia, ergue-se altivo e
magestoso o
edifício de ferro destinado a reservatório d’água da Companhia
Hydráulica
Pelotense. É uma obra imponente, um monumento de arte e de
subido valor,
que veio restabelecer completamente a reputação, até agora um
tanto
enfraquecida, do contratador dos trabalhos Sr. H. Correa Durão.
Não está de todo concluída essa magnífica obra, porque faltam
ainda
algumas chapas, que se esperam brevemente, mas pode-se desde já
avaliar
da sua incontestável e grande importância.
Nunca ninguém se persuadiu que o emprezario da Hydráulica
Pelotense
cumprisse tão satisfactoriamente a condição do seu contrato que
se referia à
construção do depósito d’água, nem tampouco jamais passou pela
idéia de
alguém que fizesse uma obra tão gigantesca e admirável.
Hoje, ante os factos, é de rigorosa justiça restituir-lhe os
créditos que se
haviam posto em duvida e um dever imprescindivel encarecer o
seu
procedimento. Nós, que fomos sempre os primeiros a censural-o
quando de
censura o consideravamos merecedor, queremos tambem ser os
primeiros,
por desencargo de consciência e por amor a verdade, a tecer-lhe
os louvores
de que se tornou digno pela maneira honrosa e mesmo superior a
toda a
espectativa por que desempenhou aquella parte do seu contracto.
Fazemos justiça.
O texto ainda continua descrevendo a grandeza do monumento:
Como dissemos, o depósito é todo de ferro; ocupa mais ou menos
uma
circumferência de 150 metros; 45 elegantes columnas, de ordem
jonica,
assentes sobre pilares de pedra, e formando dous angulos,
sustentam a caixa
d’água, que se eleva a 25 pés da superfície térrea e contém
capacidade para
1,500 metros cúbicos. A caixa d’água é toda coberta de chapas
de ferro, e no
centro superior, em espécie de cupula, destaca-se um magnífico
torreão,
rodeado de columnatas, destinado a passeio. Entre columnas
principais
interiores estão os canos que devem conduzir a água ao
reservatório e em
torno delles deve ser collocada uma escada de caracol para
conduzir ao
torreão. Faltam-nos outros dados para completar a descripção
desse
grandioso monumento, que só com a vista pode ser
convenientemente
apreciado.
Para nós, como público, devemos confessal-o francamente, o Sr.
Durão
restabeleceu em todos os sentidos os seus créditos como
emprezario dos
trabalhos da Hydraulica e fez jus ao respeito e estima da
população
pelotense. (Correio Mercantil, Antônio Joaquim Dias, 13 de
julho de 1875.)
Os últimos materiais para completar o reservatório chegaram no
final de julho
de 1875, em uma escuna dinamarquesa, chegada de Glasgow,
Escócia:
Na escuna dinamarquesa Anna, chegada de Glasgow, veio o resto
do
material que completará o depósito d’água, mandado levantar à
praça da
Caridade pela Hydráulica Pelotense. (Jornal do Comércio, 21 de
julho de
1875.)
No mês de agosto a obra estava quase concluída, faltava apenas
a
colocação da escada:
Vão muito adiantados os trabalhos do deposito de água da
cidade. O
reservatorio esta concluído e agora trata-se da colocação da
escada central,
que já esta a mais de metro. A julgar pela atividade que se
observa, pelo
considerável número dos operarios empregados é de esperar que
os
trabalhos fiquem concluidos mui brevemente. (Correio Mercantil,
26 de agosto
de 1875.)
No mês seguinte foram feitos os primeiros testes para verificar
o
funcionamento do reservatório:
O Sr. Gerente da Companhia Hydráulica Pelotense faz-nos a
seguinte comunicação, para qual chamamos a attenção dos
interessados:
“Fechar-se-á hoje o encanamento desde às 6 horas da tarde até
às 8 da
noute, fechando-se novamente às 10 horas da mesma noute até às
10 horas
da manhã seguinte, afim de fazer-se experiência na torre e
alguns trabalhos
na canalisação”. (Jornal do Comércio, 2 de setembro de 1875.)
Finalmente, em setembro de 1875, as obras do reservatório
estavam
concluídas, faltando apenas a pintura:
Está completamente armado o importante edifício de ferro
destinado
a reservatorio d’água da cidade. Falta apenas pintal-o interior
e
exteriormente, trabalho que ainda consome o espaço de tres
mezes. Não
obstante, já se pode admirar como um verdadeiro monumento
d’arte que se
constitue um padrão de glória para o empreiteiro das obras.
(Correio
Mercantil, 5 de setembro de 1875.)
Concluiu-se em setembro (1875) último a torre que constitue o
reservatório d’água na cidade. Relatório da Província de São
Pedro. (Porto
Alegre: 1876, pg. 47.)
O Album de Pelotas, de 1922, apresenta uma foto (Foto principal
do post) da caixa d’água.
O equívoco de Henrique Carlos de Morais:
Em 1892, com o aumento das torneiras nas casas começou a haver escassez
no abastecimento de água, que passou a ser feito somente durante alguns períodos
do dia. Para sanar esse problema, a Companhia Hydráulica Pelotense, construiu
uma casa de bombas a vapor para bombear água até um reservatório, elevado a 34
metros acima do nível da represa. Os motores, a caldeira, as bombas e o
reservatório de ferro foram encomendados da firma dos Srs. Fould Fréres &
Cia, de Paris, sob a supervisão do engenheiro Sr. L. Cassan, a um preço de 5500
libras.
Na foto (no final da matéria) vemos o reservatório que veio de
Paris para a
Represa Moreira, em 1892.
Com base nestas informações, o diretor do Museu Histórico da
Biblioteca
Pública Pelotense, Henrique Carlos de Morais, passou a redigir
artigos afirmando que a caixa d’água da Praça Piratinino de Almeida tinha vindo
de Paris, França.
Esses artigos começaram a ser divulgados e publicados em
diversos estudos e
pesquisas disseminando uma informação equivocada. A caixa
d’água em ferro que veio de Paris é a que foi instalada na Estação de
Tratamento de Água do Moreira, em 1892.
A caixa d’água da Praça Piratinino de Almeida veio da cidade de
Paisley,
vizinha da cidade de Glasgow, Escócia, de onde foi encomendado
todo o projeto e os materiais do sistema de abastecimento de água implantado
pela Companhia Hydráulica Pelotense. Para percebermos o engano basta
compararmos os textos do Relatório da Companhia Hydráulica Pelotense, de 1892,
referentes a caixa d’água da Estação de Água do Moreira e o de Henrique Carlos
de Morais, em 1965:
Resolveu mandar vir de conta da Companhia por intermédio dos Srs.
Fould Fréres & Cia, de Paris, fazendo seguir o engenheiro Sr.
L. Cassan
com o fim de fiscalisar a construção do referido material. Aos
referidos Srs.
Fould Fréres & Cia... tem até esta data sacado a favor dos
mesmos a quantia
de 5500 libras a taxa de 14. Tendo seguido em principios do mez
de
Dezembro (1892) para Paris o engenheiro Sr. L. Cassan a fim de
desempenhar a comissão para a qual foi nomeado, é hoje
agradável a esta
directoria comunicar-vos que aquelle Sr. já telegraphou ao Sr.
Gerente,
dizendo ter comprado com economia os motores, caldeiras, bombas
e a
torre de ferro. (Relatório da Companhia Hydráulica Pelotense,
1892.)
Reza a crônica que foi León Cassan o engenheiro fiscal da
antiga
Companhia Hidráulica Pelotense, que mandou vir de Paris,
comprado da
firma Fouila Fréres & Cia, todo o material necessário ao
reservatório d’água.
O custo total acompanhado da bomba motor, caldeira, e a torre ...
foi de
5500 libras inglesas, câmbio 14. MORAIS, Henrique Carlos de. Caixa
d’água. (Biblioteca Pública Pelotense, CDOV A, pasta HCM 4,
agosto 1965.)
Nenhum documento ou jornal da época em que a caixa d’água da
Praça
Piratinino de Almeida foi instalada, afirma que ela seria de
origem francesa, pelo contrário, sempre registram que os materiais vieram de
Glasgow, Escócia, local de onde vieram os projetos do primeiro sistema de
abastecimento de água de Pelotas.
Portanto, desfeito o equívoco, podemos afirmar com certeza de
que a caixa
d’água da Praça Piratinino de Almeida é de origem escocesa.
Elementos estéticos e arquitetônicos:
A caixa d’água da Praça Piratinino de Almeida é sem duvida um dos mais belos monumentos da arquitetura do ferro no Brasil,
pelas suas qualidades formais e a sua grande importância para história da
arquitetura. O projeto revela perfeita integração da forma arquitetônica e
técnica construtiva e, sob o ponto de vista formal, expressa a intenção de
monumentalidade, através da sua volumetria, do porte dos seus elementos
estruturais e do trato dos ornamentos.
Construída com a técnica da pré-fabricação em peças basicamente
de ferro
fundido revela um elevado nível de precisão dimensional dos
elementos modulados.
Sua planta é em coroa circular, de forma cilíndrica, com
capacidade de armazenar 1500 m³ de água e com a caixa elevada sobre quarenta e
cinco colunas em ferro fundido, dispostas em três anéis, externo, interno e no
centro.
As paredes internas e externas são feitas em painéis modulados
de ferro fundido, no topo existe um mirante, composto de colunas e
cúpula de ferro fundido apoiado na estrutura central da caixa. A cobertura era
originalmente em telhas de zinco, atualmente é de telha de cimento amianto 6mm.
A escada de acesso ao interior da caixa e do mirante foi feita em ferro
fundido, de forma helicoidal e implantada no centro. A caixa d’água é ornada com
consoles, grades, molduras e arcos em ferro fundido.
As colunas de seção circular têm forma cônica, executadas em ferro
fundido, com a base e o capitel liso sem detalhes ornamentais. Entre as colunas existem molduras em grades de ferro.
As paredes internas e externas são painéis curvos horizontalmente.
Na borda externa do painel superior existe uma pequena platibanda vazada.
O mirante implantado acima do nível da cobertura, como coroamento
da proposta monumental da caixa d’água, é constituído de colunas e cúpula em
forma de decágono com consoles e pináculos em ferro fundido. Do lado externo os
painéis da cúpula têm moldura saliente com mesmo desenho dos painéis das
paredes externas. O patamar do mirante recebe a escadaria de acesso e se apoiam
em um tubo central.
No núcleo central está implantada a escada helicoidal com degraus,
espelhos decorados e corrimão de ferro fundido, que dá acesso ao mirante e ao
interior da caixa.
Circundando o cordão, foram implantados postes de ferro fundido para iluminação, fabricados no Rio de Janeiro. Texto de Janaina Silva Xavier.
Placa de identificação da Caixa D'Água da cidade de Rio Grande/RS
Reservatório em ferro do Moreira vindo de Paris em 1892
Estado atual da Caixa D'Água de Pelotas/RS
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