Por Que a Volkswagen Nunca Vendeu no Brasil o Fox, o Nosso Voyage, Exportado Para os Estados Unidos?
Artigo
Em 1987, a Volkswagen do Brasil deu início a um
ambicioso plano, chamado internamente de Projeto 99: a exportação do Voyage e da
Parati para Canadá e Estados Unidos.
Ao todo foram embarcados, até 1993, 202 mil Voyage, lá
chamado de Fox, e mais 25 mil Parati, esta apenas até 1989 e batizada
como Fox Wagon.
Para aportar na América do Norte os modelos passaram por uma
série enorme de modificações, como adoção de injeção eletrônica (antes,
portanto, do nosso Gol GTi) para o motor AP 1.8, painel satélite, particularidades
estéticas e mecânicas para atender a legislação local dos EUA, como
catalisador, para-choque de impulsão, aviso de cinto de segurança desafivelado,
entre muitas e muitas outras.
Lá os carros eram vendidos como subcompactos substitutos do Fusca:
eram, portanto, baratos – seu slogan era “engenharia alemã que todos podem
comprar”. O papel equivalente ao Voyage no Brasil era ocupado na época, nos
Estados Unidos, pelo Jetta.
Ao contrário do que aconteceu com o Passat, cuja versão
para exportação ao Iraque acabou sendo comercializada também no Brasil, os Voyage
"Fox" nunca foram vendidos no país.
Isso acabou criando um certo desapontamento local, com o
argumento de que ‘o que é bom vai para o exterior e os brasileiros ficam com as
porcarias’ e outros assemelhados.
Mas por que afinal a VW nunca vendeu esses carros aqui? Um
documento de época interno da Volkswagen, parte do acervo do MIAU, o Museu
da Imprensa Automotiva, ajuda a decifrar esse mistério de mais de três
décadas.
O documento é datado de 16 de junho de 1987 e explica a
diferença de preço dos Estados Unidos para o Brasil. Então, antes de falar de
valores em si vamos falar de proporções, usando para isso uma moeda imaginária,
chamada dinheiro, apenas para facilitar os cálculos.
Vamos então supor, com base no documento interno da VW, que o
preço líquido do Voyage Fox na porta da fábrica fosse 100 dinheiros.
Para o carro embarcado para os Estados Unidos havia benefícios
fiscais próprios de exportação, que representavam 18,6 dinheiros a menos
(valor que retornava à VW como compensação de impostos locais embutidos nas
peças), enquanto por outro lado havia o valor do frete até lá, que custava 13,3
dinheiros a mais. Com isso o preço líquido do carro nos Estados Unidos era
de 94,7 dinheiros.
Para o modelo vendido no Brasil não haveria nem o
benefício fiscal de exportação nem o frete até a América do Norte,
portanto seu valor permanecia em 100 dinheiros.
Desse passo até o seguinte, as concessionárias, entram os
impostos locais e a margem do revendedor. Nos Estados Unidos, na época, os
impostos eram de apenas 6,8 dinheiros e o lucro do revendedor era de 11,5
dinheiros. Assim o preço final para o consumidor lá era de 113 dinheiros
(94,7 + 6,8 + 11,5).
A diferença gritante começa aí. No Brasil os impostos na época representavam 97,9 dinheiros de IPI, 48,5 dinheiros de ICM e 5,1 dinheiros de PIS e FinSocial. A margem do revendedor ficava em 34 dinheiros – como aqui se vendiam muito menos carros do que nos Estados Unidos a margem por unidade era obrigatoriamente maior. Valor final para o consumidor: 285,5 dinheiros (100 + 97,9 + 48,5 + 5,1 + 34).
A diferença gritante começa aí. No Brasil os impostos na época representavam 97,9 dinheiros de IPI, 48,5 dinheiros de ICM e 5,1 dinheiros de PIS e FinSocial. A margem do revendedor ficava em 34 dinheiros – como aqui se vendiam muito menos carros do que nos Estados Unidos a margem por unidade era obrigatoriamente maior. Valor final para o consumidor: 285,5 dinheiros (100 + 97,9 + 48,5 + 5,1 + 34).
Se você pensa que acabou, espere mais um pouco. Em 1986 o
governo federal instituiu o chamado empréstimo compulsório, que incidia sobre
as vendas de combustíveis e de carros – e durou até 1989.
Ou seja: quando o consumidor comprava qualquer um destes itens,
"emprestava" forçosamente uma parte a mais para o governo, fatia que
no caso dos 0 KM era de 15%. Esse valor a mais em tese seria devolvido aos
consumidores em até três anos, mas adivinhe? Ninguém até hoje viu um centavo de
volta.
No caso do Voyage Fox, assim, sobre os 285,5 dinheiros era
necessário somar mais 42,8 dinheiros do compulsório (15% de 285,5). Valor final
que o cliente teria que pagar: 328,3 dinheiros (285,5 + 42,8).
Ou seja: ainda sem falar efetivamente de moedas, os
brasileiros teriam que pagar praticamente o triplo dos americanos para ter
na garagem exatamente o mesmo carro, fabricado pela VW em São Bernardo do
Campo.
Falando agora em moedas dá para calcular, mesmo que de
forma bastante simplista, quantos seriam aqueles dinheiros. O preço do Fox mais
barato nos EUA em 1987 era US$ 5.690. Assumindo que isso equivale aos 113 dinheiros,
no Brasil ele custaria, na época, US$ 16.531.
Em valores atuais, considerando a inflação americana no
período, estamos falando de um Fox custando lá US$ 12.900 e aqui US$ 37.560. E
isso hoje em reais, com o câmbio a R$ 5, seria R$ 64.500 e R$ 187.800,
respectivamente.
Voltando à pergunta inicial, em outubro de 1987, segundo a
edição daquele mês de AutoEsporte, o Voyage GLS 1.8, versão mais
completa e que usava o mesmo motor do Voyage Fox porém carburado, custava
606.647 Cruzados, a moeda da época. Em valores atuais corrigidos pelo IPCA isso
daria R$ 119,5 mil. É 24% a mais do que a versão intermediária, GL 1.6, Cz$
487.753 ou R$ 96,1 mil hoje.
Vamos assumir então que o Voyage Fox, se fosse vendido aqui,
por razões óbvias representaria o topo de linha da gama Voyage, por ser
mais equipado e tecnológico. Aplicando a mesma variação do GL para o GLS, é
razoável estimar que o Voyage Fox custaria algo como 24% a mais que o
GLS 1.8. Isso daria Cz$ 752.242, ou R$ 148 mil em valores atualizados.
Então vem a resposta definitiva da razão para o Voyage Fox nunca ter sido vendido aqui. Ocorre que o Voyage GLS em 1987 já custava mais caro que um Santana CL 4P, Cz$ 568 mil, e estava bem próximo ao Santana GL 2P, Cz$ 616 mil. O Santana GLS 4P álcool custava Cz$ 752 mil e o gasolina Cz$, 767 mil.
Então vem a resposta definitiva da razão para o Voyage Fox nunca ter sido vendido aqui. Ocorre que o Voyage GLS em 1987 já custava mais caro que um Santana CL 4P, Cz$ 568 mil, e estava bem próximo ao Santana GL 2P, Cz$ 616 mil. O Santana GLS 4P álcool custava Cz$ 752 mil e o gasolina Cz$, 767 mil.
Ou seja: muito provavelmente o Voyage Fox, mantida a lógica de
valor próximo de Cz$ 750 mil, custaria praticamente o mesmo que um Santana
top de linha – e daí se explica o fato de nunca ter sido ofertado no
Brasil.
Quem compraria um Voyage a preço de Santana, por mais
sofisticado que fosse? Ninguém.


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