A História do Motor AP da Volkswagen - Artigo
Fotografia
Durante 27 anos os motores AP equiparam mais de 20 modelos de série fabricados por Volkswagen e Ford (entre eles os bem-sucedidos Gol, Escort e Santana), além de alguns Gurgel e dezenas de fora de série, como os Miura e Hofstetter.
Mas foi a robustez que o tornou tão longevo e a produção em grande escala que fez sua manutenção ser barata. Já a atenção dada aos motores refrigerados a água da Volkswagen desde os tempos do campeonato brasileiro de Marcas e Pilotos o tornou popular entre os preparadores.
Eles faziam os 1.6 AP turbo ultrapassarem os 250 cv.
O que a história quase deixa passar é que o motor AP tem sua origem em um projeto militar da Mercedes-Benz.
O ano é 1958. A Daimler-Benz compra 87,8% da Auto Union, marca fundada em 1932 com a fusão das marcas Audi, Wanderer, Horch e DKW. Seu logotipo composto por quatro argolas é usado até hoje pela Audi.
A Daimler estava interessada nos DKW, compactos e populares que vendiam bem na Alemanha pós-guerra. Mas a economia do pais já mostrava sinais de recuperação e a Mercedes percebeu que muito em breve apenas o leste da Alemanha ainda se interessaria nos fumegantes motores dois-tempos dos DKW.
Surgia a demanda de um novo carro com motor de quatro tempos que seria posicionado entre os DKW e os Mercedes.
Ludwig Krauss encabeçou o projeto a equipe de desenvolvimento. Nasceriam dois motores quatro tempos: um 1.5 boxer e um 1.7 quatro cilindros em linha, o mais promissor dos dois.
Este 1.7 havia nascido em um programa militar da Mercedes. Ele trabalhava com com taxa de compressão de 11,2:1, elevada até para os dias de hoje.
Na época, era apresentada como uma taxa de compressão que ficaria entre os padrões para os motores diesel e os motores a gasolina (Ciclo Otto). Refrigerado a água, foi apelidado como “motor H”.
Nasciam também os protótipos W118 e W119, com duas e quatro portas. Alguns de seus elementos visuais, como a grade frontal larga e elevada, seriam aproveitados nos Mercedes dos anos seguintes, como o W113 SL Pagoda.
Mas a DKW ainda insistia nos motores que precisam de óleo misturado na gasolina. Tanto que problemas novo motor dois tempos que estrearia no DKW F102 forçaram a Mercedes a enviar Krauss para a DKW em 1962.
Os projetos dos W119 e do motor H estavam em sua bagagem.
Quase tudo deu tudo certo. Krauss usou sua experiência de chefe de engenharia da Mercedes nos Grand Prix disputados entre 1938 e 1939 para criar o DKW mais avançado até aquele momento.
Tinha monobloco e suspensão independente com braços sobrepostos na dianteira, mas o motor ainda era um 1.2 três cilindros dois tempos que rendia modestos 60 cv. Não fez sucesso justamente por ser fraco.
Ludwig Krauss recorreu, então, aos seus alfarrábios. Aquele 1.7 criado em seus tempos de Mercedes cairia como uma luva no F102. Ou quase.
Nascia o projeto F103, que consistia em adaptar o F102 ao novo motor. O antigo três cilindros era tão menor que o 1.7 precisou ser inclinado para a esquerda e seu radiador foi deslocado para a direita.
Essa disposição acompanharia este motor e suas variações pelas décadas seguintes.
A campanha de lançamento do Audi F103 fazia questão de dizer que o motor tinha as mãos da Mercedes-Benz.
Mas por que colocaram a Volkswagen na história?
Dinheiro é uma coisa que não sobra e a Daimler não estava afim de estancar as perdas da Auto Union com seu próprio bolso. Resolveu vender sua subsidiária para a Volkswagen em 1964.
Para a VW foi uma grande jogada: o negócio não só garantiu o lançamento do F103 com o motor 1.7 de 72 cv no ano seguinte, como pode ter garantido o futuro da própria Volkswagen.
A VW iniciou a década de 1960 obcecada pelos motores refrigerados a ar instalados na traseira. A presidência da empresa acreditava que manter mecânica semelhante à do Fusca propagaria sua boa reputação.
Mas não era bem assim. Além de visualmente estranhos, os Volkswagen daquela época (como o Typ4) não eram tão atraentes e eram menos estáveis que seus concorrentes com motores dianteiros.
Com a compra da Auto Union, a Volkswagen passou a se dedicar ao F103, que logo passaria a ser chamado de Audi 72, por causa da potência de seu motor. Logo surgiriam os Audi 75, Audi 80 e Audi Super 90.
Em 1969, a fabricante alemã NSU seria integrada à Auto Union. Nascia ali a Audi que conhecemos hoje, que teria seus esforços direcionados para a nova geração do F103.
O novo carro receberia versões atualizadas do motor de compressão intermediária, agora com radiador do lado esquerdo e comando por correia dentada. Também mantinha a suspensão dianteira independente, mas agora do tipo McPherson, mais barata e simples.
Este projeto deu origem ao Audi 80, lançado em 1972 com três opções de motores da nova família EA-827: 1.3 de 55 cv, 1.5 de 75 cv e 1.5 de 85 cv. Foi tão marcante a nomenclatura de suas versões, L, S, LS, GL e GLS, durou décadas.
Na árvore genealógica da Volkswagen, o Audi 80 é o pai do primeiro Passat, lançado em 1973 na Europa. Em 1974 ele já estava em produção no Brasil com a carroceria Fastback nas versões Standard e L.
O motor era sempre o 1.5 com carburador de corpo simples e taxa de compressão de 7,4:1, reduzida em relação ao europeu. Chamado de motor BR, ele rendia 65 cv (DIN) e 10,3 mkgf de torque, e sempre estava combinado ao câmbio manual de quatro marchas.
Ainda assim, era considerado o carro mais moderno do Brasil à época. Não era só pelo motor, com desempenho melhor e menores índices de consumo e ruído frente aos refrigerados a ar, mas também pelo projeto do carro e pelo design assinado por Giorgetto Giugiaro.
Basta comparar o Passat com a Brasília, lançada exatamente um ano antes.
Em 1976 o Passat ganharia a famosa versão TS, com o motor com deslocamento aumentado de 1471 cm³ para 1588 cm³ (1.6 l) e dotado de carburador de corpo duplo alemão.
Era o motor BS, que rendia 80 cv e 12 mkgf de torque, o suficiente para tornar o Passat tão rápido quanto os concorrentes com motores de 6 ou 8 cilindros.
O motor 1.6 ainda ganharia uma versão diesel, que estrearia na Kombi em 1981. Tinha parcos 50 cv e 9,5 mkgf de torque, mas no Brasil só durou até 1986: posicionado na traseira, ele sofria com o arrefecimento deficiente.
Este motor fez sucesso em modelos para exportação, como algumas raras Saveiro a diesel que vez ou outra aparecem anunciadas no Brasil.
Demorou um pouco para os motores do Passat chegarem a outros carros. O Gol foi lançado em 1980 com motor 1.3 refrigerado a ar, mas o Voyage chegou ao mercado em 1981 com o 1.5 BR e no ano seguinte recebeu o 1.6 junto com a recém-lançada Parati.
Mas o Passat continuava com o que havia de mais moderno. Em 1983 ele ganharia faróis quadrados e o motor 1.6 MD-270, atualização do motor BR com taxa de compressão maior (12,0:1 na versão a álcool e 8,3:1 na versão a gasolina), novos comando e pistões, além de carburador de corpo duplo e ignição eletrônica de série.
Rendia 72 cv com gasolina e 81 cv com álcool, e sempre 12 mkgf de torque e ficou conhecido como motor Torque, justamente por entregar força em rotações mais baixas.
Os motores refrigerados a água só chegariam ao Gol em 1984, a nova versão GT ganhou o potente 1.8 MD-270 de 99 cv. No ano seguinte foi a vez dos L e LS receberem o 1.5, já com câmbio manual de cinco marchas como opcional.
Só que os motores MD-270 cobraram o preço das mudanças: suas bielas eram muitos curtas, de 136 mm, e o virabrequim tinha curso maior.
Se por uma lado essas características aumentavam o torque, por outro fazia com que os motores vibrassem muito.
O motor AP, sigla para Alta Performance, surgiu em 1985, quando a Volkswagen corrigiu esse problema.
Instalaram bielas maiores, de 144 mm, pistões de maior diâmetro e virabrequim com menor curso (comparando os 1.6 entre si). Foi o suficiente para garantir aos 1.6, 1.8 e 2.0 8 válvulas um ótimo funcionamento.
Acontece que a biela se movimenta de um lado para outro a medida que o virabrequim gira, formando um ângulo em relação a base do cilindro.
Quanto menor o ângulo, maior é a força lateral que os pistões, movimentados pelas bielas, exercem nas paredes dos cilindros. É essa força que gera a tal vibração e torna o funcionamento do motor áspero.
Futuramente, o motor AP ganharia versões com cabeçote de fluxo cruzado (admissão por um lado e escape por outro), injeção eletrônica, flex e até com cabeçote 16V – que receberia bielas ainda maiores, de 159 mm. Mas a receita básica estava definida.
Neste momento, o motor 1.6 AP (AP-600) gerava 80 cv e 12,4 mkgf com gasolina e 90 cv e 12,7 mkgf com álcool. Já a versão 1.8, AP-800, tinha 85 cv e 14,9 mkgf de torque com gasolina e 92 cv e 15,2 mkgf com álcool.
Ainda tinha o AP-800S, com 99 cv e 14,9 mkgf, dos Santana, Gol GT e Passat GTS Pointer.
A versão 2.0, também conhecida como AP-2000, seria lançada em 1988 com 99 cv e torque de 16,2 mkgf com gasolina e 112 e 17,3 mkgf com álcool no Santana.
Mas o AP-2000 seria destaque no Salão do Automóvel daquele ano, quando o Gol GTI estrearia sua versão com injeção eletrônica, tornando-se o primeiro nacional com o sistema.
Com processadores controlado a injeção de gasolina, rendia 120 cv e 18,35 mkgf. Além disso, pegava de primeira, era mais suave e ainda consumia e poluia menos.
Também coube ao motor AP o título de primeiro motor flex do Brasil, em 2003. Podendo queimar etanol e gasolina em qualquer proporção, o 1.6 rendia 99/101 cv com gasolina e álcool, respectivamente, no Gol Total Flex. O 1.8 surgiria depois com 103/106 cv.
Na longitudinal, levemente inclinado para a esquerda e com o radiador do seu lado direito, o motor Volkswagen AP chegou ao fim com a Parati, em setembro de 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário