Escultura em Porcelana Representando Mefistófeles, Década de 40, Alemanha
Tamanho - 33 cm
Fotografia
Texto 1:
Mefistófeles é um personagem da Idade Média, conhecida como uma das encarnações do mal, aliado de Lúcifer e Lucius na captura de almas inocentes através da sedução e encanto através de roubos de corpos humanos atraentes. Mas é um dos demônios mais cruéis e em muitas culturas também se toma como sinónimo do próprio Diabo.
Durante o Renascimento, era conhecido pelo nome de Mefostófiles, forma da qual deriva uma das suas possíveis etimologias, segundo a qual o nome procede da combinação da partícula negativa grega μὴ, φῶς (luz) com φιλής (o que ama), ou seja, "o que não ama a luz". No entanto, o significado da palavra não foi estabelecido por completo. Butler menciona que o nome sugere diferentes conjecturas nos idiomas grego, persa e hebreu. Entre os nomes sugeridos estão Mefotofiles (inimigo da luz), Mefaustofiles (inimigo de Fausto) ou Mefiz-Tofel (destrutor-mentiroso).
Texto 2:
O Doutor Fausto é um personagem alemão, mitológico e literário. Alguns sustentam que existiu, teria vivido no fim da Idade Média. Teria feito um pacto com o demônio (Mefistófeles), que lhe ofereceu conhecimento por servidão, vida eterna por sujeição, amor por rendição. Fausto aceitou a oferta. Pagará o preço pela incauta decisão.
Em sua forma mais erudita e exuberante, Fausto é desvendado na obra de Goethe (1749-1832), o mais emblemático dos poetas alemães, ao lado do não menos sedutor Friedrich von Schiller (1759-1805). Ambos protagonizaram a fase radical do romantismo teutônico, que os autores de manuais de literatura denominam de Sturm und Drang, o que nos remete às sensações de tempestade e impulso, tal como às vezes sentimos quando ouvimos Mozart e Haydn.
O Fausto, de Goethe, é dividido em duas partes. A primeira delas foi concluída em 1808; a segunda, em 1832. Goethe dedicou 60 anos à composição dessa obra sediciosa. Assim como a descrição do inferno em Dante é mais aliciante do que a descrição do céu ou do purgatório, a primeira parte do Fausto é mais intrigante do que a segunda. É dessa primeira parte que trato. O radicalismo romântico está em seu zênite. A tragédia, em forma de poema, é de tirar o fôlego.
Descrevo o enredo. Mefistófeles visita Deus no céu. Ao lado dos arcanjos Rafael, Miguel e Gabriel (arcanjos são anjos principais, de hierarquia mais elevada), discutem a infelicidade que marca a experiência humana. Para Mefistófeles, a inteligência e a razão pouco valem; a razão, ao fim, faz apenas com que sejamos mais brutos (Viveria ele [o homem] se da celeste luz não tivesse o raio que lhe deste; de razão dá-lhe o nome, e a usa, afinal, para ser feroz mais que todo animal). Mefistófeles simboliza o mal e, alegoricamente, invoca a serpente, que tem como ilustra prima. O problema original está descrito no livro de Gênesis.
Goethe adiantou-se ao pensamento dos filósofos da Escola de Frankfurt, especialmente Horkheimer e Adorno, para os quais o esclarecimento é uma forma de ilusão, instrumento da astúcia, para quem trabalha a razão. Nosso desespero, prossegue Goethe, decorre do fato de que desconhecemos os segredos da vida. É esse desespero que atormenta Fausto (Não julgo algo saber direito, que leve aos homens uma luz que seja edificante e benfazeja), cansado da sabedoria livresca (opresso pela livralhada, que as traças roem, que cobre a poeira, que se amontoa, embolorada). Há algo fora dos livros. Descartes recomendava que lêssemos o livro do mundo.
Ao longo da discussão no céu, Deus lembrou o nome do Doutor Fausto, a quem reputava comprometido servidor. Mefistófeles sugeriu uma aposta, afirmando que seduziria Fausto, desviando-o do bom caminho. Fausto contava com cerca de 50 anos. Doutorou-se em Filosofia, Medicina, Direito e Teologia. Estudava magia, queria ir além do que se conhecia, e duvidava que alguém que decorasse uma enciclopédia todo o conhecimento deteria. Suas inquietações transcendiam a premissa de que toda pessoa racional questiona periodicamente suas metas e motivos e as crenças que os sustentam.
Fausto e Mefistófeles se encontraram num domingo de Páscoa. Uma coisa é chamar os espíritos; outra, é quando eles vêm... A Fausto foi oferecida uma vida eterna, rica em prazeres. Fausto recusou, os deleites da terra não eram suficientes para contentá-lo. Buscava conhecimento. Ajustaram um acordo. Mefistófeles seria servo de Fausto na Terra. Porém, se numa única vez Fausto admitisse um prazer terreno que pensasse em viver indefinidamente, então morreria e seria servo de Mefistófeles no inferno. O contrato foi firmado com o sangue de Fausto. Os pactos devem ser cumpridos (pacta sunt servanda), a menos que as condições originárias se alterem (rebus sic stantibus), como se diz na tipologia clássica do Direito romano.
Fausto conheceu Gretchen, por quem se apaixonou. Honesta, ingênua e piedosa, Gretchen recusou as investidas do sofisticado sedutor. Determinado a conquistá-la, Fausto recorreu a Mefistófeles. Com uma poção mágica, Fausto adormeceu a mãe de Gretchen. Sob baixa vigilância, Gretchen cedeu a Fausto (fugiu-me a paz do coração; já não a encontro, procuro-a em vão), que cruelmente a deixou na manhã seguinte. Fausto e Mefistófeles seguiram para novas emoções e aventuras. Mais tarde, Gretchen descobriu que estava grávida; esperava uma criança de Fausto. O irmão e a mãe de Gretchen morrem. Numa orgia ocorrida num festival de bruxas, um fantasma diz a Fausto que Gretchen está encarcerada, acusada de ser responsável pela morte da mãe e do irmão, bem como da criança, que sufocou quando nasceu. Fausto insiste com Mefistófeles para que corram para salvar Gretchen. A forca estava preparada para a execução da infeliz mulher. No encontro ocorrido na cadeia, Gretchen mostrou-se louca e fora de controle. Fausto quer levá-la. Ela resistiu. Executada, um anjo anunciou que sua alma fora salva.
O Mefistófeles de Goethe é ambivalente; no caminho da maldade, acaba conduzindo Fausto para o lado oposto. Mefistófeles reconhecia essa imprecisão, dizendo-se (...) parte da energia que sempre o mal pretende e que o bem sempre cria. Escravizou Fausto, que reconheceu a situação, justificando os meios pelos fins, como o diplomata florentino cujo sobrenome virou adjetivo. Fausto admitiu que não se comprometeu em vão e que de qualquer forma era escravo, de Mefistófeles, ou de qualquer outro. Viver é uma forma de sujeição, sempre há alguém ou algo que nos oprime. O problema é qualitativo, e não quantitativo.
Fausto simboliza a soberba da busca do poder pelo conhecimento (quero ficar muito erudito, perceber tudo o que há na terra, e tudo o que no céu se encerra, natureza e ciência, ao infinito), que sucumbe ao desejo do objeto amado (traze-me algo do anjo formoso! Traze-me um lenço de seu seio, um laço ao meu ardente anseio!). Indignado consigo mesmo, Fausto arrependeu-se do pacto, ao conhecer o sofrimento da moça enfeitiçada, caída na desventura, em desespero, miseravelmente errante sobre a terra e finalmente prisioneira, entregue a sofrimentos cruéis, a meiga, infausta criatura. Era tarde. As condições originárias do pacto, no entanto, se alteraram.
Nos iludimos quando pensamos que tudo podemos saber. Só que, talvez, apenas sabemos que de nada sabemos, como provocava o filósofo grego marido de Xantipa, que perambulava pelas ruas de Atenas. Os desvios de conduta provocam uma maldição em forma de tragédia, cujo resgate consiste em suportamos a dor, lidando com tudo o que sentimos, e com o que fazemos com as pessoas com as quais convivemos. É nesse momento que vale a redenção de algum arrependimento, que se reverte na compreensão da entrega humana em favor do outro, sem que exijamos nada em troca. Isso é para poucos. Para os santos talvez. Alguns chamam de amor. E foi o amor que redimiu Fausto do pacto com o mal. Romantismo, até a medula. Simples assim.
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