sábado, 22 de janeiro de 2022

O Que Está Acontecendo Com os Carros Franceses? - Jeremy Clarkson

 


O Que Está Acontecendo Com os Carros Franceses? - Jeremy Clarkson
Fotografia


A televisão precisa de atualização constantemente. Nos dias mais sombrios da pandemia, quando todo mundo estava em casa apenas passando tempo ou trabalhando, a indústria toda tornou-se um filhote de labrador que, de alguma maneira, havia cruzado com riranossauro rex. Seu apetite por novidades se tornou voraz.
Como resultado, as pessoas que faziam os programas foram mandadas sair debaixo as mesas de suas cozinhas pelos próprios chefes e sair pelo mundo para, literalmente, fazer qualquer coisa. Uma moça é boa em xadrez? Muito bom. Alguns coreanos que colocam máscara e todo mundo leva tiro? Opa, bom também. E um fazendeiro idoso que não consegue mais trabalhar? Perfeito.
Sei de uma equipe que foi à Austrália para filmar um ator local muito conhecido pelo seu regime para emagrecer. Eles viviam uma vida solitária nos seus quartos de hotel, fazendo o que homens fazem nessas circunstâncias, até que as filmagens finalmente começassem.
Mas, um dia, o tal australiano machucou o pé. Tiveram que voltar para o Reino Unido até que ele estivesse melhor. Então, voaram de volta para Sydney, onde passaram 10 dias em seus quartos hermeticamente selados, assistindo pornografia de 2005 porque já haviam visto tudo o que havia sido feito desde sua primeira visita. E nada de novo havia sido produzido durante todo aquele tempo.
O meu programa The Grand Tour estava com o mesmo problema. O fato de não podermos fazer uma viagem de verdade não era desculpa. Nossa audiência estava enfiada em casa, faminta de coisas para assistir, por isso tivemos que sair e fazer algo. Eu não era oficialmente considerado “trabalho-chave”, mas, na verdade, era.
Fizemos uma reunião. E rapidamente ficou claro que uma viagem ao exterior simplesmente não seria possível. Nossos orçamentos são generosos, mas não há como manter uma equipe de 50 pessoas num hotel durante 10 dias quando não estão produzindo nada. Além do que, você já sabe. O que significava que tínhamos que gravar no Reino Unido.
O resultado foi chamado pela Amazon de CARnificina a Três, o que foi um jogo de palavras inteligente, mas não o título efetivo do programa que imaginei, que era: “O que está acontecendo com os franceses?”
Eu não sabia, à época, que quando finalmente o programa saísse, estaríamos num grande problema diplomático com a marionete Johnny Frog envolvendo escalopes, submarinos e migrantes. O que é só uma coincidência, como H982 FKL*. Mas, vamos em frente.
A real razão para mirar nos franceses é que em toda minha vida ao volante tive carros feitos na Inglaterra, América, Japão, Bélgica, Suécia, Alemanha e Itália. Mas nunca nada feito na França. O Hammond também não. E nem o May, até ele comprar recentemente um Alpine Renault.
Por que isso? Por que iriam três sujeitos que adoram carros deixar de comprar algo do país que, de fato, inventou o esporte a motor? Foi o que resolvemos responder no programa.
Assim que a pesquisa começou, logo transpareceu que o problema não é com os carros franceses: é com os próprios franceses e sua teimosa recusa em ser como todo mundo. Ketchup, por exemplo, está banido dos refeitórios das escolas. E-mails de trabalho não podem ser enviados nos fins de semana. Antes da Covid, ninguém podia comer no escritório: você deve – é lei – sair e fazer isso corretamente, num restaurante.
Eles estão observando todos os itens metálicos aplicados nas roupas das pessoas do mundo todo serem arrastados lentamente pelo ímã que é a América, com seus hambúrgueres e suas Budweiser, e o jeito de pensar 24/7, e não simplesmente jogando bola.
E há ainda a resposta do povo francês às novas leis governamentais, que quase sempre envolve tochas, queima de ovelhas e o ocasional assassinato. Os franceses são praticamente ingovernáveis. Como disse De Gaulle certa vez, “Como se pode governar um país que tem 246 variedades de queijos?”
Quero deixar claro que tenho grande respeito pelos franceses. Admiro sua quase total desconsideração para com os sentimentos dos outros e aprecio muito estar no país deles; até comer sua caça. Mas admito que eles são um tanto esquisitos. Pode-se ver isso nos carros que fabricam.
Lá atrás, nos anos 50, a Citroën viu o que todo mundo estava fazendo com a suspensão e resolveu que, em vez de usar molas metálicas, usaria esferas cheias com algum tipo de fluido sintético. Decisão tomada após pensarem em usar uma hélice para propelir o carro. E na direção ser pelas rodas traseiras.
A Renault fez um carro que era completamente de trás para frente. A Matra produziu um carro esporte de dois lugares que tinha três bancos. E a Citroën — de novo — nos deu um carro com o estéreo montado verticalmente entre os bancos dianteiros, de modo que as migalhas do seu pão ao chocolate caíssem na fenda do cassete.
Mesmo hoje, quando o projeto dos automóveis é completamente global e homogeneizado, eles continuam. Veja um Peugeot atual, por exemplo, e note que seu volante de direção fica abaixo do quadro de instrumentos. Significa que ele tem que ser do tamanho de um botão de camisa, e isso leva à pergunta: por quê?
Todavia, há uma parte da cultura do carro francês que é bem fácil de explicar: sua vontade de se acidentar ao estacionar.
Na Inglaterra estamos sempre de olho no valor de revenda dos nossos carros. Não compramos um carro laranja claro com bancos verdes porque ele será mais difícil de vender, e se ele tiver sofrido um amassado, ficamos preocupados para o caso de o comprador notar o reparo.
Agora, imagine como a vida seria menos estressante se você ficasse com seu carro até ele acabar, ser sucateado, e então comprar outro. Se você nunca precisasse pensar no valor de usado, poderia usar os para-choques para bater e as rodas de liga leve como lembrete auditivo de ter tocado o meio-fio.
Essa é a maneira francesa de ser. Um dos nossos pesquisadores — uma francesa — disse que seus pais nunca venderam um carro, e nenhum dos seus amigos também. Eles apenas compram algo pequeno e barato e literalmente usam-no até o osso.
E isso parece independer de seu sucesso na vida. O jogador da Liga Premier francesa N’Golo tem um Mini com um para-lama afundado, na última vez que o vi. Talvez essa seja a razão de os franceses nunca terem feito um carro off-road grande. Porque será? Se você não se importa com a pintura, pode pegar o hatchback da família e ir aos Alpes com as crianças para um piquenique.
Claro que, apesar de tudo isso, os franceses têm feito um tremendo sucesso todos esses anos: quase todos os seus hatchbacks velozes eram, e ainda são, extremamente bons ao pisar fundo no acelerador.
Mas o melhor dos carro franceses, na minha lista, é o Citroën SM. Seu motor é Maserati V6, e essa mistura de fragilidade francesa e italiana fez dele um dos carros menos confiáveis até hoje. Era também difícil de consertar devido, em parte, a todos os fios dele serem pretos: nunca se sabia qual fio fazia o quê ou mesmo de onde vinha.
Mas era lindo de olhar e tinha um sumtuosamente confortável e extremamente estiloso lugar para sentar. E eu gostaria muito de usar um na nossa próxima aventura Grand Tour, quando ela puder acontecer. Eu só não ia querer trazê-lo para casa comigo depois.
* H982 FKL é a placa do Porsche 928 GT que Jeremy Clarkson dirigiu de Bariloche a Ushuaia, na Argentina, durante o programa Patagonia Special, em outubro de 2014. Ele foi altamente hostilizado porque a placa — coincidentemente — se referia à Guerra das Malvinas: o conflito ocorreu em 1982 e FKL são as iniciais de Falklands, nome das ilhas em inglês.

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