sábado, 22 de janeiro de 2022

Ford Focus ST, Estados Unidos - Jeremy Clarkson

 











Ford Focus ST, Estados Unidos - Jeremy Clarkson
Fotografia


Em 1985, quando James Bond não tinha problemas com sua sexualidade e podia matar um tubarão com um simples golpe de karatê, ele foi mandado à França para descobrir por que o ator de cinema Christopher Walken estava guardando chips de computador no laboratório de doping debaixo dos seus estábulos.
Desnecessário dizer, ele acabou na traseira de um caminhão de bombeiros de difícil controle dirigido por uma bela garota que se tornaria uma estrela pornô, e depois de a cantora jamaicana Grace Jones bombar ele foi visto debaixo de um dirigível raspando no chefe de iluminação do prédio Transamerica de San Francisco.
“A View to a Kill” (“007 – Na Mira dos Assassinos” no Brasil) foi um tremendo filme, mas houve um problema com o pilar central da trama. Eu posso entender um vulcão extinto ou uma estação especial invisível, mas por que alguém esconderia chips de silício?
Seria o mesmo que esconder chips hoje. O fato é que estamos em 2021 e a indústria automobilística encontra-se diante de uma terrível escassez desses malditos itens eletrônicos.
Ao que parece, quando a pandemia começou a pegar firme as fabricantes de automóveis viram que ninguém estava comprando seus produtos e suspenderam seus pedidos dos microchips que controlam tudo, de freios a limpadores de para-brisa.
Um carro moderno normal precisa de cerca de 1.400 deles para funcionar corretamente. Mas, do ponto de vista dos fabricantes de chips, a repentina queda de demanda em nada lhes afetou, uma vez que as pessoas, presas em casa, estavam comprando milhões e milhões de produtos eletrônicos mesmo que nunca fossem usá-los, podiam até jogá-los num armário.
Assim foi que que mudaram a fabricação de chips para carros e passaram a produzi-los para todo tipo de jogos e máquinas para fazer pão.
Mas eis que duas fábricas no Japão se incendiaram afetando seriamente a cadeia de suprimento e, para piorar, aconteceu a guerra comercial entre Mr. Trump e Mr. Xi, o que significou que a China estava escondendo o que estava sendo produzido de chips para usar na sua rede 5G.
Bond? Bem, ele estava ocupado lendo a revista Attitude. E Christopher Walken? Ele estava por aí com seu relógio de ouro, dando gargalhadas e dizendo, “Eu disse a vocês que isso poderia acontecer!”
Hoje a falta de microchips está tão séria que me disseram que quando se compra um Range Rover novo o carro vem com apenas uma chave. Eles simplesmente não têm as diminutas placas de circuito impresso para uma chave-reserva. E isso se houver carro para comprar. A habitual espera de oito semanas para um sedã familiar subiu para seis meses ou mais.
A Jaguar está falando em um ano. A Ford lançou um Puma sem sistema que avisa saída de faixa, assistência avançada de freios, controle de climatização ou Bluetooth, E todos os outros fabricantes, exceto a Tesla, estão com problemas também.
Por que, não sei. Talvez Deus goste de hipocrisia. O resultado de tudo isso é o preço dos carros usados saírem pelo telhado.
Compramos um Audi RS4 para um filme no meu programa Grand Tour que precisou ser adiado devido à pandemia. Hoje ele vale 58 mil reais mais do que há 18 meses.
A Associação do Automóvel britânica concorda, diz que um Mini com três anos teria custado 72 mil reais em 2019, e que hoje seriam quase 113 mil reais. No mesmo intervalo de tempo um Audi A3 valorizou 46%, e aumentos de 30% ou mais são comuns.
O pequeno, apertado e enferrujado carrinho na sua garagem é o que você tem de mais valioso agora. É por isso que esta manhã eu deveria testar o Lincoln Continental 1978 de uma filmagem para o programa Grand Tour no ano passado que peguei de volta.
Ou talvez o Range Rover de quatro anos que uso para caçar. Mas não vou. Em vez deles, por eu ser certinho, acabei testando o novo Ford Focus ST Edition.
Não é nenhuma maravilha. Nenhum Focus jamais foi, mas este, com seu jeito de parecer feito de plástico e pintura tipo camisa de futebol, é uma espécie do agradável e brega ao mesmo tempo Mas não é tão agradável entrar nele.
Para baixar custos, a Ford eliminou quase todos os botões e colocou os controles na tela central, alegando que cada função não requer mais que um ou dois cliques, o que é fato.
Mas quando está chovendo, está escuro e você está meio solto no banco, seu dedo com certeza vai tocar no ícone errado na tela, quando então será necessário parar e pegar os óculos para poder voltar ao ponto de partida.
Botões são muito mais fáceis. Mesmo assim, descontando esse detalhe que tipo topo-de-linha, é um carro bastante prático com muito espaço no banco traseiro, cinco portas e um grande porta-malas, no qual há um jogo de ferramentas para ajustar a suspensão.
Ele está ali não porque a falta de chips signifique que isso não possa ser feito eletronicamente. Ele existe porque a Ford sabe que seus consumidores gostam que seja assim. À moda antiga.
Sério, ela sabe que as pessoas vão acordar numa manhã de sábado e pensar, “É hoje, vou levantar o carro no macaco, abrir o jogo de ferramentas e passar o dia decidindo qual dos 16 ajustes de distensão que eu quero para a minha suspensão de mola e amortecedor concêntricos, e qual dos 12 ajustes de compressão vou escolher. Aí vou ficar online com meus amigos para contar o que eu fiz e o STBOY3526 vai responder dizendo que eu deveria ter escolhido uma altura de rodagem ligeiramente menor.”
Eles podem estar certos. Pode haver pessoas que queiram acertar a suspensão à mão, como neste caso. Só que eu não sou uma delas. Quando compro alguma coisa acho que ela já foi ajustada e acertada por um profissional com muitos anos de experiência e usando mil computadores.
Assim, dispensei levantar o Focus ou mexer nele. Sentei-me ao volante e comecei a dirigi-lo e, meu deus, como é bom! Direção, freios, e o maremoto de torque que vem daquele motor de Mustang a cada pisada no acelerador combina-se com uma poeira mágica como a das fadas para criar algo realmente especial.
E isso antes de acionar o diferencial dianteiro, que na verdade não é um diferencial de fato, apenas se comporta como um, e que coloca ainda mais poeira mágica para criar algo realmente especial.
Todavia, não imagine que por ter tudo tão especial é um carro próprio para pista num track day, pois ele não é. Quando você não está afim ou está dirigindo normalmente, ele se acerta para se tornar silencioso e sensível. Tem até um ótimo rodar.
Há vários hatchbacks de alto desempenho no mercado e quase todos são muito bons atualmente. Os carros N da Hyundai são brilhantes e eu sempre admirei o Golf GTI. Mas de alguma maneira há uma imensurável quantidade de genialidade no Focus ST que nenhum outro carro consegue igualar.
É mesmo uma pena que quando você comprar um, carros como esse estarão fora da lei. E não pense que você pode contornar o problema esperando pelo novo Focus, que deve sair no ano que vem, pois a menos que as coisas melhores significativamente até lá, você não poderá ter nenhum dos dois.

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