Artigo
Os jovens de hoje não sabem o que é capinar ou carpir um terreno. Não sabem a diferença entre enxada e enxadão. Também nem imaginam como encabar uma enxada, além de nem sonhar que é o Guatambú que dá a madeira boa para o cabo.
Os jovens de hoje, que quando contrariados falam “ah, vai carpir um lote!”, provavelmente nem sabem o que é um lote. Eu mesmo, que me considero um cara "relativamente sofrido", tive a sorte de crescer sem nunca ter precisado manejar uma enxada para viver.
Recordo que algumas vezes, meu pai, parentes e pessoas que precisaram pegar numa enxada para viver, examinavam minhas mãos e diziam: “mãozinha fina, aposto que nunca pegou numa enxada". Pessoalmente, sempre achei que falavam isso num misto de zoeira e ressentimento, este último no sentido de que "como eu me lasquei, você também tinha que ter se lascado"...rs.
De qualquer forma, todos estavam certos, eu mal sabia qual lado da enxada ia à terra e minhas mãos eram finas mesmo, chegavam a formar bolhas quando eu escrevia demais.
Essas pessoas não tiveram a sorte de estudar como eu tive. Muitas delas só conheceram a lida na roça, o suor do trabalho, aprendendo o mínimo necessário para ler e fazer conta, conservando nas mãos os calos que a vida lhes deu; aprenderam mesmo foi carpir corretamente, "arrancando a raiz".
Dito isso, passemos a uma questão importante: Qual é o certo, carpir ou capinar?
Capinar é um verbo mais jovem, apareceu no século XIX, vindo de "capim". Numa transferência de nasalidade de <m> para <n>, retirar o capim do terreno virou capinar, e não "capimar". Da mesma forma, temos um capinal (lugar onde crescem capins) e a capinadeira (máquina de cortar capim).
Carpir é verbo bem mais antigo. Vem do latim "carpire" que significava "colher o fruto, arrancar".
Há aí uma ligação etimológica com o grego antigo "karpós" (fruto). A expressão latina "carpe diem", atualmente utilizada por muitos jovens, significa "colha o dia". Depois, carpir, por causa do sentido de se puxar o fruto, passou a significar a ação de se arrancar algo, principalmente o mato, durante o preparo do terreno.
Curiosamente, por extensão de sentido, carpir, por séculos, também foi entendido como o ato de arrancar os próprios cabelos ou a barba por motivo de desespero ou tristeza. Depois, passou a ser o ato de chorar, prantear, lamentar-se; não era preciso mais perder os cabelos. Inclusive, foi daí que surgiu o termo "carpideira", a mulher que era contratada para chorar em velórios. Trata-se de profissão muito antiga, com registros desde o Egito antigo. Na Bíblia, capítulo 9, versículo 17, do livro de Jeremias, fala-se das carpideiras – as pranteadeiras profissionais. Atualmente, "carpideira" é entendido como sinônimo de "capinadeira", a máquina de capinar.
Como carpir e capinar são ações de extração de vegetais da terra, principalmente ervas daninhas, podemos tomá-las como sinônimos, igualmente aceitas e corretas.
Mas ambos são termos que estão em processo de extinção: Depois que inventaram a roçadeira elétrica, capinar e carpir constituem ações que estão ficando no passado, desconhecidas dos jovens de hoje, que entendem dessas coisas braçais muito menos do que eu, que nunca peguei numa enxada por motivo de necessidade ou trabalho. Carpir e capinar da forma tradicional, cada vez mais, serão ações de pequenos agricultores, agricultura familiar, sítios, chácaras, terrenos, etc. As grandes e modernas propriedades, objeto de desejo dos jovens que aspiram trabalhar nesse segmento, utilizam pouco os antigos métodos braçais. A modernidade, a mecanização da agricultura, constituem um caminho sem volta nesse setor.
Finalizando esse pequeno texto, na falta de algo melhor para escrever, vou "dar o troco", de forma bem humorada, a todos que me caçoavam no passado por não saber carpir ou capinar (como queiram): "A caneta é mais leve que a enxada", graças aos estudos, até hoje tenho minha "mãozinha fina e sem calos". Durmam com essa...rs.
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