Effa M100, China
Fotografia
Texto publicado em 2009: Nem roubo, nem quebra mecânica grave nem acidente com perda total. Pela primeira vez, um carro avaliado no Longa Duração de Quatro Rodas tem seu teste interrompido por “impedimento”. Aos 41.930 km, decidimos que não dá mais para continuarmos juntos.
O motivo principal para a separação está na quebra de confiança, mais especificamente quanto ao desastroso atendimento da rede Effa. Rede? Em novembro de 2008, quando o M100 estreou entre nós, descobrimos que as revisões só poderiam ser realizadas em um único ponto de São Paulo, no mesmo endereço da sede da marca. Com o tempo, o número de concessionárias se elevou, ao contrário da qualidade dos serviços.
Em menos de um ano, o M100 passou por cinco revisões, além de algumas visitas não programadas para reparos emergenciais, como os do suporte da bateria que se soltou e do trambulador do câmbio que rompeu. Em todos os pit-stops, solicitamos uma verificação minuciosa da suspensão, o item mais criticado por todos os motoristas. Apesar das reclamações recorrentes, nada era feito.
Virou regra retornar com o carro chinês para a concessionária para uma nova tentativa. E tome decepção. Em pouco tempo, porém, a falta de manutenção adequada deixou o M100 inseguro. Ao examinar o carro, Alberto Trivellato, sócio da Suspentécnica, oficina paulistana especializada em suspensão, afirmou: “A suspensão do M100 tem desenho similar à do Fiat 147, lançado aqui em 1976, o que exige uma manutenção ainda mais cautelosa”.
Como o que acontece na prática é bem diferente, as palavras de Trivellato corroboram as do piloto de testes César Urnhani: “Um desvio brusco de trajetória pode levar à perda do controle”. As fotos comprovam: numa manobra feita a 55 km/h, o carro ficou em duas rodas e quase tombou.
Entramos em contato com o importador, que assumiu as deficiências da marca com inesperada sinceridade (veja tópico abaixo), sem deixar de ressaltar que a missão do carro é ser barato. “Se, para conquistar um cliente, algum vendedor disse que o M100 tem a robustez de um Gol, por exemplo, ele mentiu”, disse Clairton Acciarto, gerente comercial da marca no Brasil.
Num relacionamento, quando um dos lados perde a confiança no outro, é hora de ir um para cada lado. Não foi por falta de (boa) vontade nossa, mas o serviço autorizado leniente tornou o prosseguimento do teste com o Effa uma empreitada insegura. A separação acontece agora e o divórcio será assinado na próxima edição, com o desmonte.
Ao entrarmos em contato com a Effa comunicando a antecipação do desmonte do M100 em decorrência da falta de qualidade do carro e da rede autorizada, o espanto: em vez de uma cascata de desculpas, uma sinceridade surpreendente. A seguir, algumas frases do gerente comercial, Clairton Acciarto.
“O M100 da QUATRO RODAS é de um dos primeiros lotes. Em 2007, a marca tentou entrar com os carros pelo Uruguai, mas fomos barrados por questões ambientais. Só conseguimos autorização depois de mais de um ano, período em que os carros ficaram parados no pátio. Depois de vendidos, alguns desses M100 apresentaram problemas nos pneus, linha de combustível, pintura, suspensão e bateria. A marca deveria ter feito uma revisão rigorosa ou mesmo ter desistido da venda ao consumidor.”
“Não tenho argumentos para convencer a revista a continuar com o teste do M100. O que posso garantir é que já estamos num processo de credenciamento de novas concessionárias e descredenciamento de outras. Sei que rodar com um carro cuidado por uma rede assistencial que deu inúmeras demonstrações de incompetência tira a segurança.”
“O principal objetivo do M100 é ser um carro de baixo custo e isso impõe limitações técnicas ao projeto. Urbano, ele se mostra instável na estrada, sofrendo com ventos laterais. Sem manutenção adequada da suspensão, pode se tornar perigoso.”
“A marca começou desestruturada. Em nossa sede antiga, em São Paulo, ficava a única oficina. Peças que faltavam eram retiradas de carros prontos.”
O desmonte:
Quebra de confiança é um dos mais recorrentes motivos para justificar o rompimento de uma relação, seja ela do tipo que for. Foi exatamente isso que nos moveu a interromper o teste do chinês M100. Uma questão de falta de segurança no carro e, mais ainda, na rede autorizada. E aqui está ele, de peito aberto para passar por uma análise completa de seus principais componentes.
Em dezembro de 2008, quando estreou na frota de Longa Duração, o M100 era um ilustre desconhecido: fabricado pela Changhe, uma marca pouco famosa mesmo na China, chegou como o carro mais barato do Brasil. Seguindo o slogan do Guia Quatro Rodas — a gente vai antes para você ir melhor —, resolvemos ir de M100 para ver se valeria a pena embarcar nele. A inédita finalização antecipada (aos 42.100 km), em decorrência da incapacidade da rede de manter o carro minimamente seguro, não deixa dúvida: um popular nacional é mais negócio.
A marca anuncia uma reestruturação geral da sua rede, mas o fato é que o carro que aqui mostramos em detalhes foi penalizado pelo projeto defasado, uso de materiais de baixa qualidade e assistência prestada por uma rede pequena e despreparada. Reprovado em todos os itens analisados, o M100 teve um dos piores desempenhos da história do Longa Duração.
Motor e câmbio:
Nunca tivemos muito que reclamar do motor 1.0 do M100, fornecido pela Suzuki, mas esse bom convívio não duraria muito mais tempo. Depois de funcionar o motor até que atingisse sua temperatura de trabalho, nosso consultor Fábio Fukuda iniciou as medições. As primeiras pistas de que algo não ia bem surgiram na aferição da pressão dos cilindros.
De acordo com o manual técnico da marca, a pressão nominal deveria ser de 192,01 psi, sendo tolerado até 142,23 psi. No entanto, foram registrados números médios bem aquém do mínimo nos cilindros 1, 2, 3 e 4: na ordem, 132,5, 130, 130 e 127,5 psi.
O diâmetro dos pistões (65,48 mm nos quatro) estava muito próximo da tolerância, 65,485 mm. Foram detectados também níveis elevados de ovalização dos cilindros: 0,04, 0,05, 0,05 e 0,06 mm. “Achei exagerada a tolerância de 0,1 mm prevista no manual do fabricante. Talvez seja um erro de digitação, pois a de outros motores costuma ser de 0,01 mm”, diz Fábio.
Cada pistão carrega três anéis, dois de compressão e um raspador de óleo. No Effa, os raspadores estavam rigorosamente no limite da especificação (0,7 mm), bem diferente dos de compressão, todos fora de conformidade. O primeiro anel estava com folga de entrepontas de 0,4 mm, 0,1 acima do tolerado. O segundo anel apresentou folga de 0,45 mm nos pistões dos cilindros 1, 2 e 3 e de 0,5 mm no 4 — a tolerância é de 0,35 mm.
Com tantos componentes funcionando fora das margens de tolerância, o chinês não iria muito longe. “O consumo de combustível ia aumentar, porque os motoristas precisariam acelerar mais para andar razoavelmente bem. Mais exigido, o motor sofreria maior desgaste. Aos 60000 km, certamente queimaria óleo”, afirma Fábio.
Arranhões:
Todos os 35 motoristas que tiveram algum convívio com o M100 reclamaram do funcionamento do câmbio. Apesar de o bom escalonamento das marchas permitir uma boa exploração do motor, o componente arranhava a cada engate, principalmente nas reduzidas.
“Somente a quinta marcha entra sem problema”, disse nosso colaborador Felipe Carneiro, com a autoridade de quem rodou 7.500 km numa única viagem entre São Paulo (SP) e Recife (PE), em maio. Fernando Valeika de Barros, outro colaborador nosso, também voltou com queixa do câmbio após a primeira longa jornada com o chinês, de 5200 km. “A passagem da terceira para a segunda é bem chata”, disse Valeika ao relatar a necessidade de constantes reduções para manter o ritmo nas subidas.
Sabendo das frequentes arranhadas, Fukuda arriscou um palpite para a origem do problema antes de proceder à desmontagem do câmbio: “Os anéis sincronizadores devem estar desgastados”. A suspeita foi parcialmente confirmada.
“As peças estavam com as estrias internas em bom estado, mas o atrito não era suficiente para diminuir o giro das engrenagens do câmbio, causando o barulho nas trocas. Isso indica que o atrito gerado pelo anel não é ideal. Ou seja, há uma falha de projeto no dimensionamento da sua área de contato com as engrenagens do câmbio.” A embreagem, em compensação, estava em perfeito estado.
No processo de desmontagem, a coifa da junta tripoide (no extremo oposto da homocinética, responsável por transferir a tração do diferencial para o semieixo) se rompeu com extrema facilidade, pois estava com a borracha ressecada. Em pouco tempo, rasgaria espontaneamente.
Suspensão, direção e freio:
“Os sistemas de suspensão e direção, apesar da concepção antiga, funcionariam melhor se os componentes fossem bem dimensionados”, diz Fukuda. As folgas nos mancais da barra estabilizadora, nos terminais de direção e nos pivôs da suspensão justificam a afirmação de nosso consultor.
Ao longo do teste, nosso sempre instável e barulhento M100 foi encaminhado diversas vezes para as concessionárias para uma verificação geral da suspensão. Uma única vez, na revisão de 10.000 km, o carro retornou com uma (sutil) melhora.
Numa simulação de desvio simples de trajetória, o chinês assustou o piloto de testes César Urnhani, levantando perigosamente duas rodas do chão.
“Com pouco curso, a suspensão dianteira apoia com facilidade no batente e isso faz com que o extremo oposto da carroceria levante, aumentando consideravelmente o risco de perda de controle e capotagem”, diz o piloto.
Não bastasse a limitação do projeto, novos sinais de descuido da rede foram notados na traseira, com amortecedores praticamente sem ação e com buchas de fixação destruídas. As marcas de óleo nas paredes externas são evidentes e uma simples inspeção visual seria suficiente para detectar o problema.
Carroceria, acabamento e estética:
Falta de vedação adequada no assoalho do carro empurraram muita sujeira para debaixo do tapete, ou melhor, do carpete do Effa.
Manchas junto ao acabamento inferior das portas revelam que as guarnições também foram insuficientes para manter água e poeira longe da cabine, mais por culpa do desalinhamento das próprias portas que por falta de qualidade da borracha.
Bem fixado, o painel de instrumentos nunca foi barulhento, mas também não é merecedor de elogios: o plástico marca com extrema facilidade.
Na traseira, as lanternas estavam trincadas, indicando movimentação lateral excessiva da tampa do porta-malas. O chicote elétrico que corre pelo interior da carroceria entra direto para a tampa: “Deveria haver um conector que permitisse a retirada para um eventual reparo. Como está, é preciso cortar os fios e remendá-los após o conserto”, diz Fukuda.
Ficha técnica:
Motor: dianteiro, transversal, 4 cilindros, 8V.
Cilindrada: 970 cm³.
Diâmetro x curso: 65,6 x 72 mm.
Taxa de compressão: 8,8:1.
Potência: 47 cv a 5.000 rpm.
Torque: 7,4 kgfm a 3.500 rpm.
Câmbio: manual de 5 marchas, tração dianteira.
Dimensões: comprimento, 356 cm; largura, 160 cm; altura, 167 cm; entreeixos, 233 cm.
Peso: 930 kg.
Peso/potência: 19,8 kg/cv.
Peso/torque: 125,7 kg/kgfm.
Volumes: porta-malas, 320 l; combustível, 42 l.
Suspensão: independente, tipo McPherson (dianteira), braços oscilantes, barra Panhard (traseira).
Freios: disco (dianteira), tambor (traseira).
Direção: mecânica.
Pneus: 165/65 R13.
Principais equipamentos: ar-condicionado, travas e vidros elétricos dianteiros de série.
Veredicto:
Ao longo do teste, a cada decepção com os serviços prestados, demos uma segunda chance às oficinas. Mas elas nunca atenderam plenamente nossas solicitações. Sem confiança na rede, perdemos também a confiança no carro e o desmonte provou que tomamos a decisão correta ao interromper o teste: freio e suspensão pediam uma intervenção imediata e radical, algo que as concessionárias Effa nunca demonstraram ser capazes de realizar com competência.
Nota do blog: Era uma tragédia...rs.
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