terça-feira, 12 de setembro de 2023

Castanheira do Pará, Brasil

 


Castanheira do Pará, Brasil
Brasil
N. 223
Fotografia - Cartão Postal



Especialistas estimam que exista no bioma amazônico 390 bilhões de árvores, agrupadas em cerca de 16 mil espécies arbóreas, e neste universo verde algumas se destacam como hiperdominantes. Esse é o caso da castanheira, uma árvore com um papel ecológico e socioeconômico relevante na história da Amazônia. A castanheira foi a responsável por manter a economia dos estados do Pará e Amazonas após o declínio do ciclo da borracha. É do extrativismo da castanha que, ainda hoje, milhares de coletores e coletoras sustentam suas famílias. E, entre as características que a tornam singular, está a longevidade - já foram identificados exemplares com mais de 800 anos – e grande produção de castanhas. 
A castanheira (Bertholletia excelsa Bonpl.) é uma das árvores mais representativas da floresta amazônica. Originária das matas de terra firme, é a mais longeva (pode viver centenas de anos), a de maior crescimento em diâmetro do tronco (há registros de indivíduos com mais de 5 metros de diâmetro) e a segunda maior em altura (atinge 50-60 metros de comprimento), ficando atrás apenas dos angelins.
A planta já atraiu a atenção de cientistas famosos como Jacques Huber (1867-1914), Adolpho Ducke (1876-1959) e Paulo Cavalcante (1922-2006), pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi. A castanheira é uma das espécies estudadas pelo engenheiro florestal Rafael P. Salomão, também pesquisador do Museu Goeldi e um especialista na árvore, que, entre outros aspectos, destaca a capacidade de crescimento rápido – taxas anuais de até 1,5 metro de altura e 3 centímetros de diâmetro já foram registrados em vários estudos.
Essa espécie amazônica se adequa a climas diferenciados, resistindo a períodos de resfriamento, aquecimento, secagem e umedecimento. O cenário de aclimatação da castanheira para o futuro, a se manter a tendência de aquecimento global é positivo. Graças ao crescimento acelerado e à grande resistência, ela se torna ideal para a recuperação de áreas degradadas, como aquelas geradas pelas atividades de mineração.
A discussão sobre a origem dos castanhais na Pan-Amazônia apresenta pelo menos dois pontos de vista, como esclarece Rafael P. Salomão. A ecologia explica a disseminação dos grandes castanhais por meio da dispersão de sementes por roedores e aves (sem a interferência humana), já pesquisas interdisciplinares arqueológicas e antropológicas defendem que o sucesso de sua distribuição no bioma amazônico foi feito por povos humanos pré-colombianos, que iniciaram um processo de domesticação da planta.
Estudos arqueobotânicos estimam que a espécie é cultivada na Amazônia há mais de 11 mil anos por populações de paleoíndios. Após analisar a paisagem ao redor de sítios arqueológicos, como na Serra de Carajás (PA), por exemplo, especialistas apontam que as castanheiras se encontram agregadas porque os antigos habitantes a plantavam nas clareiras, garantindo o fruto para as gerações futuras.
“Pelo viés da ecologia, entendemos que ela é uma espécie de pleno sol, então precisa de luminosidade para fazer fotossíntese e crescer até atingir o dossel da floresta. É uma árvore de grande porte que, quando morre e tomba, abre uma clareira muito grande. No chão ficam as os ouriços com as castanhas (amêndoas), que germinam e crescem com a entrada da luz, formando os castanhais de forma agregada”, explica Salomão.
Apaixonado pela beleza e estratégias da majestosa árvore, cuja copa se destaca na paisagem, Rafael P. Salomão a aponta como a mais bela espécie da Amazônia: “quando caminho em uma floresta em que ocorre a castanheira e me deparo com um exemplar de 3, 4 ou até 5 metros de diâmetro, com um fuste reto, percebo que ela é a arvore por excelência da Amazônia”, explica o pesquisador. 
A beleza e a majestade da castanheira também encantaram o botânico francês Aimé Jacques Alexandre Goujaud Bonpland, que descreveu a planta pela primeira vez em 1808, chamando-a de Bertholletia excelsa. Segundo o dicionário, excelso é alto, elevado, sublime, excelente, admirável e ilustre – termos que parecem se adequar como uma luva a nossa personagem.
Com o final do ciclo da borracha na bacia amazônica, que abalou a economia da região, a venda de castanhas auxiliou a manutenção das exportações nos estados do Pará e Amazonas. O Pará liderava a extração das amêndoas em função do polígono dos castanhais, concentrado na região de Marabá, no Sudeste do estado. E o Brasil era o maior exportador da iguaria amazônica, que era apreciada na Europa desde o século XVII.
Contudo, a política de incentivos fiscais do governo brasileiro na década de 1960 para a criação de pastagens destinadas à pecuária culminou com o desmatamento e destruição de boa parte do polígono das castanheiras. Apesar de muito resistente, a árvore não suporta o manejo por fogo em um período consecutivo de três anos, técnica empregada para abertura das pastagens. O polígono deu origem ao cemitério de castanheiras.
Atualmente, o maior exportador de castanha amazônica é a Bolívia. No Brasil, o estado que mais produz o fruto hoje em dia é o Acre, porém, o estado do Amazonas lidera a implantação de castanhais plantados em sistemas de manejo.
A economia da castanha também afeta diretamente a vida dos coletores (extrativistas), como explica Rafael Salomão. “Uma árvore que pode atingir 800 anos é capaz de sustentar muitas gerações de famílias de coletores , bem como as comunidades que vivem desta atividade. É como se ela fosse uma caderneta de poupança por séculos, que pode passar de pai para filho: sem adubação, sem tratos culturais e, mesmo assim, todos os anos tem (a safra de amêndoas) num ano com safra forte e no subsequente uma mais fraca; perpetuando-se esse ciclo. A castanha tem um preço relativamente bom no mercado, por este motivo traz benefícios sociais também, pois trata-se de um produto florestal não madeireiro, ou seja, não se derruba a árvore para se ter o produto final (castanha) como quando se trata da produção de madeira serrada”, conta Rafael P. Salomão.
Além de produzir sementes comestíveis, a planta fornece madeira de ótima qualidade também; plantios na Bolívia, por exemplo, são feitos neste sentido. No passado, as fibras de sua entrecasca já foram utilizadas na calefação de barcos.
A dizimação de grandes populações de castanheiras na Amazônia, sobretudo a partir dos anos 1960, teve como uma das consequências a introdução da mesma nas listas de espécies ameaçadas de extição do Brasil e do Pará. Como medida protetiva, o corte e a exploração da castanheira em florestas primárias para a indústria madeireira foi proibida no Brasil, Bolívia e Peru.
Um fator curioso sobre a castanheira é a origem do nome de seus frutos. Entre os indígenas do Pará, a amêndoa era conhecida como anhaúba, mas os europeus a chamavam por outro nome: castanha-do-maranhão. Com o passar do tempo, os colonizadores portugueses a denominaram “castanha-do-brasil”.
O nome castanha-do-pará foi atribuído ao fruto quando o estado se tornou o maior exportador da iguaria. Atualmente a amêndoa é conhecida em todo mundo como “castanha-do-brasil”, designação dada pelo governo brasileiro na década de 1950. Contudo, outros países amazônicos produtores de castanha contestam a nomenclatura e sugerem o nome “castanha-da-amazônia”.

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