domingo, 3 de novembro de 2019

100 Anos do Technicolor, Artigo


100 Anos do Technicolor, Artigo
Artigo

No momento em que Dorothy chegou a Oz em 1939, a Technicolor — empresa que permitiu aos espectadores ver o amarelo na estrada de tijolos — já tinha quase um quarto de século.
Este ano, ela chega aos 100. A amplitude e a variedade de filmes americanos que usaram processos Technicolor entre 1922 e 1955 ficam claras em um livro recente, "The Dawn of Technicolor, 1915-1935", de James Layton e David Pierce, e numa mostra no Museu de Arte Moderna de Nova York que vai até 5 de agosto.
A Technicolor não pode levar o crédito por inventar a cor; esse impulso existia desde o início do cinema. Os primeiros filmes mudos eram muitas vezes exibidos com frames pintados a mão. Ainda assim, uma abordagem viável para todas as cores por muito tempo frustrou engenheiros, que tiveram que superar problemas com velocidade, estoque de filme, iluminação, componentes de cor desalinhados e fadiga ocular.
Em alguns processos mais antigos, cópias de filmes preto-e-branco foram projetadas através de filtros de cor. Quando tornou-se possível armazenar cor no próprio filme, a Technicolor se destacou da concorrência ao desenvolver um processo adequado para os estúdios. Inicialmente, o sistema registrava apenas combinações de vermelho e verde. O laranja fotografava bem, mas o roxo era uma mancha amarronzada.
Esse processo limitado a duas cores demonstrou seu potencial em 1922 no filme "The Toll of the sea", ambientado na China. A produção de arte e figurinos — repleta de rosas e verdes — demonstrou os pontos fortes da tecnologia, mesmo que o mar do título aparecesse mais verde do que azul. O formato já estava pronto em "Follow Thru" (1930), um musical passado num clube de golfe e estrelado pela ruiva Nancy Carroll.
A prevalência das duas cores da Technicolor surpreendeu Layton, arquivista no museu George Eastman House, em Nova York, (que publicou o livro) antes de se tornar o gerente do centro de preservação de filmes do MoMA em Hamlin, Pensilvânia. Quando trabalhava no livro, ele e um pesquisador independente, Cristal Kui, sabiam que pelo menos 100 filmes tinham usado o processo de duas cores, muitas vezes apenas para uma sequência. No final, eles catalogaram 384 títulos produzidos entre 1922 e 1937.
"Um dos motivos pelos quais não sabíamos sobre esses filmes é que muitos deles não sobreviveram ou estão mal documentados", explica Layton. "Talvez eles fossem tão comuns que os críticos da época não comentavam" sobre a cor, não vendo "necessidade de realçar (esse aspecto)". Alguns desses filmes se perderam; outros sobrevivem apenas em cópias em preto-e-branco feitas para a televisão na década de 1950.
A Technicolor também precisou se esforçar para atender a demanda, particularmente durante um boom de musicais em 1929 e 1930, que rapidamente fracassou. Após o golpe da Grande Depressão, disse Pierce, um historiador e diretor da Biblioteca Digital de História da Mídia, houve muitas demissões na Technicolor, e "a única coisa que eles mantiveram sob financiamento foi o desenvolvimento do processo de três cores."
Com uma refinada combinação de ciano, magenta e amarelo, a empresa revelou esse processo em "Flores e árvores", um curta-metragem da Disney de 1932. Também feito com o processo de três cores da Technicolor "Becky sharp" foi lançado em 1935. Numa crítica do New York Times, Andre Sennwald classifica o filme de "dramaticamente tedioso", mas "um galante e distinto posto avançado em um domínio quase inexplorado."
A série de filmes apresenta o Technicolor como mais do que uma novidade e tenta demonstrar o que o curador Joshua Siegel chama de história "incompreendida".
"Acho que fazemos essas associações do Technicolor com este tipo de cor berrante, altamente saturada,  que certamente existiu num determinado período do cinema", acrescenta Siegel. Mas ele enfatiza a maneira como os cineastas se esforçaram para buscar o chiaroscuro e o sfumato , e observou a influência das pinturas de paisagem do século XIX na obra de King Vidor e da pintura modernista europeia nos filmes de Vincente Minnelli.
A Technicolor em si participou na criação dessas sutilezas. Da década de 1920 até os anos 1950, o pacote de serviço completo da empresa incluía um consultor de cores e um cinegrafista.
De acordo com Layton, Natalie Kalmus, ex-mulher do fundador da Technicolor, Herbert T. Kalmus, e diretora de cores da empresa em muitos dos filmes da série, pode ter sido responsável por uma paleta suave que tornava mais sutil o processo para o público acostumado ao preto e branco. Mesmo os filmes originais de "...e o vento levou" são acastanhados.
Do ponto de vista de conservação, uma das mais importantes invenções do Technicolor deste período inicial foi um processo de impressão conhecido como "imbibition-blank", ou IB, introduzido em 1926. Nesse processo, as cores foram adicionadas às cópias dos filmes usando corantes — produzindo cópias que quase não desbotaram. O método se manteve nos Estados Unidos até os anos 1970, com um breve renascimento na década de 1990.
"Não há nenhuma evidência que nos permita concluir que a Technicolor pretendia ter tinturas mais estáveis, mas foi assim que aconteceu", disse Layton.
A série do MoMA representa, numa era digital, uma oportunidade cada vez mais rara de ver esses filmes em celulóide, algo mais próximo de como eles eram no original.
Com as cópias IB o museu dá um passo adiante, empregando filtros para reproduzir a tonalidade dourada que a Tecnicolor teria quando exibida nos projetores dos anos 1940 e 1950. Numa exibição teste de "Quo Vadis", no mês passado, as cores ficaram bem mais ricas após o uso do filtro.
Como outras tecnologias do cinema que se seguiram, as três cores da Technicolor sucumbiram em meio à guerra de formatos. Os estúdios optaram pela Eastmancolor, mais barata. A Technicolor, que fechou seu último laboratório em 2014, especializou-se em pós-produção e efeitos visuais, entre outros serviços.
Em certo sentido, o trabalho digital não pode ser comparado à arte representada pelo apogeu da empresa. "A Technicolor não é apenas cor", disse Siegel. "Trata-se de luz e sombra, profundidade e modelagem. Essas qualidades estão perdidas em projeções digitais de filmes contemporâneos", conclui.

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/filmes/os-100-anos-do-technicolor-saturacao-sutileza-nas-telas-de-cinema-16650173




Nenhum comentário:

Postar um comentário