100 Anos do Technicolor, Artigo
Artigo
No momento em
que Dorothy chegou a Oz em 1939, a Technicolor — empresa que permitiu aos
espectadores ver o amarelo na estrada de tijolos — já tinha quase um quarto de
século.
Este ano, ela
chega aos 100. A amplitude e a variedade de filmes americanos que usaram
processos Technicolor entre 1922 e 1955 ficam claras em um livro recente,
"The Dawn of Technicolor, 1915-1935", de James Layton e David Pierce,
e numa mostra no Museu de Arte Moderna de Nova York que vai até 5 de agosto.
A Technicolor
não pode levar o crédito por inventar a cor; esse impulso existia desde o
início do cinema. Os primeiros filmes mudos eram muitas vezes exibidos com
frames pintados a mão. Ainda assim, uma abordagem viável para todas as cores
por muito tempo frustrou engenheiros, que tiveram que superar problemas com
velocidade, estoque de filme, iluminação, componentes de cor desalinhados e
fadiga ocular.
Em alguns
processos mais antigos, cópias de filmes preto-e-branco foram projetadas
através de filtros de cor. Quando tornou-se possível armazenar cor no próprio
filme, a Technicolor se destacou da concorrência ao desenvolver um processo
adequado para os estúdios. Inicialmente, o sistema registrava apenas
combinações de vermelho e verde. O laranja fotografava bem, mas o roxo era uma
mancha amarronzada.
Esse processo
limitado a duas cores demonstrou seu potencial em 1922 no filme "The Toll
of the sea", ambientado na China. A produção de arte e figurinos — repleta
de rosas e verdes — demonstrou os pontos fortes da tecnologia, mesmo que o mar
do título aparecesse mais verde do que azul. O formato já estava pronto em
"Follow Thru" (1930), um musical passado num clube de golfe e
estrelado pela ruiva Nancy Carroll.
A prevalência
das duas cores da Technicolor surpreendeu Layton, arquivista no museu George
Eastman House, em Nova York, (que publicou o livro) antes de se tornar o
gerente do centro de preservação de filmes do MoMA em Hamlin, Pensilvânia.
Quando trabalhava no livro, ele e um pesquisador independente, Cristal Kui,
sabiam que pelo menos 100 filmes tinham usado o processo de duas cores, muitas
vezes apenas para uma sequência. No final, eles catalogaram 384 títulos
produzidos entre 1922 e 1937.
"Um dos
motivos pelos quais não sabíamos sobre esses filmes é que muitos deles não
sobreviveram ou estão mal documentados", explica Layton. "Talvez eles
fossem tão comuns que os críticos da época não comentavam" sobre a cor,
não vendo "necessidade de realçar (esse aspecto)". Alguns desses
filmes se perderam; outros sobrevivem apenas em cópias em preto-e-branco feitas
para a televisão na década de 1950.
A Technicolor também
precisou se esforçar para atender a demanda, particularmente durante um boom de
musicais em 1929 e 1930, que rapidamente fracassou. Após o golpe da Grande
Depressão, disse Pierce, um historiador e diretor da Biblioteca Digital de
História da Mídia, houve muitas demissões na Technicolor, e "a única coisa
que eles mantiveram sob financiamento foi o desenvolvimento do processo de três
cores."
Com uma refinada
combinação de ciano, magenta e amarelo, a empresa revelou esse processo em
"Flores e árvores", um curta-metragem da Disney de 1932. Também feito
com o processo de três cores da Technicolor "Becky sharp" foi lançado
em 1935. Numa crítica do New York Times, Andre Sennwald classifica o filme de
"dramaticamente tedioso", mas "um galante e distinto posto
avançado em um domínio quase inexplorado."
A série de
filmes apresenta o Technicolor como mais do que uma novidade e tenta demonstrar
o que o curador Joshua Siegel chama de história "incompreendida".
"Acho que
fazemos essas associações do Technicolor com este tipo de cor berrante,
altamente saturada, que certamente existiu num determinado período do
cinema", acrescenta Siegel. Mas ele enfatiza a maneira como os cineastas
se esforçaram para buscar o chiaroscuro e
o sfumato , e
observou a influência das pinturas de paisagem do século XIX na obra de King
Vidor e da pintura modernista europeia nos filmes de Vincente Minnelli.
A Technicolor
em si participou na criação dessas sutilezas. Da década de 1920 até os anos
1950, o pacote de serviço completo da empresa incluía um consultor de cores e
um cinegrafista.
De acordo com
Layton, Natalie Kalmus, ex-mulher do fundador da Technicolor, Herbert T.
Kalmus, e diretora de cores da empresa em muitos dos filmes da série, pode ter
sido responsável por uma paleta suave que tornava mais sutil o processo para o
público acostumado ao preto e branco. Mesmo os filmes originais de "...e o
vento levou" são acastanhados.
Do ponto de
vista de conservação, uma das mais importantes invenções do Technicolor deste
período inicial foi um processo de impressão conhecido como
"imbibition-blank", ou IB, introduzido em 1926. Nesse processo, as
cores foram adicionadas às cópias dos filmes usando corantes — produzindo
cópias que quase não desbotaram. O método se manteve nos Estados Unidos até os
anos 1970, com um breve renascimento na década de 1990.
"Não há
nenhuma evidência que nos permita concluir que a Technicolor pretendia ter
tinturas mais estáveis, mas foi assim que aconteceu", disse Layton.
A série do
MoMA representa, numa era digital, uma oportunidade cada vez mais rara de ver
esses filmes em celulóide, algo mais próximo de como eles eram no original.
Com as cópias
IB o museu dá um passo adiante, empregando filtros para reproduzir a tonalidade
dourada que a Tecnicolor teria quando exibida nos projetores dos anos 1940 e
1950. Numa exibição teste de "Quo Vadis", no mês passado, as cores
ficaram bem mais ricas após o uso do filtro.
Como outras
tecnologias do cinema que se seguiram, as três cores da Technicolor sucumbiram
em meio à guerra de formatos. Os estúdios optaram pela Eastmancolor, mais
barata. A Technicolor, que fechou seu último laboratório em 2014,
especializou-se em pós-produção e efeitos visuais, entre outros serviços.
Em certo
sentido, o trabalho digital não pode ser comparado à arte representada pelo
apogeu da empresa. "A Technicolor não é apenas cor", disse Siegel.
"Trata-se de luz e sombra, profundidade e modelagem. Essas qualidades
estão perdidas em projeções digitais de filmes contemporâneos", conclui.
Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/filmes/os-100-anos-do-technicolor-saturacao-sutileza-nas-telas-de-cinema-16650173
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