quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Café Restaurante Progredior, São Paulo, Brasil



Café Restaurante Progredior, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia



Sem dúvida o café-restaurante Progredior foi o mais elegante de São Paulo durante quase toda a belle époque paulistana. É o prédio à esquerda por onde passa o homem de chapéu claro na foto, bem ao lado da Casa Garraux. Mas poucos sabem quem eram as pessoas que estavam por trás daquele estabelecimento, como era por dentro e qual foi sua história. Para entender um pouco melhor tudo isso nada como escarafunchar jornais antigos para conhecer tudo isso.
Em janeiro de 1891, no dia em que se comemorava a fundação da cidade, um grupo de capitalistas sob o comando de Adolpho Augusto Pinto, José de Souza Queiroz e Rodrigo Monteiro de Barros anunciava a formação da Companhia Progredior criada com o objetivo único de “… adquirir, pelo preço ajustado de 320 contos de réis, o palacete Timotheo, sito no ponto mais importante da Rua 15 de Novembro…”. O capital era de 500:000$000, divididos em 10 mil ações de 50$000 cada. O palacete seria reformado para abrigar, no térreo um grande café com restaurante e bebidas finas e os andares superiores seriam alugados. A reforma do prédio estava orçada em 400 contos de réis.
E, com efeito, no dia 1o do mês seguinte realizou-se a assembleia de instalação da companhia, sendo eleitos para a diretoria Adolpho Augusto Pinto, Carlos Paes de Barros e Rodrigo Monteiro de Barros.
E assim, quase dois anos depois, em 19-12-1892 realizou-se o festivo jantar de inauguração do elegante café-restaurante, com a presença de figurões da época e toda a imprensa. Conforme a moda da última década oitocentista, todo o cardápio foi redigido em francês, porém curiosamente homenageando os formadores de opinião de então:
Consommé de volailles à la Progredior
Potage à la Correio Paulistano
Loup de mer
Sauce hollandaise
Filet de boeuf à la Jockey Club
Noix de veau à la Platéa
Poulardes de la Bresse à la Perigord
Paté de foie gras em belle vue
Asperges em branche sauce au beurre
Petit pois à la française
Punch à la Legalité
Dindon à la Estado de S. Paulo
Faisan du Bohéme à la broche sur canapé
Salade de legumes à la Russe
Plumpouding à l’anglaise
Glacé panaché à la Diário Popular
Gateau Excelsior
Dessert assorti
Café et liqueurs
Tudo isso acompanhado por dezessete marcas diferentes de vinhos franceses.
Os pavimentos superiores do edifício foram alugados ao Jockey Club, homenageado no jantar com o filet de boeuf.
A homenagem deve ter surtido efeito, pois o jornalista do O Estado de S. Paulo, com um pouco de exagero, anunciava na mesma edição: “Inaugura-se hoje, nesta capital, o primeiro e mais bello café-restaurante da América do Sul”.
Felizmente o jornalista fez uma descrição minuciosa das instalações, de modo que podemos, mais de 120 anos depois, saber como era o famoso estabelecimento. Quatro portas se abriam da rua para um vasto salão de café. E fora das portas uma novidade. Numa época em que as ruas eram iluminadas pela luzinha verde-azulada do lampião de gás, o Progredior exibia duas lâmpadas elétricas com a força de 800 velas cada uma. Realmente devia chamar a atenção.
O salão de café tinha o piso ladrilhado formando mosaicos e, de cada um dos lados, seis painéis a óleo de estilo delicado com motivos de café. Entre os painéis, seis grandes espelhos, sendo quatro simples e dois tríplices, todos emoldurados. O teto também era todo decorado por um painel representando a apoteose do Progresso. Todos os painéis foram feitos em Milão por Cláudio Rossi. O repórter faz questão de frisar que o salão é iluminado por oito lâmpadas elétricas, sendo “4 de 600 e 2 de 800 velas”, evidentemente errou na conta…
No fundo do salão, à esquerda um balcão com a cafeteria e à direita o bar americano que além do lavador de copos automático apresentava outra novidade, “uma esplêndida peça de mármore de diversas cores, fonte de cerveja, água de Selters, licores e refrescos”. Conforme o jornal Correio Paulistano era a primeira introduzida no Brasil. O café era servido em 24 mesas de mármore branco sobre ferro de forma elíptica. Ao longo das paredes, três sofás de cada lado com assento de palhinha e encosto estofado de marroquim.
Após o salão de café uma área coberta com vidraçaria com seis mesas para o lunch. À direita dois gabinetes reservados além dos toilettes, à esquerda um corredor claro levava aos salões do restaurante. O primeiro, retangular, também decorado com quatro painéis e iluminado por dois lustres de quatro lâmpadas de 32 velas, com uma mesa longa e oito mesas menores e quadradas.
Depois deste vinha o grande salão de restaurante e concerto. Também todo decorado com painéis, à esquerda um palco para orquestra e piano, com pano de boca também pintado pelo mesmo artista. Neste salão ficava uma mesa longa para banquetes e de 12 a 14 mesas pequenas. E novamente a indefectível informação sobre a iluminação: quatro lâmpadas de 800 velas. Havia ainda uma área descoberta com espaço para seis mesas.
Ao fundo entre as escadas que levavam ao terraço havia uma fonte e uma estátua de cimento representando a deusa Flora.
O terraço era estreito, mas com espaço para seis mesas e decorado por vasos fixos com agaves. Dali se avistava toda a várzea do Carmo, o bairro do Brás até a Penha, à direita o jardim do palácio e à esquerda, ao longe, a Serra da Cantareira, “profundamente azul”, segundo o nosso jornalista.
Por baixo do terraço ficava a “usina de luz electrica” e, ao lado direito, na edificação que dava saída para a Rua Boa Vista, junto ao antigo teatro Minerva ficava a caldeira de vapor e a “machina de torrar e moer café pela electricidade”. Devemos nos lembrar que em 1892 ainda não existia o viaduto Boa Vista e esta rua formava um cotovelo, origem da atual rua Três de Dezembro.
Por baixo do salão de café, com entrada pelo bar, ficava a “fabrica de água gazosa” que abastecia a fonte de mármore e por baixo do salão de concerto localizava-se a adega fartamente sortida com vinhos e licores franceses, portugueses e italianos e ainda o depósito de mantimentos. O curioso jornalista registrou ainda a presença de um galinheiro e depósito de carvão. Um galinheiro na rua XV de Novembro atual seria inimaginável…
No dia seguinte o Grande Café e Restaurant Progredior publicava seu primeiro anúncio, sob a gerência de Felix Vaccari.
Um mês depois, Felix Vaccari e mais dois sócios formam a empresa Vaccari, Mazzuccheli & Turalli e arrendam o restaurante Progredior, a partir de 19-01-1893.
Mas as coisas não correram como se esperava, pois no mês de fevereiro o Diário Popular noticiava que Felix Vaccari havia desaparecido, “suppondo-se que fugio levando grossa quantia”. Seus sócios bem que publicaram uma carta indignada de protesto alegando que Felix (ou Felici) havia se ausentado para tratamento de saúde e depositavam toda a sua confiança nele. Mas o fato é que em 10-03-1893 é publicado o edital do leilão das mercadorias pertencentes ao Grande Café Progredior para a liquidação judicial da firma Vaccari & Comp.
Uma semana depois é anunciado outro leilão, desta vez não judicial. Todos os balcões, mesas, poltronas, cadeiras, espelhos, cristais, louças, tudo foi vendido. Inclusive a “sumptuosa (e sem egual no Brasil) fonte de soda”. Até a máquina de moer e torrar café foi a leilão.
Acontece que o espaço havia sido arrendado a Domingos José Coelho, dono da Confeitaria Paulicéa que era estabelecida na Rua São Bento, que já em 13 de maio mudou-se para as novas instalações. Não sem antes, é claro, oferecer um coquetel aos amigos e convidados e assim merecer uma nota nos jornais.
Em junho já anunciava Audição Musical todas as noites das 7 às 10 no Salão de Concertos D’A Paulicéa, com entrada franca. Avisava, porém que “cada consumação custará mais 500 réis nas horas de concerto”.
O Progredior ficou sob a administração de Domingos José Coelho até maio de 1897. Não temos a descrição do restaurante, porém sabemos que tinha balcões com tampo de mármore de Carrara, balcão de charutaria com vitrines, mesas quadradas e redondas de ferro e mármore, cadeiras austríacas, bancos de nogueira lavrada com espaldares de couro. Sabemos também que possuía uma grande “machina para fazer 200 sorvetes em 15 minutos” e na cozinha foi instalada uma vagonete para transportar mercadorias com 30 metros de trilho.
Em maio de 1897 Domingos Coelho leiloa todos os bens do Progredior.
Mas o famoso café-restaurante continuou, agora sob a administração de um conhecido empresário. Henrique Stupakoff assinou em 1897 o contrato de arrendamento do pavimento térreo do edifício e da usina electrica por cinco anos ao preço de 24:000$000 por ano, em nome de Henrique Stupakoff & Comp. No contrato entrou também o imóvel anexo na rua Boa Vista, 14 (atual Três de Dezembro). O valor era igual ao que o Jockey Club pagava pelos dois pavimentos superiores.
Henrique Stupakkof, com seus sócios Carlos Schorcht Júnior, Hermann Buchard e Martinho Buchard havia fundado em 1892 a fábrica de cerveja Bavária. Ficava numa propriedade de 30.500 m2 na Mooca e que, em 1904, chegou a produzir 2, 5 milhões de litros por ano empregando 400 funcionários, quando foi vendida para a Cia. Antarctica Paulista. A cerveja Bavária tinha as marcas Tivoli, Aliança e União (claras), München (escura) e Culmbach (preta). Neste mesmo ano de 1897 lançou a Pilsen.
O salão Progredior anunciava em outubro de 1898 um concerto variado todas as noites. A diferença é que agora a entrada era de 1$000. Henrique Stupakoff, além de empresário de sucesso, era também violoncelista e barítono. Fez inúmeras apresentações, inclusive sob a regência do afamado maestro Chiafarelli.
Em fevereiro de 1901, em virtude de a diretoria da Companhia Progredior propor a sua liquidação, o sócio Eduardo Prates, o conde de Prates, compra a empresa pagando 36 mil réis por ação.
O salão Progredior, estava numa fase um tanto decadente, entre 1898 e 1909, sendo mais um salão para apresentações, concertos e reuniões comemorativas, porém apresentava novidades. Em 1901 anunciava Kinetoscape, Zon-O-Phon, Graphophon e Estereoscópio Automático, em sessões de 1 hora a 1$000 cada. Em 1907 apresentava sessões com o cinematógrafo Pathé, prometendo “projecções animadas sem trepidação” e em 1908 a empresa Ernesto Cocito & Comp. anunciava sessões do Cine-Phone-Synchro-Pathé (cinematógrafo falante).
Porém, em 1909 passa por uma ampla reforma e assume o restaurante Carlos Schorcht Júnior. Schort Júnior, além de sócio de Henrique Stupakoff como vimos, era proprietário do Depósito Normal, à rua XV de Novembro, 53 e do Restaurante Chopp na travessa do Commercio 2A. Seu pai era o proprietário do elegante Grande Hotel, na esquina da Rua São Bento com a antiga travessa do Grande Hotel, hoje Rua Miguel Couto.
Em 01-01-1909 o jornal O Estado de S. Paulo publicava o anúncio: “O PROGREDIOR é, de hoje em diante, filial da Casa Schorcht” e já no dia 16 anunciava serviço de chopp, sorvetes, bebidas finas e lunch frio. No dia 20 do mês seguinte, com o tradicional banquete para os figurões e imprensa, ao som da tradicional orquestra do Progredior, Schorcht Jr. transferia seu antigo restaurante da travessa do Comércio para o espaço nobre do Progredior.
Mas Carlos Schorcht Júnior não ficou muito tempo à frente do Progredior. Em agosto de 1910 o restaurante já passava às mãos de Leiroz & Livreri que prometia em sua Secção Bar, o Five o’clock Tea tendo direito a apresentação às quintas-feiras da orquestra do Progredior sob a direção do professor Mazzi, das 2 às 4 horas. Todas as noites concertos variados pelo sexteto do Progredior. Este sexteto acabou ficando famoso, pois animava também os intervalos das corridas no bar do antigo Hipódromo da Mooca.
Os proprietários da nova empresa eram Joaquim Pereira de Leiroz e Pedro Livreri, ambos gerentes do Progredior, quando da administração de Carlos Schorcht Jr. Joaquim Leiroz era inclusive afilhado de casamento de Carlos Schorcht Jr.
Interessante é que a marca Bar e Restaurante Progredior não havia sido registrada por nenhum dos proprietários anteriores, o que somente foi feito no final de 1912 por Leiroz & Livreri.
Em 1913, a nova administração instala uma confeitaria anexa ao bar anunciando “o maior escrúpulo na confecção de sua fina pastellaria franceza”. E, em 1916, inaugura-se o Salão de Bilhares Progredior em um dos grandes salões.
Naquele mesmo ano, o conde Prates negocia os imóveis com o Banco Commercial do Estado de São Paulo, que os adquire por 1.100:000$000. Nada mal para quem adquiriu a empresa toda por 360:000$000 14 anos antes, numa época de inflação baixa e teve rendimentos de alugueis por todos esses anos.
O Progredior marcou uma época em que o grande afluxo de dinheiro trazido pelo café trouxe grandes mudanças não só na aparência da cidade de São Paulo, como também no apuro dos costumes de uma geração ansiosa por imitar os grandes centros irradiadores de cultura da Europa.
Durou até 1918 quando o contrato de aluguel com os novos donos do edifício não foi renovado e Leiroz & Livreri tiveram que se retirar. Nota-se uma ponta de tristeza no registro do anônimo jornalista do Correio Paulistano na edição de 17-01-1918:
“E, assim, sem mais nem menos, desapparece um estabelecimento como o ‘Progredior’, que fazia honra á nossa capital e que era, principalmente nos dias das festas populares, o ponto para o qual convergia a toda a nossa população”.
“Tendo sido, pelo Banco Commercial, adquirido o prédio da Rua Quinze de Novembro, onde até hontem funccionou o ‘Progredior’, não mais podia este a continuar ali, de modo que não teve outro remédio sinão mudar-se”.
Curiosamente, não conservou a marca Progredior que estava registrada desde 1912. O novo estabelecimento, no número 35 da Rua Direita, recebeu o nome de A Thebaída.
No tradicional almoço de inauguração, após os inevitáveis discursos dos convidados, Moacyr Piza falou “em nome da bohemia passada, que tão bellos momentos fruiu no antigo ‘Progredior’, que transfere com toda a sua verve para A Thebaída”.
Após passar por uma reforma, em 25-02-1919 o Banco Commercial do Estado de São Paulo instala-se no edifício do antigo restaurante Progredior, que ficou apenas na memória dos antigos paulistanos.

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