São Paulo - SP
Coleção Brasiliana Itaú, São Paulo, Brasil
OST - 36x96 - 1821
Texto 1:
A imagem acima, o Panorama da Cidade de São Paulo, é uma das obras mais importantes da iconografia paulistana do século XIX. É o primeiro panorama completo da cidade e uma das poucas representações de São Paulo anteriores à criação da fotografia. A obra, encomendada por d. Pedro I, foi pintada pelo artista francês Arnaud Julien Pallière. O panorama de 36 x 97cm foi feito com base em uma aquarela preparatória, produzida às margens do Rio Tamanduateí. Mostra, no primeiro plano, o rio, a várzea do Carmo (onde hoje se encontra o terminal de ônibus Parque Dom Pedro), e uma ponte de madeira conhecida como Ponte do Meio. A partir dela, vê-se a ponte e a ladeira que levam ao convento do Carmo (atual Avenida Rangel Pestana) e à torre da antiga Catedral da Sé. No centro da imagem, a torre da igreja dos jesuítas no Pátio do Colégio e, mais à direita, a casa da marquesa de Santos. Na extrema direita, localiza-se o antigo edifício do Mosteiro de São Bento, remodelado no início do século XX.
Na pintura do artista francês, fica evidente a relação da cidade com o Rio Tamanduateí, de grande importância comercial, por ser utilizado para o transporte de mercadorias e abastecimento da região. Por esse motivo, o Mercado Municipal está instalado às margens do Rio, no lugar onde se localizava o Mercado dos Caipiras. Hoje, o Tamanduateí perdeu seu curso original, ficando mais reto e canalizado.
Além da arquitetura e geografia da época, a pintura de Pallière mostra, no primeiro plano, um grupo de tropeiros. Vários artistas viajantes representaram esses habitantes da cidade com seus trajes típicos, mas foi Charles Landseer quem os registrou em maior quantidade – cerca de uma dúzia de desenhos – e com mais detalhes. Entre os anos de 1825 e 1826, o jovem inglês veio ao Brasil como artista oficial da missão diplomática britânica, comandada pelo embaixador Sir Charles Stuart. Landseer passou dez meses no Brasil, a maior parte do tempo no Rio de Janeiro, mas também visitou e registrou os estados de São Paulo, Pernambuco, Bahia, Santa Catarina e Espírito Santo.
Até mais da metade do século XIX, São Paulo era uma cidade pequena, com menos de 50 ruas e pouco mais de 20 mil habitantes. A atividade urbana limitava-se ao chamado Triângulo Histórico, formado pelas ruas São Bento, Direita e Quinze de Novembro. Em Viagem pelo Brasil 1817-1820, um dos mais importantes relatos sobre o Brasil do século XIX, os naturalistas alemães Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius descreveram a cidade assim: "Acha-se a cidade de São Paulo situada numa elevação na extensa planície de Piratininga. A arquitetura de suas casas amiúde com sacadas de gradil, que ainda não desapareceram por aqui, como no Rio, indica mais de um século de existência; contudo, as ruas são muito largas, claras e asseadas, e as casas têm, na maioria, dois pavimentos. Aqui raramente se constrói com tijolo, ainda menos com cantaria: levantam-se as paredes com duas filas de fortes postes ou varame entrelaçado, entre os quais se calca o barro (casa de taipa), sistema muito parecido com o pisé francês".
Em 1840, São Paulo possuía alguns edifícios significativos, como a Academia de Direito, os conventos de São Francisco e São Bento e o Palácio do Governo, mas continuava cercada por chácaras e sítios. Somente em 1892 o Viaduto do Chá, o primeiro de São Paulo, foi inaugurado. O projeto, criado com o objetivo de facilitar a travessia do Vale do Anhangabaú e permitir a expansão da cidade em direção à Praça da República (o centro novo), foi idealizado pelo empresário, arquiteto e litógrafo francês Jules Martin.
Martin foi responsável também pela impressão de mapas detalhados de São Paulo. Em sua oficina litográfica, a primeira da cidade, produziu várias peças gráficas, como São Paulo Antigo e São Paulo Moderno, voltadas à promoção do crescimento urbano e econômico vivido pela cidade desde o fim do século XIX.
Texto 2:
História sobre o encontro acidental desta tela por Pedro Corrêa do Lago (artigo da época da Mostra do Redescobrimento):
Por um lance inesperado da sorte, São Paulo está prestes a conhecer a peça mais importante de sua iconografia colonial e imperial, "escondida" há mais de cem anos em acervo particular.
Entre as 7.000 obras de arte da Mostra do Redescobrimento, a ser inaugurada em 23 de abril, no parque Ibirapuera, estará um óleo sobre tela com a primeira e mais abrangente vista panorâmica da capital paulista, pintada em 1821 pelo francês Arnaud Julien Pallière (1774-1862), que visitou o país no contexto das primeiras missões científicas de reconhecimento.
O quadro, de 1 m de largura por 40 cm de altura, pintado sob encomenda do imperador Pedro 1º e incorporado originalmente ao acervo imperial, foi redescoberto há menos de um ano pelo marchand Pedro Corrêa do Lago, curador de "O Olhar Distante", um dos 12 módulos do megaevento alusivo aos 500 anos.
Em bom estado de conservação, a tela, de estilo refinado, "estava sobre uma estante de livros de uma família carioca, despretensiosa, recebida em herança, esperando ser reconhecida", segundo Corrêa do Lago. O especialista em papéis antigos havia sido chamado, em princípio, para avaliar um lote de livro. "Tivesse sido descoberta por Washington Luís, Afonso Taunay ou outro historiador empenhado em recuperar a iconografia paulista, a imagem já teria se tornado o ícone máximo da São Paulo colonial, reproduzida à exaustão", diz.
A vista paulistana foi encomendada a Pallière pelo futuro proclamador da Independência, que desejava ter junto a si as paisagens das cidades que conhecera em torno do Rio de Janeiro. Desse conjunto, além da vista paulistana, conhece-se hoje apenas um panorama de Vila Rica (MG), nas mesmas dimensões e com os mesmos querubins sustentando faixa com o nome da cidade. Conservada no Museu da Inconfidência (Ouro Preto), essa tela também será emprestada à mostra do Ibirapuera.
A vista paulistana era uma das preferidas do imperador, como o visitante poderá comprovar no próprio módulo "O Olhar Distante", através de medalhão (miniatura em marfim) pintado por Simplício Rodrigues de Sá. Nesse registro, Pedro 1º se fez retratar à frente da porção esquerda vista paulistana de Pallière.
"Em meu livro "Iconografia Paulistana do Século 19" (ed. Metalivros, 1998, SP), tentei ser exaustivo, e uma de suas imagens principais era uma aquarela sobre papel de Pallière, realizada como estudo preliminar para o óleo agora revelado".
A citada aquarela, antes dividida em duas partes e entre dois proprietários, integra atualmente o acervo da colecionadora paulista Beatriz Pimenta Camargo, diretora da Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, que promove a mostra. Em abril, também estará exposta no módulo "Olhar Distante", quando se poderá verificar que não contempla algumas edificações incluídas no quadro a óleo.
A descoberta da tela do pintor francês obrigará o autor de "Iconografia Paulistana" a rever a próxima edição do livro. "Assim determinaram esses deuses estranhos que protegem os pesquisadores", comenta Corrêa do Lago.
Não há saída para o autor: por seu valor artístico, dimensões, suporte considerado nobre (tela) e antecedentes históricos, o panorama de Pallière é mais significativo que as vistas de São Paulo pintadas em 1827 pelo francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848)- aquarela sobre papel na Fundação Maria Luísa e Oscar Americano, SP- e pelo alemão Eduardo Hildebrandt (1818-1868) -óleo sobre papel no Museu Estatal de Berlim)-, também presentes na Mostra do Redescobrimento.
"A de Pallière é a mais antiga vista geral conhecida da cidade e a mais abrangente. Com essa obra -fundamental numa iconografia exígua, já que o Rio tem cem vezes mais itens-, é possível conhecer enfim uma São Paulo de cerca de 20 mil habitantes e 50 ruas, ou seja, um milésimo do tamanho atual, e saber que a cidade permaneceu inalterada por 40 anos, já que as primeiras vistas tomadas em fotos por Militão (de Azevedo), em 1862, revelam cenário idêntico", assinala o curador.
A pintura mostra a linha de construções ("skyline") da extensa colina da fundação da cidade, incluindo a casa da marquesa de Santos e o Colégio Jesuíta, vistos a partir da Várzea do Carmo, ou seja, mais ou menos do ponto onde se se encontra hoje o bairro do Brás, às margens do Tamanduateí utilizado à época por lavadeiras. O artista tentou dar movimento à paisagem, retratando grupos de tropeiros em primeiro plano.
A tela, cujos proprietários cariocas preferem manter-se anônimos, deverá ser vista por pelo menos 1 milhão de visitantes apenas na cidade de São Paulo, conforme as expectativas da Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, organizadora da mostra. Depois de São Paulo, um conjunto reduzido de obras do módulo "O Olhar Distante" faz itinerância brasileira, seguindo em novembro para o Museu de Arte da Bahia, conforme acertou esta semana, em Salvador, Pedro Corrêa do Lago.
Nota do blog: Depois deste evento o quadro foi comprado pelo Banco Itaú e atualmente integra a Coleção Brasiliana Itaú na cidade de São Paulo/SP.
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