Fundação de São Vicente, São Vicente, São Paulo, Brasil (Fundação de São Vicente) - Benedito Calixto
São Vicente - SP
Museu Paulista, São Paulo, Brasil
OST - 192x385 - 1900
Fundação de São Vicente (1900) é uma pintura horizontal de óleo sobre tela, produzida pelo pintor Benedito Calixto de Jesus. A imagem foi idealizada no ano de 1900 sob encomenda e reproduz como teria sido a ocupação de São Vicente (localizada na microrregião de Santos - São Paulo, Brasil), com a chegada de portugueses às terras indígenas. Na época, foi idealizada através de modelos, com ampla preocupação na reprodução da paisagem e comportamento dos elementos presentes nela.
Hoje, a obra integra o acervo do Museu Paulista da USP (também chamado por Museu do Ipiranga), estando localizada na sala B11. Junto com a tela Fundação de São Paulo, de Oscar Pereira da Silva, ela pertence à exposição de longa-duração denominada "Imagens Recriam a História", que celebra obras com temáticas vinculadas à conquista portuguesa. Foi uma obra de extrema importância para a definição da história brasileira como é conhecida hoje, por fazer parte de um raro conjunto de artes que representam momentos marcantes na ocupação do Brasil.
Na composição da imagem, observa-se a chegada dos portugueses através da expedição de Martim Afonso de Souza e o seu contato inicial com os índios. Diferentes peças de roupas, objetos e forma social de comportamento são determinantes na obra, assim como a vegetação. A imagem traz diversos componentes que ajudam a entender o momento de ocupação das terras brasileiras, definindo o seu espaço e tempo por não ter qualquer elemento de urbanização.
Portanto, "Fundação de São Vicente" pode ser considerada uma das obras precursoras da definição do imaginário social brasileiro.
Dentre as diversas pinturas de Benedito Calixto, "Fundação de São Vicente" é apenas uma das que remetem à chegada de Martim Afonso de Sousa à Capitania de São Vicente, no século XVI, junto a outros portugueses, como Brás Cubas, capitão-mor de Martim Afonso. Como em outras de suas obras, o artista utilizou para a composição dessa, modelos vivos para montar suas fotografias e refazer as mesmas com o pincel. Para criar a obra, ele montou no quintal de sua casa um cenário com índios de uma aldeia da região de Bananal. Dessa forma, ele podia observar minuciosamente o comportamento deles e fazer seu registro com perfeição.
A paisagem temática presente na obra é marca registrada do artista, que desenvolveu aqui uma pintura lisa e com uso de veladuras. O uso das cores é fiel às características locais, conquistada através de um trabalho minucioso e pessoal no uso das cores azuis, verdes e ocres. A paisagem retratada por Benedito Calixto tem uma estrutura bem marcada, especialmente na porção terrestre. Não há acidentes na paisagem definindo sua demarcação. Há uma vasta quantidade de figuras que se estendem por toda a tela, até seu perímetro. Mescla indígenas e europeus com tranquilidade e variedade de comportamentos. Além disso, a ação das figuras na tela é narrativa e não concentrada: as situações e comportamentos são diversificados e ocupam todos os planos da terra.
A tela pressupõe três tipos sociais: índios, brancos colonizadores (portugueses) e os representantes da Igreja Católica, que levam a cruz para as terras brasileiras. Tendo Santos como interesse primordial ao produzir suas obras, um dos principais objetivos de Benedito foi revelar uma tradição tipicamente paulista em suas pinturas, como "Fundação de São Vicente". Morando praticamente toda a vida no estado de São Paulo, a maior parte do tempo em São Vicente, buscou retratar o litoral brasileiro como ação patriótica, mostrando o mar, a fauna e a flora da região.
De imensa importância histórica, a obra testemunha precedentes de uma intensa ocupação de terra por europeus e difunde um discurso visual que se tornou fundamental para a criação de um imaginário social sobre as origens urbanas de São Paulo e Brasil. Diversos estudiosos entendem a obra não como um documento histórico do século XVI, mas como um documento da época em que foi produzida e digerida, representando as necessidades simbólicas da sociedade do final do século passado, que busca inventar uma história para uma nação ainda jovem. Como "janela do passado", a obra é uma fonte de informação para que se entenda o imaginário da sua época. A história e a arte eram as ferramentas de invenção de tradições que formulavam a história do Brasil, criando uma "verdade" desejada e crenças que fixavam sínteses simbólicas de alto impacto, documentando a história. Há um esforço de enaltecimento da raça do colonizador.
“A pintura histórica serviu para a construção de mitos e heróis, bem como para retratar momentos considerados importantes, sobretudo, os inaugurais, da história nacional.”
Segundo a análise formal proposta por Ulpiano T. Bezerra de Meneses, há três aspectos fundamentais a serem abordados na obra. O primeiro deles é a extensão da tela, seu enquadramento e a disposição dos elementos ali representados, em terra, céu e mar. O segundo aspecto é a forma de estruturação da paisagem, o papel que ela exerce na composição da imagem e os elementos distintivos do local. O último aspecto que merece relevância é a distribuição de figuras, que propõe uma hierarquia, e os suportes da atividade humana. Dessa forma, faz uma descrição minuciosa dos costumes, família, e poder político, religioso e social vigentes na época. Além disso, Calixto salienta na obra que o meio faz o homem: apresenta um encadeamento entre um elemento inicial, a terra, e um segundo, o homem.
A natureza da obra, representada através da vasta vegetação, é o que sugere a sua localização. Exímio paisagista, Benedito demonstra em "Fundação de São Vicente" não ficar preso somente aos acontecimentos históricos: busca na natureza cenas bonitas e de onde se extrai grande quantidade de informações, tais como os formatos de moradias e ferramentas indígenas.
Idealizada em 1900, a obra foi adquirida na época por dez contos de réis no IV Centenário do Descobrimento do Brasil. O quadro foi recebido pelo Museu Paulista, como um oferecimento da comissão responsável pelo evento do centenário, e o local de sua exposição foi escolhido pessoalmente pelo próprio pintor, que na época já detinha certo reconhecimento na área. Uma sequência de aquisições de quadros se deu a partir de então.
Nesse momento, dos anos 1900 em diante, o Brasil vivia um momento de mudanças na república, urbanização e desenvolvimento econômico e artístico, precedendo a Semana de 22. O Brasil não apresentada contornos nítidos no governo vigente e tentava escrever a história que queria contar.
Até 1907, a representação da fundação de São Paulo não havia sido tema de um grande quadro, com proporções maiores do que o comum, apesar de haverem indícios de que Benedito Calixto já planejava produzir "Fundação de São Vicente" desde 1890, quando foi instalado o quadro Independência ou Morte de Pedro Américo no Museu Paulista.
Em geral, obras com o intuito de retratar fundações de núcleos urbanos eram extremamente comuns nesse momento da história brasileira, com destaque para a passagem do século XIX para o XX. Foi nesse momento que os estados começaram a encomendar iconografias de assuntos histórico-regionais, com a finalidade de expor as criações ao público massivo. Assim como "Fundação de São Vicente", entraram na leva "Fundação da Cidade do Rio de Janeiro" e "Fundação de Santos". Na época, os historiadores paulistas procuravam reescrever a história do Brasil com um novo olhar e para isso, criavam um caráter imagético.
Benedito Calixto, assim como Oscar Pereira da Silva, Belmonte e Domenico Failutti, de técnicas de estilos diferentes, recebiam muitas encomendas de obras, painéis e pinturas na época. Todos produziam com supervisão direta, para que as obras tivessem um determinado discurso visual, fato que permaneceu mesmo após o centenário da independência. O Brasil vivia um momento de definição de seu imaginário social e por isso, artistas como esses eram contratados para representar as origens idealizadas na época - como a chegada dos portugueses a São Vicente e o contato indígena.
Para os estudiosos que estudaram e analisaram Benedito Calixto, mais do que um ideal republicano, o artista teria uma maneira paulista de ver o Brasil, o que reverbera uma discussão especialmente forte no século XX sobre o papel das artes plásticas nos atos fundadores do país.
A cidade de São Vicente, reconhecida como marco fundador do Brasil colonizado, situa-se na parte central do litoral paulista, conhecida como Baixada Santista. Foi a primeira cidade fundada pelos portugueses no Brasil, sendo 22 de janeiro de 1532 a sua data oficial de fundação. Por sua posição estratégica, foi palco do início da ocupação do espaço regional na expansão portuguesa. Na história oficial, 30 anos antes de Martim Afonso de Souza chegar a São Vicente, foi uma expedição portuguesa comandada por Gaspar de Lemos que chegou nessas terras, em 22 de janeiro de 1502, batizando a ilha em homenagem a São Vicente Mártir. Na época, o Brasil também era alvo de cobiça de franceses e ingleses. Antes deles, Antônio Rodrigues, João Ramalho e Mestre Cosme Fernandes (o "Bacharel"), prováveis tripulantes da armada de Francisco de Almeida que desembarcou em 1493, foram os primeiros portugueses que viveram em São Vicente. Eles viviam em harmonia com os índios, exercendo o livre comércio de roupas e comidas.
Enquanto na década de 1520, os índios e poucos portugueses daquela terra conviviam em paz, há alguns quilômetros dali, em 1523, uma esquadra de seis navios de Cristóvão Jaques, designada pela Coroa Portuguesa para reforçar a vigilância pela costa do novo país, afundou três navios franceses próximos à Bahia. A Corte, alarmada, decidiu que era o momento de iniciar uma colonização oficial nessas novas terras. D. João III mandou então alguns oficiais em uma expedição, com seu amigo de infância Martim Afonso de Sousa, que levou o irmão, Pero Lopes de Sousa, e mais de 400 homens em cinco embarcações (que podem ser vistas no quadro "Fundação de São Vicente"). Essa expedição partiu de Lisboa, no dia 3 de dezembro de 1530. Portanto, apesar dos fatos anteriores, a posse oficial do território de São Vicente ocorreu com a expedição de Martim Afonso de Souza, no ano de 1532, quando o explorador veio com a intenção de fundar uma Vila.
A esquadra chegou à ilha em 20 de janeiro de 1532, mas por conta do mau tempo, desceram em terra firme apenas em 22 de janeiro - momento em que Martim Afonso batizou o local como Vila de São Vicente. Os portugueses optaram por se instalar nas ilhas pela facilidade de defesa e fuga, em caso de ataques indígenas ou piratas.
Nesse momento, foi instalada a primeira Câmara Municipal das Américas e em 22 de agosto de 1532, realizaram as primeiras eleições do continente americano - configurando São Vicente como berço da democracia americana.
Em pouco tempo, a importância de São Vicente decaiu, pois apesar de ter firmado-se como uma pequena vila, a vizinha Santos detinha melhores condições para o atracadouro de embarcações. Após um desastre natural ocorrido em 1542, a vila original de São Vicente foi completamente destruída. O mar agitado invadiu a praia e as pequenas ruas, fazendo com que a vila fosse reconstruída posteriormente mais distante do mar. São Vicente tem um grande aproveitamento de sua herança histórica, que serve como atrativo turístico para o município. Apresenta ações públicas frequentes para a valorização de seus fatos e sítios históricos, procurando sempre conscientizar os seus valores culturais e regatar a identidade local. Existe anualmente uma encenação da cena da chegada de Martim Afonso de Souza a São Vicente e fundação da Vila, que ocorre no aniversário da cidade, 22 de janeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário