quarta-feira, 29 de maio de 2019

Volkswagen Kombi Last Edition, Brasil














Volkswagen Kombi Last Edition, Brasil
Fotografia


Enquanto você lê esta reportagem, funcionários da Volkswagen se preparam para desativar a linha de montagem da Kombi. Dezembro de 2013 será seu último mês de produção, encerrando um dos ciclos produtivos mais longos da indústria no mundo: 56 anos ininterruptos sem grandes alterações no projeto. O Brasil é o único país que ainda fabrica o modelo e, se não fosse pela impossibilidade de se adequar à obrigatoriedade de airbag e ABS, esse cenário não mudaria.
A Kombi é líder dos comerciais leves desde 1957, quando começou a produção (mas já era vendida em 1953, montada por CKD). Você pode dizer que já passou da hora de ser enterrada ou que é um absurdo um carro tão ultrapassado ainda ser fabricado. O argumento é válido, mas não conta a história toda. Seu sucesso está num projeto que leva 1 tonelada ou nove pessoas ocupando o espaço de um sedã médio, com robustez mecânica, tração traseira (ideal para cargas) e manutenção barata. Há alternativas na concorrência, dotadas de itens de segurança que a Kombi jamais teve. Nenhuma delas, contudo, tirou a liderança da Velha Senhora, que conserva a mesma cara desde 1997, a última grande reforma, quando ganhou teto 11 cm mais alto, porta corrediça atrás e perdeu a divisória entre os bancos dianteiros e o salão.
Para marcar a despedida da Kombi, a Volks criou a série Last Edition, por um preço salgadíssimo. O marketing entrou em ação para fazer seu “deslançamento”, como diz sua propaganda, e atiçar o desejo de colecionadores. Deu certo: ela foi anunciada por 85 000 reais e, antes de as vendas começarem, a Volks percebeu que a oferta inicial de 600 unidades estava subdimensionada. A cota foi dobrada. Ao todo, 1 200 foram montadas, com direito a plaqueta numerada acima do rádio (sim, vem de série) e certificado de autenticidade junto com o manual.
Encontramos um colecionador que adquiriu a série especial e que topou nos emprestá-la para um teste. O último encontro da Kombi com a Quatro Rodas fora em janeiro de 2006, na ocasião da troca de motores, por força da nova lei de emissões, quando o motor a ar deu lugar ao de refrigeração líquida. Na pista, aceleramos o 1.4 flex de 80 cv que substituiu o velho 1.6 boxer a ar, de 67 cv. No 0 a 100 km/h, registrou 20,2 segundos com etanol. Se é muito comparado a um Fiat Mille (que faz 14,1), é pouco em relação à primeira Kombi, que em 1963 levou 27,8 segundos para ir de 0 a 80 km/h! – a máxima daquele 1.2 de 36 cv era de 93 km/h. O consumo também está longe de ser referência: 7,8 km/l na estrada e 6,5 na cidade – o Mille dá uma surra, com 12,6 e 9,3 km/l.
Com o atual 1.4, a perua ganhou rapidez na cidade, força para encarar subidas e ultrapassagens e o benefício de não fazer tanto barulho. Sem forração acústica, o upgrade sempre causou estranhamento para alguém como eu, que já foi dono de uma Kombi 2001, tamanha era a associação entre a velha perua e o excesso de vibrações. Na cidade, ela surpreende pela agilidade em baixa rotação. Mesmo sem direção hidráulica, o volante não é pesado, mas sua posição foge do padrão, já que ele é grande e quase horizontal. Aliás, mesmo zero-quilômetro, a van vem de fábrica com folga na direção, o que força o motorista a se manter abaixo dos 100 km/h, se quiser preservar alguma sensação de segurança.
Nas curvas, a suspensão revela um ajuste equilibrado. O mesmo vale para os freios, embora ter de apertar o pedal para baixo, contra o chão (e não para a frente), seja bem esquisito. A posição do banco, em cima do eixo, também requer costume, sobretudo quando se passa por lombadas, pois a energia das molas faz o condutor saltar do assento, dependendo da velocidade. E como o motorista quase viaja à frente do eixo, ele precisa girar o volante um pouco depois do que num carro comum para fazer curva, como num ônibus. O tamanho do veículo, porém, reduz o desafio, já que seus 4,5 metros equivalem ao de um Honda Civic. Visibilidade é outro trunfo, pois o formato retangular permite o uso de vidros grandes e retos, reduzindo a quantidade de pontos cegos.
Mas, se a mecânica não mudou, o mesmo não pode ser dito do visual. A série limitada conta com uma jogada de mestre por parte da Volks, que foi convencer entusiastas a pagar quase o dobro de uma versão comum. Para isso, a VW incluiu elementos que fazem remissão ao passado. A carroceria ganhou pintura saia-e-blusa azul e branco. Grade superior e aros dos faróis receberam o mesmo tom. As rodas de aço trocaram o prateado pelo branco e os pneus têm faixa branca para completar o ar nostálgico. Por dentro, bancos e forração da porta foram encapados com vinil branco e azul Atlanta. Cortinas nas janelas laterais relembram uma época de maior requinte, com destaque para as presilhas que trazem a inscrição Kombi. No chão, os tapetes de borracha cederam lugar a peças acarpetadas e mais bem-acabadas. São detalhes que não justificam o aumento de preço do ponto de vista do custo, mas fazem sentido para um público que vê esta Kombi como símbolo de uma era. Uma era que chega ao fim depois de 56 anos de robustez e bons serviços prestados ao país.
A suspensão agrada. Não dá para dizer o mesmo da direção imprecisa, que vem de fábrica com folga. Pressionar o pedal contra o chão é, no mínimo, curioso.
O motor 1.4 flex garante boas respostas ao acelerador, apesar de fazer dupla com o câmbio de quatro marchas do 1.6 a ar aposentado em 2005.
Poucos veículos têm um formato tão racional e consagrado a ponto de tornar-se cult. A grade frontal e o teto elevado destoam um pouco. Para trabalhar, as vans modernas, com acesso traseiro para carga, são mais práticas.
O acabamento diferente não acrescenta conforto ao interior, apenas torna o visual mais exclusivo.
Segurança nunca foi prioridade. Freio a disco e cintos de três pontos para motorista e passageiro é o máximo que se tem.
Quem comprou a Last Edition não olhou para o preço. Pode até ser que valorize com o tempo, mas não espere vender para gente “comum”. É item de colecionador.
A Kombi sempre foi uma referência de custo-benefício e até hoje não há rival com a mesma capacidade de carga pelo mesmo preço e baixo custo de uso. Não é o caso da Last Edition, cujo público-alvo são colecionadores ou gente que procura um investimento.

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