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domingo, 10 de novembro de 2019
A Agonia do Edifício Diederichsen, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
A Agonia do Edifício Diederichsen, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
Ribeirão Preto - SP
Fotografia
"Fiz esse caminho aqui por 13 anos", diz o ourives Ariovaldo Malagutti, 54, enquanto leva a nossa equipe até a sala 109, no primeiro andar do Edifício Diederichsen. Depois de uma ação de despejo, em 2017, a vontade de permanecer no centro da cidade foi mais forte e, mesmo sob o sentimento de luto, Malagutti instalou sua relojoaria no edifício exatamente em frente, para continuar a ter a mesma vista.
Segundo ele, a vista da sala antiga o fazia lembrar de bons momentos da infância. "Eu vinha ao Pedro II quando ainda era um cinema. Quando eu olhava pela janela durante o trabalho, via a minha própria vida passando lá embaixo", diz, emocionado.
Hoje, o Edifício Diederichsen, primeiro prédio construído em Ribeirão Preto, está praticamente vazio. Um dos poucos inquilinos que ainda resistem a uma ação de despejo, e que não quer se identificar, diz que será muito difícil achar outro lugar e pagar tão pouco, como lá. A solução, então, é "ver no que vai dar".
Construído em 1936, logo após a crise do café que provocou um verdadeiro colapso econômico na região, o edifício Diederichsen ocupou o espaço que era até então casa do poderoso Coronel Quinzinho.
Com cinco andares, a novidade se espalhou rápido e o primeiro edifício de Ribeirão Preto se tornou o maior símbolo da modernidade à época. Em um único complexo multiuso, o Diederichsen abrangeu hotel, apartamentos residenciais e salas comerciais, além de comércios diversos, a famosa cafeteria A Única, a primeira unidade do Pinguim e o Cine São Paulo, com incrível capacidade para 1.200 pessoas.
O proprietário, Antônio Diederichsen era um rico banqueiro e filho de imigrantes alemães, muito envolvido com filantropia. Em seu testamento, doou o edifício para a Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto para que a receita gerada dos aluguéis ajudasse a manter a assistência hospitalar dos menos favorecidos. Desde 1955, quando o banqueiro faleceu, a Santa Casa é quem administra o edifício e seu complexo de lojas.
O Diederichsen é considerado um grande exemplar da arquitetura europeia e da Art Déco, com seus arabescos e refinamento típicos do início do século passado. Ele foi tombado como Patrimônio Histórico Estadual em 2009.
Em 2016, a Santa Casa de Ribeirão Preto anunciou um projeto de restauro e reforma do edifício. Em 2017, foram emitidas ações de despejos para todos os inquilinos dos apartamentos e salas comerciais. A maioria dos ocupantes era formada por pessoas de baixa renda, sendo que o aluguel custava pouco mais de R$300. Para as salas, geralmente com menos de 20m², o investimento era em torno de R$195.
Segundo nota enviada pela Santa Casa, a entidade aguarda a saída dos inquilinos que descumprem a ordem de despejo. "A Santa Casa contratou uma empresa especializada que no primeiro momento realizou um levantamento histórico, incluindo um estudo preliminar dos espaços e definição do uso de cada andar. Esse estudo já foi concluído", diz o e-mail oficial.
Há pouco mais de dois anos, a Santa Casa passou a divulgar que o prédio seria transformado em um Centro Cultural e foi ventilado também que poderia abrigar um centro de desenvolvimento de start-ups.
Ainda segundo a administração sob comando do superintendente Marcelo di Bonifácio a ideia é firmar parcerias com a iniciativa privada para dar um novo rumo ao edifício. No entanto, quase três anos depois de despejar os inquilinos, nenhum acordo foi firmado.
A entidade também afirma que em 2018 foi encomendada uma pesquisa de mercado para ouvir a comunidade referente à destinação do edifício. A reportagem perguntou, via e-mail, qual foi o resultado da pesquisa em questão, porém não obtivemos resposta. Também não foi divulgada a empresa que está desenvolvendo o projeto de restauro.
O arquiteto, urbanista e membro do CONPPAC (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Artístico e Cultural) de Ribeirão Preto, Claudio Henrique Bauso, se opõe à política administrativa da Santa Casa. Ele a considera desastrosa e um crime contra o patrimônio.
Parte da crítica deve-se à finalidade assistencial do edifício Diederichsen, garantida pelo seu Estatuto. Segundo ele, a ideia de fazer um centro cultural ou outra coisa que não esteja envolvida com assistência social, é ilegal.
"A entidade vem desrespeitando o Estatuto desde o despejo das pessoas que ali viviam. Se o edifício tinha salas ociosas, isso não é justificativa para um desmonte", diz. Bauso ainda cita má intenção na atual administração. "Não há projeto algum, nada chegou até agora ao Conselho".
Segundo o arquiteto, que desenvolveu um projeto de restauro em 2006 e que não foi levado adiante -, falta transparência quanto ao Estatuto e ao valor arrecadado com os aluguéis. "Parece que alguém quer fazer algo fora dos critérios aqui. Eles têm que apresentar esse estatuto, prestar contas porque uma parte da arrecadação é dinheiro público. A Santa Casa não é dona do Diederichsen, é apenas gestora dele".
Além disso, o arquiteto cita outros problemas como a falta de manutenção. Para ele, a administração está colocando em risco o patrimônio histórico com a probabilidade de incêndios pela fiação antiga e desgastada. "É uma tragédia anunciada pela improbidade, é um crime de omissão".
Segundo comunicado oficial da Santa Casa, este mês foi assinado o segundo contrato com uma empresa especializada para elaboração de um projeto memorial e final de restauro. Em seguida, afirma, será encaminhado para análise e aprovação do Condephaat.
Enquanto isso, o ourives Malagutti, um dos inquilinos despejados, observa do prédio em frente as janelas fechadas da sua antiga sala no famoso e imponente Diederichsen.
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