Fachada da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, Salvador, Bahia, Brasil
Salvador - BA
Edicard
Fotografia - Cartão Postal
A Igreja da Ordem Terceira de São Francisco é
uma igreja católica da
cidade brasileira de Salvador, Bahia.
É um expressivo exemplar da tradição barroca no
país, foi tombada pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e foi uma das
indicadas para a eleição das 7 Maravilhas do Brasil.
Sua notoriedade advém principalmente da sua fachada ricamente decorada em
altos-relevos, um caso raro no Brasil, com similar apenas na Igreja de Nossa Senhora da Guia em Lucena na Paraíba,
que também possui fachada em rocha sedimentar (calcário). Seu
interior foi reformado no século XIX, substituindo-se a decoração original
barroca por altares neoclássicos,
considerados a obra magna do mestre José de Cerqueira Torres.
A igreja faz parte de um dos principais conjuntos monumentais de Salvador, que
inclui a Igreja e o Convento de
São Francisco, que lhe ficam anexos.
A fundação da igreja se deve à Ordem Terceira de São Francisco,
que iniciou suas atividades na Bahia em 1635. Em 1644 a Ordem ergueu sua
primeira igreja, que foi substituída pela presente construção. A autoria
do projeto é atribuída ao mestre Gabriel
Ribeiro, também o construtor do edifício. A pedra fundamental foi lançada
em 1º de janeiro de 1702 e as obras correram com grande rapidez, sendo
concluída a estrutura em 22 de junho de 1703. Porém, a fachada só foi
finalizada em 1705.
No início do século XIX decidiu-se renovar o interior. Os
altares primitivos foram substituídos entre 1827 e 1828 com a talha de José de Cerqueira Torres,
e a douração foi contratada em 1830 com Franco
Velasco. Em 1833 a Ordem encomendou a Cerqueira Torres a confecção de
castiçais, cruzes, ramalhetes e jarras para os altares, num total de 77 peças.
Em 1834 José Rodrigues Nunes foi incumbido da
pintura e douramento de 54 castiçais, 4 tocheiros, 7 cruzes e 16 jarras, da
realização de 4 quadros grandes para as paredes, seis pequenos para os nichos
dos altares, e da pintura em imitação de tela de ouro do fundo da capela-mor.
Ao mesmo tempo, Cerqueira Torres foi novamente contratado para a realização de
painéis e frontões entalhados para os altares. A igreja foi reconsagrada e
reaberta em 4 de julho de 1835.
Na mesma época das reformas, a fachada foi toda recoberta de
argamassa, considerada fora de moda, sendo esquecida sua decoração original por
mais de um século. Em 1932, por acidente, foi redescoberta, quando um
eletricista estava fazendo a instalação de luzes. Durante o trabalho, deu
marteladas na fachada, fazendo cair parte do reboco. Em 1939 o IPHAN
encaminhou o seu tombamento.
A igreja é precedida de um pequeno adro com cerca de ferro e
pilares em alvenaria, ladeando um grande portal de pedra decorado com relevos e
um frontão impositivo.
A fachada, ricamente ornamentada com relevos, é um caso único no Brasil,
remetendo, segundo o IPHAN, às decorações platerescas que
tiveram uma voga na Espanha e suas colônias americanas. Ela tem apenas
um similar, muito menos rico, na Igreja de Nossa Senhora da Guia,
na Paraíba.
Porém, a definição do estilo da fachada tem dado margem a controvérsias. O
estilo plateresco é uma das ramificações do Maneirismo espanhol,
mas alguns autores pensam que se trate de um exemplar tipicamente barroco, e
outros a consideram alinhada à corrente churrigueresca.
Sua planta é um exemplo da transição entre a tradição
franciscana do século XVII e o das matrizes setecentistas inspiradas na
tradição jesuítica. No caso desta igreja, a forte declividade nos fundos do
terreno exigiu uma solução nova, instalando a Sala da Mesa (consistório) sobre a sacristia, e
esta sobre um ossário. A sacristia liga-se à nave por galerias guarnecidas
com três arcadas de cantaria. Possivelmente elas eram abertas para o exterior
na época de sua inauguração. Atualmente as arcadas no lado direito da capela‐mor se comunicam com o externo através do claustro, e as
do outro lado se abrem para um bloco levantado a partir de 1770, usado como dependências
de apoio, construído em virtude da crescente importância e prestígio da Ordem
no século XVIII.
Pelo seu ineditismo no cenário arquitetônico brasileiro e pela
sua e riqueza plástica e iconográfica, a fachada já foi objeto de atenção de
vários historiadores. O nível térreo é vazado por três portas em arco
redondo, sendo a central mais larga e alta. São fechadas por portas com
almofadões em relevo. Sobre as duas laterais se abrem óculos elípticos.
As pilastras assumem
uma forma de quartelões (pilastras misuladas),
com capitéis que
ostentam mascarões e são coroados por volutas jônicas.
Na aduela do
portal do centro há um pequeno medalhão onde consta a data da construção e a
inscrição SPPM, que significa "Ao seráfico Pai esta igreja foi
construída merecidamente". Acima deste elemento, os torsos de duas sereias
ladeiam uma coroa de espinhos com o monograma IHS, significando
"Jesus Salvador dos Homens".
Este plano é separado do imediatamente superior por uma
larga cornija decorada
com relevos. Este bloco é muito mais ricamente ornamentado. Os quartelões se
sustentam por volumosas mísulas, e seguem para cima com ornamentações em
alto-relevo, mostrando na base carrancas (quartelões externos) e querubins
(quartelões internos), sustentando atlantes, e
terminam com novas mísulas fazendo as vezes de capitéis. As superfícies entre
os quartelões são densamente ornamentadas com um intrincado padrão de motivos
curvilíneos fitomórficos rodeando grandes coroas reais. Nas laterais se abrem
duas portas de feitio retangular, diante das quais há sacadas de ferro
trabalhado. Ao centro, num nicho está instalada uma estátua de São Francisco. Acima dele duas sereias sustentam
uma coroa real, sobre a qual há uma grande carranca de feições felinas, e acima
dela se posta uma águia, de cujo bico pende uma fita com a inscrição “per
penitentiam coelo apropinquamos” (pela penitência nos aproximamos do céu).
Seguindo Percival Tirapeli, os dois atlantes que ladeiam o nicho têm
características de divindades pagãs, e poderiam ser divindades fluviais, uma
alegoria dos rios pelos quais as riquezas da província eram transportadas. Suas
cabeças são adornadas com projeções que lembram asas, e poderiam simbolizar
também Hermes,
o deus dos comerciantes, uma vez que os comerciantes da capital baiana foram os
principais financiadores da construção.
Uma outra cornija saliente separa o bloco recém descrito
do frontão,
também densamente lavrado, com um escudo do Reino
de Portugal ao centro, ladeado de anjos em alto relevo e duas grandes
volutas nas extremidades, sobre as quais se erguem pináculos. Ao centro, uma
cruz arremata o conjunto. Disse Tirapeli que se trata de "obra singular da
arte colonial nos trópicos, surgida da mescla de interesses e vontades de
comerciantes mecenas e a criatividade e técnica de artistas locais, a
fachada da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência merece sem dúvida a
atenção tanto de estudiosos quanto de apreciadores da beleza".
A decoração interna primitiva, em estilo Barroco,
foi substituída em sua maior parte entre 1827 e 1828 por seis altares laterais
e uma capela-mor em estilo Neoclássico com talha dourada,
que constituem o principal trabalho do mestre entalhador José de Cerqueira Torres,
ainda em excelente estado de conservação. A ele também cabem a talha das
tribunas, do arco do cruzeiro, da caixa do órgão, dos púlpitos, da grade do
coro e os caixotões do teto da nave.
No piso superior tribunas com sacadas de ferro trabalhado e
cobertas por pequenos dosséis se abrem para a nave, e dois púlpitos se colocam
entre os altares. O teto da nave, elaborado em 1831, é decorado com pinturas
atribuídas a Franco Velasco, inseridas nos caixotões. A capela-mor separa-se da
nave por um grande arco decorado com relevos. No centro há um medalhão com os
emblemas da Ordem Franciscana e uma cruz. O altar-mor tem uma forma de baldaquino,
com um trono escalonado no interior, onde se encontra uma imagem de Jesus
crucificado. De acordo com Luiz Alberto Ribeiro Freire,
"Na obra da igreja dos terceiros franciscanos de Salvador,
o entalhador José de Cerqueira Torres inaugurou um novo tipo de retábulo,
que identificamos como 'baldaquino arrematado por cúpula de
barrete de clérigo'. Nele não só o arremate era novo, diferente, como os
capitéis coríntios das colunas, fugindo da regra baiana de uso dos capitéis
compósitos. Esse baldaquino contém seis colunas de fustes retos e
canelados inteiramente douradas. Nas impostas frontais exibe duas esculturas,
uma em cada lado, representando a Fortaleza no lado esquerdo e a Temperança no
lado direito do observador, virtudes importantes para os terceiros franciscanos.
As impostas traseiras são arrematadas por um vaso em cada lado.
"Os retábulos laterais concebidos para a nave dessa igreja
também inovam no tipo. O artista concebeu peças parietais arrematadas por uma
tabela, com tímpano e urna flamejante. O tipo difere do retábulo-mor
repetindo desse as colunas coríntias inteiramente douradas e o modelo dos
pilares. As urnas flamejantes com festões, último arremate desses retábulos, só
aparecem aí. Do mesmo modo, o motivo decorativo que acentua o centro do tímpano
constituído de folhagens que remetem ao formato de uma lira é único e restrito
a esse ambiente. A solução dadas às palmetas das impostas dianteiras inferiores
e superiores fazem parte do vocabulário da oficina de Torres e não aparecem nas
ornamentações das outras igrejas. [...]
"Os púlpitos são também de fatura única com um tambor de
lado encurvados e, contrariando a norma baiana, dispensou os elementos vazados,
os arremates deles se diferenciam no formato e pela inclusão de símbolos
entalhados, o do lado da epístola, aparece duas tábuas dos mandamentos da
Lei de Deus, cada uma numerada com o VII e VIII mandamentos, dispostas em
diagonal, uma trombeta disposta em diagonal contrária à das tábuas; uma coroa
de folhas cinge as tábuas e palmas caem para os lados, com uma cruz latina ao
centro arremata todo conjunto. As tábuas aludem aos mandamentos propagados no púlpito;
a trombeta, o anúncio do Juízo Final,
as palmas refere-se à vitória, ascensão, renascimento e imortalidade para os
que seguem a palavra de Deus, e a cruz identifica a fé em Jesus Cristo
Salvador. [...]
"O programa ornamental da igreja dos terceiros
franciscanos de Salvador, é sem dúvida uma das obras primorosas da talha baiana
e brasileira e das mais Clássicas no sentido da depuração, limpeza, sobriedade,
emprego de ornatos da arquitetura Clássica e uma policromia que elimina em
grande parte a policromia variada e sedutora do Barroco. O fiel passou a ter
nesse novo ambiente pausa para a meditação e contemplação, pausa para a
contrição e o exercício da razão".
Preserva-se da decoração barroca original dois medalhões nas
paredes laterais da nave, com expressivas molduras douradas e policromadas, e
uma grande série de azulejos pintados distribuídos por vários espaços do
complexo, como as galerias, corredores e claustro, vindos de Portugal e
importantes por retratarem Lisboa antes do terremoto de
1755 e cenas do cortejo do infante Dom José e Dona Maria Ana de Bourbon em seu
casamento em 1729.
Dos espaços decorados, destaca-se a Sala da Mesa, uma das mais
significativas em seu gênero em todo o Brasil. Outro espaço, a Casa dos
Santos, preserva um importante conjunto de santos de
roca e de vestir, instalados em uma série de capelas
neoclássicas que circundam o aposento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário