domingo, 7 de abril de 2024

Rua Mostardeiro com Rua Mariante, Circa 1935, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil


 

Rua Mostardeiro com Rua Mariante, Circa 1935, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Porto Alegre - RS
Fotografia

O bairro Moinhos de Vento ganhou este nome devido aos Caminhos dos Moinhos de Vento (que, a partir de 1939, passou a chamar-se rua Vinte e Quatro de Outubro) e que possuía moinhos trazidos pelas famílias de açorianos que ali se estabeleceram e plantavam e moíam trigo.
O crescimento do bairro teve impulso em 1893, com a implantação pela Companhia Carris da linha de bonde Independência. A abertura do Prado Independência, em 1894, foi outro fator que colaborou para o progresso do bairro. Em 1959, o prado foi transferido para o bairro Cristal, e passou a chamar-se Hipódromo do Cristal e, o estádio do Grêmio Foot-Ball Porto-alegrense até 1954, que passou a existir o Parque Moinhos de Vento, (o "Parcão"), que se tornou o maior atrativo da região. A construção da Hidráulica Moinhos de Vento, em 1904, ocasionou a abertura de diversas ruas nas suas proximidades. Na divisa com o bairro Independência, inaugurou-se em 1927 o Hospital Alemão que, a partir de 1942, em razão da Segunda Guerra Mundial e da rejeição ao nazismo, passou a se chamar Hospital Moinhos de Vento.
A família de um dos comerciantes mais ricos de Porto Alegre no final do século 19 é homenageada em tradicional rua do bairro Moinhos de Vento. Antônio José Gonçalves Mostardeiro era apenas Antônio José Gonçalves quando nasceu em 1831. A família humilde morava em Mostardas, no Litoral. Em Rio Grande e São José do Norte, Antônio deu os primeiros passos como empreendedor.
Ainda não se sabe o ano exato em que a família se transfere para Porto Alegre, tampouco se abandonou a propriedade de Mostardas. De qualquer forma, na capital prosperaram na atividade comercial. Irmãos de Manoel Jose Goncalves Mostardeiro tiveram destaque na sociedade da cidade e deram nome para a rua Mostardeiro situada no bairro Rio Branco.

Cena de Rua, Circa 1898-1899, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil


 

Cena de Rua, Circa 1898-1899, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Porto Alegre - RS
Fotografia

Nota do blog: Localização não obtida.

Santos Dumont na Praça e Monumento a Santos Dumont / Monumento a Santos Dumont, 1913, Place Santos Dumont, Saint-Cloud, Île-de-France, França


 

Santos Dumont na Praça e Monumento a Santos Dumont / Monumento a Santos Dumont, 1913, Place Santos Dumont, Saint-Cloud, Île-de-France, França
Saint-Cloud - França
Fotografia 

Nota do blog: Imagem de 19/10/1913, registrada no dia da inauguração do monumento.

Passagem do Graf Zeppelin pelo Anhangabaú, 1933, São Paulo, São Paulo, Brasil


 

Passagem do Graf Zeppelin pelo Anhangabaú, 1933, São Paulo, São Paulo, Brasil 
São Paulo - SP
Fotografia 

A imagem retrata a passagem do famoso dirigível alemão Graf Zeppelin por São Paulo, sobrevoando o centro, próximo ao Viaduto do Chá, na região do Anhangabaú.
Nota do blog: A imagem, oriunda de um jornal, certamente é uma montagem, muitos fotógrafos da época, pensando apenas no lucro, inseriam o dirigível Graf Zeppelin em suas fotos para obterem lucros com as vendas. Fotos que não tem indicação de autoria ou editor, que não mostram pessoas olhando para o dirigível ou, ainda, aéreas que mostram o mesmo em dimensão excessivamente superior a prédios ou pontos específicos, são indícios de montagens. No presente caso, o tamanho do dirigível em relação aos demais pontos da imagem, denotam a (grosseira) falsificação. Mesmo assim, a foto possuí valor histórico por ser um exemplo das falsificações praticadas naquela época.

Passagem do Graf Zeppelin, 1933, São Paulo, São Paulo, Brasil







 



Passagem do Graf Zeppelin, 1933, São Paulo, São Paulo, Brasil 
São Paulo - SP
Fotografia 

Retrata a passagem do famoso dirigível alemão Graf Zeppelin em São Paulo, sobrevoando o centro, próximo ao edifício Martinelli.
Nota do blog: Existe a possibilidade de ser uma montagem, muitos fotógrafos da época, pensando apenas no lucro, "inseriam" o dirigível Graf Zeppelin em suas fotos para obterem lucros com as vendas. Fotos que não tem indicação de autoria ou editor, que não mostram pessoas olhando para o dirigível ou aéreas que mostram o mesmo em dimensão excessivamente superior a prédios ou pontos específicos, são indícios de montagens.

Praça Santos Andrade, Curitiba, Paraná, Brasil



Praça Santos Andrade, Curitiba, Paraná, Brasil
Curitiba - PR
N. 9
Fotografia - Cartão Postal

"A data provável da foto é a partir de 1949 até 1952. A Construtora Gutierrez, Paula & Munhoz inaugurou o edifício Marumbi em 1948 e há uma placa de bronze em comemoração a criação do primeiro condomínio residencial da cidade fixada na hall de entrada. Para confirmar que é após 1948, basta ver a ala da Universidade Federal do Paraná que começou a ser ampliada neste mesmo ano e está pronta na imagem. E não é 1952 porque onde está a nota no rodapé haveria um tapume da construção do Teatro Guaíra, não a cerca do Tiro de Guerra 21 Rio Branco". Crédito das informações para Eduardo Eloy Scuissiato.

Trianon / Belvedere Trianon, Avenida Paulista, São Paulo, Brasil


 

Trianon / Belvedere Trianon, Avenida Paulista, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
N. 49
Fotografia - Cartão Postal

sábado, 6 de abril de 2024

O que é Songbun, o Modelo que Determina a Vida dos Cidadãos da Coreia do Norte de Acordo com sua Lealdade - Artigo

 


O que é Songbun, o Modelo que Determina a Vida dos Cidadãos da Coreia do Norte de Acordo com sua Lealdade - Artigo
Artigo


O que seus avós ou bisavós fizeram na década de 1940? Qual era a sua filiação política?
Estes dados podem ser considerados irrelevantes para quase qualquer pessoa no mundo, mas, na Coreia do Norte, elas são determinantes para a vida dos cidadãos.
O rígido modelo de classificação social que rege o país coloca as pessoas em diferentes categorias: as leais ao regime da família Kim, as hostis e as que ficam em um nível intermediário, entre esses dois extremos.
O sistema conhecido como songbun – palavra que significa origem ou ingrediente em coreano e faz parte da expressão "chulsin songbun" ou "origem familiar" – condiciona todos os aspectos da vida de um norte-coreano: como o seu local de nascimento, as regiões que pode visitar, o seu acesso a alimentos e remédios, as suas possibilidades de estudar ou o trabalho que lhes é atribuído pelo Estado.
"Songbun é o sistema no qual o seu valor é medido pelos méritos ou falhas de seus ancestrais e parentes", explica à BBC a ativista e acadêmica Yeonmi Park, autora do livro autobiográfico Escapar para Viver: A Viagem de uma Jovem Norte-Coreana Rumo à Liberdade.
A Coreia do Norte nega a existência do songbun e garante que todos os seus cidadãos desfrutam de oportunidades iguais sob o Estado socialista.
No entanto, norte-coreanos que fugiram do país e especialistas com acesso a documentos do governo compilam testemunhos e provas deste sistema de classificação social ao longo dos anos.
Entenda nesta reportagem as origens do songbun e como ele funciona.
A origem:
Na primeira metade do século 20, a Coreia era um país sujeito ao domínio colonial japonês, herdeiro de uma sociedade feudal confucionista (que dava extrema importância às hierarquias) com quatro classes: nobres, técnicos qualificados, pessoas comuns e párias.
Após a Segunda Guerra Mundial, a península passou do domínio colonial japonês para uma divisão entre o Norte comunista, influenciado pela União Soviética de Josef Stalin, e o Sul capitalista, na esfera dos Estados Unidos.
A Guerra da Coreia (1950-1953) consolidou esta divisão e gerou uma fronteira quase intransponível entre os dois Estados antagônicos.
O fundador e primeiro presidente da Coreia do Norte, Kim Il-sung – avô do atual líder Kim Jong-un – consolidou a ditadura do proletariado sob um sistema de forte influência stalinista, com intensa vigilância ideológica e frequentes expurgos.
Algumas pessoas e famílias eram mais desconfiadas do que outras.
Ex-combatentes que lutaram contra o Japão ou contra o Sul, membros do Partido Comunista, ex-trabalhadores temporários e trabalhadores sem terra, entre outros, passaram a formar a liderança e a classe privilegiada do país.
Grandes e pequenos proprietários de terras, comerciantes, religiosos, pessoas com parentes sul-coreanos ou que lutaram do outro lado da guerra foram identificados como possíveis traidores.
À sua maneira, Kim Il-sung adaptou ao comunismo o sistema de castas confucionista da antiga Joseon — como era conhecida a Coreia entre o século 14 e o final do século 19. Oficialmente, a Coreia do Norte adota esse mesmo nome até hoje: República Popular Democrática de Joseon.
Foi na década de 1960 que, segundo especialistas, o governo norte-coreano completou os enormes registros que classificam cada cidadão em seu lugar correspondente de acordo com seu histórico familiar.
Os leais — ou haeksim:
A maioria dos acadêmicos e norte-coreanos que conseguiram fugir do país distinguem três categorias dentro do songbun, enquanto outros reconhecem duas categorias adicionais dentro dessa mesma classificação, ela própria dividida em cerca de cinquenta subcategorias.
Os norte-coreanos de "casta" superior são classificados como haeksim – que significa "núcleo" – e são considerados cidadãos de confiança e leais aos Kim.
Eles são descendentes dos que lutaram contra a colonização japonesa e depois contra o Sul na Guerra da Coreia, membros ou autoridades do partido único e famílias de origem operária ou camponesa com uma história de lealdade impecável durante décadas.
Esses cidadãos gozam dos maiores privilégios da sociedade norte-coreana: vivem nos municípios mais desenvolvidos, estudam na universidade, recebem os melhores empregos e são tratados nos principais hospitais.
Outra vantagem importante para a classe alta é residir na capital, Pyongyang, cujos 3 milhões de habitantes (aproximadamente 12% da população norte-coreana) pertencem em sua grande maioria à classe haeksim, segundo especialistas.
"Pyongyang é o único lugar na Coreia do Norte onde o socialismo é realmente praticado e as pessoas recebem serviços do Estado", diz Yeonmi Park.
Dentro dos haeksim, explica Park, há uma camada superior composta por famílias próximas dos círculos de poder de Pyongyang que podem até viajar para o exterior e enviar os seus filhos para estudar na China, na Rússia ou na Europa.
Os 'hostis' — ou choktae:
A antítese da classe privilegiada são os cidadãos considerados "hostis", chamados choktae.
O seu sangue é considerado "contaminado" porque são descendentes de proprietários de terras, comerciantes, cristãos ou colaboradores do império japonês durante a ocupação ou do Sul na Guerra da Coreia. Ou seja: os inimigos tradicionais do regime comunista norte-coreano.
Estas pessoas – que são frequentemente comparadas aos "intocáveis" no sistema de castas da Índia – enfrentam discriminação sistemática, vivem nos locais mais remotos onde o acesso a alimentos e eletricidade é limitado, não têm oportunidades de educação e realizam os trabalhos mais difíceis.
"Os filhos desta casta vão à escola no período da manhã, principalmente para doutrinação ideológica, mas depois são usados para trabalhar nos campos e nas minas. Eles geralmente têm vida curta e estão sujeitos a vigilância quase permanente por parte das autoridades", afirma Yeonmi Park.
Segundo ela, é extremamente raro que uma pessoa classificada como choktae viva em Pyongyang ou mesmo obtenha permissão para visitar a capital.
Intermediários — ou dongyo:
Entre as classes mais altas e mais baixas existe um meio termo: o dongyo.
Estas são famílias não consideradas hostis, mas cuja história familiar também não é completamente limpa. Sua lealdade ao regime é vista como ambígua ou questionável.
Suas oportunidades são limitadas, mas dentro deste grupo existem subclassificações.
Por exemplo, um dongyo com ficha limpa poderia viver perto de Pyongyang, frequentar uma universidade de segunda categoria ou ocupar empregos administrativos ou intermediários.
Isto seria inconcebível para outra pessoa da mesma "casta" classificada na parte inferior — perto do limite da "hostilidade".
A maioria dos especialistas estima que os dongyo são os mais numerosos, representando aproximadamente 40% da população, enquanto os haeksim e choktae chegariam a cerca de 30% cada um.
De qualquer forma, não se sabe qual é a proporção real, já que os arquivos de classificação social – como quase todos os documentos oficiais da Coreia do Norte – são mantidos sob o mais estrito sigilo.
Como funciona na prática:
Onde exatamente o songbun é registrado? É um tema de conversa entre os norte-coreanos? Como alguém pode saber seu status? Isso pode ser alterado? Pessoas com songbun diferentes podem se casar?
As informações sobre o songbun de cada norte-coreano são armazenadas em documentos confidenciais do Estado, das administrações locais e da polícia.
Songbun, explica Yeonmi Park, é algo que está na mente de todos os norte-coreanos no seu dia a dia, pois ele determina completamente as suas vidas.
Em geral, as famílias conhecem ou intuem a posição social que ocupam no sistema com base no local onde vivem, no acesso ao ensino superior e à saúde ou nos empregos que exercem.
No entanto, às vezes alguém pode precisar acessar arquivos confidenciais para descobrir o songbun de uma pessoa.
"Os norte-coreanos costumam subornar um oficial ou policial para descobrir o songbun da outra parte antes de arranjar um casamento", diz Park.
Eles fazem isso para garantir que o nível de ambos seja semelhante: "No songbun não há promoções, apenas rebaixamentos, então se um deles tivesse um status superior, quando se casarem serão automaticamente iguais ao do cônjuge 'mais baixo'", diz Park.
Por isso, diz ela, na Coreia do Norte o casamento entre uma pessoa "de confiança" e outra de nível intermédio, ou entre intermédio e "hostil", é extremamente raro, pois pioraria as condições de vida da família das seguintes gerações.
Perguntamos a Yeonmi Park se é possível alterar o songbun através de subornos, já que durante anos alguns norte-coreanos com diploma médio ou baixo acumularam alguma riqueza fazendo negócios no mercado negro, especialmente em áreas próximas à fronteira com a China, onde relegam muitas pessoas "hostis" e de classe média.
Mas ela diz que isso seria praticamente impossível, pois implicaria a falsificação de documentos em diferentes instâncias e, mesmo que isso fosse conseguido, o novo estatuto da pessoa não corresponderia ao dos seus familiares próximos e antepassados, o que poderia levantar suspeitas.
"Não há nada que você possa fazer para mudar seu destino, porque você não pode escolher seus antepassados", diz ela.
E o que o regime de Kim consegue com o songbun? O controle social exaustivo.
"Isso reforça a ideia de que se alguém faz algo errado na sua família, todos são responsáveis. Não se é responsável por si mesmo, pelo próprio comportamento, mas sim pelo grupo." Texto de Atahualpa Amerise / BBC.

"Devolve Nosso Ouro" / O que Aconteceu com o Ouro que Portugal Retirou do Brasil - Artigo

 


"Devolve Nosso Ouro" / O que Aconteceu com o Ouro que Portugal Retirou do Brasil - Artigo
Artigo


"Concordo até que [os portugueses] repatriem todos os imigrantes [brasileiros] que lá estão, devolvendo junto o ouro de Ouro Preto e aí fica tudo certo, a gente fica quite."
Foi assim que o ministro da Justiça do Brasil, Flávio Dino, comentou na terça-feira (07/11), um recente caso de xenofobia contra uma brasileira em Portugal.
Dino, que fez a declaração num evento em Brasília, se referia a ofensas feitas no aeroporto do Porto, onde uma mulher gritou para uma brasileira "voltar para sua terra" e que brasileiros estão "invadindo Portugal".
A frase do ministro da Justiça sobre a devolução do ouro se junta a uma série de memes e provocações postadas por brasileiros nas redes sociais, em assuntos que envolvem os dois países.
Mas, afinal, o que aconteceu com o metal precioso retirado do Brasil durante a colonização portuguesa?
Ciclo do ouro:
Mesmo antes do início do chamado Ciclo do Ouro, no início do século 18, registros históricos apontam que já existia exploração do metal no Brasil, ainda que de forma incipiente.
Há relatos sobre a região de Paranaguá, no Paraná, pelo menos algumas décadas antes, e ainda de exploração em jazidas em São Paulo desde o século 16.
Mas foi mesmo com as descobertas na região de Minas Gerais, no fim do século 17, que o ouro passou a ser o principal produto extraído da então colônia portuguesa, tomando o lugar da cana-de-açúcar, que vivia grande declínio diante da concorrência caribenha.
O número da quantidade total retirada da terra brasileira durante o Ciclo do Ouro não é exato: alguns registros importantes se perderam (como durante o incêndio na Alfândega de Lisboa em 1764) e muitos mineiros e comerciantes contrabandeavam o produto dentro e fora do território, fugindo da tributação (e do registro) do quinto, o imposto real que cobrava 20% da produção de ouro.
Dito isso, a estimativa do historiador Virgílio Noya Pinto, autor do livro O Ouro Brasileiro e Comércio Anglo-Português, é a mais amplamente utilizada por historiadores.
Ele estima que a produção brasileira durante o século 18 foi de 876.629 quilos. Outra estimativa referenciada, mais antiga, do geólogo Pandiá Calógeras, inclui a Bahia nos cálculos e chega a 948.105 quilos.
"A gente nunca vai saber esse volume (do ouro levado para Portugal). Tenta-se estimar, principalmente com registros da chegada à Europa, e a gente consegue ter uma ideia", explica o historiador Leonardo Marques, professor de América colonial na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Para efeito de comparação, dados da World Gold Council (conselho mundial do ouro) e da Metals Focus mostram que o Brasil produziu em 2019 cerca de 87 mil quilos de ouro. Vale salientar, porém, que durante o século 18 as técnicas eram bastante rudimentares.
Números à parte, fato é que a grande maioria desse ouro foi parar em solo europeu — destino esse refletido no meme usado nas redes sociais e na declaração do ministro da Justiça.
Mas faz sentido falar hoje de desvantagem do Brasil e benefício para Portugal, já que naquela época faziam parte de um mesmo império?
Para Marques, apesar de haver um anacronismo na brincadeira — ou seja, quando tentamos usar conceitos e ideias atuais para tentar analisar uma época completamente diferente —, ela levanta discussão importante sobre a herança colonial.
"Naquele momento, não havia uma separação entre Brasil e Portugal. Mas os efeitos humanos e ambientais da história da mineração são sentidos aqui até hoje, e não lá na Europa. Tudo aquilo que mudou o Brasil tem uma implicação de longuíssima duração", diz.
Fome de ouro portuguesa:
A exploração do ouro no Brasil surgiu num momento em que Portugal, a Europa e o mundo enfrentavam uma crise econômica.
Parte dela é explicada por uma escassez de metais preciosos no mercado, após a euforia com as descobertas das minas de prata pelos colonizadores na América espanhola.
Essa prata, que começava a se esgotar, era usada para trocas comerciais entre europeus e regiões asiáticas, como a China, e também para fabricar moedas.
Para complicar a situação de Portugal especificamente, a União Ibérica (a unificação das coroas espanhola e portuguesa) havia acabado, em 1640, os holandeses tomaram inúmeros entrepostos portugueses na Ásia e a produção açucareira no Caribe, em especial em Barbados, ascendia.
"Passa a existir um estímulo da coroa para essa busca aqui, o que vai transformando o interior da América portuguesa", contextualiza o historiador Leonardo Marques, que desenvolve pesquisas sobre o comércio de ouro nesse período.
"Há indícios de que alguns os colonos já usufruíam desse ouro antes, mas só no finalzinho do século 17 que isso explode e se torna público", diz ele.
Registro do Bureau of Mines (Departamento de Minas) dos EUA mostra que, no século 18, a produção de ouro das Américas chega a responder por 85% da produção mundial. No século 17, esse número era de 66%, e, no século 16, apenas 39%.
"Esse salto todo é Minas Gerais. É algo monumental, inédito na história. De longe, o Brasil se tornou o principal distribuidor de ouro no mundo", destaca Marques.
Para onde foi?
As minas eram exploradas por colonos - a maioria deles portugueses, que usavam mão de obra de escravizados. Eles usavam o ouro para fazer comércio no Brasil, mas boa parte era usada por eles para trocas comerciais em Portugal.
"Tem o clássico ouro usado nas igrejas de Minas, mas também tem ouro circulando em pó para trocas, compra e venda dentro do espaço colonial", explica Leonardo Marques, que ressalta ainda o enriquecimento de comerciantes em cidades próximas às minas, que vendiam produtos aos trabalhadores. É difícil saber a quantidade de ouro não tributado que ficou por aqui.
O governo português cobrava os 20% em cima do ouro descoberto no Brasil. Parte desses 20% ficava para pagar despesas públicas no Brasil e outra parte era usada pelo governo com obras públicas em Portugal, segundo registro de Noya Pinto.
Em Portugal, algumas obras imponentes foram financiadas especificamente com a arrecadação do quinto.
A mais emblemática delas é o suntuoso Palácio Nacional de Mafra, na região de Lisboa, como registrou o geógrafo alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege, que veio ao Brasil fazer pesquisas a pedido da coroa portuguesa e escreveu o diário Pluto Brasiliensis.
No livro O Ouro Brasileiro e Comércio Anglo-Português, o registro é de que "mais de quatro quintos da produção aurífera fluiu para a Europa, exclusivamente através da corrente do comércio, lícito ou ilícito".
Noya Pinto tenta fazer um resumo do caminho que grande parte do ouro percorria: os mineiros, cada vez mais numerosos, precisavam consumir itens como roupas e alimentos.
Eles pagavam com ouro os produtos vendidos por comerciantes das cidades. Já esses comerciantes também pagavam com ouro para adquirir produtos de Lisboa. E, esses últimos, por sua vez, pagavam com ouro pelos produtos manufaturados vindos de outras partes da Europa, principalmente de Londres.
Ou seja, grande parte do ouro do Brasil ia, no fim, para Inglaterra, que se preparava para uma transformação econômica que viria a se concretizar com a Revolução Industrial.
Por que foi parar na Grã-Bretanha?
Desde o início do século 18, a Grã-Bretanha firmava acordos comerciais vantajosos com Portugal, como o famoso Tratado de Methuen, de 1703, também chamado de tratado de Panos e Vinhos (que estabelecia vantagens na comercialização de tecidos ingleses e vinho português entre ambos os países).
As trocas econômicas entre os países eram desiguais, levando um fluxo enorme de ouro brasileiro à Inglaterra. Isso quer dizer que, enquanto Portugal tinha a moeda, os ingleses tinham os produtos para vender.
"O ouro do Brasil está cobrindo a dívida externa, digamos assim, de Portugal, principalmente na relação com a Grã-Bretanha", diz Leonardo Marques.
Em Plutos Brasiliensis, Eschwege relata: "Portugal, que pouco cuidava da indústria, porque podia comprar os artigos manufaturados mais barato no estrangeiro do que em seu próprio território, cedeu seu ouro tão abundante em troca de mercadorias de luxo, continuamente substituídas por outras novas".
Em 1738, por exemplo, 8 mil kg de ouro foram (segundo Noya Pinto) necessários para os portugueses pagarem a diferença entre a importação e a exportação com os ingleses.
"Podemos admitir que os ingleses absorviam quase 60%, somente com o comércio lícito", descreve Noya Pinto.
"A Grã-Bretanha está no coração de uma transformação financeira radical no mundo. Por isso há uma demanda muito grande não só pela moeda em si, que vai circular e lubrificar economias, mas também como um estoque monetário para os bancos que estão surgindo, que vai dar segurança à economia. Todo o sistema de crédito britânico está ancorado nisso. E o motor é a mineração no Brasil", explica Marques.
Apesar de todo esse fluxo de dinheiro a Portugal, e depois à Inglaterra, vale destacar que alguns pesquisadores portugueses atribuem à abundância do ouro uma "maldição" que impediu o processo de industrialização e modernização da economia portuguesa na época.
Algo previsto já no século 18, quando o diplomata português D. Luís da Cunha chegou a escrever: "Sempre estaremos dependentes de Inglaterra, que tem Portugal pela melhor das suas colônias, pois lhe dá o ouro e os diamantes, que lhe não produz".
Leonardo Marques, da Universidade Federal Fluminense, pesquisa também outro destino desse ouro: a África.
Para suprir a demanda de um Brasil cada vez mais populoso e produtor do minério, Portugal precisava comprar mais escravos. Marques estimou que cerca de 47 mil quilos de ouro podem ter sido usados para pagar por escravos na África Ocidental na primeira metade do século 18.
Segundo a pesquisa, "o metal dourado dava acesso aos escravos mais procurados e em intervalos de tempo relativamente curtos". Parte permanecia na própria África, onde contribuiu para a expansão do reino de Daomé (atual Benim).
Mas a maior parte dele foi, novamente, para o noroeste da Europa, por meio de comerciantes britânicos e holandeses.
O que mudou no Brasil?
O intenso e imenso ciclo do ouro modificou por completo a paisagem econômica e social da América portuguesa.
A economia da colônia, que era essencialmente litorânea, concentrada em torno de cidades como Salvador, Recife e Rio de Janeiro, passa a penetrar o interior.
Isso também vai definir um novo polo econômico mais no centro-sul, onde está até hoje, e as fronteiras que permitem o Brasil ser do tamanho que é.
"Alguns historiadores falam de espaço econômico do ouro, porque ele cria um conjunto de demandas que vai dinamizar a economia de forma completamente inédita, da pecuária à produção de alimentos", explica Marques.
Para suprir essa nova demanda, o Brasil também vive uma explosão no número do tráfico negreiro. O banco de dados Slave Voyages mostra que no século 18 há um salto gigantesco no número de escravizados que chegam ao Brasil: de 910 mil no século 17, para 2,2 milhões no século 18 - no século 19, ainda mais africanos chegam (2,3 milhões), apesar da interrupção do tráfico na década de 1850.
"Muitos deles estão indo para atividades relacionadas ao ouro. Essa é a parte trágica da história", diz Marques.
Também há uma migração massiva portuguesa no século 18. Eschwege registrou que a facilidade com que muitos enriqueceram em pouco tempo no Brasil incitou a imigração de milhares de pessoas ativas em Portugal, que abandonaram suas propriedades na metrópole.
Diante de tantas mudanças sociais e econômicas, Marques destaca que muitos dos problemas que vemos no Brasil são resultado de uma lógica de exploração que deixa marcas até hoje.
"Você forma uma sociedade escravista, uma das maiores, profundamente hierarquizada, você tem efeitos ambientais, devastação da mata atlântica, transformação da paisagem. Tudo isso está com a gente no Brasil até hoje", diz.
E, para ele, o meme coloca luz numa discussão que deve ser maior do que apenas "devolve nosso ouro".
"Não é só o fato de que 'Portugal tirou vantagem', mas o desenvolvimento de Londres como centro financeiro mundial, do capitalismo, está ligado também a essa sociedade formada no Brasil", reflete Marques.
"Os problemas são nossos, claro, temos nossas elites, nossos problemas, reproduzimos isso. Mas nunca estivemos isolados. Nem lá atrás nem agora. Mesmo as nossas decisões internas no Brasil respondem a processos globais", diz ele. Texto Vitor Tavares / BBC.

Portugueses Falando "Brasileiro"? Como Variante do Idioma Usada no Brasil Influencia Portugal - Artigo


 

Portugueses Falando "Brasileiro"? Como Variante do Idioma Usada no Brasil Influencia Portugal - Artigo
Artigo


No final de janeiro, uma postagem feita por uma página portuguesa de conteúdos anti-imigração no X (antigo Twitter) denunciou a existência de uma placa de trânsito escrita em “português brasileiro” em Sintra, na área metropolitana de Lisboa.
“Sinal rodoviário escrito em português brasileiro diz que é proibida a circulação excepto a ‘trens’ e bicicletas”, diz a postagem, que traz também uma foto da placa que supostamente “assassina a língua de Camões que é o português europeu”.
O grande problema, segundo o autor do post, é que a palavra "trens" teria sido retirada do português usado no Brasil, já que em Portugal o meio de transporte ferroviário é chamado de “comboio”.
O fato, porém, é que a palavra "trem" existe também no português europeu, mas com um significado distinto.
Em Portugal, pode ser “um carro de cavalos destinado ao transporte de pessoas”, ou uma carruagem, de acordo com a definição do dicionário da Porto Editora.
Levando em conta a localização da placa, a palavra "trens" se refere às carruagens puxadas por cavalos que fazem passeios com turistas por Sintra.
O episódio faz eco a muitos outros casos de portugueses "puristas" que cada vez mais rejeitam a presença de vocabulários e construções brasileiras na língua falada em seu país.
Esse repúdio fica claro em muitas das reações às notícias e manchetes de jornal que denunciam há alguns anos a influência dos conteúdos produzidos por brasileiros nas redes sociais e no YouTube nas crianças e jovens portugueses.
Enquanto alguns veem a cobertura da imprensa como exagerada e apontam o peso da xenofobia nas visões propagadas, outros fazem coro às queixas e temem que a presença cada vez maior dos vocábulos importados seja sinal de um "apagamento" da cultura local.
Há ainda quem aponte o grande e crescente fluxo migratório - havia 360 mil brasileiros em Portugal em 2022, segundo o Itamaraty - como outro fator que contribui para isso.
Mas por que a possibilidade da variante usada no Brasil ser encontrada em Portugal provoca tanta indignação entre alguns cidadãos? E qual a verdadeira extensão dessa influência?
Para Fernando Venâncio, linguista português que estuda o tema há décadas, há sim uma presença cada vez maior de traços importados do outro lado do Atlântico no idioma falado em terras portuguesas. Mas isso não é novidade.
“Desde finais dos anos 1970 e princípios dos anos 1980, houve uma aquisição de brasileirismos gigantesca”, diz Venâncio, autor do livro O Português à Descoberta do Brasileiro.
Na época, isso foi um reflexo principalmente do sucesso das novelas brasileiras em Portugal, explica o linguista. Agora, há um fenômeno novo em curso, que envolve principalmente as crianças e adolescentes.
"Em Portugal, eles veem cada vez mais youtubers brasileiros, às vezes, por muitas horas”, diz Venâncio.
A portuguesa Paula Lourenço é professora de escolas de ensino fundamental em Sintra há 24 anos.
Ela dá aulas para crianças entre 9 e 10 anos e diz que o uso de expressões e palavras brasileiras pelos seus alunos é cada vez mais evidente.
“Neste momento, na escola, tenho um caso de um aluno que fala ‘brasileiro’ apesar de os pais serem portugueses”, conta.
A professora relata que esse aluno começou a ser vítima de uma espécie de bullying, com colegas implicando com a forma como ele fala.
"Por fim, descobrimos que ele ficava até altas horas da noite sem supervisão a ver vídeos, principalmente aqueles shorts [vídeos curtos] que são reproduzidos um atrás do outro.”
Segundo Paula, o gosto pelos vídeos produzidos por influenciadores e youtubers do Brasil é compartilhado por praticamente todos os seus alunos.
“Houve um boom principalmente durante a pandemia. Até eu já estou um pouco aficionada pelos youtubers brasileiros, porque comecei a ver para acompanhar o que meus alunos gostam”, diz a professora.
Mesmo nas aulas de inglês, a professora Teresa de Gruyter nota a repetição dos “brasileirismos”.
“Usamos muito a palavra ‘giro’ em Portugal quando queremos falar de uma coisa que achamos engraçada ou interessante. Mas quase não ouço mais. Hoje em dia, utiliza-se mais ‘é bonitinho’, que é muito mais brasileiro”, conta a portuguesa, que dá aulas principalmente para adolescentes em uma escola de línguas em Cascais.
Teresa nasceu em Portugal e se mudou para a África do Sul na década de 1990.
“Quando saí do país há 25 anos, estávamos muitos expostos ao português brasileiro através das telenovelas e das músicas", diz.
"Mas, desde a minha volta há menos de 10 anos, começo a notar que todo este mundo dos youtubers e tiktokers (produtores de conteúdo da rede social TikTok) influenciam muito mais a maneira de estar e a maneira de falar das crianças no geral.”
Graça Rio-Torto, professora de Linguística da Universidade de Coimbra, vê, no entanto, as novas construções e palavras aprendidas pelas crianças e jovens portugueses como aprendizados positivos.
“Essas palavras novas enriquecem o léxico dessas crianças e não há mal nenhum nisso”, diz ela.
"Mas se os pais portugueses têm preocupação com o fato dos seus filhos estarem a falar mais abrasileirado, lamento. Mas os responsáveis são eles. Não é tanto o contato com colegas brasileiros na escola que fazem com que elas falem assim, mas o número de horas que os pais permitem que elas fiquem na internet."
A professora Paula Lourenço concorda: “Essa influência é boa pelos conhecimentos que transmite na área no enriquecimento do vocabulário, da globalização e de conhecer outras culturas”.
“O problema são os casos extremos em que já não sabem utilizar as expressões corretas nem no português do Brasil, nem de Portugal”, afirma Lourenço.
Para a professora, são o uso excessivo de telas sem supervisão e o isolamento das crianças e adolescentes que prejudicam o aprendizado e a compreensão de textos.
Venâncio diz que o fato de jovens portugueses usarem expressões brasileiras não deveria ser motivo de alarde.
“As crianças deixam sair uma ou outra palavra que ouviram no YouTube, mas é exagero dizer que passaram a falar ‘brasileiro’.”
Entre os destaques do YouTube que servem de referência para o sucesso brasileiro em Portugal estão os canais dos irmãos Felipe e Luccas Neto, com respectivamente 46 e 42 milhões de inscritos.
Ao mesmo tempo, o canal de humor Porta dos Fundos atrai o público adulto português há alguns anos.
Para a linguista brasileira Jana Behling, doutoranda na Universidade de Coimbra que estuda o tema, o “impacto do brasileiro” também pode ser notado por meio da popularidade de cantores como Marília Mendonça e até da literatura produzida por autores contemporâneos, de Itamar Vieira Júnior a livros com conteúdo religioso.
“Coimbra é sempre mais conservadora, mas ainda assim desfila o ‘brasileiro’ no Poetry SLAM, que é uma competição em que poetas leem ou recitam um trabalho original”, ressalta.
Esse sucesso não acontece sem conflitos. Apesar dos consecutivos shows esgotados em Portugal, Luccas Neto já foi repudiado por popularizar na fala portuguesa palavras brasileiras, como "geladeira" no lugar de "frigorífico", "ônibus" no lugar de "autocarro" e assim por diante.
“Alguns portugueses enxergam essa popularidade como se emporcalhasse a língua europeia”, avalia Behling.
“Isso sem falar nas gírias, típicas do despojamento de qualquer língua, mas que as xenofobias ainda olham com desdém.”
As professoras Paula Lourenço e Teresa de Gruyter afirmam ouvir com frequência reclamações de pais sobre as novas expressões adotadas pelos filhos.
“Alguns pais mais tradicionais reclamam ou corrigem os filhos quando os ouvem dizer palavras mais à brasileira”, diz de Gruyter.
“Mas tem outros pais que são bastante flexíveis, principalmente na zona do país onde eu vivo, em que existem tantos estrangeiros”.
Lourenço acrescenta que, por outro lado, muitos pais não dão atenção a isso.
“As pessoas estão tão sobrecarregadas com o trabalho que deixam os filhos ficarem horas na frente das telas e não percebem como isso os está influenciando.”
O linguista Xoán Lagares, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), nota que ainda “há muito preconceito em relação ao português do Brasil porque ele se diferencia em muitos pontos, sobretudo na sintaxe do que é a tradição normativa portuguesa constituída em Portugal”.
“Então, para muitos portugueses, as diferenças são identificadas como erros, como uma deturpação do português”.
Mas, segundo Lagares, especialista em história social e cultural das línguas, não existe uma versão mais correta da língua.
“No caso do português, não há uma gramática oficial. Há uma tradição normativa que se manifesta em gramáticas e dicionários”, explica.
Essa tradição tem sua origem em Portugal e foi elaborada a partir dos usos considerados de prestígio no país.
“O que aconteceu é que no Brasil foram se desenvolvendo outros usos de prestígio em relação à gramática”, diz o professor.
Por isso, vigora hoje no Brasil uma tradição normativa autoral e interpretativa, que pode variar conforme a gramática e a visão dos seus autores.
Para alguns linguistas, as diferenças entre as variedades que se estabeleceram dos dois lados do Atlântico já são tão grandes que deveria haver uma separação definitiva entre o português e o brasileiro.
“Não dá mais para dizer que falamos português do Brasil”, opina a linguista Jana Behling.
“Dou aula de 'brasileiro' hoje em dia, porque algumas pessoas acham o brasileiro mais fácil do que o português. Isso para mim indica uma ruptura.”
Xoán Lagares, porém, afirma que ainda é difícil falar em suas línguas separadas.
“Em termos de descrição linguística, não há um critério para dizer em que momento duas variantes se tornam línguas diferentes. Esse é um problema em várias partes do mundo. Por isso, muitas vezes, é apenas uma questão política.”
Mas qual a real influência do português do Brasil em Portugal, para além das críticas embutidas nas manchetes de jornais e dos "brasileirismos" denunciados nas redes sociais?
Segundo os especialistas consultados, é difícil prever o impacto que isso pode ter ao longo do tempo.
Até o momento, há poucas pesquisas publicadas que analisam o fenômeno – e novas expressões, palavras e estrangeirismos surgem e desaparecem nas línguas a todo tempo.
“Alguns youtubers brasileiros têm muita qualidade, e não é por acaso que as crianças assistem e também aprendem com eles”, diz Fernando Venâncio.
“Mas é impossível dizer se esse fenômeno novo vai ter futuro, porque também há alguns youtubers portugueses que estão a aprender bastante com os brasileiros e estão a produzir mais coisas com alguma qualidade.”
Para Xoán Lagares, a influência atual se dá sobretudo na sintaxe e a partir de algumas construções específicas. Ou seja, não engloba toda a língua.
“É difícil que eles mudem, por exemplo, a colocação pronominal por conta da forma usada no Brasil. Essas coisas demoram e são difíceis de acontecer”, diz.
“Veja no Brasil, onde ensinamos a questão da ênclise e até hoje não se consolidou, muitos alunos precisam ser corrigidos na escola e em redações.”
O linguista afirma ainda que o próprio preconceito demonstrado por alguns portugueses em relação à variedade brasileira deve barrar qualquer influência maior.
“Há muitas questões identitárias, de reconhecimento da própria variedade e de lealdade linguística envolvidas”, afirma.
Por sua vez, a linguista Graça Rio-Torto avalia que o inglês exerça uma influência hoje mais forte em Portugal do que o português falado no Brasil, sobretudo nas linguagens técnicas e da área de informática.
Ela é categórica ao afirmar que o português falado em Portugal não sofrerá mudanças profundas e permanentes a partir dessa influência, ao menos por enquanto.
Para ilustrar seu argumento, ela ressalta que Portugal passou por séculos de dominação estrangeira e foi colonizado por árabes e espanhóis.
"Esses fatos tiveram alguma influência sobre a língua, mas não alteraram o rumo principal das mudanças linguísticas em curso”, diz ela.
"Como linguistas, não esperaríamos que em tão pouco tempo e em um conjunto numericamente não tão significativo assim de falantes pudesse ter uma influência decisiva sobre a língua."
Havia essa mesma preocupação, segundo ela, nos anos 1970, quando as novelas brasileiras eram muito populares.
"Também se dizia que muitas construções lexicais e até gramaticais iriam ser introduzidas na variedade portuguesa. Mas não foi tanto assim", diz.
"É uma moda como outra qualquer, circunscrita no tempo." Texto de Julia Braun / BBC.