terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Fonte Bicéfala, 1501-1515, Portugal



Fonte Bicéfala, 1501-1515, Portugal
Museu Nacional de Arte Antiga
Escultura de Pedra (Calcário) - 107x71x50



É composta por uma coluna torsa decorada com escamas de réptil rematada por duas bicas antropomórficas, uma com rosto feminino coroado e a outra, também coroada, com rosto masculino barbado. Nas faces laterais da coluna relevam-se dois escudos. O primeiro, de recorte irregular, tem a esfera armilar esculpida em alto-relevo, com elíptica onde corre a inscrição E.M.P.R.P - Emanuel Primus Rex Portugaliae, correspondente ao nome de D. Manuel I (1495-1521) - em capitais romanas marcadas em relevo. No segundo, com o mesmo talhe, mostra-se o camaroeiro, empresa da rainha D. Leonor, mulher de D. João II (1481-1495) e irmã de D. Manuel I. A presença do camaroeiro situa a peça na órbita do mecenato de D. Leonor.

A representação simultânea das empresas de D. Manuel e de D. Leonor no mesmo monumento é rara, mas ocorre, por exemplo, no Pelourinho de Óbidos, padrão simbólico da justiça municipal da vila a que D. Manuel concedera foral novo (1513), mas cuja jurisdição continuava a pertencer à Casa das Rainhas. É no contexto da arte pública do período manuelino que esta peça se enquadra e, provavelmente, numa situação semelhante à de Óbidos, embora ainda não determinada. Trata-se pois de uma escultura civil, executada em calcário da região da Estremadura portuguesa por um canteiro anónimo, cuja originalidade reside na presença da representação antropomórfica numa tipologia de monumentos nos quais, contemporaneamente, a importância dos valores heráldicos é muito mais forte e raramente se cruzou com retratos emblemáticos.

Sob esta perspectiva cívica, o significado das escamas de réptil torna-se mais claro e perde a negatividade que alguns autores lhe atribuíram ao considerá-la ícone de uma hipotética participação de D. Manuel e de D. Leonor na morte por envenenamento de D. João II. O enlace sinuoso da serpente guardiã das águas define a coluna torsa - que é uma forma recorrente na arquitetura manuelina -, sublinhando a manifestação do domínio régio sobre a água enquanto elemento primordial do bem comum da grei.

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