segunda-feira, 29 de julho de 2019

História do Combate as Pichações na Cidade de São Paulo, Brasil


História do Combate as Pichações na Cidade de São Paulo, Brasil
Artigo


O combate às pichações é um tema que ficou bastante tempo em destaque na cidade de São Paulo. Apesar de, infelizmente, convivermos com esse tipo de vandalismo, o problema não é recente e nem culpa de uma ou outra administração.

Em uma grande matéria feita na Revista Apartes, veículo da Câmara Municipal de São Paulo, Rodrigo Garcia fez um levantamento e tanto sobre o passado dessa prática e, também, sobre como poder público tentou agir para combater esse tipo de infração. Os primeiros relatos desse tipo de acontecimento na cidade foram registrados no jornal A Província de São Paulo, precursor do Estadão, em junho de 1889. Não ocasião, a publicação falava em “maus diabos” e “nojentos tipos”, que haviam pintado as paredes de lojas de tecido com piche.

O combate a esse tipo de ação, entretanto, já vinha acontecendo desde 1868, quando a Câmara Municipal de SP instaurou um “Código de Posturas”, que ficou marcado como o primeiro conjunto de leis municipais da nossa cidade. Na época em que o código estava sendo elaborado, o vereador Justo da Silva propõe a proibição de “riscar, escrever dísticos e pintar figuras sobe as paredes de edifícios ou muros”. A multa para quem desrespeitasse essa lei seria de 8 mil réis.
Se as inscrições ferissem a “moral pública”, a multa subiria para 20 mil réis e dois dias de cadeia. Vale ressaltar, ainda, outra parte da lei que dizia que “se o infrator não tiver com o que pagar, sofrerá com 8 dias de prisão”. Na época, cabia ao infrator arcar com o processo de limpeza da pichação feita.
Quando o código finalmente entrou em vigor, em 1873, a multa foi elevada para 20 mil réis, mas só previa prisão se os infratores fossem escravos. De alguma forma muito curiosa, a lei ainda previa que, se os proprietários das casas pichadas, não mandassem apagar as inscrições, eles também seriam punidos.
O código, entretanto, durou só dois anos, sendo suspenso por pedido popular, já que os cidadãos o consideravam muito rigoroso. Em 1875 uma nova versão entrou em vigor, propondo dois dias de prisão e uma obrigação dos moradores apagarem as pichações em 24 horas sob pena de uma multa de 20 mil réis. Em 1886 o código foi ampliado e ficou decidido que os pais seriam responsáveis pelos menores.
Apesar de todas essas tentativas o problema permanecia. Em 1902, o vereador Ignacio Pereira da Rocha pediu que o prefeito Antonio Prado resolvesse essa questão com a polícia. Em 1908, José Oswald, pai de Oswald de Andrade, propôs que a pena seria de 30 mil réis e 3 dias de prisão para os criminosos.
A Comissão de Justiça deu parecer favorável ao projeto de José Oswald, alegando que o artigo do Código de Posturas, que proibia as pichações muito raramente era aplicado e só vetava dísticos ou figuras obscenas/imorais, não abrangendo a outras naturezas de figuras. O vice-prefeito da época, Asdrúbal Augusto de Nascimento estava na chefia do Executivo e, em 9 de outubro de 1908, promulgou a lei de José Oswald.
Claro que o problema não parou de acontecer. Em julho de 1921, o vereador Almerindo Gonçalves apresentou ao prefeito Firmiano Pinto a ideia de utilizar as mais rigorosas fiscalizações para que se impedisse que “gente de pouca educação danificasse os muros e paredes das vias públicas da capital com toda sorte de garatujas e rabiscos indecentes”. A ideia gerou intenso debate entre as autoridades municipais, culminando com o chefe de polícia dizendo que “os funcionários não podiam estar em toda parte, a toda hora, para impedir que crianças e moços escrevam pelas paredes nomes e figuras indecentes”.
Com a volta das eleições em 1945 as pichações se tornaram propaganda eleitoral dos candidatos. Segundo o Centro de Memória Eleitoral (CEMEB), como ainda não era comum acontecer propaganda eleitoral nas rádios e nas Tvs, os candidatos passavam suas mensagens colando cartazes e pichando muros.
Uma das maiores curiosidades envolvendo esse tipo de acontecimento fica por conta de Jânio Quadros que, com uma verba muito menor que Adhemar de Barros, espalhava o slogan “Jânio vem aí” pela cidade. O curioso é que, como vereador, ele era um ferrenho crítico às campanhas com pichações. Com o passar do tempo, entretanto, foi obrigado a admitir que, “não ignoro, porém, que aqui e acolá, um ou outro excesso se perpetrou”, sobre suas campanhas.
Em 1986, quando foi eleito, combateu de maneira intensa esse movimento que classificava como crime. As iniciativas do poder público, entretanto, não impediram que um pichador fosse eleito vereador. Moacir Longo, cassado em 1964, acusado de ser comunista, declarou à Revista do Parlamento Paulistano que, em 1949, fora preso por pichar em um muro uma frase elogiosa a Stalin: “Viva o camarada Stalin, campeão da paz”.
No século 19, a palavra pichação ainda não existia. O termo surgiu no século seguinte, mas a questão já chamava a atenção da população e das autoridades paulistas. O jornal A Província de São Paulo (atual O Estado de S. Paulo) informou, na edição de 9 de junho de 1889, que lojas de tecidos haviam sido pintadas de piche por “malvados”, “maus diabos”, “nojentos tipos” e “mariolas [vagabundos]”.
A questão é antiga e as tentativas de combatê-la também. Em 1868, a Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) planejava criar um Código de Posturas, que seria o primeiro conjunto sistematizado das leis municipais. O vereador Justo da Silva propôs incluir a proibição de “riscar, escrever dísticos [palavras] e pintar figuras sobre as paredes dos edifícios ou muros”. A multa para os infratores seria de 8 mil réis.
O projeto previa que se os riscos, inscrições ou pinturas fossem ofensivos à moral pública, a punição seria de 20 mil réis e dois dias de cadeia. “Se não tiver com o que pagar multa, sofrerá oito dias de prisão”, ressaltava o texto. A proposta também destacava que “o infrator, além das multas e prisão a que fica sujeito, é obrigado a apagar de modo a não deixar vestígio dos riscos, inscrições ou pinturas que houver feito”.
Quando o Código de Posturas entrou em vigor, em 1873, alterou a multa básica para 20 mil réis, mas não previa prisão, a não ser que os infratores fossem escravos. De acordo com cálculo feito no site do jornal O Estado de S. Paulo (http://acervo.estadao.com.br), essa quantia corresponderia hoje a R$ 400. A lei ainda determinava que os proprietários ou inquilinos dos imóveis que não mandassem apagar as pichações também pagariam a multa.
O código, entretanto, só durou dois anos, pois foi considerado muito rigoroso e injusto pela população. Em 1875, os vereadores aprovaram uma nova versão, com previsão de dois dias de prisão para os infratores. O novo texto detalhou o que os moradores deveriam fazer se suas casas fossem pichadas: “mandarão pela primeira vez apagar tais dísticos e, quando não o façam por si, receberão aviso do fiscal para fazê-lo dentro de 24 horas, sob pena de 20 mil réis”. E ressaltou que, em caso de reincidência, o serviço de pintura ficaria a cargo do fiscal.
Em 1886, mais uma vez o Código de Posturas foi revisto e ampliado. A proibição das pichações não foi alterada e o texto deixava claro que os pais eram responsáveis pelos filhos menores, os amos pelos criados e os senhores [donos] pelos escravos que violassem as posturas.
Apesar da perseguição, as inscrições continuavam a aparecer. Em 4 de fevereiro de 1902, o vereador Ignacio Pereira da Rocha solicitou que o prefeito Antonio da Silva Prado (veja perfil na matéria São Paulo nos trilhos) se entendesse com o chefe de Polícia “a fim de coibir-se o vandalismo praticado pelas crianças e até pessoas adultas nas paredes e muros”. Segundo o parlamentar, elas não só estragavam o revestimento dos muros, como escreviam e desenhavam “as maiores obscenidades”.
O vereador José Oswald, pai do escritor Oswald de Andrade, apresentou em 1908 uma proposta para ampliar a lei contra as pichações. “É proibido riscar, borrar, pintar figuras obscenas ou não, escrever nas paredes, muros, portas, janelas, portões ou qualquer tapamento na via pública, com carvão, giz, zarcão, piche, lápis, tinta ou quaisquer outros ingredientes que prejudiquem ou afeiem externamente a propriedade particular ou pública”, dizia o texto. A pena seria de 30 mil réis e três dias de prisão. O projeto também decretava quem deveria fiscalizar o cumprimento da proibição: prefeito, vereadores, suplentes de vereadores, todos os funcionários municipais, polícia e qualquer munícipe.
A Comissão de Justiça da CMSP deu parecer favorável ao projeto de José Oswald, alegando que o artigo do Código de Posturas que proibia as pichações muito raramente era aplicado e só vetava dísticos ou figuras obscenas ou imorais, “não se estendendo a outra natureza de figuras ou dístico que da mesma maneira danificam a propriedade privada”. O vice-prefeito Asdrúbal Augusto de Nascimento estava na chefia do Executivo municipal em 9 de outubro de 1908 e promulgou a lei.
Mesmo com a legislação mais severa, as pichações não paravam de aparecer. Em 30 de julho de 1921, o vereador Almerindo Gonçalves apresentou uma indicação ao prefeito Firmiano de Morais Pinto solicitando que fosse utilizada a “mais rigorosa fiscalização para que se impeça que gente de pouca educação conspurque [danifique] os muros e paredes das vias públicas da capital com toda sorte de garatujas [desenhos toscos] e rabiscos indecentes”.
O pedido deu início a uma troca de despachos entre autoridades. Morais Pinto encaminhou a solicitação ao secretário da Justiça e da Segurança Pública, que transmitiu a ordem aos inspetores da Prefeitura. Por sua vez, o chefe dos inspetores e dos fiscais respondeu afirmando que seus funcionários não podiam estar “em toda parte, a toda hora, para impedir que crianças e moços escrevam pelas paredes nomes e figuras indecentes”.
O funcionário sugeriu que o serviço poderia ser feito pela Polícia estadual, que, segundo ele, mantinha um soldado em cada quarteirão. E completou: “em todo caso, darei instruções aos fiscais para empregar o máximo esforço; não acredito, porém, no resultado”. O chefe dos inspetores apresentou, então, a proposta de que a Prefeitura tivesse sua guarda municipal para auxiliar na fiscalização. Caso contrário, segundo ele, “só a polícia será capaz de melhorar tal vandalismo”.
Morais Pinto respondeu ao presidente da Câmara, Raymundo da Silva Duprat, relatando as providências que a Prefeitura havia tomado. Essa troca de correspondência está sob a guarda do Arquivo Geral da CMSP e pode ser lida em www.saopaulo.sp.leg.br/memoria.
Com o fim do Estado Novo, em 1945, voltaram as eleições e as pichações foram usadas como forma de propaganda. O pesquisador José D’Amico Bauab, do Centro de Memória Eleitoral (Cemel) do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, diz que, como a propaganda eleitoral ainda não era comum no rádio e a TV só surgiu no Brasil em 1950, os candidatos passavam suas mensagens, principalmente, colando cartazes e fazendo pichação (na época também chamada de pichamento).
Bauab lembra-se de alguns slogans que ficaram famosos na época. Os defensores de Getúlio escreviam “Queremos Getúlio”. A resposta dos radicais da oposição era “Morra Getúlio”. Em 1945, nas primeiras eleições democráticas pós-Estado Novo, o slogan do brigadeiro Eduardo Gomes fez sucesso: “Vote no brigadeiro, é bonito e é solteiro”. Apesar da fama, o militar perdeu a eleição e Eurico Gaspar Dutra tornou-se presidente.
De acordo com Bauab, Jânio Quadros soube aproveitar muito bem as pichações em suas disputas eleitorais. O slogan “Jânio vem aí” era visto em vários pontos da cidade. “Ele usava essa forma de propaganda para se contrapor à campanha de Ademar de Barros, que tinha bem mais recursos”, lembra o pesquisador.
Embora utilizasse as escritas nos muros como propaganda, o então vereador Jânio criticou as pichações de campanha eleitoral em 5 de outubro de 1949, em um pronunciamento no Palacete Prates, então sede da Câmara Municipal. “Nada escapou à fúria dos pichadores de paredes, que inutilizaram milhares de pinturas externas de residências, diminuindo-lhes até o valor venal”, lamentou. Sobrou também para os políticos que permitiam tal recurso: “se esses homens [os pichadores] eram broncos, não se pode acreditar que os candidatos também o fossem, e não se pode acreditar ainda que desconheçam o que estava sucedendo”.
Por fim, admitiu que alguns de seus cabos eleitorais também pichavam muros. “Não ignoro, porém, que, aqui e acolá, um ou outro excesso se perpetrou”, disse Jânio, que completou: “máxime [principalmente] porque aqueles que me apoiavam, estudantes todos, entendiam que deviam acompanhar a prática que se generalizara de não ser poupada qualquer superfície, de qualquer natureza, que servisse de veículo à difusão do nome, das ideias e das promessas do candidato”.
Jânio comprometeu-se a combater as pichações, que classificava como “crime”. Em 1986, quando assumiu a Prefeitura de São Paulo pela segunda vez, intensificou o combate aos pichadores, especialmente dois deles: Juneca e Pessoinha.
As iniciativas da Câmara contra as pichações não impediram que um pichador fosse eleito vereador. Moacir Longo, cassado em 1964 acusado de ser comunista, declarou à Revista do Parlamento Paulistano que, em 1949, havia sido preso por pichar num muro uma frase elogiosa ao ditador soviético Josef Stalin: “Viva o camarada Stalin, campeão da paz”.

Atualmente, basta uma pequena volta para ver a cidade infestada de pichações. Nada escapa desses desocupados, não importando o grau de dificuldade ou vigilância. É uma batalha que, claramente, a administração pública e a sociedade continuam perdendo...

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