História do Combate as Pichações na Cidade de São Paulo, Brasil
Artigo
O combate às pichações é um tema que ficou bastante tempo
em destaque na cidade de São Paulo. Apesar de, infelizmente, convivermos com
esse tipo de vandalismo, o problema não é recente e nem culpa de uma ou outra
administração.
Em uma grande matéria feita na
Revista Apartes, veículo da Câmara Municipal de São Paulo, Rodrigo Garcia fez
um levantamento e tanto sobre o passado dessa prática e, também, sobre como
poder público tentou agir para combater esse tipo de infração. Os primeiros
relatos desse tipo de acontecimento na cidade foram registrados no jornal A
Província de São Paulo, precursor do Estadão, em junho de 1889. Não ocasião, a
publicação falava em “maus diabos” e “nojentos tipos”, que haviam pintado as
paredes de lojas de tecido com piche.
O combate a esse tipo de ação, entretanto, já
vinha acontecendo desde 1868, quando a Câmara Municipal de SP instaurou um
“Código de Posturas”, que ficou marcado como o primeiro conjunto de leis
municipais da nossa cidade. Na época em que o código estava sendo elaborado, o
vereador Justo da Silva propõe a proibição de “riscar, escrever dísticos e
pintar figuras sobe as paredes de edifícios ou muros”. A multa para quem
desrespeitasse essa lei seria de 8 mil réis.
Se as inscrições ferissem a
“moral pública”, a multa subiria para 20 mil réis e dois dias de cadeia. Vale
ressaltar, ainda, outra parte da lei que dizia que “se o infrator não tiver com
o que pagar, sofrerá com 8 dias de prisão”. Na época, cabia ao infrator arcar
com o processo de limpeza da pichação feita.
Quando o código finalmente
entrou em vigor, em 1873, a multa foi elevada para 20 mil réis, mas só previa
prisão se os infratores fossem escravos. De alguma forma muito curiosa, a lei
ainda previa que, se os proprietários das casas pichadas, não mandassem apagar
as inscrições, eles também seriam punidos.
O código, entretanto, durou só dois anos,
sendo suspenso por pedido popular, já que os cidadãos o consideravam muito
rigoroso. Em 1875 uma nova versão entrou em vigor, propondo dois dias de prisão
e uma obrigação dos moradores apagarem as pichações em 24 horas sob pena de uma
multa de 20 mil réis. Em 1886 o código foi ampliado e ficou decidido que os
pais seriam responsáveis pelos menores.
Apesar de todas essas tentativas o problema
permanecia. Em 1902, o vereador Ignacio Pereira da Rocha pediu que o prefeito
Antonio Prado resolvesse essa questão com a polícia. Em 1908, José Oswald, pai
de Oswald de Andrade, propôs que a pena seria de 30 mil réis e 3 dias de prisão
para os criminosos.
A Comissão de Justiça deu
parecer favorável ao projeto de José Oswald, alegando que o artigo do Código de
Posturas, que proibia as pichações muito raramente era aplicado e só vetava
dísticos ou figuras obscenas/imorais, não abrangendo a outras naturezas de
figuras. O vice-prefeito da época, Asdrúbal Augusto de Nascimento estava na
chefia do Executivo e, em 9 de outubro de 1908, promulgou a lei de José Oswald.
Claro que o problema não parou de acontecer.
Em julho de 1921, o vereador Almerindo Gonçalves apresentou ao prefeito
Firmiano Pinto a ideia de utilizar as mais rigorosas fiscalizações para que se
impedisse que “gente de pouca educação danificasse os muros e paredes das vias
públicas da capital com toda sorte de garatujas e rabiscos indecentes”. A ideia
gerou intenso debate entre as autoridades municipais, culminando com o chefe de
polícia dizendo que “os funcionários não podiam estar em toda parte, a toda
hora, para impedir que crianças e moços escrevam pelas paredes nomes e figuras
indecentes”.
Com a volta das eleições em
1945 as pichações se tornaram propaganda eleitoral dos candidatos. Segundo o
Centro de Memória Eleitoral (CEMEB), como ainda não era comum acontecer
propaganda eleitoral nas rádios e nas Tvs, os candidatos passavam suas
mensagens colando cartazes e pichando muros.
Uma das maiores curiosidades envolvendo esse
tipo de acontecimento fica por conta de Jânio Quadros que, com uma verba muito
menor que Adhemar de Barros, espalhava o slogan “Jânio vem aí” pela cidade. O
curioso é que, como vereador, ele era um ferrenho crítico às campanhas com
pichações. Com o passar do tempo, entretanto, foi obrigado a admitir que, “não
ignoro, porém, que aqui e acolá, um ou outro excesso se perpetrou”, sobre suas
campanhas.
Em 1986, quando foi eleito, combateu de
maneira intensa esse movimento que classificava como crime. As iniciativas do
poder público, entretanto, não impediram que um pichador fosse eleito vereador.
Moacir Longo, cassado em 1964, acusado de ser comunista, declarou à Revista do
Parlamento Paulistano que, em 1949, fora preso por pichar em um muro uma frase
elogiosa a Stalin: “Viva o camarada Stalin, campeão da paz”.
No século 19, a palavra
pichação ainda não existia. O termo surgiu no século seguinte, mas a questão já
chamava a atenção da população e das autoridades paulistas. O jornal A Província de São Paulo (atual O Estado de S. Paulo) informou, na edição de 9 de
junho de 1889, que lojas de tecidos haviam sido pintadas de piche por
“malvados”, “maus diabos”, “nojentos tipos” e “mariolas [vagabundos]”.
A
questão é antiga e as tentativas de combatê-la também. Em 1868, a Câmara
Municipal de São Paulo (CMSP) planejava criar um Código de Posturas, que seria
o primeiro conjunto sistematizado das leis municipais. O vereador Justo da
Silva propôs incluir a proibição de “riscar, escrever dísticos [palavras] e
pintar figuras sobre as paredes dos edifícios ou muros”. A multa para os
infratores seria de 8 mil réis.
O
projeto previa que se os riscos, inscrições ou pinturas fossem ofensivos à
moral pública, a punição seria de 20 mil réis e dois dias de cadeia. “Se não
tiver com o que pagar multa, sofrerá oito dias de prisão”, ressaltava o texto.
A proposta também destacava que “o infrator, além das multas e prisão a que
fica sujeito, é obrigado a apagar de modo a não deixar vestígio dos riscos,
inscrições ou pinturas que houver feito”.
Quando o Código de Posturas
entrou em vigor, em 1873, alterou a multa básica para 20 mil réis, mas não
previa prisão, a não ser que os infratores fossem escravos. De acordo com
cálculo feito no site do jornal O Estado de S. Paulo (http://acervo.estadao.com.br),
essa quantia corresponderia hoje a R$ 400. A lei ainda determinava que os
proprietários ou inquilinos dos imóveis que não mandassem apagar as pichações
também pagariam a multa.
O
código, entretanto, só durou dois anos, pois foi considerado muito rigoroso e
injusto pela população. Em 1875, os vereadores aprovaram uma nova versão, com
previsão de dois dias de prisão para os infratores. O novo texto detalhou o que
os moradores deveriam fazer se suas casas fossem pichadas: “mandarão pela
primeira vez apagar tais dísticos e, quando não o façam por si, receberão aviso
do fiscal para fazê-lo dentro de 24 horas, sob pena de 20 mil réis”. E
ressaltou que, em caso de reincidência, o serviço de pintura ficaria a cargo do
fiscal.
Em
1886, mais uma vez o Código de Posturas foi revisto e ampliado. A proibição das
pichações não foi alterada e o texto deixava claro que os pais eram
responsáveis pelos filhos menores, os amos pelos criados e os senhores [donos]
pelos escravos que violassem as posturas.
Apesar da perseguição, as
inscrições continuavam a aparecer. Em 4 de fevereiro de 1902, o vereador
Ignacio Pereira da Rocha solicitou que o prefeito Antonio da Silva Prado (veja
perfil na matéria São Paulo nos trilhos)
se entendesse com o chefe de Polícia “a fim de coibir-se o vandalismo praticado
pelas crianças e até pessoas adultas nas paredes e muros”. Segundo o
parlamentar, elas não só estragavam o revestimento dos muros, como escreviam e
desenhavam “as maiores obscenidades”.
O
vereador José Oswald, pai do escritor Oswald de Andrade, apresentou em 1908 uma
proposta para ampliar a lei contra as pichações. “É proibido riscar, borrar,
pintar figuras obscenas ou não, escrever nas paredes, muros, portas, janelas,
portões ou qualquer tapamento na via pública, com carvão, giz, zarcão, piche,
lápis, tinta ou quaisquer outros ingredientes que prejudiquem ou afeiem
externamente a propriedade particular ou pública”, dizia o texto. A pena seria
de 30 mil réis e três dias de prisão. O projeto também decretava quem deveria
fiscalizar o cumprimento da proibição: prefeito, vereadores, suplentes de
vereadores, todos os funcionários municipais, polícia e qualquer munícipe.
A
Comissão de Justiça da CMSP deu parecer favorável ao projeto de José Oswald,
alegando que o artigo do Código de Posturas que proibia as pichações muito
raramente era aplicado e só vetava dísticos ou figuras obscenas ou imorais, “não
se estendendo a outra natureza de figuras ou dístico que da mesma maneira
danificam a propriedade privada”. O vice-prefeito Asdrúbal Augusto de
Nascimento estava na chefia do Executivo municipal em 9 de outubro de 1908 e
promulgou a lei.
Mesmo
com a legislação mais severa, as pichações não paravam de aparecer. Em 30 de
julho de 1921, o vereador Almerindo Gonçalves apresentou uma indicação ao
prefeito Firmiano de Morais Pinto solicitando que fosse utilizada a “mais
rigorosa fiscalização para que se impeça que gente de pouca educação conspurque
[danifique] os muros e paredes das vias públicas da capital com toda sorte de
garatujas [desenhos toscos] e rabiscos indecentes”.
O pedido deu início a uma
troca de despachos entre autoridades. Morais Pinto encaminhou a solicitação ao
secretário da Justiça e da Segurança Pública, que transmitiu a ordem aos
inspetores da Prefeitura. Por sua vez, o chefe dos inspetores e dos fiscais
respondeu afirmando que seus funcionários não podiam estar “em toda parte, a
toda hora, para impedir que crianças e moços escrevam pelas paredes nomes e
figuras indecentes”.
O
funcionário sugeriu que o serviço poderia ser feito pela Polícia estadual, que,
segundo ele, mantinha um soldado em cada quarteirão. E completou: “em todo
caso, darei instruções aos fiscais para empregar o máximo esforço; não
acredito, porém, no resultado”. O chefe dos inspetores apresentou, então, a
proposta de que a Prefeitura tivesse sua guarda municipal para auxiliar na
fiscalização. Caso contrário, segundo ele, “só a polícia será capaz de melhorar
tal vandalismo”.
Morais
Pinto respondeu ao presidente da Câmara, Raymundo da Silva Duprat, relatando as
providências que a Prefeitura havia tomado. Essa troca de correspondência está
sob a guarda do Arquivo Geral da CMSP e pode ser lida em www.saopaulo.sp.leg.br/memoria.
Com o fim do Estado Novo,
em 1945, voltaram as eleições e as pichações foram usadas como forma de
propaganda. O pesquisador José D’Amico Bauab, do Centro de Memória Eleitoral
(Cemel) do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, diz que, como a propaganda
eleitoral ainda não era comum no rádio e a TV só surgiu no Brasil em 1950, os
candidatos passavam suas mensagens, principalmente, colando cartazes e fazendo
pichação (na época também chamada de pichamento).
Bauab
lembra-se de alguns slogans que ficaram famosos na época. Os defensores de
Getúlio escreviam “Queremos Getúlio”. A resposta dos radicais da oposição era
“Morra Getúlio”. Em 1945, nas primeiras eleições democráticas pós-Estado Novo,
o slogan do brigadeiro Eduardo Gomes fez sucesso: “Vote no brigadeiro, é bonito
e é solteiro”. Apesar da fama, o militar perdeu a eleição e Eurico Gaspar Dutra
tornou-se presidente.
De
acordo com Bauab, Jânio Quadros soube aproveitar muito bem as pichações em suas
disputas eleitorais. O slogan “Jânio vem aí” era visto em vários pontos da
cidade. “Ele usava essa forma de propaganda para se contrapor à campanha de
Ademar de Barros, que tinha bem mais recursos”, lembra o pesquisador.
Embora
utilizasse as escritas nos muros como propaganda, o então vereador Jânio
criticou as pichações de campanha eleitoral em 5 de outubro de 1949, em um
pronunciamento no Palacete Prates, então sede da Câmara Municipal. “Nada
escapou à fúria dos pichadores de paredes, que inutilizaram milhares de
pinturas externas de residências, diminuindo-lhes até o valor venal”, lamentou.
Sobrou também para os políticos que permitiam tal recurso: “se esses homens [os
pichadores] eram broncos, não se pode acreditar que os candidatos também o
fossem, e não se pode acreditar ainda que desconheçam o que estava sucedendo”.
Por fim, admitiu que alguns
de seus cabos eleitorais também pichavam muros. “Não ignoro, porém, que, aqui e
acolá, um ou outro excesso se perpetrou”, disse Jânio, que completou: “máxime
[principalmente] porque aqueles que me apoiavam, estudantes todos, entendiam
que deviam acompanhar a prática que se generalizara de não ser poupada qualquer
superfície, de qualquer natureza, que servisse de veículo à difusão do nome,
das ideias e das promessas do candidato”.
Jânio
comprometeu-se a combater as pichações, que classificava como “crime”. Em 1986,
quando assumiu a Prefeitura de São Paulo pela segunda vez, intensificou o
combate aos pichadores, especialmente dois deles: Juneca e Pessoinha.
As
iniciativas da Câmara contra as pichações não impediram que um pichador fosse
eleito vereador. Moacir Longo, cassado em 1964 acusado de ser comunista,
declarou à Revista do Parlamento Paulistano que,
em 1949, havia sido preso por pichar num muro uma frase elogiosa ao ditador
soviético Josef Stalin: “Viva o camarada Stalin, campeão da paz”.
Atualmente, basta uma pequena volta para ver a cidade infestada de pichações. Nada escapa desses desocupados, não importando o grau de dificuldade ou vigilância. É uma batalha que, claramente, a administração pública e a sociedade continuam perdendo...
Atualmente, basta uma pequena volta para ver a cidade infestada de pichações. Nada escapa desses desocupados, não importando o grau de dificuldade ou vigilância. É uma batalha que, claramente, a administração pública e a sociedade continuam perdendo...
Nenhum comentário:
Postar um comentário