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sexta-feira, 17 de abril de 2020
A Rivalidade entre Francisco Schmidt e Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
A Rivalidade entre Francisco Schmidt e Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
Ribeirão Preto - SP
Fotografia
Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, mais conhecido por Quinzinho da Cunha, era um aristocrata, membro de uma das famílias mais tradicionais do interior paulista. Residia em um chalé de frente para o Quarteirão Paulista, no local onde hoje se encontra o Edifício Diederichsen. Francisco Schmidt era um imigrante alemão, que chegou ao Brasil junto com a família aos oito anos de idade. Vieram em busca de novas oportunidades, que surgiam na forma da expansão do plantio de café no interior paulista. Mais do que apenas personalidades influentes na sociedade e na economia de Ribeirão Preto, os dois foram arquirrivais políticos, lideranças regionais que alternavam poder e influência num dos períodos históricos mais importantes da cidade.
Schmidt trabalhou na lavoura por quase duas décadas, até juntar capital suficiente para montar a primeira venda de secos e molhados da cidade de Descalvado. Contribuiu muito para o sucesso de sua investida comercial o fato de que o município localizava-se bem no meio da rota Ribeirão Preto – Jundiaí, por onde se escorria a produção de café, que de Jundiaí era transportado por estrada de ferro até o porto de Santos, de onde seguia para exportação. Logo Schmidt pode comprar sua primeira fazenda, em Santa Rita do Passa Quatro, e durante os anos seguintes seus investimentos focavam-se na compra e revenda de terras na região. Pouco tempo depois tornou-se proprietário da fazenda Monte Alegre, em Ribeirão Preto, e foi dali que iniciou o seu império cafeeiro, o maior que o mundo já tinha visto.
Ao adquirir a Monte Alegre, Schmidt ainda estava distante do status de Henrique Dumont, pai de Santos Dumont e o maior produtor de café do país até aquele período. Mas soube buscar o melhor caminho na expansão dos seus negócios ao estabelecer uma parceria com a empresa alemã Theodor Wille, que já investia no café, açúcar e algodão brasileiro. O financiamento da produção através do grupo alemão foi fundamental para o crescimento dos lucros de Schmidt. Em seu auge, o Rei do Café era proprietário de 69 fazendas em 17 municípios, com mais de 12 milhões de pés de café plantados e 19 mil empregados. Nesta época, em apenas uma década – entre 1890 e 1900 – a população de Ribeirão Preto passava de 12 mil para 54 mil, efervescendo a vida econômica, cultural e social da cidade. O mundo inteiro voltava a atenção – e o dinheiro – para o café produzido na região, e Ribeirão consolidava-se como o maior polo econômico do interior paulista.
Quinzinho da Cunha também era proprietário de terras cafeeiras, herança da família Junqueira, mas comparado a Schmidt sua produção era modesta. Sua verdadeira paixão, no entanto, era a política. Conservador, monarquista ferrenho, chamado pelos amigos mais próximos de “o chefão”, o coronel Quinzinho foi eleito vereador municipal em 1889, num período turbulento da legislação eleitoral brasileira, modificada em todas as suas instâncias pela proclamação da República ocorrida um ano antes. O coronel acabou tendo seu mandato revogado em 1892, sob acusação de fraude eleitoral. Ele nunca mais disputaria um cargo eletivo, mas isto não significou o fim de sua carreira na política regional. Pelo contrário, Quinzinho tornava-se uma liderança cada vez mais influente nos bastidores.
Em 1901, o Presidente da República Campos Sales nomeou Francisco Schmidt como Coronel Comandante da 72ª Brigada de Infantaria da Guarda Municipal, título que lhe trouxe um prestígio ainda maior na sociedade ribeirãopretana. Foi quando o Rei do Café decidiu fortalecer ainda mais suas raízes na política municipal. O coronel alemão já havia se caracterizado como um líder político influente na década anterior, mas a disputa por cargos eletivos era um papel que cabia a seu sócio, Artur Diederichsen. Naquele mesmo ano Schmidt candidatou-se a vereador e foi eleito, exercendo o cargo por quatro mandatos na Câmara até 1920. O coronel Quinzinho, por sua vez, foi indicado pelo Clube da Agricultura e Comércio para a liderança regional do Partido Republicano Paulista (PRP), no ano de 1902. O PRP possuía um quadro de membros bastante eclético, agregando desde profissionais liberais como engenheiros e médicos a importantes proprietários de terra do interior paulista, partidários da imigração de mão de obra europeia para a lavoura do café. Quinzinho fazia parte deste segundo grupo. Campos Sales, admirador do empreendedorismo de Schmidt, também era membro do PRP, o que colocava o coronel alemão em proximidade com o partido.
Quinzinho e Schmidt eram rivais inseparáveis. Os embates entre ambos eram constantes, notadamente quando o assunto era o apoio a candidatos distintos em diversas instâncias eleitorais – Câmara dos Vereadores, Câmara dos Deputados do Estado de SP, até mesmo a Presidência da República. Em 1910, Quinzinho da Cunha contrariou o PRP por conta do seu apoio incondicional ao candidato a presidente Marechal Hermes da Fonseca, embora o partido fizesse coro para a eleição de Rui Barbosa. Fonseca venceu, mas no ano seguinte Quinzinho já fazia forte oposição ao governo do Marechal, principalmente por conta da tentativa de implementação da “Política das Salvações” (na prática, investidas militares para derrubar opositores políticos em cada estado) no Estado de São Paulo. Quinzinho, Schmidt e diversos outros produtores do interior uniram forças, e as intervenções não aconteceram. Apesar da rivalidade, os dois coronéis de Ribeirão Preto sabiam atuar em conjunto quando a situação exigia.
Em 1911, Quinzinho e alguns outros integrantes do PRP compraram todas as ações do principal jornal aliado do partido em Ribeirão Preto, cabendo o maior valor ao coronel Junqueira. Tal manobra foi essencial para o fortalecimento ainda maior da sua influência política, visto que o jornal era uma fonte de oposição ferrenha a Schmidt. Quando a Primeira Guerra Mundial eclodiu na Europa, o sentimento de anti-germanismo despertado entre a população brasileira aos poucos foi minando a credibilidade política do coronel alemão. Para piorar a situação, a empresa Theodor Wille, economicamente prejudicada pelo conflito, abandonou de vez a parceria com o Rei do Café.
Não fosse o valor do patrimônio acumulado ao longo dos anos, Schmidt teria ficado na miséria. Mas o alemão conseguiu reerguer seus negócios logo após o término da guerra, criando uma Sociedade Agrícola juntamente com seus filhos. Sua liderança política na região, por outro lado, havia desmoronado completamente. Ao final da década, pouco depois do fim da guerra, rompeu definitivamente com o PRP e fundou um partido de oposição reformista. Mas a empreitada durou pouco, e em 1920 encerrou definitivamente sua vida política.
Francisco Schmidt faleceu em 1924, pouco tempo antes da Revolta Tenentista do General Isidoro Dias. Naquela década, Quinzinho consolidara-se como principal figura política da região em absoluto, não tendo mais que dividir espaço com o coronel alemão. Sua reação à revolta foi rápida: através do jornal, convocou uma Guarda Provisória entre os próprios moradores da cidade para manter a ordem. Os poucos revoltosos que chegaram à região, no entanto, não vinham para tomar a cidade de assalto. Ao contrário, vieram pedir proteção contra as forças da capital. Quinzinho da Cunha concedeu o abrigo requerido, e quando as tropas perseguidoras chegaram a Ribeirão e pediram ao coronel que identificasse os inimigos, este respondeu: “Eu não tenho inimigos.”
No entanto, mesmo para o chefão o final da carreira política aproximava-se rapidamente. Em 1925, os líderes partidários regionais perderam o direito de indicar seus próprios candidatos a deputado estadual, o que desagradou ao coronel. No ano seguinte surgiu o Partido Democrático, e embora não dispusesse de tamanha força na região de Ribeirão Preto, ia tomando cada vez mais o espaço do PRP, que começou a assumir posturas cada vez mais liberais para assegurar sua liderança. Em 1929 o PRP apostou todas as suas fichas na candidatura à presidência de Luís Carlos Prestes contra Getúlio Vargas. Prestes venceu mas foi derrubado logo no ano seguinte, com Getúlio assumindo seu lugar. O PRP entra em colapso, e Quinzinho já estava afastado nesta época. O coronel viria a falecer em 1932, poucas semanas antes da Revolução Paulista de 32, que ele certamente teria apoiado.
Hoje, é possível encontrar o legado de ambos os coronéis em diversos patrimônios históricos da cidade. Alguns dos exemplos mais expressivos são o campus da USP (Universidade de São Paulo) e o Museu do Café, que foram respectivamente a fazenda Monte Alegre e a casa sede onde Schmidt vivia; e a Catedral Metropolitana de São Sebastião, a segunda Igreja Matriz da cidade, da qual Quinzinho participou da comissão de planejamento. Na Praça Francisco Schmidt, na avenida Jerônimo Gonçalves, foi erguida uma herma em homenagem ao Rei do Café, porém o busto e os medalhões de bronze foram roubados em 2006. Dois anos depois um novo busto foi colocado no lugar do anterior, mas os medalhões ainda não foram repostos. Não longe dali, na Praça XV, ao lado do Quarteirão Paulista, o monumento ao Coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira também teve o busto furtado em 2008. O pedestal mantém-se solitário, com várias letras de bronze faltando em sua inscrição. Triste destino para os dois coronéis, homenagens desgastadas pelo tempo e pela ação descabida de alguns de seus conterrâneos, que provavelmente desconheciam suas histórias. Texto de Gabriel Monge.
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