Renault FT-17, o Primeiro Blindado do Exército Brasileiro, Brasil
Fotografia
História e Desenvolvimento:
O carro de combate blindado operacional surgiu com a Primeira Guerra Mundial na Inglaterra e acabou sendo desenvolvido em diversos países ao longo daquele conflito. A França, em particular, projetou e fabricou um carro-de-combate leve, moderno para os padrões da época. Seu projeto seria influenciado pelo Coronel J. B. E. Estienne, que anteriormente havia elaborado planos para um veículo blindado de esteira baseado no trator de lagartas Holt, sendo o conceito inspirados nos blindados ingleses. Com a permissão do comando do Exército Frances, Estienne abordou a Renault como um possível fabricante, inicialmente esta empresa recusou a demanda, com os argumentos que sua empresa estava operando a plena capacidade na produção de componentes e armamentos bélicos e que também não detinha experiência em veículos de lagarta. Assim Estienne levou seus planos para a empresa Schneider, onde nasceria o primeiro tanque operacional da França, o Schneider CA. Em um encontro posterior com a Renault, em 16 de julho de 1916, Estienne pediu que a empresa reconsiderasse, seu pedido. Dispondo agora da concordância de Louis Renault , a equipe de projetos começou a trabalhar no projeto em 21 de dezembro, a velocidade com que o projeto progrediu para a fase de mock-up levou à teoria de que a Renault estava trabalhando na ideia há algum tempo. O próprio Louis Renault concebeu o design geral do novo tanque e definiu suas especificações básicas. Ele impôs um limite realista ao peso projetado do FT, que não poderia exceder 7 toneladas.
No entanto Louis Renault e sua equipe não estavam convencidos de que uma relação de potência-peso suficiente poderia ser alcançada com os motores de produção disponíveis na época. Assim para dar mobilidade suficiente aos tipos de carros de combate blindados que foram solicitados pelos militares, o designer industrial mais talentoso da Renault, Rodolphe Ernst-Metzmaier, gerou os planos detalhados de execução do projeto com um grupo motopropulsor mais eficiente, levando a adoção do novo Renault 4-cyl, 4.5 litros refrigerado a água com 32 hp, sendo este projetado para funcionar normalmente sob qualquer inclinação, declives muito íngremes poderiam ser transpassados pelo Renault FT sem perda de potência. A fim de proporcionar uma ventilação interna eficaz foi fornecida pelo ventilador do radiador do motor, que puxou o ar através do compartimento da frente do tanque e forçou-o para fora através do compartimento do motor traseiro. O design do projeto da Renault era tecnicamente muito mais avançado do que os outros dois tanques franceses da época, o Schneider CA1 (1916) e o pesado Saint-Chamond (1917). Porém a Renault encontrou algumas dificuldades iniciais para conseguir que sua proposta fosse totalmente apoiada por Estienne. Após o primeiro uso britânico de tanques pesados em 15 de setembro de 1916, durante a Batalha do Somme, os militares franceses ainda ponderavam se muitos tanques leves seriam preferíveis a um número menor de tanques super pesados. Em 27 de novembro de 1916, Estienne enviara ao comandante francês um memorando pessoal propondo a adoção imediata e a fabricação em massa de um tanque leve baseado nas especificações do protótipo da Renault. Depois de receber dois grandes pedidos do governo para o tanque do FT, um em abril de 1917 e outro em junho de 1917, a Renault finalmente pôde prosseguir.
Os ensaios de testes com os protótipos começaram em abril de 1917, analises do programa de testes levariam ao refinamento do projeto durante a segunda metade de 1917, porém o calcanhar de Aquiles ainda estava baseado em problemas localizados na correia de ventilador de radiador, mesmo assim o modelo seguiu para produção em série, porém somente 84 carros foram produzidos neste ano, mas ao todo mas 2.697 seriam entregues ao exército francês antes do Armistício em 1918. Cerca de metade de todos os Renault FT-17 foram fabricados na fábrica da Renault em Boulogne-Billancourt, perto de Paris, com o restante subcontratado para outras empresas. No pós guerra os contratos englobavam cerca de 7.280 carros, com a produção distribuída em 52% para a Renault, 23% para a SOMUA (subsidiária da Schneider & Cie), 17% para a Berliet e finalmente 8% para a Delaunay-Belleville, com a concordância prévia de Louis Renault, em renunciar os royalties para todos os fabricantes franceses do FT-17. Quando os Estados Unidos entraram na guerra, em abril de 1917, seu exército não dispunha de carros de combate blindado, devido as demandas indústria francesa em tempo de guerra, decidiu-se que a maneira mais rápida de fornecer às forças americanas a licença para produção em série de cerca de 4.400 veículos na versão M1917 com as primeira entregas previstas para abril de 1918, porém este processo não se concretizou devido a falta de disponibilidade das indústrias americanas. Para suprir esta deficiência, o governo francês cedeu em regime de comodato 144 FT-17 , quantidade suficiente para equipar dois batalhões, porém nenhum destes entrou em combate junto as Forças Expedicionárias americanas até o termino do conflito.
Seu batismo de fogo ocorreu em 31 de maio de 1918 a leste da Floresta de Retz, a leste de Chaudun, entre Ploisy e Chazelles, durante a Segunda Batalha do Marne. Um batalhão composto por 30 FT-17 conseguiu conter o avanço alemão, mas na ausência de apoio de infantaria, os veículos se retiraram mais tarde. A partir desta experiência um número cada vez maior dos carros de combate da Reunault foi empregado em conjunto com com números menores dos antigos tanques Schneider CA1 e Saint-Chamond. Como a guerra havia se tornado uma guerra de alta mobilidade, em meados de 1918, durante a Ofensiva dos Cem Dias, os FT-17 mais leves eram frequentemente transportados em caminhões pesados e reboques especiais em vez de ferroviários em carros planos. O Coronel J. B. E. Estienne propusera inicialmente sobrecarregar as defesas inimigas usando um "enxame" de tanques leves, uma tática que acabou sendo implementada com sucesso. A partir do final de 1917, os aliados da Entente estavam tentando aumentar sua frota de carros de combate, neste aspecto a expectativa francesa englobava dispor no curto prazo de 12.260 tanques Renault FT (incluindo 4.440 da versão americana) antes do final de 1919. Após o fim da Primeira Guerra Mundial, os Renault FT-17 foram exportados para vários países (Bélgica, Brasil, Checoslováquia, Estônia, Finlândia, Irã, Japão, Lituânia, Holanda, Polônia, Romênia, Espanha, Suíça, Turquia e Iugoslávia). Os tanques Renault FT-17 foram usados pela maioria das nações em suas forças blindadas. Estes carros blindados foram usados em muitos conflitos posteriores, como a Guerra Civil Russa, a Guerra Polaco-Soviética, a Guerra Civil Chinesa, a Guerra Rif, a Guerra Civil Espanhola e a Guerra da Independência da Estônia.
Os Renault FT-17 também foram utilizados em números limitados durante a Segunda Guerra Mundial, na Polônia, na Finlândia, na França e no Reino da Iugoslávia, embora já estivessem obsoletos. Em 1940, o exército francês ainda dispunha de oito batalhões, cada um equipado com 63 FT-17 , além de três divisões independentes, cada uma com 10 unidades, com uma força orgânica totalizando 534 carros, todas equipadas com metralhadoras. Estes foram colocados em uso depois que a maioria dos equipamentos modernos foi perdida em batalhas anteriores contra as forças invasoras alemães. A Wehrmacht capturou 1.704 FT-17, dos quais 100 foram empregados para a defesa de bases aéreas cerca de 650 para patrulhar a Europa ocupada. O modelo seria empregado em combate contra as forças aliadas durante a Operação Tocha no Marrocos e na Argélia, no entanto os já obsoletos tanques franceses não eram páreo para os recém-chegados tanques americanos M4 Sherman e M3 Stuart.
Emprego no Exército Brasileiro:
Na Primeira Guerra Mundial, o Exército Brasileiro enviou para a França o Capitão José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, a fim que mesmo que iniciasse seus estudos técnicos e teóricos de motorização e mecanização da força militar, na Escola de Carros de Combate de Versalhes em Paris. Posteriormente ele serviria, no 503ª Regimento de Artilharia de Carros-de-Assalto, em 1919, onde teve a oportunidade de conhecer em ação os carros-de-combate Renault FT-17. Quando de sua volta ao Brasil, sua experiência influenciaria o Exército Brasileiro no processo de aquisição de carros-de-combate, tendo sido escolhido o modelo Renault FT-17, muito embora ele próprio achasse que não era o modelo ideal de carro de combate para equipar nossa força blindada. O Capitão José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque seria, o autor do verdadeiro tratado sobre o desenvolvimento e emprego da arma blindada no teatro de operações europeu durante a Primeira Guerra Mundial, intitulado "Os Tanks na Guerra Europeia", publicado em 1921, no Rio de Janeiro, sendo esta a primeira obra sobre o tema na América Latina. Posteriormente, ele seria o idealizador da AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras em Resende – RJ) e, também, o fundador do Centro de Instrução de Artilharia de Costa, transformado em escola em 1942. A compra destes carros de combate se deu antes da chegada de uma Missão Militar de Instrução, pois, após a Primeira Guerra Mundial, o Exército Brasileiro contratou uma Missão Militar Francesa para auxiliar na modernização e reestruturação de nosso Exército. Em 1920, chegam ao Brasil 12 carros de combate Renault FT-17, novos, oriundos da fábrica Delaunay Belleville, na França, sendo 6 na configuração com torre fundida (Berliet) armados com canhão Puteaux de 37mm (foto 1) e 5 com torre octogonal rebitada (Renault), armados com metralhadoras Hotchkiss de calibre 7mm e 1 modelo TSF (telegrafia sem fio) desprovido de torre giratória como os demais para comunicação com os escalões superiores.
A Companhia de Carros de Assalto foi criada pelo Decreto 15.235, de 31 de dezembro de 1921, na Vila Militar, no Rio de Janeiro, tornando-se, desta forma, o Brasil pioneiro da arma blindada na América do Sul, muito embora ela já se encontrasse operacional mesmo antes da sua formalização. No entanto, a Companhia de Carros-de-Assalto a apresentava algumas deficiências, conforme descrito no Boletim nª 55 de 7 de dezembro de 1921, mencionando ofício enviado pelo Comandante da mesma, Capitão José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, ao Ministro da Guerra, informando as condições da Companhia que possuía 7 oficiais, 123 praças (52 em véspera de licenciamento). É curioso ressaltar que estes carros de combate foram entregues ao Chefe da Missão Militar Brasileira em Paris em maio de 1919 e chegaram ao Brasil no início de 1920, sendo depositados no 1ª Regimento de Infantaria, no Rio de Janeiro, e lá ficaram até 28 de setembro de 1921, quando foram entregues ao então Capitão José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, encarregado de organizar a Companhia de Carros de Assalto, conforme Boletim nº 223 de 1ª-10- 1921, só que mesmo sendo novidades, não tiveram uma boa aceitação entre os militares mais antigos, valendo ainda comentar o que o próprio José Pessoa em “Atestado de nascimento da arma blindada brasileira”, e que se encontra arquivado junto a outros documentos pessoais no CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, identificou diversos problemas neste processo e muitas deficiências que a falta de cultura para este nova realidade trouxe entre as fileiras do Exercito Brasileiro. Ao que tudo indica, estas deficiências nunca foram sanadas, dificultando desta forma o emprego da Companhia de Carros-de-Assalto nas crises que viriam ocorrer no Brasil durante as conturbadas décadas de 1920 e 1930.
Em 3 de novembro de 1921, ocorreu o primeiro exercício de carros-de-combate em conjunto com aviação militar no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, na colina boscosa, na Vila Militar. Sua primeira aparição pública se deu em 25 de agosto de 1922, quando toda a Companhia se apresentou no Campo de São Cristóvão, Rio de Janeiro, ocasião em que recebeu o Pavilhão Nacional e foi aberta à visitação pública esta novidade chamada carros de combate. Seu primeiro emprego operacional no país ocorreu durante a Revolução de 1924, quando esta Companhia foi destacada para ocupar a cidade de São Paulo após a retirada das forças rebeldes daquela cidade e, em fotos da época, podemos assistir à uma parada dos seis Renault FT-17 operacionais naquele momento, pois o modelo Renault TSF ao que tudo indica nunca foi totalmente operacional, tendo sido desativado em 1925, mas preservado pelo menos até 1932. Em 1925, o aviso nº 254, de 18 de maio, mudou a designação para Companhia de Carros-de-Combate. O Decreto nº 20.986, de 21 de janeiro de 1932, extinguiu a Companhia de Carros-de-Combate; eles não haviam conseguido motivar nossa oficialidade e, devido ao precário estado em que se encontravam, foram transferidos para o Batalhão Escola de Infantaria. Meses mais tarde, os remanescentes da então Companhia de Carros de Combate foram empregados operacionalmente em virtude da eclosão da Revolução Constitucionalista levada a cabo por São Paulo em 9 de julho. Vale ressaltar que alguns foram recuperados na Oficina Ferroviária de Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, onde o modelo Renault TSF passou por uma reforma, mas não se tornou operacional como os outros. Estes veículos, provavelmente meia dúzia deles, foram empregados separadamente ou em duplas, em alguns setores onde ocorreram combates entre tropas rebeldes e legalistas, sendo usados para manter pontes, atacar ninhos de metralhadoras e em locais montanhosos, como a divisa de Minas Gerais com São Paulo, não apropriado para seu uso e desta forma não foram decisivos como instrumento para definir a superioridade e até mesmo garantir a vitória das forças legalistas naquele conflito.
Em 1935, pelo Aviso nº 248, de 22 de abril, é criada a Seção de Carros de Combate no Batalhão de Guardas, que aproveita os carros-de-combate existentes no Batalhão Escola de Infantaria. Também foi criada a Seção de Motomecanização no Estado Maior do Exército, por influência direta do chefe da Missão Militar Francesa, General Paul Noel, o que sem dúvida foi um grande avanço. A Companhia de Carros de Assalto foi uma tentativa isolada do Capitão José Pessoa, caindo no abandono, não tendo continuidade, mas a iniciativa foi pioneira. As motivações contrárias à sua sobrevivência serviram de alerta e seriam habilmente contornadas em nova oportunidade, quando, em 1938, o General Waldomiro Castilho de Lima, depois de ter observado o desenvolvimento das operações de guerra realizadas pelos italianos na Abissínia, decidiu substituir os velhos carros de combate Renault FT-17, já obsoletos, por modernos carros de combate Fiat-Ansaldo CV-3/35 II que vinham de operar, com relativo sucesso, no terreno montanhoso em que se desenvolveu a Guerra Civil Espanhola e nas terras áridas da Etiópia. As ideias do Capitão José Pessoa foram retomadas por um outro capitão que iria conseguir implantar definitivamente a arma blindada no Brasil. Trata-se do Capitão Carlos Flores de Paiva Chaves, e, em 25 de maio de 1938, pelo aviso nº 400, é criado o Esquadrão de Auto Metralhadoras do Centro de Instrução de Motorização e Mecanização, no Rio de Janeiro, onde, além dos novos carros adquiridos na Itália, são agregados a estes os últimos cinco Renault FT-17 da Seção de Carros de Combate do Batalhão de Guardas, que passa a denominar-se Pelotão de Carros-de-Combate do Centro de Instrução de Motorização e Mecanização.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os termos do programa de Leand & Lease Act Bill (Lei de Empréstimos e Arrendamentos), possibilitou o acesso a modernos carros de combate de origem norte americana, com a finalidade de modernizar sua força militar blindada. O Decreto-Lei Reservado n.ª 4.130, de 26 de fevereiro de 1942, transformou o Pelotão de Carros de Combate do Centro de Instrução de Motorização e Mecanização na Companhia Escola de Carros de Combate, encerrando, de vez, o uso operacional dos Renault FT-17 e substituindo-os por carros de combate leves M-3 Stuart e médios Sherman M-4 . Os blindados remanescentes deste modelo foram preservados em museus do Exército Brasileiro. No ano de 2011, o Centro de Instrução de Blindados (CIBld) e o Parque Regional de Manutenção/3 (Santa Maria) restauraram um exemplar para condição de uso, marcando as comemorações dos 90 anos do empregos de carros blindados no Exercito Brasileiro, se mantendo em condições operacionais até a atualidade para uso em cerimonias e eventos.
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