terça-feira, 8 de novembro de 2022

Selo "Ulysses 100 Anos", 2022, Brasil


 

Selo "Ulysses 100 Anos", 2022, Brasil
Selo


Sobre o Selo:
A arte do selo teve como ponto de inspiração as localidades onde ocorrem os episódios da obra de James Joyce, empregando o mapa da cidade de Dublin, na Irlanda, como fundo. Em destaque, em jogo tipográfico, "Ulysses 100 Anos" cruza com os dizeres "Yes", (Sim) característico da obra, e "James Joyce", aproveitando o posicionamento das letras. No intuito de reforçar a identidade irlandesa para este selo, foi utilizado largamente o verde com alguns toques de laranja. A técnica utilizada foi ilustração vetorial.
100 anos de Ulysses, de James Joyce:
É graças ao escritor irlandês James Joyce (1882-1941) que celebramos, em 2022, cem anos de leituras e discussões a respeito de Ulysses, uma das mais impactantes obras do século XX. Publicado em dois de fevereiro de 1922, quadragésimo aniversário do autor, o romance marcou o modernismo literário e se consagrou como uma das mais relevantes composições em prosa de língua inglesa de todos os tempos.
Apesar de decidir, aos vinte e dois anos, deixar a Irlanda, James Joyce escreveu incessantemente sobre seu país natal e, em especial, sobre Dublin. Em Ulysses, testemunhamos um dia — dezesseis de junho de 1904 — em que as personagens passam por diferentes pontos da capital irlandesa, e Joyce os mapeou usando localizações reais da cidade. Esses deslocamentos são relembrados nas comemorações anuais do Bloomsday, evento batizado em homenagem ao protagonista Leopold Bloom. A celebração do romance de Joyce ocorre não apenas em Dublin, mas em diversas cidades no Brasil e no mundo. Podemos dizer, portanto, que Ulysses continua a mobilizar, literal e figurativamente, leitores e lectures em inúmeros países.
Ulysses tem sua estrutura inspirada em episódios da Odisseia de Homero, obra da qual derivam inúmeros paralelos mais variegados do que diretos. O título do romance é, afinal, a versão latina do nome do personagem homérico, Odisseu, o que já aponta o caminho tortuoso da tradição cultural que Joyce percorre. Ulysses subverte a fonte homérica ao ter como protagonista, no lugar de um herói épico, um cidadão simultaneamente comum e outsider, até mesmo vítima de preconceito e maldizer, mas também mais pacifista do que bélico, mais solidário do que combativo. A odisseia joyciana não é centrada em glória, mas abraça o humano com suas belezas, estranhezas e imperfeições. Mostra que a literatura e a vida podem ser repletas de humor improvável, bem como nostalgia e melancolia, sem fronteiras claras entre esses aspectos. Como diz Richard Ellmann, biógrafo de Joyce, Ulysses tem, em muitos sentidos, o amor como centro, e o que Bloom tem de divino é sua própria humanidade. Nada disso diminui a índole crítica e mesmo radical do romance — ao contrário, é o que a constitui.
Apesar de Ulysses ter sido lançado há cem anos, seus episódios começaram a circular em revistas literárias a partir de 1918. Com abundantes relações intertextuais e linguagem progressivamente mais inventiva, sua fama se consolidou antes mesmo da conclusão. Houve críticas e até censura no mundo anglófono (exceto na Irlanda), com resistência ao experimentalismo de Joyce e à sua proposta de escrever um romance demasiado humano a partir do épico.
No conjunto de sua prosa, Joyce compôs uma obra particularmente coesa. Ulysses sucede Um Retrato do Artista Quando Jovem, de 1916, cujo protagonista é Stephen Dedalus, um dos personagens principais no romance de 1922. A coletânea de contos Dublinenses, de 1914, também inclui personagens que reaparecem em Ulysses. Mais ainda, há um claro crescendo literário. Em conferência para promover o romance de Joyce em Paris, em 1921, o escritor francés Valéry Larbaud mencionou o quanto cada uma das obras anteriores contribuiu para a composição de Ulysses ou prenunciava algumas de suas qualidades. Os poemas de Joyce em Música de Câmara (Chamber Music, 1907) continham o lirismo; Dublinenses, a atmosfera específica da capital irlandesa; Um Retrato, por sua vez, as imagens, analogias e símbolos que integrariam o romance posterior. A combinação dessas características e das inovações de Ulysses resultou em um texto com “a complexidade de um mosaico” (caleidoscópico, certamente).
O mapa que acompanha os selos comemorativos indica lugares mais relevantes dentre os citados nos episódios de Ulysses (cujos nomes advêm da Odisseia). Uma lista exaustiva seria longa: na caminhada de Leopold Bloom, são mencionados muitos locais, por exemplo, em Os Lestrígones/Lestrigões (como é chamado o oitavo episódio nas traduções de Bernardina Pinheiro e Caetano Galindo, respectivamente), mas a loja de doces aparece já no início e o ponto principal é o pub Davy Byrne’s. Há, ainda, múltiplos percursos no episódio As Rochas Ondulantes/Rochedos Errantes, do qual se destaca a região onde encontramos o protagonista, Bloom, comprando livros no Merchant’s Arch.
O endereço do quarto episódio, por sua vez, é retomado nos últimos três — o casal Bloom reside em 7 Eccles Street. É nesse endereço que o romance termina. O grande arco narrativo que Ulysses de Joyce compartilha com a Odisseia de Homero é, portanto, o tema do retorno para casa. No romance, contudo, as últimas palavras são da mulher, Molly Bloom. Seu monólogo, permeado por lembranças, termina em reiteradas respostas afirmativas: «e sim eu disse sim eu quero Sim» («and yes I said yes I will Yes”). Essa famosa palavra final compõe a arte do selo.
Em 2022, não celebramos apenas a publicação de Ulysses, ocorrida há cem anos. Celebramos, acima de tudo, o fato de que continuamos a ler e reler a obra conjuntamente. É razão de festejo perceber quantos diálogos em torno dessas palavras — com seus diversos monólogos solitários — permanecem acesos. Nosso privilégio compartilhado é o de comemorar um século de leituras de Ulysses enquanto tecemos o começo de mais cem anos.
A palavra do embaixador Seán Hoy:
2022 marca o 100º aniversário da publicação do romance Ulysses, do escritor irlandês James Joyce. Publicado em 2 de fevereiro de 1922, o livro conta os eventos de um único dia na capital da Irlanda, Dublin, e o que acontece com os personagens Stephen Dedalus, Leopold Bloom e sua esposa Molly Bloom. O romance foi construído como um paralelo moderno à Odisseia de Homero, com os três personagens centrais destinados a serem contrapartes modernas de Telêmaco, Ulisses e Penélope.
Ulysses captura a atmosfera e as estruturas de Dublin em detalhes tão surpreendentes e meticulosos que Joyce disse uma vez que, se a cidade de Dublin fosse destruída, Ulysses poderia ser usado para reconstruí-la tijolo por tijolo. O romance sobreviveu à censura e à controvérsia, incluindo alegações de blasfêmia, para se tornar um clássico moderno indiscutível. T. S. Eliot descreveu Ulysses como a “expressão mais importante que a época atual encontrou; é um livro ao qual todos estamos em dívida e do qual nenhum de nós pode escapar”.
Embora Ulysses seja anunciado como um dos textos definidores da literatura modernista e seja famoso por seu uso da técnica de “fluxo-de-consciência” e mudanças de estilos literários, a sua complexidade também deu a Ulysses a reputação de ser difícil de ler. Há aqueles que sugerem que o livro deve ser lido em voz alta, que você deve pular certos capítulos, e muitos acham difícil ler o livro de 783 páginas de uma só vez. No entanto, aqueles que persistem e se permitem mergulhar no romance são recompensados por seu humor irreverente, seu estudo cuidadoso do cotidiano de seus personagens e os muitos enigmas e quebra-cabeças escondidos em suas páginas que ocuparam estudiosos ao longo do último século. Há algo em Ulysses para todos: o homem comum que aposta em cavalos, as mulheres solitárias em busca de amor, os perdidos que não sabem chorar. Esta história é tão relevante hoje, como era há cem anos.
Ulysses agora é comemorado em todo o mundo como Bloomsday, em 16 de junho, e acredita-se ser o único dia de festa internacional dedicado a uma obra de arte. Na Irlanda, no Bloomsday, as pessoas se vestem à moda Eduardiana, há leituras dramáticas e encenações do texto, as pessoas comem pratos Joyceanos, como fígado e rins de porco, e caminham por Dublin seguindo os passos do romance.
As comemorações do Bloomsday também se espalharam pelo Brasil, com o primeiro evento ocorrendo em São Paulo, em 1967. Hoje, os eventos acontecem anualmente em mais de 14 cidades do Brasil, incluindo comemorações em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Florianópolis. O Brasil também é o lar de muitos eminentes estudiosos Joyceanos, e até agora três traduções portuguesas de Ulysses foram publicadas: a primeira, pelo ex-diplomata Antônio Houaiss em 1966, a segunda, por Bernardina da Silveira Pinheiro em 2005, e a mais recente, por Caetano Galindo em 2012. Este ano, uma nova tradução ‘multi- voz’ será publicada para comemorar o centenário de Ulysses, com traduções dos 18 capítulos por 18 acadêmicos brasileiros.
O centenário da publicação de Ulysses coincide também com o nascimento do Estado irlandês independente, que ocorreu após a transferência simbólica de poder do Governo Britânico para a Irlanda, em 16 de janeiro de 1922, duas semanas antes da publicação de Ulysses. Este ano, o Brasil também comemora o bicentenário de sua independência. Tanto para a Irlanda quanto para o Brasil, os legados de nossas histórias coloniais compartilhadas, moldaram nossas jornadas como Estados independentes, e continuamos a examinar as ideias de Estado e identidade nacional que Joyce explorou em Ulysses.
Há muitos vínculos históricos entre a Irlanda e o Brasil, que são relevantes nas comemorações deste ano de independência, como o casamento entre a irlandesa Narcisa Emília O’Leary e José Bonafácio de Andrada, um dos fundadores da independência brasileira; a visita de Dom Pedro II à Irlanda em 1877; o trabalho do irlandês Roger Casement, que fez campanha pelos direitos das comunidades indígenas na região Amazônica; e a dedicação de décadas de missionários irlandeses, que continuam servindo e apoiando comunidades em todo o Brasil. Hoje, a amizade que existe entre a Irlanda e o Brasil, embora fisicamente dividida pelo Oceano Atlântico, está cada vez mais próxima, devido aos fortes vínculos de pessoa- pra- -pessoa, e a Irlanda se orgulha agora de abrigar uma comunidade de mais de 70.000 brasileiros. A Irlanda também se orgulha de ter se tornado um Observador Associado da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em 2021 e de apoiar o desenvolvimento de intercâmbios linguísticos, acadêmicos e culturais mais fortes, com países de língua portuguesa como o Brasil.
Inspirados pelo legado das comemorações do Bloomsday no Brasil, estamos realizando uma série de projetos culturais no Brasil para marcar a ocasião do centenário da publicação de Ulysses. Isso inclui um projeto realizado em parceria com 18 universidades de todo o país, que resultará na elaboração de um mural interpretando um capítulo do romance em cada uma das 18 instituições. O objetivo é explorar como os jovens brasileiros interpretam o romance 100 anos depois sua publicação e apoiar interpretações visuais de Ulysses com uma identidade brasileira.
A publicação deste selo comemorativo do centenário da publicação de Ulysses, representa mais um marco na relação entre a Irlanda e o Brasil, e estamos extremamente satisfeitos pelo selo ter sido desenhado por um artista brasileiro e por representar uma interpretação visual brasileira do romance. Somos imensamente gratos aos Correios pela parceria com a Embaixada nesta emocionante iniciativa e pelo entusiasmo e apoio em dar vida ao projeto.
Esperamos que este selo inspire uma nova geração de brasileiros a pensar em mergulhar no emocionante e único mundo de Ulysses, e que eles digam, como Molly Bloom proclamou nas últimas palavras do romance: (...) sim eu disse sim eu quero sim. Texto dos Correios.

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