Ribeirão Preto - SP
Artigo
Texto 1:
Seria a “maior revolução urbanística da América Latina”,exaltou o jornal "Diário da Manhã" no dia 11 de novembro de 1966, referindo-se à medida anunciada pelo então governador Laudo Natel. Ele veio a Ribeirão Preto, acompanhado de vários secretários, com o objetivo principal de anunciar a doação ao município da área onde ficava o pátio ferroviário, com autorização inclusive para demolir a estação da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.
Há 56 anos atrás, era o que queriam autoridades municipais, tendo à frente o prefeito Welson Gasparini, com apoio de empresários.
O argumento era que a área da ferrovia, localizada no início da Vila Tibério, perto do Centro, atravancava o desenvolvimento urbano.
Na época, ligando a Vila Tibério ao Centro só existia a passagem de nível sobre os trilhos entre as ruas Luiz da Cunha e Duque de Caxias. Quando o trem passava, o trânsito de veículos era interrompido. E também os pedestres reclamavam. O problema persistiu mesmo com a estação da Mogiana se transferindo do Centro para o Tanquinho, porque a antiga área era mantida sob seu domínio e ainda havia manobras.
Além disso, existia outro problema: a área era chamada de “antro de imundície”, formando o “triângulo da malária”, conforme expressão do Diário da Manhã, ao focar a estação, o pátio e a rotunda, que ali permaneciam. Outros jornais, embora com menos veemência, apoiavam a campanha de retirada total do pátio da ferrovia perto do Centro. E os comerciantes das imediações contavam com essa providência para melhorar os negócios.
Todo esse clima foi transmitido pela imprensa seguidos dias antes da visita do governador Laudo Natel. Curiosamente, ao lado de vários secretários, ele veio no dia 10 de novembro de 1966 em trem da Mogiana, a partir de Campinas. Em Ribeirão, desceu na nova estação (inaugurada um ano antes no Tanquinho) e dali seguiu de automóvel direto para a Praça Schmidt, ao lado da velha estação. Mesmo sendo um dia útil, uma terça-feira, por volta de 9 horas da manhã, havia grande concentração popular. Ao descer do carro, o governador disse que “é obrigação do Estado facilitar ao município condições para o seu desenvolvimento”. Daí concluiu que “a doação desta área atende a interesses superiores da comunidade”.
A pretensão, conforme o prefeito Welson Gasparini explicou com uma maquete, era o aproveitamento da área com um ousado projeto urbanístico, que compreendia (e não foi feito) inclusive um viaduto ligando a Rua General Osório à Rua Martinico Prado.
No dia seguinte, o Diário da Manhã destacou que “a cidade está em festa” com a medida do governador Laudo Natel. Graças a ele, “vai desaparecer o triângulo da malária”.
Foi bom para a cidade? O jornalista José Fernando Chiavenato, que mora na Vila Tibério, acha que não foi. Ele entende que deveria ser dada uma solução no sentido de recuperar e fortalecer o transporte ferroviário. Mas, principalmente, acha que foi um atentado contra a história, a considerar a importância que a Mogiana representou para Ribeirão.
Outro jornalista, também da Vila Tibério, Fernando Braga, não é tão radical quanto Chiavenato, mas também faz crítica. Segundo ele, poderia ter havido a desativação na área da antiga Mogiana, mas “nunca” com a demolição da velha estação, por seu significado histórico. Em várias cidades, como Sales Oliveira, Orlândia, São Joaquim da Barra, mesmo desativadas, as antigas estações tiveram o prédio preservado e hoje destinado a atividades culturais, cita Braga. Além disso, ele acrescenta, se o objetivo foi desatravancar a ligação da Vila com o Centro, ali não poderia ter sido construída a Rodoviária, que impede a sequência de ruas entre as duas partes da cidade. “Deveria ter existido um projeto de melhor nível com a preservação de prédios históricos ao lado do destaque que se deu à arborização que fez surgir o Parque Maurílio Biagi”, opina Fernando Braga.
Junta-se a esta corrente a manifestação do jornalista Nicola Tornatore, que não se conforma com “o pouco que restou do passado glorioso da Mogiana”. Ele cita que as principais lembranças hoje são a locomotiva da Praça Schmidt e a Estação do Barracão, no início da Avenida D. Pedro I, “memória viva da imigração, embora lamentavelmente fechada e sem uso”.
Os que defendem que deveria ter sido preservada, no todo ou em parte, a antiga área da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro ressaltam que a ferrovia mudou o rumo da história de Ribeirão Preto, desde que aqui chegou o primeiro trem, em 23 de novembro de 1883. Sem a estrada de ferro naquela época, as poucas estradas de terra então existentes tinham de ser percorridas a cavalo, carroças, troles ou em carros de boi, com muita dificuldade, principalmente em tempos de chuva. A estrada de ferro “modernizou” o transporte de café até o porto de Santos. Com ela, foi possível Ribeirão Preto “integrar-se definitivamente ao mercado internacional do café”, destaca o jornalista Nicola Tornatore. Ele lembra que uma lei provincial, assinada em 25 de abril de 1880 concedeu à Cia. Mogiana o direito de trazer a estrada de ferro até Ribeirão, partindo de Casa Branca, após disputa com a Companhia Paulista que tinha um ramal parado em Pirassununga e também cobiçava conquistar esta região.
Texto 2:
Ali foi tudo meio nebuloso. Havia a pressão populista para demolir a estação porque ela seria a suposta causa do "atraso" da Vila Tibério. Na verdade isso era balela, pois a Vila Tibério não era atrasada, só não tinha o mesmo movimento do Centro. Aliás, perto de outros bairros da época, era até que bem movimentada, um bom lugar. Faziam comparação com o Centro, que não era decadente como hoje, e diziam que se não fosse a Mogyana, a Vila seria tão ou mais importante que o Centro. Algumas pessoas da Vila acreditavam nessa baboseira e engrossavam o coro contra a Mogyana (mesmo o bairro sendo reduto de ferroviários). Nisso tinha o Antônio Machado Sant'Anna metendo a boca na Estação não por ver algo errado da parte dela, mas por interesses pouco confessáveis. O cara era daquela turminha de imprensa alinhada ao Assis Chateaubriand, ou seja, rasga seda para quem paga e destrói quem não paga. Na política um dos que mais lutaram pela demolição foi o Gasparini, que viu nisso uma oportunidade para se promover. O cara martelava o assunto no rádio, se colocava como defensor dos "interesses da população tiberense" e captava um monte de votos de gente que acreditava nos argumentos pró-demolição. A prefeitura tinha interesse em fazer o que toda prefeitura fazia com a ferrovia, ficar com os imóveis. Assim, conseguiram, por meios políticos, que o Estado determinasse a erradicação do antigo pátio, mas mesmo assim havia resistência dentro da Mogyana. Conseguiram segurar a demolição da estação até 1967, quando a Mogyana foi obrigada a firmar um acordo com a prefeitura para demolir todo o complexo e construir no local o terminal rodoviário. Veja aí o absurdo, além de obrigarem a Mogyana a desocupar suas propriedades, ainda a obrigaram a construir o terminal rodoviário e entregar de mão beijada para a prefeitura, junto com quase todo o terreno. Isso tudo por meio de pressão política junto ao Governo do Estado, acionista majoritário da Mogyana. A demolição da estação foi feita em fins de 1967, assim como quase todas as instalações ao redor, sobrando apenas a plataforma de embarque, as oficinas, a rotunda, algumas linhas que permitiam o acesso à rotunda, oficinas e ao Ramal de Guatapará, algumas casas, a caixa d'água, e construções menores. Em 1968 foi a vez da rotunda (a maior rotunda ferroviária já construída no Brasil) e alguns edifícios anexos, das oficinas e da plataforma de embarque da antiga estação, e de quase todas as linhas. Só restou a linha do ramal de Guatapará e os desvios usados na manobra, e uma pequena construção perto da antiga Rotunda que servia de estação para o ramal. Isso durou até 1976, quando finalmente extinguiram o ramal e retiram os trilhos e a estaçãozinha improvisada para inaugurar a rodoviária. No fim, as mesmas pessoas da Vila Tibério que apoiaram a retirada da Mogyana, depois passaram a lamentar o fato. Hoje percebem que foi um erro permitir a perda de uma das identidades da Vila Tibério. Além disso, ficou claro que os argumentos de que a Vila rivalizaria com o Centro, se não fosse a Mogyana atrapalhando o caminho, eram conversa para boi dormir. A Mogyana se foi e a Vila continuou do mesmo jeito. Nenhum comerciante passou a ganhar mais em seu negócio por conta disso, a Vila nunca rivalizou com o Centro, e até hoje, mesmo com o centro em franca decadência, ninguém deixa de ir ao Centro para ir na Vila. O aumento do comércio e valorização da Vila Tibério é reflexo do próprio crescimento da região da Vila. É um comércio local que atende a população local, tal como era na época da Mogyana. A desvantagem é que a abertura da Martinico Prado e da Santos Dumont em direção ao Centro canalizou o trânsito de outros bairro em direção ao Centro para dentro da Vila por ruas que não foram projetadas para essa demanda, acarretando tráfego intenso, desgaste excessivo da pavimentação (buraqueira sem fim), congestionamentos, barulho, dificuldade de estacionamento, e sem vantagens para a Vila, pois o grosso desse tráfego é com destino ao Centro, o seja, é só de passagem, não para para consumir na Vila, não dá retorno algum à Vila.
Texto 3:
Ribeirão Preto perdeu um importante marco histórico em setembro de 1967 (a então estação ferroviária da Mogiana, onde hoje há a interligação das ruas General Osório com Martinico Prado, na Vila Tibério). Por aquela estação passaram dezenas de milhares de imigrantes que deixaram a Europa para tentar a sorte no “Eldorado Paulista”, como a nascente cidade era chamada no período de apogeu do café. Inaugurada em setembro de 1885, ainda na época do Império (a República foi proclamada em 1889), a estação foi, durante décadas, uma das mais importantes da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro. A localização era estratégica – a entrada da estação ficava exatamente onde começava a rua General Osório, então a rua mais importante da cidade. A estação funcionou para embarque e desembarque de passageiros (e cargas) até maio de 1965. Em 1º de junho daquele ano os trens de passageiros passaram a seguir para a nova estação, construída pela Mogiana nos limites entre a área urbana e a rural – na hoje avenida Mogiana, na Zona Norte. Com a desativação o prédio da velha estação passou a abrigar o Grupo Escolar da Vila Tibério (atual Escola Estadual Hermínia Gugliano), e, ao mesmo tempo que tramitava um processo de tombamento da estação pelo seu inquestionável valor histórico, começou também uma intensa campanha pedindo a demolição do marco histórico. Idealizada por políticos e comerciantes da região da "Baixada", onde fica o Mercado Municipal, a campanha foi abraçada pelo proprietário do Diário da Manhã, Antônio Machado Sant’Anna. Ao longo de meses, o jornal publicou dezenas de matérias referindo-se a estação como “monstrengo”, “pardieiro” e “antro de imundície e mau cheiro”. O pátio onde ficava a rotunda (oficina das locomotivas, atual Parque Ecológico Maurílio Biagi) era chamado de “triângulo da malária”. Naquele momento a Cia. Mogiana já não existia mais – prestes a falir, foi encampada pelo governo estadual (por meio da Ferrovia Paulista S/A, a Fepasa) em 1952. Apesar de a campanha utilizar a questão do saneamento para justificar a demolição da estação, na verdade o interesse era comercial – os moradores da populosa Vila Tibério tinham grande dificuldade para chegar ao Centro, pois existia apenas uma ineficiente passagem de nível que permitia atravessar os trilhos da Mogiana (ficava no início da rua Duque de Caxias, no ponto em que o nome da via muda para rua Luiz da Cunha). Era comum os automóveis terem de aguardar a abertura da “porteira” da Mogiana, que era fechada quando da passagem dos trens. A real intenção dos comerciantes que fomentaram a campanha, era facilitar o acesso dos moradores da Vila Tibério a seus estabelecimentos comerciais. Numa época em que a preservação de nosso patrimônio histórico não era uma preocupação da comunidade (hoje ainda não é, apenas "fingem" que é), a campanha foi vitoriosa. Em 12 de agosto de 1967, um sábado, o então governador Abreu Sodré veio a Ribeirão Preto assinar um acordo com a Prefeitura. O então prefeito Welson Gasparini agradeceu ao governador, após Abreu Sodré ser fotografado com uma picareta, simbolizando o início da demolição. O acordo previa a realização, pela Prefeitura, de um plano urbanístico que mudaria profundamente aquele trecho da região central e, pela Fepasa, a construção de uma estação rodoviária (a atual, inaugurada apenas em 1976). Assinado o acordo entre o prefeito Welson Gasparini e o governador Abreu Sodré, em setembro, começou a demolição, exatamente pelo prédio da estação, do qual restou apenas a plataforma. Em seguida, foram derrubados os antigos armazéns que serviam para depósito de cargas. Em janeiro de 1968 aconteceu a transferência das instalações que ainda funcionavam na rotunda – a oficina das locomotivas a vapor foi para as estações de Uberaba e Franca; a oficina de vagões foi para Campinas e a das locomotivas diesel-elétrica para a nova estação de Ribeirão Preto, na avenida Mogiana. No mesmo mês de janeiro foi "erradicada" a plataforma, permitindo o objetivo maior da campanha – a união entre as ruas General Osório e Martinico Prado. Marco do passado áureo de Ribeirão Preto, então “Capital Mundial do Café”, a primeira e mais famosa estação ferroviária da cidade desapareceu por motivos comerciais e logísticos. Foi mais um, talvez o maior, na lista de crimes praticados contra o patrimônio histórico da cidade.
Nota do blog 1: Welson Gasparini e seus aliados destruíram um dos maiores patrimônios da cidade em troca de votos e dinheiro.
Nota do blog 2: Se alguém, por mais improvável que possa parecer, achar que demolir tal patrimônio foi bom para a cidade, convido a visitar o local atualmente, mais de 50 anos após essa jeguice. Está completamente degradado, vandalizado, sujo, servindo de moradia para desabrigados, consumo de drogas, álcool e prostituição.
Nota do blog 3: Data e autoria não obtidas.
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