quinta-feira, 18 de julho de 2019

Largo da Sé com a Antiga Catedral, 1862, São Paulo, Brasil


Largo da Sé com a Antiga Catedral, 1862, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia



A foto mostra o Largo da Sé em 1862 com a antiga Catedral.
Todo bairro de São Paulo, assim como as pequenas cidades têm aqueles personagens que todos conhecem. Seja devido a alguma excentricidade, ou por algum hábito, ou até por ter feito algum trabalho admirável.
A cidade de São Paulo no decorrer de sua história, quando a população era pequena também teve seus tipos populares, personagens que em sua época todos conheciam, mas a maioria acabou esquecida pela história oficial e só são encontrados nas paginas amarelecidas das histórias dos memorialistas e cronistas antigos.
Um deles é Tebas, antigo escravo construtor nascido na primeira metade do século XVIII. Consta que foi escravo de um mestre pedreiro chamado Bento de Oliveira Lima e responsável por várias obras de vulto na cidade. A primeira foi a torre da antiga catedral de São Paulo, reconstruída em 1755. Conforme um daqueles cronistas, existiam dificuldades técnicas para a construção da torre e nenhum engenheiro dispunha-se a executar a obra. Eis que surge Tebas e garante fazer o trabalho.
Seu senhor veio a falecer durante a obra, mas antes concedeu a alforria a Tebas com a condição de que ele terminasse a obra, recebendo pelo trabalho uma pataca e meia de diária. A obra foi executada e a partir daí Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas faria muitos outros trabalhos importantes. É dele ainda o frontispício da catedral, a torre do Recolhimento de Santa Teresa e frontispício da igreja da Ordem Terceira do Carmo. Mas sua obra mais famosa talvez seja o chafariz da Misericórdia, o primeiro chafariz da cidade, construído em 1792. Dessas obras todas, a única que restou foi o frontispício da igreja da Ordem Terceira do Carmo. Tebas morreu em 1811 aos 90 anos e seu corpo está sepultado na igreja de São Gonçalo.
Pouco se fala também de Vicente Gomes Pereira, o Mestre Vicentinho que ergueu o primeiro monumento de São Paulo. Um monumento muito simples, mas até hoje o Obelisco da Memória resiste bravamente no Largo que ganhou seu nome. Mestre Vicentinho teve menos sorte que seu antecessor, morreu internado como louco.
No começo de século XIX todos conheciam o preto velho alforriado que esmolava na escadaria da Sé antiga. Era o Zé Prequeté. A molecada que vivia pelas ruas atormentava o pobre velho com uns versos que mesmo depois do tempo dele ainda serviam para atormentar outros:
Oh! Zé Prequeté
Tira bicho do pé
Prá comer com café
Na porta da Sé.
Existiram outros tipos curiosos muito conhecidos em suas épocas, como o Tomás Rabada que trabalhou por muito tempo junto à Irmandade dos Pretos de N. S. do Rosário, organizando suas tradições e festas e finalmente fazendo com que fossem aceitos pela comunidade. Dizem que era baixote, usava suíças e tinha as pernas curtinhas. Seu apelido devia-se ao fato de que, numa época em que ninguém mais usava casaca, ele continuou usando uma casaca comprida por toda a vida.
Toda a cidade conhecia Garibaldi, o cocheiro italiano que na virada do século XIX para o XX estacionava seu carro de aluguel no Largo do Paissandu em frente ao Moulin Rouge. Ali aguardava os passageiros, com seu rosto corado, chapelão de abas largas e as longas barbas grisalhas cobrindo o peito. Era a boia salva-vidas dos boêmios tardios que voltavam após as farras nos cabarés e pensões alegres que abundavam naquela região.
Falando em boêmios, talvez o personagem mais esquecido seja o Cunegundes. Esse foi o maior de todos os boêmios do final do século XIX. Nunca teve um tostão na vida, mas comia e bebia cerveja em todas as tavernas e confeitarias, da taverna do Corvo até a seleta Castelões no Largo do Rosário, se bem que segundo um cronista alguns garçons meio mal humorados às vezes barrassem a sua entrada. Entrava no Polytheama, no Eldorado sem nenhum impedimento assistia aos espetáculos e ainda era o primeiro a sair e aguardar na porta, onde era cumprimentado por todos. Era especialmente querido pelos jornalistas, artistas e os estudantes. Tanto que foi inscrito como sócio-fundador e honorário do Cabaré do Sapo Morto, fundado pela flor da boemia local no começo da então Rua de São João e que teve vida efêmera.
Como todo boêmio, às vezes arrumava brigas e ia dormir esfolado. Aliás, lugar para dormir não era problema, qualquer canto servia. Quanto ao seu fim existem divergências, uns dizem que foi atropelado por uma carroça de lixo no Largo do Rosário, outros dizem que distraiu-se com uma cadelinha e a carrocinha o apanhou e acabou virando sabão. Sim, Cunegundes era um cão amarelo escuro de pelo curto com uma mancha em forma de estrela branca no peito. Um vira-lata, mas um vira-lata que sabia levar a vida.

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