domingo, 13 de fevereiro de 2022

História dos Cinemas de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil - Artigo




 

História dos Cinemas de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil - Artigo
Artigo




Durante várias décadas os campo-grandenses tiveram nas salas de cinema seus principais espaços de lazer. Diversos fatos interessantes aconteceram e marcaram não só a vida das pessoas, mas de toda a sociedade.
Há quase um século (1910) chegou a Campo Grande o primeiro cinema trazido pelo italiano Raphael Orrico, que tinha como pretensão apresentar ao pequeno Arraial de Santo Antônio de Campo Grande a inédita forma de comunicação de imagens. Orrico, ao se hospedar no Hotel Democrata, vislumbrou a possibilidade de instalar, sob as copas das árvores, o Cine Brasil. Este cine não era exatamente uma sala de exibição cinematográfica; funcionava a céu aberto e os filmes eram projetados em um grande pano branco colocado em uma das paredes do Hotel Democrata, nas localidades da travessa Lydia Bais, situada ao lado da igreja Santo Antônio, no centro da cidade. Esta pensão tomava o espaço de um quarteirão e era conhecida pelos moradores como Chácara do Carvalho. Os frequentadores do Cine Brasil se acomodavam em tábuas rústicas, colocadas sobre caixotes. Algumas vezes era necessário levar o próprio assento, com o nome gravado, para não perdê-lo. Os mais aventureiros subiam nas árvores para assistir à novidade trazida por Orrico.
A energia para a exibição do filme vinha de um pequeno motor, movido a gasolina ou querosene, com fios estendidos pelos troncos e galhos das laranjeiras e das robustas mangueiras. O pátio do hotel, cortado por um rego d’água, era todo cercado por troncos de aroeira. O espetáculo, que começava às 20 horas, era anunciado por foguetes e rojões. A plateia assistia a documentários e comédias de curta duração exposta ao sereno e era confortada com chocolate quente e conhaque servido pelo Chiquinho do Hotel Democrata.
Outro personagem que marcou o início das projeções foi Francisco de Barros, conhecido como “Chico Phonografo”. Ele trouxe, em 1903, para a quermesse de Santo Antônio, um aparelho com uma manivela que fazia girar fitas de celulóide com figuras que produziam pequenas histórias vistas por um orifício. O paulista Francisco era um caixeiro-viajante que percorria os sertões para levar o ‘progresso da ciência’ a regiões longínquas e, com isso, ganhava alguns mil réis.
O Cine Ideal, inaugurado em 1912 pela empresa Nepomuceno & Barros, na Rua 7 de Setembro, quase esquina com a Rua 14 de Julho, foi o primeiro cinema fechado de Campo Grande. A escolha deste local surgiu em função da rua ser considerada “alegre”, devido ao movimento de pessoas que frequentavam o Café Paulicéia, instalado ao lado do Cine. As sessões eram popularmente conhecidas como ‘funções’, e ocorriam às quintas-feiras, sábados e domingos, sendo que em cada dia eram realizadas cinco sessões. As exibições tinham um intervalo de dez minutos, assim as pessoas podiam comprar balas, doces caseiros, pastéis, amendoim torrado e pipoca nas barracas instaladas em frente ao cinema. Era costume que os cavalheiros fossem buscar as guloseimas e levar para as senhoras e crianças que permaneciam dentro da sala. Como o cinema era mudo, conjuntos como “União do Sul” faziam a trilha sonora para os filmes.
Logo depois do Cine Ideal, o uberabense Bertolino Ferreira de Oliveira inaugurou, em 1914, o Cine Rio Branco, localizado na Rua 13 de Maio, e que posteriormente foi vendido a Santiago Solari. Este cine funcionava num pequeno salão alugado e se prestava à diversão local.
Em 1918, Campo Grande foi elevado à categoria de cidade. A chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (atual Novoeste) fez com que a cidade despontasse como a de maior crescimento do antigo Estado de Mato Grosso. É nesse contexto que Valentin dos Santos inaugura, em 1920, o Cine Guarani. A sala localizada na Avenida Afonso Pena, entre as ruas 13 de Maio e Rui Barbosa, tinha instalações de teatro com camarotes; um luxo para a época. Durante algum tempo, a administração desse cinema passou para Luís Antônio Fernandes da Silva, que mais tarde o vendeu para os Irmãos Neder. Esses reformaram o ambiente para um estilo mais fino e trocaram o nome por Cine Central, que passou a receber lançamentos de filmes famosos e apresentação de grupos de teatro amador.
Em 1932, surge um concorrente à altura para disputar o público do Cine Central: o Cine Trianon, marco cultural na sociedade da época, pois uniu os proprietários irmãos Neder e Juvenal Alves Correa, antes o único proprietário do Trianon, surgindo então a sociedade Correia & Neder. Esta sala situava-se na Rua 14 de Julho, onde se encontra hoje a galeria São José. Na época, era costume que soldados disparassem foguetes toda vez que uma boa película era exibida.
Outro marco da cultura cinematográfica de Campo Grande foi a inauguração do Cine-teatro Santa Helena, em 1929, na Rua Dom Aquino, região considerada ponto de jogatina, prostíbulos e bebedeira. O proprietário do cinema, o egípcio chamado Alexandre Kalyl Saad, criou, além de um espaço cultural, uma nova política de vizinhança, pois incentivou a população a frequentar a rua considerada marginalizada, dando a ela um aspecto novo.
Este cinema tinha 1,3 mil lugares e mudou de proprietário em 1937, quando Saad resolveu vendê-lo para Félix Damus. O novo proprietário realizou uma grande reforma e instalou nele modernos equipamentos importados da Europa, possibilitando a exibição de filmes com som e imagem simultâneos. Deve ser Amor (1920), tendo como atriz principal Collen Moore, foi o primeiro filme estrangeiro exibido com esta tecnologia, sendo projetado em oito partes.
Logo após o surgimento do Santa Helena, Karim Bacha inaugurou, em 1937, o Cine-teatro Alhambra, na Avenida Afonso Pena. Este cinema promoveu por várias décadas um grande impulso à vida cultural campo-grandense, sendo considerado o cine mais significativo e, assim como outras salas de exibições, foi ponto de encontro para diversos relacionamentos amorosos. O casamento entre Tarcísio Dal Farra, que veio ao antigo Estado de Mato Grosso para administrar as salas da Empresa Teatral Pedutti, com Nelly Hugueney é prova disso. Eles se conheceram na porta do cinema, casaram-se e moraram por 32 anos ao lado do cine Alhambra.
Em Campo Grande, Tarcísio administrou os cines Alhambra, Rialto, Santa Helena, Plaza, Center e o Auto Cine. Logo que as seis salas de exibição foram arrendadas, Tarcísio resolveu se aposentar. Nessa época, o Alhambra estava em pleno funcionamento. A demolição para construção de um hotel, que até hoje não foi terminado, só ocorreu em 1987, anos depois de Tarcísio se aposentar. O Alhambra foi o último espaço de exibição cinematográfica da empresa Pedutti a ser fechado na capital. Demolido, passou a guardar em seus escombros parte da memória cinematográfica sul-mato-grossense.
Em várias das salas de cinema, a divulgação dos filmes era feita através de painéis pintados à mão pelos “decoradores de cinema”. Depois de lido todo o material publicitário, que na realidade eram frases do filme enviadas juntos com as películas, os artistas confeccionavam os painéis. No cartaz dava-se destaque ao nome do ator principal, como John Wayne, Gregory Peck, Charles Bronson, Anthony Steffen, já que o título do filme não era tão importante.
No Cine Santa Helena eram exibidas películas japonesas todas as sextas-feiras. O público brasileiro não gostava muito desse tipo de filme, mas a grande colônia nipônica, já existente em Campo Grande, lotava a sala de exibição. Eles chegavam de charrete, carroça ou a pé. O alerta para o início da sessão era feito através de música clássica executada em vinil. Enquanto o filme não começava, a moçada ficava paquerando dentro do cinema. As mulheres sentavam-se primeiro e os homens ficavam circulando na sala para ver se alguma garota lhe dirigia o olhar. Quando uma moça correspondia, era um sinal de que ele podia se sentar ao lado dela. Quando começava a música, todos se acomodavam.
Outro cinema relevante em Campo Grande foi o Cine Rialto, instalado na Rua Antônio Maria Coelho. Possuía 800 lugares e uma arquitetura simples que marcou época. Apesar de ser a menor sala dos três cinemas (Alhambra e Santa Helena), o Rialto fez parte da constelação de lazer que mobilizava a cidade. Alcançava grande simpatia de pessoas que se deslocavam à noite para assistir à sessão, às vezes utilizando lampião a gás, pois a energia elétrica não alcançava todas as residências. A fila que se formava em frente à bilheteria era grande, chegando ocasionalmente a faltar ingressos. Isso porque o rádio era coisa de privilegiado e a televisão não existia. A única forma de diversão era o cinema, ou o circo, quando chegava à cidade.
A rua escura e sem asfalto tinha um modesto comércio. Eram pequenos “barzinhos” e mercearias. Antes da construção do Rialto, havia no terreno algumas casas de madeira que pertenciam a um grego. Os moradores consideravam o local como um prostíbulo, mas não se tem a certeza que um dia ali foi, de fato, um bordel. Para colocar o Rialto em funcionamento foi preciso instalar um gerador próprio, que possibilitava a projeção das imagens numa tela panorâmica. Este cinema não era uma casa de espetáculos, exibia somente filmes. Não tinha palco apropriado como o Alhambra e o Santa Helena. Tinha, entretanto, um mezanino, e na programação havia sessões reservadas às moças que pagavam meia-entrada e matinês para as crianças.
A primeira fase do cine Rialto durou até metade da década de 1950, quando o público foi diminuindo gradativamente. Para não perder espaço, em 1958 uma reforma o transformou em um cinema de luxo. A reestruturação da sala trouxe também a modernidade: a tela panorâmica utilizada para projeção foi trocada, assim como as cadeiras que passaram a ter estofado. A reforma mudou até mesmo o visual dos frequentadores. A partir de então as mulheres eram, por exigência da casa, obrigadas a usarem vestidos “à altura” (roupas finas que fugissem do cotidiano), e os homens só podiam entrar de terno e gravata.
Dentro da sala, o costume de ficar circulando até começar o filme para flertar com alguém também foi banido. A partir da reforma, o público tinha que entrar e, imediatamente, ocupar o assento.
Com a reforma do cine Alhambra, o Rialto acabou perdendo o “glamour” e tornando-se comum. Sendo assim, este cinema teve três fases: a primeira foi o auge; a segunda foi a transformação, que ocorreu logo após a reforma, quando se tornou um espaço luxuoso; e a terceira, um cinema que caiu no ostracismo.
Na década de 1970, a Avenida Júlio de Castilho recebia grande fluxo de carros de bois. Nas suas imediações, onde hoje está localizado o bairro Santo Amaro, as ruas sem asfalto eram cheias de buracos e lama. Por isso é difícil imaginar uma sala de cinema nesse bairro. Difícil hoje, porque em 1972 foi construído o cine Estrela, que funcionou por seis anos. O motivo de escolha do local longe do centro para a construção da sala de exibição ninguém sabe dizer. O que se sabe é que, mesmo sendo distante, a sala atraía um bom público. Devido à falta de alternativas de lazer, muitos espectadores se deslocavam do centro da cidade para assistirem aos filmes que eram substituídos a cada três dias.
O cine Estrela foi fechado em 1978. Mesmo estando instalado num local de difícil acesso e enfrentando a concorrência dos cinemas do centro da cidade, o Estrela era bem frequentado. Por ser um cinema pequeno, tinha poucos empregados. Quem operava o projetor também atendia na bilheteria. Quando o cinema ficava cheio o proprietário corria no vizinho para pedir emprestadas as cadeiras para acomodar o público.
Já no bairro Nova Campo Grande foi construída uma “monumental” sala de cinema na década de 1970. O prédio do Nova Campo Grande foi levantado pelo tenente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) Ubirajara Ortega, com a ajuda de sua esposa, Adelina Arce Ortega, e de um pedreiro. Externamente o cinema continua com a estrutura conservada, atestando sua existência, já internamente ele foi modificado em consequência do sucateamento e da necessidade de adaptações para a criação de chinchilas, última atividade desenvolvida no espaço que começou a funcionar como cinema em meados de 1975 e parou por volta de 1982.
Ir ao cinema, para as crianças do bairro, era diversão total. Muitas vezes, o que importava era o contato com os colegas. Todos se conheciam. Da mesma forma que ocorria nos demais espaços de projeção, o Cine Nova Campo Grande também se tornou ponto de encontro dos namorados. Geralmente eram projetados filmes populares, lançados há muito tempo atrás. Na realidade eram filmes mais baratos, visto que filmes “clássicos” e lançamentos tinham locação mais cara.
O bairro, afastado do centro da cidade, tinha um transporte coletivo muito deficiente, de forma que o programa das famílias e o ponto de encontro eram o cinema. Nos dias em que havia exibição de filmes ou outros eventos, como quermesses e reunião de moradores, o local defronte ao cinema ficava repleto de bicicletas usadas tanto pelas crianças como por adultos. Antes do “elefante branco” (apelido dado ao cinema pelos vizinhos) encontrar novo proprietário, ele foi totalmente sucateado.
O Auto Cine de Campo Grande, inaugurado em 1972, foi logo no início da atividade administrado pela empresa Pedutti, que fazia a seleção dos filmes, contratava os funcionários e pagava mensalmente à UFMS uma porcentagem do lucro. Em 1983, esta parceria terminou e a administração da universidade ficou responsável pelo Auto Cine. Conhecido inicialmente entre os estudantes da própria universidade, estes trataram de espalhar a novidade de que dentro do campus havia um local de lazer onde passavam filmes de aventura, bang-bang, comédias e até mesmo pornochanchadas.
Os filmes eram exibidos todos os dias, a partir de uma sala de projeção localizada bem no meio da pista. À frente dela e aos lados havia espaço para 128 carros. Na parte de trás dos carros, uma pequena arquibancada acomodava as pessoas que chegavam a pé. Para o público ouvir os diálogos dos filmes, logo na portaria o motorista recebia um alto-falante e conectava-o nos ‘chapéus’, uma espécie de poste com fiação para saída de som. Havia um ‘chapéu’ e um amplificador para cada carro, cujos acessórios eram instalados na porta do veículo. Casais de namorados eram os que mais contemplavam a novidade de assistir a um filme dentro do automóvel.
Como a empresa Pedutti era o maior cliente das distribuidoras de filmes, pois solicitava produções a serem exibidas em todo o país, os pedidos que o Auto Cine fazia ficavam em “segundo plano”, alguns chegando anos depois do lançamento. Mesmo assim, o público no Auto Cine era grande. Havia dias em que as filas de carros para entrar se estendia a dezenas de metros. Hoje, quem percorre o local, em ruínas, não imagina que um dia foi um espaço tão disputado pelo público motorizado em busca de diversão. No final da década de 1970, auge do Auto Cine, a programação do lugar tomava espaço nas ruas e avenidas da cidade. Os cartazes utilizados eram grandes e ficavam amarrados nos postes.
Na mesma época do Auto Cine, começaram a funcionar os cinemas Plaza e Center, ambos instalados dentro do terminal rodoviário de Campo Grande em 1976. Logo no lançamento do filme Os Trapalhões no Planeta dos Macacos, homens, mulheres e crianças formaram enormes filas. No estacionamento, localizado no subsolo, era difícil encontrar uma vaga.
O Cine Plaza, que funcionou de 1977 a 1993, apresentava várias particularidades, o que lhe permitiu a cobrança do ingresso com preço mais elevado do que o estabelecido pelo Cine Center, uma sala mais simples, com cadeiras e piso de madeira. No Plaza havia sala de espera, ar condicionado e um american bar que possibilitava às pessoas assistirem ao filme e, ao mesmo tempo, conversarem sem atrapalhar a plateia acomodada nas cadeiras normais.
Com a chegada da televisão e do videocassete, o número de pessoas que frequentavam as salas de cinema começou a diminuir. O público passou a trocar a diversão do cinema pelas novidades oferecidas pela televisão. Com a redução do público, o empresário que mantinha os cines Center e Plaza começou a acumular dívidas com fornecedores e distribuidoras de filmes. Em razão disso, não conseguia fazer a troca de filmes e nem adquirir constantemente bons lançamentos, o que o obrigava a manter em cartaz a mesma produção por vários dias.
No final da década de 1980, os referidos cinemas já estavam com a estrutura falida, sobrevivendo de lançamentos. Foi a partir de 1992 que o Center começou a exibir somente filmes pornográficos. No ano seguinte (1993), o Plaza parou de funcionar.
Em toda a história cinematográfica de Campo Grande, poucas pessoas atuaram nas quatro etapas da indústria do cinema, que são: produção, importação, distribuição e exibição de filmes. Entre as exceções está a Família Lahdo, proprietária de uma produtora de documentários, jornais cinematográficos, salas de exibição e realizadora do primeiro longa-metragem inteiramente produzido em Campo Grande, Paralelos Trágicos (1965), baseado no livro homônimo escrito por Bernardo Lahdo.
Paralelos Trágicos é de fundamental importância para a cinematografia sul-mato-grossense porque teve elenco e equipe técnica doméstica, e apresenta imagens de Campo Grande na década de 1960. Recebeu selo de qualidade da Censura Federal e liberação para ser exportado devido ao ótimo som e imagem. Nas décadas de 1960 e 1970, produções que não recebessem esta garantia não poderiam participar de festivais, nem serem exportadas. Além disso, as salas não eram obrigadas a exibir a obra, limitando as exibições aos “círculos de amigos”.
Em 1969, a Lahdo Produções Cinematográficas importou diversos filmes de longa metragem e os distribuiu no mercado. Os primeiros foram de bang-bang, gênero que fazia grande sucesso. Foi nesse momento que surgiu a ideia de montarem a empresa exibidora de cinema. As primeiras projeções aconteceram dentro de casa, com pequeno projetor e plateias formadas por amigos e familiares. Anos mais tarde, a família Lahdo tornou-se uma grande exibidora, com salas distribuídas nos estados do Paraná e São Paulo, além do Mato Grosso, chegando a um total de quinze.
Em Campo Grande, os Lahdo construíram os cines Acapulco e Jalisco. Naquele período não foi possível a eles o domínio do mercado, haja vista que já se encontrava instalada na cidade a Empresa Teatral Pedutti, a qual possuía mais de uma centena de salas espalhadas pelo país. O mini-cinema cultural Jalisco, inaugurado em 1969, um ano antes do Acapulco, tinha 153 lugares e realizou o primeiro Festival de Cinema do Estado. Com capacidade para quase 700 pessoas e um palco de apresentações, o Acapulco, que funcionou na Rua 26 de Agosto, foi sede de exibição de grandes produções, entre elas o filme Love Story (1970), em cartaz por três meses com sessões lotadas. Outro filme com bom público foi O Exorcista (1973), batendo recordes e ficando em cartaz por seis meses, com quatro sessões diárias.
Em 2000, o cine Acapulco foi incendiado. As causas desse fatídico incidente ainda são desconhecidas. Naquele ano, o Acapulco já estava com suas portas fechadas havia mais de uma década. Foi exatamente no dia 28 de fevereiro de 1983 que a família Lahdo fechou, simultaneamente, todas as salas de cinema de sua propriedade. Um dos motivos foi o alto custo para mantê-las.
Na década de 1960, mais especificamente no ano de 1967/68, período de ditadura militar, Mato Grosso do Sul viu nascer o movimento cineclubista que tomou para si um sentido de contestação, aderindo às políticas públicas de democratização do acesso à cultura e, em especial, à cultura do audiovisual.
Maria da Glória de Sá Rosa, também conhecida como Professora Glorinha, acompanhou o crescimento desse movimento nos outros estados brasileiros e foi quem organizou e fundou o Cineclube de Campo Grande. Sem nunca ter estrutura física própria, ele funcionava pela “paixão dos cineclubistas”. Por isso, o lema desses cinéfilos era “uma ideia na cabeça e um projetor 16 mm nas costas”. As projeções podiam ser feitas até mesmo em telas de lençol, isso o tornava itinerante. As reuniões aconteciam na casa dos cineclubistas, nos salões dos colégios localizados no centro e também nas dependências da Faculdade Dom Aquino de Ciências e Letras. Além das exibições, o Cineclube abrigava cursos de cinema. Dessa maneira os participantes tinham a oportunidade de estudar as técnicas e o funcionamento das produções, começando neste momento a surgirem os primeiros cineastas do estado.
Durante o período de ditadura militar, os cineclubes representavam focos de resistência. Eram espaços onde se discutiam filmes proibidos, que não eram mostrados em outros locais, além de produções vindas da Itália, da França e de países da América Latina.
Graças ao movimento cineclubista, muitas pessoas deixavam de fazer atividades ligadas ao comércio para se dedicar a atividades de mobilização, mudança de consciências e formação de opinião. Em Campo Grande, todo o dinheiro arrecadado com as exibições dos filmes era utilizado para pagar o aluguel e o transporte dos filmes. As sessões eram divulgadas através de panfletos xerocopiados, obtidos gratuitamente com os “patrocinadores”. O dono da primeira casa de fotocopiadora de Campo Grande liberava para o Cineclube uma cota, por mês, de cópias que eram distribuídas nas universidades e nos barzinhos frequentados por intelectuais. As rádios e TVs também divulgavam as sessões. O lambe-lambe (colação de cartazes nos postes da cidade) também era feito pelos cineclubistas.
No auge do movimento foram montados dois espaços na periferia de Campo Grande para as atividades do Cineclube: no bairro Nova Lima, loteamento de chão batido e de terra vermelha, com poucas famílias, e no bairro São Benedito. Para esta população extremamente carente o cinema era algo fantástico, e o Cineclube foi o primeiro contato com a arte. Conhecer o cinema era algo mágico, pois não havia televisão nem telefone, apenas o teatro escolar, sempre improvisado.
Em 1981, quando o Cineclube de Campo Grande funcionou no Sindicato da Construção Civil, o projetor era colocado em cima de um armário de arquivo e as sessões aconteciam sempre à noite. Um horário difícil para as crianças, mas mesmo assim a molecada enchia as sessões e os cineclubistas eram obrigados a deixá-las assistir aos filmes, por vários motivos: um deles era o fato de formarem o público mais fiel do Cineclube. Mas, além do horário, outro problema era a carência de filmes infantis.
Nessa época surgiu a ideia de montar o Núcleo de Cinema de Animação de Campo Grande. O Núcleo recebeu abrigo no Centro Cultural e coincidentemente foi inaugurado junto com o espaço, presidido por José Octavio Guizzo, um cinéfilo que fomentou a atividade cinematográfica no estado.
Para fazer animação, o núcleo optou pelo “Single 8”, uma película diferente da 16mm utilizada no Núcleo de Campinas. Com o “Single 8” era possível realizar todo o processo de produção em Campo Grande. Já os filmes em 16mm exigiam uma moviola especifica para edição, e este equipamento na época só existia fora do estado.
Já na década de 1980, Campo Grande entra numa nova fase. O cinema deixa de ser o único espaço de lazer, a televisão invade as casas de forma avassaladora, os bares e boates se transformam nos espaços mais frequentados. Mesmo assim as salas de cinema resistem, em menor quantidade, mas sempre proporcionando experiências da imaginação, como é o caso do CineCultura, considerado ponto de encontro dos amantes da sétima arte.
Hoje localizado na avenida Afonso Pena, o CineCultura teve seu primeiro endereço no antigo museu Dom Bosco, localizado na rua Barão do Rio Branco. O espaço é histórico, não só porque abrigou o CineCultura, mas também porque foi sede da 1ª Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul. E por abrigar uma casa de Leis, quando o cinema foi criado as cadeiras já estavam postas, o que em parte facilitou sua instalação. Foram necessárias apenas adaptações como o abafamento acústico, a construção da tela e da cabine de projeção, instalação de equipamento e adequação da antiga recepção num Café.
O CineCultura nasceu da necessidade de um espaço em Campo Grande para exibição de filmes de arte. A primeira sessão, que aconteceu em maio de 2002, com o filme O Invasor (2001), teve um fato inusitado: o projetor, antigo e há muito tempo sem uso, pifou no meio da sessão. O equipamento havia sido adquirido de um pastor que, por sua vez, havia comprado um prédio onde funcionou um cinema. Como o projetor não era utilizado no templo religioso, ficou parado por muito tempo, sem manutenção. Apesar de ter passado por uma cuidadosa revisão, acabou parando no meio da projeção. Felizmente, o projecionista conseguiu resolver o problema e exibir o filme até o final.
Desde a inauguração, o CineCultura mantém o compromisso com a pluralidade estética da cinematografia nacional e internacional. O espaço exibe os mais diversos filmes e estes geralmente não participam da lista dos blockbusters.
Outro espaço dedicado à sétima arte que resiste é o Cine Campo Grande, instalado na Rua 15 de novembro, entre as ruas Rui Barbosa e Pedro Celestino, pertencente à Cinematográfica Araújo. As duas salas inauguradas na década de 1980 resistem no centro com um bom número de frequentadores, apesar da concorrência do complexo Cinemark existente no principal shopping da cidade.
Considerada uma sala popular, o Cine Campo Grande é bem frequentado por três motivos. Primeiro: acesso facilitado, pois está localizado na área central da cidade. Segundo: exibe filmes que estão na lista dos blockbusters. Por último, pelo baixo preço dos ingressos. O Cinemark, espaço de exibição cinematográfica mais frequentado em Campo Grande, foi inaugurado em novembro de 1999. É um multiplex que oferece várias opções da cinematografia mundial em salas confortáveis.
Pesquisando a história dos espaços de exibição em Campo Grande é possível perceber que hoje, quase 100 anos após a primeira exibição, a realidade é outra e, apesar das salas de cinema não serem mais os principais pontos de encontro, a despeito de toda tecnologia e toda facilidade de acesso, o fato de irmos ao cinema é o que torna a atividade cinematográfica viável e o escurinho do cinema ainda é um território mágico de imaginação.
Nota do blog: A imagem que ilustra o post mostra o Cine Alhambra, na Avenida Afonso Pena.

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