80 Razões Para Detestar o Natal - Marcos Nogueira
Artigo
O panetone murcho. A rabanada oleosa. O espumante doce. O
tender doce. A farofa doce. O arroz doce que não é sobremesa. O peru sem gosto
de nada. O lombo árido. Passar a meia-noite com a família da esposa. Ou pior,
passar com a própria família. O tio reaça. O primo reaça. O sobrinho reacinha.
Os rojões do vizinho demente. Quebrar nozes. Comer nozes nos doces. Comer nozes
nos salgados. Descascar castanhas portuguesas até sangrar embaixo da unha. Os
filmes cretinos reprisados na TV. No telejornal do almoço do dia 24, a notícia
de que já Natal na Austrália. A vinheta de fim de ano da Globo. A árvore de
Natal do parque Ibirapuera. O trânsito causado pela árvore de Natal do parque
Ibirapuera. A rua Normandia. A Disneylândia natalina de Gramado. Doces com
ameixa. Doces com damasco. O Bolsonaro com gorro de Papai Noel. O Bolsonaro sem
gorro de Papai Noel. Os santos do pau oco. A metamorfose do supermercado, que
faz surgir tender e panetone onde antes havia comida. A muvuca no supermercado.
A muvuca no shopping. Estacionar no shopping. O shopping. O infeliz suadão, de
pijama vermelho e barba postiça, que faz um bico no shopping e pega seu filho
no colo. A trilha sonora do comércio. A música da Simone. O maldito do John
Lennon, por ter composto a música da Simone. As matérias requentadas do jornal.
A maratona de retrospectivas inúteis. Papai Noel descendo de helicóptero em
algum estádio nos cafundós do Brasil. A padaria fechada. O boteco fechado. O
restaurante fechado. Tudo fechado na cidade. O sumiço dos táxis. O preço (abre
aspas) dinâmico (fecha aspas) do Uber. Os concidadãos bêbados. Os concidadãos
bêbados que pegam o carro e vão fazer merda na rua. O tio do pavê. O jovem
lacrador que faz piadas dignas de tio do pavê sobre o tio do pavê. O pavê.
Fingir que gostou do pavê. As frutas cristalizadas. As frutas secas. As frutas
em calda. O salpicão. O frango defumado. O vinho do porto ordinário que o pai
abriu no Natal de 1983 e ainda serve como se fosse um tesouro. A mãe dizendo
que você engordou. O fato de ser verdade o que a mãe disse. Desembaraçar os
fios do pisca-pisca da árvore de Natal. O amigo secreto. A troca de presentes
sem amigo secreto, que sai muito mais cara. Os presentes sem serventia. Usar a
camisa medonha que o tio deu no Natal passado, porque a mãe pediu para você
usar. Precisar sorrir. A geladeira lotada, que não gela a cerveja direito. O
primo mala, que rouba as cervejas que você escondeu no freezer. O outro primo
mala, que tira as cervejas da geladeira para colocar o refrigerante de 2
litros. A sobremesa indecifrável que a tia trouxe num tupperware. A visita que
nunca vai embora. A carona que não te deixa ir embora da casa dos outros. A
after party da depressão. Acordar de ressaca. O sorvete de panetone. O panetone
de sorvete. As 500 modalidades criativas de panetone gourmet. Almoçar os restos
da ceia no dia seguinte. Alimentar-se dos restos da ceia pelo resto do ano. Por
último, mas não menos importante, as montanhas de louça suja.
E olha que eu não falei das uvas passas.
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