domingo, 22 de dezembro de 2019

Hotel dos Estrangeiros / Grand Hotel des Etrangers, 1902, São Paulo, Brasil




Hotel dos Estrangeiros / Grand Hotel des Etrangers, 1902, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia - Cartão Postal



Quem caminha pela Rua Líbero Badaró saindo da Av. São João em direção à Praça do Patriarca passa ao lado de uma travessa estreita à esquerda, que dá para a Rua São Bento. É a Rua Miguel Couto, que já se chamou Beco da Lapa, devido a um nicho com a imagem de N. S. da Lapa que lá existia numa casa na esquina da Rua São Bento. Chamou-se também Travessa do Grande Hotel. É esta rua que aparece na foto e vou contar a historinha do prédio à esquerda.
Em 1894 ele estava em construção, um edifício com três pavimentos medindo 25 metros pela R. Líbero Badaró e 60 metros pela Rua Miguel Couto, onde era sua entrada principal. Nessa época o endereço era Travessa do Grande Hotel, 12. Pertencia a Jorge de Oliveira Guimarães, importante comerciante e capitalista. Mas em julho daquele ano sua empresa, Guimarães & Companhia, faliu e como o prédio fazia parte da massa falida, foi a leilão no ano seguinte.
Adquirido por Antonio Penteado, também capitalista e fazendeiro, a construção foi finalizada e alugada a Domingos Marsicano que aí instala o Grande Hotel Bristol. Foi inaugurado em 17 de maio de 1897 com grande pompa, banquete, banda da Brigada Policial, discursos, etc.
Para os padrões da época era um bom hotel, com uma escadaria de mármore, espelhos, 36 dormitórios, um grande salão de banquetes, quatro salas privativas para refeição, iluminação a gás com lâmpadas Auer (que apesar do nome pomposo nada mais é do que o conhecido lampião com camisinha usado em acampamentos), etc.
Um ano depois, em 12 de maio de 1898 Marsicano vende o hotel para José Fasoli e Humberto Biagelli. O primeiro já era hoteleiro, proprietário do Hotel Fasoli na Rua da Estação, atual Rua Mauá, o qual fora vendido em fevereiro daquele ano. Biagelli era proprietário do Restaurante Paulistano, na R. São Bento, 74. O nome do estabelecimento foi então alterado para Grande Hotel da Europa, (Nada a ver com o antigo Hotel da Europa de Carlos Schorcht na Rua XV de Novembro). Após uma reforma inaugura-se o novo hotel em 14 de maio de 1898.
Mas o negócio não prosperou por muito tempo. Os bens do hotel estavam empenhados a Giacomo Gaudino que, em 21 de setembro de 1900, levou tudo a leilão. Mas houve um interessado em arrematar todos os bens do hotel, Lando Luigi que continuou o negócio até novembro de 1902, quando encerrou-se a história deste hotel, Lando Luigi o leiloou.
Mas o prédio não ficou vazio, pois logo no mês seguinte, o edifício de três pavimentos recebeu outro hotel. Bem… Hotel só no nome, e inicialmente pomposo: Grand Hotel des Etrangers. Mais tarde viria a ser conhecido apenas como Hotel dos Estrangeiros. No final da tarde de 31 de dezembro a proprietária avisava a imprensa da inauguração do bar e do restaurante de seu hotel. A proprietária era Maria Filiberti, nas palavras de um cronista da época, “uma avantajadíssima italiana que desprezava ostensivamente o regime para emagrecer. As pensionistas deste hotel eram artistas de café-concerto, coristas e bailarinas de companhias líricas e operetas, ou ainda mundanas cariocas que procuravam as boas graças dos comissários de café e argentários de S. Paulo”.
Mme. Filiberti, como era conhecida, havia sido proprietária de um restaurante à R. São Bento, 58 que encerrara em 1897. Depois montou o Restaurant et Bar de la Floresta, um lugar retirado na Ponte Grande, mais ou menos onde no futuro se instalaria o primeiro estádio do São Paulo Futebol Clube e o Clube de Regatas Tietê. Local bastante apropriado para encontros discretos.
Era sócia de Mme. Filiberti outra conhecida personagem, Lina Angeleri, mais conhecida como Bianca Perla. Esta saiu da sociedade em 1914, pois já estava estabelecida com sua Pensão Chic na R. Xavier de Toledo, 11. Uma das várias pensões alegres da época.
Não foi à toa que Hilário Tácito classificou o Hotel dos Estrangeiros como um dos palácios da luxúria mais cotados daqueles tempos e aí situou o começo da carreira de sua personagem, a cafetina Mme. Pommery, no romance do mesmo nome.
O Hotel dos Estrangeiros aí permaneceu até 1916 quando o prédio passa por uma reforma levada a cabo por F. P. Ramos de Azevedo e deixa de servir como bordel de luxo e passa a funções mais sérias, passa a ser a sede da Universidade de S. Paulo.
Antes que algum historiador Uspiano pense que eu utilizei alguma substância que inutilizou definitivamente meus poucos neurônios, é bom esclarecer logo que não tem nada a ver com a atual USP, formada em 1934.
Existiu uma Universidade de S. Paulo fundada em 1911 pela iniciativa particular e com o apoio do Estado e do Município de São Paulo. Começou a funcionar efetivamente em maio do ano seguinte e sua sede ficava na Rua Bento Freitas, 60 e, em 11 de setembro de 1916 foi transferida para o edifício em questão.
Aqui funcionavam além da Reitoria, Secretaria, etc., também os gabinetes de Física, Mineralogia, Botânica e Anatomia com seus respectivos laboratórios e aulas teóricas. O amplo salão originalmente de banquetes, no caso do Hotel Bristol e bailes alegres, no caso do hotel dos Estrangeiros, era usado para as aulas públicas que foram realizadas regularmente desde 1914.
Porem este foi o último ano de existência da primitiva Universidade de S. Paulo, pois por questões burocráticas e talvez políticas, acabou sendo extinta em 1918. Dizem que teve dedo da Bucha, a antiga sociedade secreta da Faculdade do Largo São Francisco, nesse assunto.
Em 1920 no antigo edifício instalou-se a empresa campineira João Jorge, Figueiredo & Comp. e desde então o edifício teve funções comerciais e financeiras, como a maioria dos outros na região. Sobreviveu até a década de 1960 quando foi substituído pelo envidraçado e moderno edifício que ali se localiza. O apressado paulistano que hoje passa pela Rua Líbero Badaró, mal imagina que esta esquina já hospedou convidados ilustres de outros continentes, presenciou festanças sapecas, sirigaitas levando o dinheiro dos coronéis e também viu destruído o sonho e o trabalho de seis anos de cientistas, professores, pesquisadores e outros profissionais de formar a primeira universidade paulista.

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