Ferrari GTC4Lusso V8, Itália - Jeremy Clarkson
Fotografia
Eu não consigo tirar a grande Ferrari GTC4Lusso da minha
cabeça. Ela está me deixando louco. Há quase dez anos, eu prometi a mim mesmo
que nunca compraria um carro exótico de novo.
Eu já tive Ferrari, Lamborghini e Ford GT, e pensava já
estar curado disso. Eles são chamados carros dos sonhos por uma boa razão.
Porque eles são idiotas demais para o mundo real. Barulhentos demais.
Ostentosos demais. Nada práticos demais.
Eles não são carros para os brilhantes ou eminentes.
São carros para o homem que quer mostrar a seus vizinhos
que sua nova empresa atacadista de tapetes está indo bem. E que sua próxima
compra será um par de leões de pedra para ornamentar o portão da garagem.
E a GTC4Lusso tem ainda outros problemas. Eu já fiz
uma avaliação dela antes por aqui, há coisa de um ano, quando
apontei que a tração nas quatro rodas é estúpida, o motor V12 é desnecessário e
a largura do carro é risível.
Além disso, conheço uma pessoa que comprou uma e em quatro
meses perdeu 50.000 libras em desvalorização.
E, a despeito de tudo isso, ela continua a corroer minha
alma, porque eu me imagino usando-a para ir até meu barco no sul da França. Eu
sei que é ridículo, porque obviamente eu iria de avião.
Ninguém gosta de ficar sentado em uma rodovia altamente
policiada por dez horas, não importa em que carro esteja. E, além disso, não
tenho um barco.
Não posso sequer sonhar de forma sensata em usar uma
GTC4Lusso quando chegar ao sul da França, por causa daquela manhosa sequência
direita-esquerda para passar pelo arco perto do porto de Antibes – o carro
simplesmente não cabe ali.
Eu teria de parar em um estacionamento e pegar um ônibus.
Argh!
Porém, estou falando de uma perua esportiva Ferrari.
Quatro bancos confortáveis. Um carro de passeio silencioso que rosna e salta à
vida quando você o cutuca com uma vara.
E eu sabia que, se fosse um pouquinho paciente, ia
aparecer uma versão V8 de tração só na traseira.
Bem, eis ela aqui: e é uma quebra de paradigma. Em geral,
um cliente não pode escolher que motor ou câmbio é instalado em uma Ferrari.
Mas na GTC4Lusso você pode. E não tenha dúvida: só tem uma resposta.
A versão T tem um V8 biturbo que produz 612 cv, ou seja,
78 cv menos do que o V12. Mas como a T é mais leve, o desempenho de ambas é
quase igual.
Sim, o V12 tem um som ligeiramente mais bonito no limite
da faixa de rotações, mas o V8 consome menos. E tem mais…
A versão V12 não é um carro empolgante de dirigir. Ela
passa uma sensação – ouso dizer – de ser um pouco desajeitada.
Não é como tentar colocar um cadáver gordo no porta-malas
de um Ford Focus, mas também não é como contemplar uma pena sendo levada por
uma suave brisa de verão.
Já a V8 é simplesmente maravilhosa. Ao contrário da V12,
ela não parece desajeitada. Você vira o volante e sente imediatamente aquela
delicadeza Ferrari, uma sensação que nenhuma outra marca consegue igualar.
Parte disso é consequência, eu sei, do sistema de quatro
rodas esterçantes, que eu acho um pouco tolo – ele deixa os passageiros do
carro enjoados e oferece ganhos de velocidade desprezíveis –, mas outra parte é
resultado da ausência da tração nas quatro rodas.
As rodas dianteiras podem apenas fazer o trabalho delas.
Eu adorei dirigir este carro.
E ela derrapa? Ela se agarrará à vida, mesmo se estiver
despencando água do céu e você estiver dirigindo como um louco com as calças
pegando fogo? Sim, é claro.
Eu desliguei o controle de tração e provoquei uma saída
de traseira em uma rotatória e, embora tenha parecido que eu estava fazendo
drifting em um navio, ela se mostrou tão controlável quanto um Subaru Impreza.
Mas é claro que a GTC4Lusso T não é para isso. Você nunca
a verá em um track day ou rasgando por avenidas desertas às 2 da
manhã. É um carro espaçoso. Tem até um largo parapeito de janela no qual você
pode descansar seu braço enquanto passeia.
E você vai mesmo passear, porque ela é silenciosa,
civilizada e tem uma suspensão alegremente macia. Você até pode chamá-la de
sossegada. E ninguém tinha falado isso de uma Ferrari até agora.
O banco do motorista é um lugar agradável para ficar.
Tudo parece ter sido montado com esmero. Ela também é divertida.
Como opcional, a Ferrari instala à frente do passageiro
dianteiro uma segunda tela, configurável de acordo com seu gosto. Tocar
músicas. Ver a rotação do motor. Conferir a velocidade. A única coisa que falta
é um karaokê.
O motorista conta com o mesmo tratamento, mas
infelizmente não conseguirá usar qualquer um dos recursos, pois os controles,
juntamente com aqueles dos faróis, limpadores de para-brisa e setas de direção,
estão todos no volante.
Então, ele vai dirigir gritando “Onde está a p… do botão
do farol?” Colocar botões na única parte do interior do carro que se move é uma
ideia idiota, porque quer dizer que nada está onde você deixou.
E eu não me importaria, mas a Ford fez exatamente a mesma
coisa no seu novo supercarro GT. Loucura.
E para piorar as coisas na Ferrari – quando você estiver
colocando seus óculos para encontrar o botão certo, que agora está à esquerda
porque você está fazendo uma curva – não estará olhando o velocímetro…
Todo carro tem um ritmo no qual ele se “acomoda” melhor
na rodovia, quando você não está concentrado. Um Porsche 911, por razões que
ninguém conhece, fica mais feliz a cerca de 90 km/h.
Um Mini Cooper está no seu melhor em torno de 160 km/h.
Já a Ferrari se acomoda a 190 km/h. O que quer dizer que você precisa ficar bem
atento ou vai acabar na traseira de um ônibus.
Mas isso é só um detalhe. E em um país iluminado em que
velocidade não seja vista como um crime, não é problema.
O único problema real que eu consegui encontrar foi com
os freios. Sendo de cerâmica de carbono, eles não funcionam de verdade quando
estão frios.
Mas isso não foi o suficiente para eu me preocupar, pois
graças à nova versão V8, muito melhor, o assalto da GTC4Lusso ao meu bom senso
subiu uma marcha. Eu realmente amaria ter um carro desses. Por uma única razão:
ele é maravilhoso.
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